O livro escrito pelo professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Samuel de Jesus, analisa a tipologia social e a ideologia que permitiu a ascensão de J. B., ao poder, ou seja, o bolsonarismo na figura do "cidadão de bem". Reúne textos que sobre o período da ditadura militar, sobre fatos passados que ecoam sobre o nosso triste presente presente.
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UMA PUBLICAÇÃO DA
Editora Oeste
www.editoraoeste.com.br • editoraoeste@hotmail.com
Campo Grande • Mato Grosso do Sul
ISBN 978-85-45584-14-8
Tiragem: 50 exemplares.
1ª Edição - Ano 2019
Obra aprovada pelo conselho editorial da Editora Oeste
através da Resolução n. 114/2019.
CONSELHO EDITORIAL
Drª. Alda Maria do Nascimento Osório / UFMS
Drª. Alexandra Ayach Anache / UFMS
Dr. Amaury de Souza / UFMS
Dr. Antônio Carlos do Nascimento Osório / UFMS
Drª. Carla Dupont – Vercors, França
Drª. Eurize Caldas Pessanha / UFMS
Drª. Fabiany de Cássia Tasvares Silva / UFMS
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Me. Horacio Porto Filho / UTCD-PY
Dr. Leo Dayan – Univ. de Paris 1 – Sorbonne
Dr. Luiz Otavio Saraiva Ferreira / UNICAMP
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Drª. Maria Dilnéia Espindola Fernandes / UFMS
Drª. Myrna Wolf B. dos Santos / UFMS
Drª. Regina Tereza Cestari de Oliveira / UCDB
Drª. Soraia Napoleão de Freitas / UFSM
Drª. Silvia Helena Andrade de Brito / UFMS
Drª.Tatiana Calheiros Lapas Leão / SED-MS
8. A IDEOLOGIA DO “CIDADÃO DE BEM”
Cidadão, quem?.
....................................................9
O “cidadão de bem” na teoria.
.................................. 13
A greve dos caminhoneiros e a luta pela narrativa.
........... 15
A moral dos pobres.
............................................20
“Cidadão de bem” e armado..................................... 24
Quem são eles?.................................................. 28
O Antipetismo....................................................30
Bibliografia...................................................... 32
A DITADURA REVISITADA
As condicionantes para o surgimento dos Estados
Militares na América Latina.
.................................... 37
Os militares de esquerda contra a ditadura...................40
Relações extra-oficiais entre EUA e Brasil (1964-1980).
...... 51
Caparaó: a gênese da guerrilha no Brasil.
.................... 62
...ainda a tutela militar.
......................................... 71
Sumário
9. Universidade e Forças Armadas: o caso da ABED............ 82
No marco das desconfianças entre civis e militares:
2003-2004: XXIX ANPOCS e a criação do GT Forças
Armadas, Estado e Sociedade (2005)...........................89
No marco das confianças: Livro Branco de Defesa e a
Universidade Brasileira: o caso da ABED..................... 92
A luta pela narrativa histórica em tempos de
ataques à democracia.......................................... 104
Ascensão do Bolsonarismo....................................1
15
12. 9
Cidadão, quem?
Segundo José Murilo de Carvalho (1995) a construção da democra-
cia brasileira colocou em voga a palavra cidadania. Na retórica política, esta
palavra substituiu o termo povo. A afirmação: “a cidadania quer” indica que
ela foi transformada em gente, ou seja, é como se a palavra cidadania tivesse
ganhado relativa individualidade. Neste momento nutrimos a ilusão de que,
apenas, bastava democratizar as instituições para alcançarmos a felicidade
nacional, no entanto, problemas como a violência urbana, desemprego, as-
sim como a falência da educação pública, serviços de saúde e saneamento,
exclusão, a permanência dos contrastes sociais persistem e ameaçam com-
prometer o tecido social. Ao contrário do que afirmou em 1995, hoje ocorre
a descrença no sistema democrático e isto gerou o saudosismo dos tempos
da Ditadura Militar (1964-1985).
Segundo J. M. de Carvalho, o cidadão pleno seria o indivíduo que pos-
sui o direito à vida, a liberdade, propriedade e igualdade. Os indivíduos
que não possuem estes direitos seriam considerados não-cidadãos. Os cidadãos
incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns destes direitos. A partir
dessa premissa podemos imaginar que o termo cidadania não é homogêneo
e quando mencionamos esta palavra é preciso compreendermos que não
estamos falando de todos os membros de uma cidade, mas de uma camada
social específica. A natureza histórica da cidadania se desenvolveu como
um fenômeno histórico, por exemplo, o termo cidadania surgiu de um sen-
timento de pertencimento, uma identidade nacional que se deve a fatores
como a língua, religião, sobretudo a coesão gerada pelas lutas e guerras
contra inimigos comuns. (CARVALHO, 1995)
13. 10••• Ideologia do “cidadão de bem”
Samuel de Jesus
No caso do Brasil, de 1500 a 1822, tínhamos (e temos) um territó-
rio continental dotado de uma unidade territorial, cultural, linguística e
religiosa, no entanto perdurou uma população analfabeta, uma sociedade
escravocrata, uma economia monocultora, latifundiária, praticamente um
Estado Absolutista e quando chegamos à independência, não existiam ci-
dadãos e patriotas. Para J. M. de Carvalho o fator mais danoso ao nasci-
mento da cidadania foi, sem dúvida, a escravidão. Na época da indepen-
dência estima-se que o Brasil teria em torno de um milhão de pessoas
feitas escravas. A escravidão e a grande propriedade foram os elementos
impeditivos para a constituição da cidadania, para a formação de cidadãos.
Os homens livres não poderiam ser considerados cidadãos, pois eram de-
pendentes dos grandes proprietários, assim eram desprovidos dos direitos
civis. Os grandes proprietários, ou os senhores, também não poderiam
ser chamados de cidadãos, apesar de serem livres e gozarem de direitos
políticos, faltavam-lhes o sentido da cidadania, ou seja, o sentido de igual-
dade de todos perante à lei, pois exercia o poder privado em suas fazendas.
(CARVALHO, 1995)
Para Botelho e Schwarcz (2012, p. 12) cidadania é noção construída cole-
tivamente e ganha sentido nas experiências tanto sociais quanto individuais, e por isso
é uma identidade social. A cidadania assume um aspecto de identidade social
construída socialmente. No caso do Brasil se refere aos aspectos relativos à
inclusão ou exclusão social.
Ser detentor legítimo de direitos e obrigações sugere, em pri-
meiro lugar, que cidadania sempre envolve uma dinâmica de
inclusão e exclusão, suas reivindicações são sempre reivindi-
cações de inclusão no usufruto de direitos, e se criamos crité-
rios para incluir alguém estamos, necessariamente, também
excluindo outros. Isso é importante para que se perceba como
o discurso que cria os atributos de um bom cidadão, do “cida-
dão virtuoso”, ao mesmo tempo o distingue e cria, por con-
traste, um “outro”, cujas práticas e valores podem ser estig-
matizados e identificados como “maus” ou “não” cidadãos.
Assim, por exemplo, se o “bom” cidadão paga impostos pontu-
almente, já sabemos como identificar aqueles que não o fazem.
(BOTELHO & SCHWARCZ, 2012, p. 11, 12)
14. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 11
ECOS DO AUTORITARISMO
Imagina-se que o cidadão é aquele recebedor dos benefícios do
Estado. Desta forma a cidadania seria conferida por nascimento ou por
consentimento, ou seja, é o único que recebe a proteção do Estado, no
entanto existem diferentes tipos de cidadãos: o cidadão “oprimido”, “iso-
lado” e “pluralista”, por exemplo, o cidadão oprimido seria o indivíduo
que possui pouquíssima proteção do Estado e o isolado é aquele pro-
tegido pelo Estado, mas decide não participar das decisões políticas.
(BOTELHO & SCHWACZ, 2012).
Se Gilberto Freyre e Casa Grande & Senzala fizerem algum sentido
para o presente, perdura entre nós um abismo social que separa os bairros
suntuosos e a periferia. Quando estamos falando em cidadão, falamos de
um sujeito pertencente a uma elite que possui a cidadania, ou seja, tornou-se
um privilégio e podemos identificar a impossibilidade de concebermos a
cidadania como algo que é para todos/todas, pois alguns são mais cidadãos
que outros.
