Ulysses Guimarães foi um símbolo da luta pela democracia no Brasil que ajudou a redigir a Constituição de 1988. Ele e outros líderes da época colocaram os interesses do país acima de tudo e deixaram um legado de fortalecimento das instituições democráticas e da inclusão social. Infelizmente, esses ideais têm sido abandonados recentemente no Brasil.
Coluna do Senador Aécio Neves da Folha - BNDES com transparência
Homenagem a Ulysses Guimarães e sua luta pela democracia
1. Ulysses
Coluna do senador Aécio Neves na Folha de São Paulo, em 22 de outubro de 2012
Os brasileiros lembram neste mês, com reverência, os 20 anos do desaparecimento de Ulysses
Guimarães. Ele foi e será sempre símbolo da luta pela democracia e pela justiça social, que
encontra sua melhor tradução na Constituição.
Guardamos para sempre sua imagem histórica erguendo o primeiro exemplar e anunciando a
“Constituição Cidadã”, trazendo luz ao país após um longo período de sombras.
Ulysses conviveu com uma singular geração de homens públicos. De Tancredo, como dizia
Tales Ramalho, era parceiro em uma dança da qual só eles conheciam os passos. Os dois
lideraram alas distintas da oposição e agiam de forma complementar, ciosos da necessidade
de manter a coesão em torno do fundamental desafio daquele tempo: vencer o regime de
exceção. São dois grandes exemplos da dimensão ética e transformadora que a ação política
pode ter.
Eram líderes leais ao Brasil, honravam a palavra dada e colocavam sempre o interesse do país
cima de quaisquer outros.
Permitiu o destino que, anos depois, eu me sentasse na cadeira de Ulysses, na Presidência da
Câmara dos Deputados, e não foram poucas as vezes em que, para tomar decisões complexas,
me inspirei no velho timoneiro. Foi nesse período que, com o apoio de diferentes forças
políticas, acabamos com a imunidade parlamentar para crimes comuns e criamos na Câmara o
conjunto de medidas que ficou conhecido como Pacote Ético.
Dr. Ulysses e sua geração nos deixaram um denso legado. A defesa das razões de Estado, o
fortalecimento das instituições, o adensamento da democracia e o compromisso com a
Federação criaram uma realidade nova e permitiram que mais adiante pudéssemos continuar
avançando com a estabilidade econômica e a inclusão social de milhões de brasileiros.
Lamentavelmente perdemos essa ideia-força -o sentido da construção nacional como tarefa
coletiva e dever de todos. Acabamos reféns de um modelo que substituiu o projeto de país por
um projeto de poder. As grandes reformas foram abandonadas. As pontes construídas no
passado em torno das causas nacionais sucumbiram a um ciclo de governo que apequenou-se
e tenta reescrever a história de forma quase messiânica, como se o Brasil do nosso tempo
fosse obra de poucos e tivesse sido fundado ontem. Não foi.
Por tudo isso, é importante que as novas gerações conheçam as convicções, o espírito público
e a grande generosidade com que o doutor Ulysses sempre trabalhou pelo Brasil. E
reconheçamos aqueles que, com coragem, lucidez e coerência, nos ensinaram que é possível
sempre semear um novo país. A memória pode ser um eficaz antídoto à descrença e ao
desalento que vemos hoje nos brasileiros em relação à política.