Colocada desta forma o termo cidadania assume uma forma ideológi-
ca, afinal sua historicidade indica uma verticalidade social. A partir desta ti-
pologia podemos considerar a existência do cidadão de bem. O Golpe de 2016
foi sustentado por este tipo social. O termo é tão excludente que, não por
acaso nos referimos semanticamente ao homem: “O” cidadão de bem e não
“A” cidadã de bem, torna-se um termo masculinizado, conservador, machista.
No dia 03 de abril de 2018, um dia antes de o Supremo Tribunal Fede-
ral tomar decisão sobre a concessão de habeas corpus ao ex-presidente Lula, o
General Eduardo Villas Bôas escreveu em seu twitter: “Asseguro à Nação que o
Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à
impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantem
atento às suas missões institucionais”. Seu gesto foi interpretado como um enqua-
dramento do Supremo, ou uma pressão sobre a Corte para que ela negasse
o pedido de Lula, como de fato foi negado.
Afinal, o que queremos dizer quando invocamos o termo cidadão de
bem? Seria o cidadão manso, obediente, pagador de seus impostos que vê
as notícias do dia em um telejornal e sente-se indignado com a corrupção.
Já foi às ruas pedir a intervenção militar para colocar ordem no caos? É
aquele senhor ou senhora que vai a igreja aos domingos, é temente a Deus,
mas defende a comercialização das armas de fogo e votou no candidato de
15. 12••• Ideologia do “cidadão de bem”
Samuel de Jesus
extrema-direita. O mesmo que reúne a misoginia, a homofobia, racismo,
preconceito de origem e difusão do ódio como um antídoto para a cura dos
males sociais?
Se a resposta for sim, teremos um novo tipo político, sobretudo ca-
paz de subverter a democracia, capaz de impor aos governos eleitos as suas
premissas autoritárias. O “cidadão de bem” seria a resultante de fatores que
impossibilitam a configuração plena da cidadania brasileira. Ou seja, a au-
sência de um sentido público, restos da escravidão, da indolência, do patri-
monialismo, estamento, compadrio, cordialidade, coronelismo, populismo,
ou seja, todos os elementos que impediram a emergência do povo como
agente político e permitiu o predomínio do poder privado, do individua-
lismo, do corporativismo que assegurou poderes ao estamento militar, a
oligarquia agrária e ciclos de tirania como o Estado Novo (1937-1945) e a
Ditadura Militar (1964-1985).
O “cidadão de bem” corresponderia a uma parcela da população que
possui uma cidadania relativa e que reivindica sua plenitude de forma con-
servadora e autoritária, por meio de um salvador da pátria como um Napo-
leão Bonaparte, um herói capaz de libertá-los dos grilhões. Esta personagem
promoveria uma incursão para restituir os seus valores morais fundamen-
tais e impô-los ao conjunto da sociedade, a restituir a “ordem” das coisas.
Quando faço uma busca no Google usando o termo “cidadão de bem”,
aparece um texto assinado por Cefas Carvalho, intitulado: Porte de arma para
o cidadão de bem, mas quem é o cidadão de bem? O autor Questiona quais os pa-
râmetros para uma pessoa receber esta denominação. Presume que este seja
o sujeito que paga seus impostos, trabalha sério e com responsabilidade.
Sua antítese são os indivíduos que moram nas regiões periféricas, possuem
pele escura, sofrem carências, são pobres economicamente, assim como os
jovens que dão um “rolezinho” nos shoppings.
16. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 13
ECOS DO AUTORITARISMO
Segundo Foucault para compreender o sujeito “eu” é preciso enxer-
gar os tentáculos do poder, pois o sujeito é fruto de relações de poder e
não de imposição de poderes. Considerando que o sujeito, ou o seu lugar
é um espaço vazio que espera ser ocupado por alguém que possui algu-
mas condições e requisitos. Os sujeitos precisam de um discurso que os
legitime ao ocupar estes espaços. Os sujeitos são reconhecidos pela pro-
dução de seu discurso. O discurso é determinante em relação ao que o
sujeito deve pensar, falar, produzir. É o discurso que define o sujeito.
(CUNHA MOURA apud FOUCAULT, 1999, p. 33)
Foucault (1996, 39) chama de ritual os aspectos visíveis, presen-
tes nas práticas sociais e que define o lugar do sujeito. A partir do apara-
to discursivo os sujeitos começam a construir mitologias. O poder que
gravita no âmbito do discurso assume o caráter de imposição de regras
e condutas “ao outro”. O discurso obedece uma ordem, todos os atos são
controlados por arquétipos, modelagens. A sensação de liberdade ocor-
re pela sensação de inclusão e pertencimento a determinado espaço
como sujeito, ao final o sujeito é sujeitado, ele controla e, é controlado
(CUNHA MOURA apud DELEUZE, 1992, P. 221)
Para Foucault existem três sistemas de exclusão que atingem o discur-
so. A palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade da verdade. Trata-se de
determinar as condições do funcionamento do discurso, impor aos indiví-
duos que os pronuncia um conjunto de regras e assim não permitir que todo
mundo tenha acesso a elas. Desta maneira, ninguém entrará na ordem do
discurso se não satisfazer certas exigências, ou se não for, de início qualifi-
O “cidadão de bem” na teoria
17. 14••• Ideologia do “cidadão de bem”
Samuel de Jesus
cado para fazê-lo. Mais precisamente, nem todas as regiões do discurso são
altamente abertas (diferenciadas e diferenciantes).
Só aparece aos nossos olhos uma verdade que seria rique-
za, fecundidade, força doce (...) ignoramos, em contraparti-
da, a vontade de verdade, como prodigiosa maquinaria des-
tinada a excluir todos aqueles que, ponto a ponto, em nossa
história, procurará contornar essa vontade de verdade e colo-
ca-la em questão contra a verdade, lá justamente onde a verda-
de assume a tarefa de justificar a interdição e definir a loucura.
(FOUCALT, 2004, p. 21).
Segundo Durkheim um dos grandes desafios da ciência está
em superar as noções do fato, pois, muitas vezes, é confundido com
o real. Geralmente estas noções são colocadas como acontecimen-
tos inerentes ou que pertence à “natureza das coisas”, possui a ideia
de “naturalidade” do fato social, tal como uma “verdade inquestio-
nável” dos fatos. Em vez de buscar compreender os fatos adquiridos e realiza-
dos, ela empreende realizar novos, mas conforme aos fins perseguidos pelos homens.
(Durkheim, 2007, p. 18)
Sendo assim a ciência assume um aspecto prático de obtenção de resul-
tados, assim não querem explicações, mas remédios. São idola, fantasmas que nos
desfigura o verdadeiro aspecto das coisas, que, no entanto tomamos como as coisas mesmas.
(DURKHEIM, 2007, p. 18).
Há uma rejeição à busca da verdade. Os documentos não mais impor-
tam e são ignorados, assim como as estatísticas, as pesquisas e os boletins.
A verdade ganhou vários sentidos, os poderes: cada um com sua verdade,
cada um com sua democracia, cada um com a sua ética, cada um com suas
próprias convicções, assim os indivíduos se entrechocam, vence o mais for-
te. Vivemos um vácuo de legitimidade, muitas vezes o consenso é forçado e
os impasses permanecem como cadáveres insepultos da injustiça. A mídia é
a grande construtora de narrativas e embrenha-se na luta pela versão oficial,
há uma luta pela narrativa, uma batalha pelo discurso e no caso da mídia ela
acaba por subverter e se apropriar do discurso, assim criando demônios e
anjos alados, a santificando ou a amaldiçoando personas. Possui a capacida-
de de modelar a opinião pública.
18. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 15
ECOS DO AUTORITARISMO
A greve dos caminhoneiros foi um acontecimento que nos permite
entender como de fato isto ocorre. Em maio de 2018 os caminhoneiros
paralisaram o sistema e ameaçaram colapsar o país, protestavam contra o
aumento do diesel que havia sido indexado ao dólar. No Governo Temer
ocorreram mais de duzentos aumentos sucessivos no preço dos combustí-
veis. Neste momento a imprensa destacava os prejuízos aos cidadãos, sobre-
tudo, gerados pela greve dos caminhoneiros. Os repórteres entrevistavam
as pessoas na fila de ônibus, esperando o transporte público que não vinha,
mostravam as imensas filas nos postos de combustíveis, as prateleiras dos
supermercados em desabastecimento. As pesquisas indicavam que, aproxi-
madamente, 80% dos brasileiros apoiavam a greve dos caminhoneiros. Este
fato gerou desconfianças nos movimentos de esquerda de que a paralisação,
apesar de justa, poderia representar uma nova guinada dos movimentos de
caráter similares à extrema-direita. Sobretudo, tinham desconfianças de que
o movimento foi patrocinado pelos empresários, o que caracterizaria um
lockout. Foi baseado nesta tese que o governo recorreu às forças armadas
para reprimir os caminhoneiros. Os quartéis estavam de prontidão, a Força
Nacional e o Exército agiram para liberar o tráfego.
No país ocorreram movimentos de apoio aos caminhoneiros, dos
grupos de esquerda e de direita. Em Coxim-MS, os patrões fecharam as lojas,
fábricas e foram com seus funcionários apoiar os caminhoneiros. Os tra-
balhadores vestiam o uniforme de suas empresas, assemelhavam-se às tor-
cidas organizadas. Alguns marchavam segurando uma grande faixa pre-
ta com a inscrição em branco: “QUEREMOS INTERVENÇÃO MILITAR”,
A greve dos caminhoneiros e a
luta pela narrativa
19. 16••• Ideologia do “cidadão de bem”
Samuel de Jesus
percorreram as ruas da pequena cidade com mais de 30 mil habitantes e
ao final bloquearam a BR 163 na frente do 47° Batalhão de Infantaria do
Exército com suas faixas e cartazes. Para o grande conglomerado midiáti-
co estes não eram os “cidadãos de bem”, mas sim o indivíduo sem transporte
e abastecimento. Aquele que gostaria de comparecer ao trabalho e voltar
para casa de forma obediente. A imprensa foi surpreendida pelo aumento
de adesão ao movimento e encontrou dificuldades em fazer colar a sua
versão da notícia.
Este movimento autônomo foi formado por proprietários de cami-
nhões que corresponderam a 70% do movimento e profissionais represen-
tados pelas empresas de transporte e logística, aproximadamente 30% do
movimento. A grande diferença nestes dois tipos de caminhoneiros é que
os primeiros reivindicaram o fim da política de preços da Petrobrás que
indexava o preço dos combustíveis à flutuação do dólar no mercado inter-
nacional e o segundo reivindicou, somente, a redução dos impostos nos
preços dos combustíveis como COFINS e CIDE. Na luta pela narrativa,
a imprensa adotou o termo “lockout” para se referir ao movimento. Esta é
uma prática proibida por lei, pois seria uma prática ilegal de união de em-
presários e proprietários que obrigam os trabalhadores a pararem com o
objetivo de prejudicar a economia. A utilização do termo “lockout” permi-
tia neutralizar o discurso do movimento, desqualificá-lo e deslegitimá-lo
perante a opinião pública e também permitiria a repressão ao movimento,
como de fato ocorreu.
Para entendermos o papel político da imprensa ao construir a ver-
são dos fatos é preciso uma volta à teoria. Segundo Silvia T. Maurer Lane
(1985, p. 22, 23, 24) a identidade social e os seus papéis são mediados
ideologicamente, sobretudo ao ponto de conferir uma naturalidade, um
cunho de necessidade e liberdade artificiais. Desta forma, escamoteando
que os papéis sociais são determinados por fatores exteriores ao indiví-
duo, ou seja, são definidos pela produção da vida material, ou a divisão
social do trabalho. É isto, realmente que estabelece nossas preferências,
costumes e ideias.
Para a autora esta questão suscita o problema da consciência em si,
afinal de contas, um espirito questionador poderá nos fazer perceber
que os nossos papéis, identidade e lugar são resultados dessas relações
20. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 17
ECOS DO AUTORITARISMO
de dominação. Contrapõem-se a esta tomada de consciência os grupos
que exercem esta dominação e assim atribuem papéis sociais através
de seus aparelhos ideológicos pra anular, abrandar, amenizar os possí-
veis questionamentos que possam colocar em xeque sua hegemonia.
(LANE, 1985, p. 24)
O jornal O GLOBO de 26.06.2018 publicou análise assinada por José
Ricardo Rocha Bandeira, especialista de Segurança Pública e presidente do
Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, intitula-
da: A greve dos caminhoneiros e suas consequências para a segurança. O autor tentou
construir uma narrativa dos caos na segurança pública, supostamente oca-
sionada pela greve dos caminhoneiros. Afirmou:
Faz alguns dias que o Brasil foi surpreendido pela greve nacio-
nal dos caminhoneiros, que tem causado falta de abastecimento
de gêneros de primeira necessidade como alimentos, remédios
e combustíveis, levando a sociedade a um estado de quase ca-
lamidade. E no que diz respeito à segurança pública, a situa-
ção é ainda mais grave, pois devido à falta de combustível, as
viaturas policiais estarão, muito em breve, sem condições de
realizar o patrulhamento. Como consequência, teremos uma
diminuição na capacidade de repressão policial em todas as
grandes capitais do país, fazendo com que a mancha de crimi-
nalidade se expanda e aumente os índices de violência nas ruas.
(BANDEIRA, 2018).
Esta narrativa midiática lembra o controle pelo medo descrito na obra
de George Orwell, chamada: 1984, ou seja, uma imprensa que difunde o
medo e o caos para vender como solução a utilização do aparato repressivo
estatal e isto, na prática, cria um Estado Policial que utiliza a censura, o con-
trole social como meio para garantir uma falsa segurança a todos.
A revista ISTOÉ publicou artigo em 31.05.2018, assinado por André
Solitto, Cilene Pereira, Giorgia Cavicchioli e Luisa Purchio, com a seguinte
afirmação: VIROU BADERNA! Neste artigo afirmaram que o movimento
era oportunista e afundou o país no caos:
Defensores da volta do regime militar, sindicalistas opor-
tunistas e líderes trabalhistas que pedem a libertação do
21. 18••• Ideologia do “cidadão de bem”
Samuel de Jesus
ex-presidente Lula se apropriaram da greve dos caminho-
neiros e afundaram o País no caos. Os prejuízos econômi-
cos ultrapassam os R$ 75 bilhões e atrasam o crescimento.
(SOLITTO, PEREIRA, CAVICCHIOLI & PURCHIO, 2018).
Neste momento, para a mídia, o cidadão de bem era aquele que gosta-
ria de ir para o trabalho e não conseguia, queria comprar no supermerca-
do, mas não tinham produtos na prateleira para serem vendidos, os que
precisavam de remédios, gasolina, aulas, segurança e não tinham devido
ao lockout, promovido pelos empresários que eram “inimigos” do país, pen-
savam somente em seu interesse corporativo e que deveriam ser punidos,
exemplarmente.
O jornal Folha de S. Paulo de 31.05.2018 reproduziu a fala do Minis-
tro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o título da matéria, assinada por
Angela Boldrini, é uma afirmação deste ministro: ‘Quem paga a conta sempre é
o cidadão’, diz Padilha. Segundo o ministro: “quem pagará pelos subsídios (aos cami-
nhoneiros) é a sociedade brasileira como um todo, já que o governo não fabrica dinheiro,
administra”.
Segundo a matéria da Folha de S. Paulo do dia 10.07.2018, assinado
por Anaís Fernandes, intitulado: “Famílias mais pobres sentem impacto maior de
paralisação dos caminhoneiros nos preços. Inflação para pessoas de renda muito baixa
mais que triplicou em junho, diz Ipea”.
Segundo a matéria:
A inflação entre as pessoas mais pobres representou
alta de 1,5 no mês, mais que o triplo observado em maio,
de 0,41, de acordo com o indicador do IPEA (Institu-
to de Pesquisas Econômica Aplicada) calculado com
base no SNIPC (Sistema Nacional de índice de Preços
ao Consumidor) do IBGE, divulgado no dia 10.07.2018.
(FERNANDES 2018)
Os setores jornalísticos não se mostraram favoráveis à paralisação
dos caminhoneiros como podemos ver neste pequeno apanhado de notícias
sobre o movimento. Todos eles divulgam aspectos negativos da paralisa-
ção, como o aumento do custo de vida, destaca a fala do ministro de que
o conjunto da população que iria pagar a conta. A narrativa deste modo é
22. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 19
ECOS DO AUTORITARISMO
assumida a partir da versão da notícia. A mídia é a grande correia de transmissão
do discurso oficial, difusora das ideias baseadas no senso-comum, assim
como afirma o sociólogo Jessé Souza, a mídia imbeciliza a sociedade. Para o
professor Milton Santos trata-se da violência da informação praticada pelos
veículos da comunicação que, por exemplo, difundem as fábulas do neolibe-
ralismo, tais como a aldeia global, fábrica global. Instituição fundamental para
a projeção econômica de uma elite global que concentra o capital global-
mente, a partir da supressão dos nacionais-desenvolvimentismos, mas isto é
outro assunto que não aprofundaremos aqui.
O tamanho dos conglomerados de comunicação e sua concentração
em torno de pouquíssimas famílias poderão indicar que a luta pela narrativa
está perdida, no entanto, a internet, sobretudo as redes sociais tem imposto
grandes obstáculos aos meios televisivos e, em muitos casos, subvertido as
condições do funcionamento do discurso oficial, invertendo a “versão ofi-
cial” dos fatos, pois como afirma Foucault (1996), os poderosos determinam
as condições do funcionamento do discurso, assim impõem aos indivíduos,
que o pronuncia, um conjunto de barreiras e assim não permitem que todo
mundo tenha acesso a elas. Desta maneira, ninguém entrará na ordem do
discurso se não satisfizer certas exigências, ou se não for, de início qualifi-
cado para fazê-lo. Mais precisamente, nem todas as regiões do discurso são
altamente abertas.
Só aparece aos nossos olhos uma verdade que seria rique-
za, fecundidade, força doce (...) ignoramos, em contraparti-
da, a vontade de verdade, como prodigiosa maquinaria des-
tinada a excluir todos aqueles que, ponto a ponto, em nossa
história, procurara contornar essa vontade de verdade e colo-
ca-la em questão contra a verdade, lá justamente onde a verda-
de assume a tarefa de justificar a interdição e definir a loucura.
(FOUCAULT, 2004, p. 21).
23. 20••• Ideologia do “cidadão de bem”
Samuel de Jesus
No livro A Família como Espelho, um estudo sobre a moral dos pobres (2005),
Cynthia Andersen Sarti, analisa a articulação de elementos morais e reli-
giosos aos econômicos ou a naturalização da pobreza. Estes aspectos são
revelados a partir de algumas afirmações, tais como: sempre vão existir rico
e pobre. Parte da ideia que o rico não sabe fazer os serviços que o pobre faz, o que
colocaria, em tese, os pobres em vantagem em relação aos ricos. Esta é uma
dádiva dada por Deus, assim aos ricos caberia a função de dar o trabalho e o
empregado é aquele que cuida do patrão, tal como uma família. Entre rico
e pobre existe uma igualdade que está em outro plano, no reino de Deus,
pois todos somos filhos de Deus, assim neste mundo cada um é designado
a cumprir um papel definido hierarquicamente. Dentro desta concepção as
injustiças sociais serão redimidas em outro mundo. Para evitar a miséria é
preciso a obediência, escreve Sarti:
Eles (os não-iguais que detém a riqueza, prestígio e/ou
poder) tem de dar aos pobres a oportunidade de traba-
lho, e os pobres tem de trabalhar, inserindo o trabalho
num universo de obrigações no qual o esforço legitima
a oportunidade de trabalhar que é conferida ao pobre.
(SARTI, 2005, p.108)
O esforço do trabalho confere um caráter, um valor moral, por exem-
plo, o trabalhador fez por merecer, sobretudo quando se recebe é necessário retri-
buir, através do seu trabalho, o pobre dá o que tem, assim o trabalho assume um
papel redentor, pois torna-se uma obrigação dentro de uma relação e a pros-
A moral dos pobres
24. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 21
ECOS DO AUTORITARISMO
peridade é reservada aos que fizeram por merecer, assim o esforço reafir-
ma a honra de quem trabalha. De acordo com essas concepções a esmola
é um ato condenável, pois fere os valores inerentes ao trabalho. Os con-
siderados vagabundos, os mendigos representam uma antítese aos trabalhadores.
(SARTI, 2005, p.109)
O princípio de dar sem receber, no qual se funda o trabalho,
é negado pela esmola. Nesse prisma, pedir esmola humilha
porque quem o faz recebe sem dar, sem o esforço valorizado.
(SARTI, 2005, p.110)
Pensando assim, o desemprego representa uma humilhação, pois o
trabalhador é privado do ato de dar e receber. Os pobres acreditam que
a obrigação dos ricos é lhe dar o trabalho, seguindo uma cadeia de obri-
gações entre desiguais. Desta maneira o desemprego representa uma
ruptura desta relação entre estas classes. Se o trabalho é negado, en-
tão se recorre à caridade que é legitimada socialmente através do lema:
“Dando aos pobres, empresta-se a Deus”, pois afinal “pedir é melhor que roubar”
(SARTI, 2005, p.111).
Deste ponto de vista os benefícios sociais providos pelo Estado são
observados como um retrocesso social, pois, segundo esta ótica, o indiví-
duo terá sucesso se trabalhar duro e assim possuirá dinheiro para pagar por
todos estes serviços. A dimensão do Estado de bem-estar social ou acesso
aos benefícios do Estado de Direitos Sociais representam um obstáculo ao
merecimento, pois quem recebe benefícios sociais, segundo a moral do tra-
balho, não progredirá. Os benefícios não são entendidos como direitos do
cidadão. Esta visão é a base para o fim do Estado de Bem-Estar Social, para
privatização e o Estado-mínimo.
O princípio de honestidade faz parte da moral dos pobres igualmente.
O trabalhador mesmo diante da opressão do dia a dia, possui a sua moral
inabalável, sua honra. Os meios de comunicação, rotineiramente, divulgam
casos em que os pobres acharam uma fortuna e acabaram por devolver aos
seus donos. Matéria do Portal G1 informa que Catador de recicláveis encontra
R$ 50 mil e devolve ao dono no Paraná. Na cidade de Iporã-PR, o catador de re-
cicláveis, Sr. Antônio Garcia do Prado, encontrou R$ 50 mil no meio de um
caderno jogado na rua e foi até a rádio local divulgar o achado. A reporta-
25. 22••• Ideologia do “cidadão de bem”
Samuel de Jesus
gem destaca que, apesar de receber, aproximadamente, R$ 20 reais por dia,
em nenhum momento pensou em ficar com o dinheiro. O dinheiro era do
empresário Amauri Rodrigues que afirmou ter esquecido o caderno com di-
nheiro na capota do carro, antes de sair com o veículo, esqueceu-se de pegar
e saiu com o carro, assim o caderno acabou caindo meio no percurso. Ale-
gou: cabeça cheia, descuido e disse que não deu falta do dinheiro, nem imaginava
que tinha perdido. Existe uma ética neste exemplo: o Sr. Antônio achou o di-
nheiro, apesar de dizer o ditado: “achado não é roubado”, mas “Deus tudo vê” e
castiga. A honestidade do pobre é uma instituição, afinal sua recompensa
não está neste mundo. O dinheiro será sempre do rico, ao pobre restará o
suficiente para sobreviver, além disto; a virtude, a moral, a honestidade. Ao
pobre está reservado o trabalho de dia e de noite, o trabalho que dignifica.
O portal G1 (Jornal Nacional) de 24.02.2017 divulga que Jovem devolve
celular perdido e não aceita recompensa; pede emprego. As afirmações do jornalista
que escreve esta reportagem são ilustrativas em relação a “moral do pobre”,
afirma: “Agora uma pausa nesse noticiário de suspeitos, de delatados e investigados só
para lembrar a beleza de nosso povo, a beleza que o nosso país também tem”. O jovem
Pablo encontrou o celular e rejeitou uma recompensa de R$ 200.00, mesmo
precisando de dinheiro. Disse para o dono do celular que precisava de ajuda
para encontrar um emprego. “O fato de ele não se interessar pelo dinheiro e querer
ajuda para o emprego, para arrumar um emprego, para mim foi o que tocou”, disse Niko-
las Soares Valério, que é analista de redes. Nicolas postou a história na internet e
teve 14 mil curtidas. A Associação dos Magistrados de Goiás ofereceu uma
oportunidade a Pedro, trabalhar como auxiliar de almoxarifado, mas com
uma condição: retomar os estudos. Afirmou seu contratante, o Juiz Eduar-
do Perez; “Você só vem trabalhar conosco se você estudar porque só avança na vida, só
tem condição de avançar aquele que se dedica, aquele que estuda”.
Estes dois casos são ilustrativos sobre o papel exercido pela imprensa
na manutenção de uma ordem social hierarquizada, ou seja, duas pessoas
pobres, o primeiro catador e o segundo um jovem desempregado que ti-
nham necessidades materiais, mas foram honestos e devolveram o que não
lhes pertencia. A honestidade é um elemento muito importante na moral do po-
bre, pois sua recompensa como afirmamos, anteriormente, poderá não estar
neste mundo, mas no plano divino. O pobre não tem riqueza material, mas
possui honra, é uma pessoa em que devemos confiar, pois ele respeita o que
26. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 23
ECOS DO AUTORITARISMO
é dos outros, ou dias melhores virão, Deus proverá, assim, ele reconhece o “lugar do
pobre” e o “lugar do rico”. Pedro não quer a recompensa, quer um trabalho,
quer ter dignidade, ou seja, não é vagabundo, é “cidadão de bem”. Ocupará um
lugar no sistema produtivo, terá dignidade, ainda que ocupando uma fun-
ção subalterna.
Através dos valores positivos do trabalho e da família,
criam, como fronteira do mundo dos pobres e traba-
lhadores, a adesão a um código de obrigações morais
que delimita seu grupo de referência, como a família.
(SARTI, 1995, 130)
A mídia é o grande instrumento de afirmação dos princípios conser-
vadores e faz isto cotidianamente, através de novelas, filmes e reportagens
como aquelas apresentadas anteriormente. A mídia é um aparelho ideológi-
co de Estado, sem dúvida.
Na obra Aparelhos Ideológicos do Estado, Louis Althusser menciona que
as técnicas aprendidas na escola se referem ao bom relacionamento, ao res-
peito à divisão técnica do trabalho e à submissão às normas da ordem vi-
gente ou submissão da classe operária à ideologia dominante, pois o “todo
social” possui níveis e instâncias pré-determinadas, tais como a infraestrutu-
ra (economia), superestrutura (Estado, Direito) e a ideologia (religião, mo-
ral) que ocupa o cume da pirâmide social. Desta maneira o Estado é visto
como uma instituição que reprime os trabalhadores, afinal é o Estado que
assegurará a reprodução das relações de produção. Deste modo, a narrativa
é assumida como parte da categoria ideológica, através dela se transmite o
discurso oficial e a mídia é a sua grande correia de transmissão.
27. 24
No Brasil, hoje, é corrente a tese de que o cidadão deve andar armado
para se “proteger”. Esta ideia é fomentada pela chamada bancada da bala, depu-
tados que eram financiados pela indústria de armas leves do Brasil. O portal
de notícias on line O tempo, divulgou que em uma audiência pública sobre
mudanças no estatuto do desarmamento, realizada na Assembleia Legis-
lativa de Minas Gerais em 26.06.2015, o Deputado Federal Jair Bolsonaro,
afirmou, “O cidadão armado é a primeira linha de defesa de um país”
A reportagem conta com comentários que devem ser analisados, pois
embora represente a opinião de apenas algumas pessoas, de fato reflete o
pensamento de milhões de pessoas e, assim torna-se fonte para nossas aná-
lises. Aqui não mencionamos o nome dessas pessoas, apenas as iniciais de
seus primeiros nomes. Dentre várias mensagens escolhemos aquelas que
mencionam o termo “cidadão de bem” e em segundo, aquelas mensagens que
mencionam termos como “homens de bem” e outras derivações. Os comentá-
rios assinados por pseudônimo foram mantidos.
Mencionamos aqui a fala de D.
Até que enfim o tal de Jair Bolsonaro deu uma “dentro”. SE o ban-
dido anda armado, por que o cidadão de bem não pode ter uma
arma para se defender destes cânceres da sociedade ? O porte de
armas em casos especiais é justificável (inclusive eu já tive, mas
não tentei renovar) em alguns casos - não se pode generalizar, nis-
to eu concordo. A polícia NUNCA TEVE e nem NUNCA TERÁ
condições de fiscalizar TUDO e estar em TODOS os lugares ao
mesmo tempo - não há efetivo para isto, em NENHUM lugar do
“Cidadão de bem”
e armado.
28. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 25
ECOS DO AUTORITARISMO
mundo. Quanto à redução da maioridade penal, sou favorável,
pois se pode votar com 16 anos, por que não pode responder pe-
los crimes? MAS, o pior e que existe no Brasil, é a IMPUNIDADE.
(D. In: PEIXOTO, 2015).
Segundo Epitáfio
Se bandido pode meter tiro na cara de cidadão de bem, por
que o cidadão de bem não pode ter uma arma registrada e
com porte? Seria até melhor a polícia saberia melhor onde
identificar um cidadão que cometeu um crime, pois essa ban-
didagem aí atira nos outros e desova a arma e ninguém pro-
va nada. Maioridade penal já, Bolsonaro tem razão e quem
discorda é por que é conivente com essa bandidagem aí!!!!
(Epitáfio In: PEIXOTO, 2015).
Segundo C. P.
Qualquer cidadão de bem deveria ter um porte de arma (caso
quisesse possui-lo),o grande problema nesse país é a impunidade,
e a insanidade dos líderes desse BRASIL, há alguns anos fize-
ram a campanha do desarmamento, como se isso fosse solução,
como se os bandidos fossem entregar as suas armas ! O que pre-
cisamos nesse país é a segurança que as leis serão iguais para to-
dos e que as mesmas sejam cumpridas, não podemos viver com
flanelinhas nos extorquindo com a conivência das autoridades,
com assassinos que matam e sequer são presos e tantos outros
disparates que todos já sabemos e cansamos de pedir solução!
(C. P. In: PEIXOTO, 2015)
Segundo P. B.
Temos de lembrar que nos EUA, desde o Velho Oeste, os homens
de bem de cada vila ou cidade é que ajudavam o Xerife a banir os
mal feitores. Países onde não há impunidade sempre souberam
usar a seu favor a força civil armada, para cumprimento do dever
e da Lei. Sabemos que qualquer pivete na rua hoje anda armado
e a polícia nada faz para defender a sociedade. As armas vão e
voltam para os marginais. Somente as pessoas de bem é que ficam
indefesas. Se votamos todos contra o desarmamento naquele ple-
29. 26••• Ideologia do “cidadão de bem”
Samuel de Jesus
biscito ridículo, por que Lula teimou em desobedecer a vontade
das urnas e desarmar a sociedade mesmo assim? Pensemos......
(P. B. In: PEIXOTO, 2015)
Segundo H. M.
Este deputado é polêmico, mas na verdade é dos melho-
res que temos em Brasília, pena que são poucos, mas acho
muito boa a ideia do armamento das pessoas de bem.
(H. M. In: PEIXOTO, 2015).
A revista Carta Capital publicou em 12.02.2016 artigo assinado por
Robert Muggah e Daniel Cerqueira intitulado: Quatro mitos sobre o “cidadão de
bem armado”. Segundo os autores o Brasil é o país que possui maior número
de homicídios, ocasionados por armas de fogo, no mundo. Um levantamen-
to de dados, feitos em 2010, revelou que existem, em torno de 17,6 milhões
de armas leves em circulação no país, dessas 57% eram ilegais.
De fato, a proliferação das armas se deu ao mesmo tempo em
que se verificou um crescimento acelerado da taxa de homicí-
dio por arma de fogo. Enquanto em 1980 de cada 100 pessoas
assassinadas 44 eram vitimadas por armas de fogo, em 2003,
nas vésperas da sanção do Estatuto do Desarmamento (ED),
esse número já era de 77, diminuindo para 75 nos anos subse-
quentes. Em países como a Inglaterra e a Espanha tal pro-
porção gira na ordem de 7 e 14 vítimas, respectivamente.
(MUGGAH & CERQUEIRA, 2016)
De acordo com Robert Muggah e Daniel Cerqueira (2016), esta tese
de armar o cidadão já ocorre, desde os anos 80, e de lá para cá, isto gerou o
aumento do número de mortes e não fez a sociedade brasileira mais segura,
sobretudo chamam atenção para o movimento que pretende a revogação
do Estatuto do Desarmamento aprovado no Congresso Nacional. Aqueles
que pretendem revogar o Estatuto do desarmamento, na prática querem
permitir ao adulto, acima de 21 anos ter o direito de comprar até seis armas,
sobretudo permitir sua utilização nas ruas.
Na sequência assinalam quatro mitos sobre a utilização das armas
de fogo pelo cidadão brasileiro. Mito 1: O cidadão armado provê maior seguran-
ça à sua família. Na prática, ter armas em casa, significa aumento no risco
30. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 27
ECOS DO AUTORITARISMO
de suicídio, acidente e homicídio entre familiares. Mito 2: A regulação mais
restritiva de acesso às armas de fogo não é importante, uma vez que as armas dos ban-
didos entram ilegalmente pelas fronteiras. De acordo com dados disponibiliza-
dos pelas polícias do RJ e SP, também ONGs como Instituto Sou da Paz,
aproximadamente, 75% das armas utilizadas em crimes foram produzidas
no Brasil e 38% das armas utilizadas em crimes fatais eram armas nacio-
nais, compradas por brasileiros e desviadas e entrando na ilegalidade. Mito
3: O cidadão de bem armado irá dissuadir o criminoso, fazendo com que o número de
crimes e de homicídios diminua. Na verdade, a flexibilização do porte de ar-
mas de fogo aumentam os números de roubos e invasões a residências.
Mito 4: O ED não evitou o crescimento da violência armada no Brasil. Segundo
estudos de pesquisadores do IESP/UERJ e do Ipea, o Estatuto do De-
sarmamento evitou, aproximadamente, 121 homicídios entre 2004 e 2014.
(MUGGAH & CERQUEIRA, 2016)
A tese do armamento da população extrapola os argumentos sobre a
necessidade de autoproteção pelo cidadão de bem e assume interesses corpo-
rativos, ou seja, os da indústria armamentista, tal como ocorre nos Estados
Unidos onde existe um lobby muito forte das empresas armamentistas sobre
os congressistas. Os deputados e senadores financiados por esta poderosa
indústria defendem os seus interesses, ou seja, visam alterar a legislação que
restringe a ampliação do mercado de armamentos, sobretudo de vendas
de armas leves que podem ser adquiridas por civis. Os dados demonstram
que a tese da proteção através do porte de armas é falsa e ao contrário, na
prática, amplia os riscos de morte por acidentes ou motivos passionais e
existem dúvidas sobre a eficácia de reação a um assalto, pois os cidadãos não
possuem treinamento e preparo suficientes.
31. 28
Surge um novo tipo social, muito embora já esteja presente na raiz
histórica do Brasil. O cidadão de bem é o herdeiro da casa grande e seus capitães
do mato, a elite escravocrata e os comensais que se alimentavam de suas sobras
como parasitas. São aqueles que fizeram pelo trabalho dos outros, da mulher
e do homem D’África, do indígena. Os que compareciam às cerimonias do
beija-mão de Dom João VI, ato público onde o monarca se colocava em po-
sição de superioridade ante ao vassalo. Posteriormente aquele que mostrava
submissão poderia solicitar alguma benesse. O homem bom ou os homens bons.
Esta designação recebiam somente os proprietários, homens brancos que
não possuíam “impureza” racial, católicos e que tivessem acima de 25 anos.
Estas raízes históricas profundas fazem com que as árvores do pen-
samento racial brasileiro continuem resistentes contra qualquer vento de
mudança. A reafirmação da elite branca, um modo de ser, sentir e pensar
de uma expressiva parcela da população brasileira. O verniz da elite branca
com a qual pinta uma sociedade pluriétnica. Difunde seus signos racistas
através de livros infantis como os de Monteiro Lobato, por exemplo, Tia
Nastácia teve como castigo ser negra, mas um dia tornará à branquidão ou
o extenso estudo de Joel Zito de Araújo sobre o negro na telenovela brasilei-
ra, sempre ocupando o papel do empregado, chofer, jardineiro, cozinheiro,
aquele sabedor de seu lugar e que nunca estaria no primeiro plano, mas
depois de 60 anos de televisão no Brasil, Lázaro Ramos o protagonismo
novelesco, mas quantos outros mais ocuparão esta ribalta?
Estes arquétipos foram difundidos em massa pela televisão, muito
embora a Constituição Cidadã de 1988 tenha determinado que racismo como
Quem são eles?
32. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 29
ECOS DO AUTORITARISMO
um crime inafiançável, mas, assim como afirmou Lilia Moritz Schwarcz, o
racismo não ocorre no aspecto formal, mas na intimidade em áreas não
atingidas pela formalidade, no secreto, na vaga resposta da entrevista de
empregos: “não obedece ao perfil da empresa”. O cidadão de bem é branco, he-
terossexual, de estrato alto ou mediano da sociedade, ocupa os melhores
lugares da cidade, com acesso a transportes, comércio e serviços, locais com
segurança pública e privada, próximos a hospitais, shoppings, restaurantes,
cinemas, teatros, entre muitos outros.
Na invisibilidade estão os “não cidadãos”. Estes ocupam os bairros
mais distantes, longe do acesso à saúde, compras e lazer, o transporte públi-
co é precário, não existe segurança, a violência graça. O músico Humberto
Gessinger fez a pergunta, em sua canção; Quem são eles? Em resposta: eles
são os donos dos bancos, a classe política, os militares, os juízes, os líderes
religiosos, os donos dos meios de comunicação, empresários da indústria e
do agronegócio, sobretudo agentes do mercado financeiro e de interesses
estrangeiros de corporações. Estes atores políticos fomentam este sistema
racial, econômico e socialmente excludente. Estes conferem apenas a alguns
a cidadania plena.
Podemos detectar outros diferentes tipos de “cidadãos de bem”. Diante
de uma revista policial qualquer pessoa afirma que é trabalhador. Muitos
policiais pedem a carteira de trabalho ou algo que o identifique como ocu-
pado. Os trabalhadores se contrapõem aos vagabundos. Este último não é
bem visto na sociedade e todos dizem para estes arrumarem um trabalho. O
trabalhador, embora ocupe um estrato social baixo, é considerado um “cida-
dão de bem”. Os jovens estudantes ou aprendizes profissionais contrapõem-se
aos que praticam pequenos delitos, são usuários de drogas ou envolvidos no
tráfico, mortos, em muitos casos, por esquadrões da morte, pois são con-
siderados degenerados, incorrigíveis e sendo assim recebem a pena capital.
Sua morte é considerada como um tipo de “limpeza”. O aumento de jovens,
principalmente da periferia, todos sabemos que sempre possui números ex-
pressivos e isto já vem de muitas décadas atrás.
Os jovens estudantes que “querem aula” contrapõem-se aos estudan-
tes que protestam. Estes últimos recebem spray de pimenta, bombas de
gás lacrimogêneo, balas de borracha, Jatos de água, prisões ilegais ou a
perseguição no espaço universitário, sobretudo do corpo administrativo.
33. 30••• Ideologia do “cidadão de bem”
Samuel de Jesus
Em relação os que protestam há uma distinção. Aqueles que se concen-
tram na frente da FIESP, usam a camisa da seleção brasileira de futebol
empunhando um pato amarelo e pedindo intervenção militar contra-
põem-se aqueles de vermelho que empunham bandeiras de sindicatos,
movimentos e partidos de esquerda.
Para a mídia é o “pacato cidadão”, trabalhador que chega no horário, es-
tuda, alcança a prosperidade, o achador de uma maleta gorda com milhares
e que devolve sem pensar duas vezes, é o povo que somente sofre, lamenta
e retoma tudo no dia seguinte, pois sua indignação cabe em uma caixinha
ressonância, reproduzindo as verdades da televisão, torce pelo seu time,
sofre, chora, toma uma cervejinha no bar, desfila na escola de samba, vai ao
zoológico ou a praia com a família, financia um carro popular e, é vítima
de balas perdidas.
A definição sobre o “homem de bem” é heterogênea. Vários grupos rei-
vindicam para si este termo, desde o conservador com armas na mão, pas-
sando pelos militares, mídia, classe política e os grupos econômicos. Obser-
vamos aqui, pelo menos em parte, como isto ocorre no âmbito ideológico.
O Antipetismo
O cidadão de bem é, sobretudo, um antipetista. A ascensão do an-
tipetismo é uma verdade artificial construída pelos setores midiáticos sob
a tese de que o PT é o maior e talvez o único responsável pela corrup-
ção e pela crise econômica do Brasil na atualidade. Assemelha-se muito
ao que ocorreu aos Judeus no período anterior à Segunda Guerra Mun-
dial (1939-1945), ou seja, eles foram considerados responsáveis pela crise
alemã. Os paralelos possíveis: Hannah Arendt em “As Origens do Totalita-
rismo”, no capítulo 2: “Os Judeus, o Estado-Nação e o nascimento do Antissemitis-
34. Ideologia do “cidadão de bem” ••• 31
ECOS DO AUTORITARISMO
mo”. Pelo fato dos Judeus constituírem um Estado dentro do Estado-Nação
da Alemanha, ou sua não incorporação ao Estado Alemão, fez com que
fossem considerados párias da sociedade alemã, expatriados que forma-
vam uma unidade cultural, não reconhecedora do nacionalismo alemão.
(ARENDT, 1989, p. 31)
Buscando semelhanças históricas possíveis, quando a extrema-direi-
ta brasileira chama os petistas de comunistas, difundem a ideia de que o
PT é uma pária da “boa” sociedade brasileira, pois não amam o país, mas
suas ideologias que são estranhas ao nacionalismo brasileiro, são sangues-
sugas, elementos estranhos que destruíram o país. O nacionalismo brasi-
leiro opera sobre uma ordem social, ou seja, uma hierarquia que reserva
lugares distintos e fronteiras bem delimitadas entre os diversos grupos
sociais. A distinção entre pobres e ricos, estes últimos consideram que
possuem uma importância no sistema social brasileiro, ou seja, os ricos
dependem deles, pois fazem o que os ricos não sabem ou não se propõem
a fazer. Esta mentalidade indica uma codependencia intraclasses, a subalterni-
dade como algo naturalizado.
Ao promover, através de suas políticas, uma autonomização do indi-
víduo, o PT rompeu com esta hierarquia social que foi naturalizada por sé-
culos no Brasil. Por exemplo: o acesso à universidade, tanto pública, quanto
privada, espaço, até então, reservado às camadas dominantes da sociedade
brasileira. Este fato representou uma inversão da ordem, uma insubordi-
nação pelo fato de integrarem os pobres ao locus privilegiado da sociedade
brasileira. Isto é observado nas falas das camadas médias, tal como: “...ago-
ra, qualquer um pode entrar na universidade”, ou seja, espaços acadêmicos eram
espaços de privilegiados, neste sentido a democratização do acesso à uni-
versidade pública é observada de forma negativa. Outro espaço até então
demarcado e exclusivo das elites são os aeroportos brasileiros. As elites se
sentiram invadidas pelos membros da chamada nova classe C. Ou seja, pes-
soas que a partir do incremento e democratização do consumo gerada, por
exemplo, pela valorização do salário mínimo, andaram de avião pela pri-
meira vez. Antes, as camadas marginalizadas da sociedade estavam restritas
às rodoviárias, indo para destinos mais longínquos do país. Este assunto
requer uma pesquisa mais aprofundada, mas registramos aqui uma sugestão
de pesquisa que poderá ser alargada com estudos posteriores.
35. 32
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tica%2Feleicoes%2F2018%2Fnoticias%2F2018%2F04%2F04%2Fcelso-de-
mello-responde-a-general-do-exercio.htm. Extraído em 17.05.2018.
40. 37
Segundo Rouquié (1984) podemos observar na História do Brasil
Republicano a presença de um Poder Militar Moderador, ou seja, um poder
que segundo os militares brasileiros conservaria a “ordem” e garantiria o
“progresso”. Esse Poder Moderador Militar pode ser constatado nas seis inter-
venções militares que corresponde aos anos de 1937, 1945, 1954, 1955, 1961 e
1964. Dessas, três resultaram em tomada do poder (1937, 1945 e 1964), outras
três em intervenção sem tomada do poder (1954, 1955, 1961). Este fato in-
dica um sistema civil com fortes componentes marciais, possibilitada pela
atitude de partidos e forças políticas civis que prolongam suas ações junto
aos exércitos, quase de forma institucionalizada, ou seja, recorrem às forças
armadas para a manutenção de seu Status Quo.
Foi o caso da UDN, que era chamada frequentemente de UDN militar
e que teve um papel decisivo na pressão política que levou ao suicídio de
Vargas e, sobretudo no Golpe Civil e Militar de 1964. A essa lógica Rouquié
(1984) denominou lógica pretoriana que é a obtenção de apoio militar por par-
tidos e grupos políticos cujo objetivo é o de amplificar seu poder. No caso
do Brasil existe uma relação muito importante entre o Estado e as Forças
Armadas Brasileiras. A burocracia estatal militar sempre teve no Brasil um
alto nível de autonomia. A continuidade política sempre ocorreu através de
intervenções militares periódicas.
Dessa forma, as oposições cultivam hoje, como ontem, de-
pendências militares, tanto para aumentar seu poder, como
para afastar as autoridades do momento, e os sucessivos go-
vernos procuram obter uma legitimidade que parece ser de-
cisiva. Os militares por seu lado selam alianças com os
partidos (ou com os sindicatos), às vezes simplesmente para sa-
As condicionantes para o surgimento
dos Estados Militares na
América Latina
41. Samuel de Jesus
38••• A Ditadura Revisada
tisfazer ambições pessoais, mas na maioria das vezes para refor-
çar uma tendência ou clã contra seus adversários institucionais.
(ROUQUIÉ, 1984, p. 325).
As ambições pessoais de um Pinochet no Chile, Stroessner no Pa-
raguai, Castelo Branco, no Brasil e Jorge Videla, na Argentina, foram,
sem dúvida, uma motivação para a manutenção do seu grupo de susten-
tação no poder.
No caso do contexto chileno dos anos 70, Allende é um símbolo
de socialismo pela via institucional. O Chile já tinha experimentado um
governo progressista liberal e tudo indicava que Allende representaria
um desenvolvimento desta opção Chilena. Certamente o governo Allen-
de representou a ruptura de um consenso que levou a perda do controle
político pela elite chilena que recorreu à caserna para o restabelecimento
do Status Quo.
O Caso Allende no Chile em 1973 é um grande exemplo de um gover-
no que caiu por não ter um leque de alianças e por estar isolado.
A Unidade Popular, que detém o governo, mas não
o poder, visto que a Câmara, o aparato judiciário e
uma boa parte da administração lhes são hostis, sa-
berá pagar o preço das boas relações com os militares.
(ROUQUIÉ, 1984, p. 288).
Sobre o fato do isolamento do governo socialista de Allende não deve
ficar somente na conta da burguesia, sobretudo foi a divisão interna dos
socialistas e sua rejeição em buscar alianças como, por exemplo, com a De-
mocracia Cristã que os levaram a um impasse institucional.
O Partido Socialista, partido do presidente, assim como
o MIR não queriam a preço nenhuma uma aliança com
a burguesia nacional através da democracia cristã.
(ROUQUIÉ, 1984, p. 289-290).
A posição “puritana” do Partido Socialista Chileno e a adoção da
ideia de formação de uma “Ditadura Popular”, assim como a destruição do
“Estado Burguês” (o que seria conseguida por meio de uma guerra civil),
arregimentou uma aliança entre as classes médias e a burguesia para repelir
42. ECOS DO AUTORITARISMO
A Ditadura Revisada ••• 39
a “ameaça” socialista. O Governo Allende sofreu um golpe brutal e mergu-
lhou o Chile em uma longa e sangrenta ditadura.
Os partidários de uma “Ditadura Popular” que pediam a
destruição de um Estado Burguês, e, dessa forma, mina-
vam os fundamentos do governo socialista, teve um peso
muito grande em toda essa história. Aqueles que no próprio
seio da coalização governamental, anunciavam como inevi-
tável uma confrontação e clamavam por uma guerra civil,
criando irrisóriamente cordões de autodefesa industrial (as
cordones) que desmoronarão sem combate a 11 de setem-
bro, sem dúvida contribuíram para as atemorizadas clas-
ses médias fossem oferecidas pela direita em uma bandeja.
(ROUQUIÉ, 1984, p. 290, 291).
No caso da mídia chilena de 1973 lembrou muito a campanha de
setores hegemônicos da mídia brasileira contra o governo Dilma. Afir-
ma que a hábil propaganda da imprensa “burguesa” cobria suas primeiras páginas
com os excessos cometidos pelo MIR e que eram relacionados ao governo, as-
sim a mídia esforçava-se para criar a imagem da desordem econômica e social.
(ROUQUIÉ, 1984, p. 290, 291).
As ditaduras militares representam um triste capítulo da história
latino-americana, afinal representou um retrocesso democrático. No Bra-
sil mesmo após 50 anos ainda estamos querendo respostas. A Comissão
Nacional da Verdade já elucidou alguns casos ao reunir documentação
mantida em sigilo pelos militares, assim como na Argentina onde o pro-
cesso está mais avançado que no Brasil, o que comprova isso são conde-
nações e prisões como a do ex-presidente da Argentina, General Videla,
assim como muitos responsáveis pelos mortos e desaparecidos durante a
ditadura Argentina.
Ao entendermos quais as condicionantes históricas que permitiram
o surgimento das ditaduras militares, percebemos que é válido questionar
se a mesma conjuntura histórica não está se reconfigurando ao ponto de
permitir atualmente incursões militares sobre a democracia? O jogo dos
partidos de oposição, setores radicais pedindo intervenção militar e a opo-
sição da mídia que tenta criar a imagem da desordem econômica. Esse é o
objetivo deste presente texto, ou seja, refletir por meio da leitura do clássico
O Estado Militar na América Latina.
43. 40
Os militares de esquerda
contra a ditadura
Em 2013, a Comissão Nacional da Verdade de São Paulo produziu do-
cumentos muito importantes sobre a perseguição tortura e morte de com-
panheiros de fardas. Destaca-se o valoroso trabalho do deputado estadual
Adriano Diogo (PT-SP). Quando falamos sobre a Ditadura Civil-Militar
quase não mencionamos o grupo de opositores militares ao regime que
foram aniquilados de forma implacável pelo regime.
O Movimento dos Sargentos, ocorrido nos quartéis no final da década de
1950 e início de 1960, teve o objetivo de modificar os estatutos militares,
pretendiam politizar os militares, cunharam o termo; sargento também é povo
fardado. Os estatutos militares faziam restrições aos graduados (subtenentes
e sargentos), por exemplo, não podiam se casar antes de completar cinco
anos de serviço, nem andar em trajes civis, e só podiam se profissionali-
zar depois de cinco anos. Os que já eram profissionais, muitos próximos
dos 40 anos, não tinham os mesmos direitos que os jovens recém-saídos
da Academia Militar. Em 1961 se engajaram na luta para garantir a pos-
se do vice-presidente João Goulart. Os sargentos uniram-se aos soldados
e cabos em uma perspectiva legalista, ou seja, a defesa da Constituição.
(MACIEL, 2013).
Procuramos adicionar à historiografia sobre o Regime Militar (1964-
1985) documentos resgatados pela Comissão Nacional da Verdade e di-
vulgados ao grande público. Relatam as perseguições, prisões e torturas
cometidas por policiais contra policiais, sobretudo aqueles considerados
comunistas ou realmente filiados ao PCB. Os presentes relatos reforçam
e ampliam o conhecimento sobre as arbitrariedades cometidas não mais
44. ECOS DO AUTORITARISMO
A Ditadura Revisada ••• 41
contra militantes dos grupos civis armados, os guerrilheiros, mas contra
seus companheiros de ofício. Arbitrariedades reveladas pela historiografia
e que, agora adquirem ainda mais informações com os materiais divulga-
dos pela Comissão da Verdade. O senso comum difunde a ideia de que
“todos” os militares juntamente com os civis desfecharam o golpe contra
a democracia em 01 de abril de 1964, porém a História dos Sargentos des-
mente esta afirmação.
Dividimos a analise dos relatos em três tópicos de interesse. O pri-
meiro é sobre a origem dos sargentos. Estas informações são importantes
para entender como se inicia a consciência política e engajamento político
de alguns sargentos e posteriormente sua inserção nos círculos castrenses.
Em segundo é o relato da atuação que o levou à prisão. Este fato revela os
métodos utilizados pela repressão em relação aos seus companheiros con-
siderados subversivos e terceiro o relato de perseguições, torturas e assas-
sinatos cometidos nos porões da Ditadura que recebiam tanto civis quanto
muitos militares de esquerda.
Origens
Começamos pelo relato de Vicente Sylvestre, ex-sargento da Guar-
da Civil de São Paulo. Cresceu em um bairro operário, o seu pai era
operário ligado ao Partido Comunista. Conta que após a Segunda Guer-
ra Mundial, tinha 15 ou 16 anos e no momento da legalização do Parti-
do Comunista do Brasil – PCB – foi uma festa muito grande no bairro porque
trabalhadores, operários que a gente conhecia, chefes de família, homens exemplares e
se revelam, então, integrantes do Partido. Tinha um entusiasmo juvenil pelo
PCB, revela: Aquilo foi um entusiasmo muito grande, a gente vinha falar queria sa-
ber tudo sobre o partido. Então, eu me entusiasmo e... muito embora negue en-
volvimento com o partido, segue: Mas não me envolvo com nenhuma organiza-
ção, fiquei só na... Recebendo notícias, tal, mas sem participação na vida do Partido.
(SYLVESTRE, 2013).
O sargento José de Menezes Cabral conta sua origem humilde no
distrito de Ibaretama, município de Quixadá, estado do Ceará, hoje é muni-
cípio Ibaretama, trabalhou até dezessete anos no meio rural, depois serviu o
Tiro de Guerra. Na sequência foi trabalhar de balconista na construção do
45. Samuel de Jesus
42••• A Ditadura Revisada
Açude Rosado Lisboa, o Banabuiú. Veio para São Paulo a partir de uma pro-
messa de emprego na Fundação Ford, proposta que nunca se concretizou.
(CABRAL, 2013)
...fui indicado pelo filho do Prefeito para trabalhar na Fundação
Ford em São Paulo, eles foram colegas, esse rapaz se chama Jo-
safá, eles foram colegas na Alemanha, estudaram na Alemanha e
me indicou para trabalho na Fundação Ford. E esse rapaz se cha-
mava Norberto de Souza Norberg e ele me garantiu que arranjava
uma vaga na Fundação Ford no Ipiranga. Eu vim, mas só que ele
estava viajando e eu passei três meses e não encontrei o cidadão,
e fiquei desempregado e sem dinheiro. Mas de qualquer maneira
trabalhei como Balconista, trabalhei na Goodyear como Auxiliar
de Tecelão, trabalhei na Rhodia como... Na fábrica de encerados.
(CABRAL, 2013)
Engajamentos
O ex - sargento Sylvestre revela que seu engajamento político
ocorreu na Campanha do Petróleo, diz: Aí vem a luta pelo petróleo, que en-
tusiasmou muito mais, então essa luta, a gente procurou se engajar da melhor forma
possível. Com 18 anos ingressou na Guarda Civil de São Paulo e afirma
que se integrou a organização do PCB dentro da corporação da Guar-
da Civil de São Paulo. Afirma: Mas o Partido acaba se organizando dentro da
corporação e como... Uma única tarefa, a principal tarefa era liderar os membros da
Corporação sem se falar ostensivamente em Partido, não é? O sargento Sylves-
tre constata: Então eu passo a ser um elemento pertencente à célula do Partido
Comunista que existia dentro da Guarda Civil. Revela que se tornou um lí-
der na corporação... nós então vamos ganhando muita liderança, inclusive criamos
até uma entidade de caráter nacional que se chamava Conselho Nacional das For-
ças Civis do Brasil e eu fui o presidente, nessa altura eu já 52 fui eleito presidente.
(SYLVESTRE, 2013)
O envolvimento do ex - sargento Francisco José da Paz com grupos
de resistência à Ditadura começou quando ingressou no curso de Ciências
Econômicas e não demorou muito para começar sua atuação na UNE, ini-
cialmente como colaborador. Comenta: participei da coligação do congresso da
46. ECOS DO AUTORITARISMO
A Ditadura Revisada ••• 43
UNE que houve no campo da USP depois da queda de Ibiúna, na época eu era segundo
Sargento. Em seguida admite que desde os anos de 62 e 63 participava ati-
vamente do movimento dos praças... por direitos civis, direitos políticos, direitos
sociais, como voto pra praças, voto para soldado, voto, direito de voto para Sargentos e
a democratização da carreira na corporação, a desmilitarização, a questão de direitos
humanos. Francisco da Paz comentou que ingressou na Força Pública em
06 de agosto de 1962. A patente de sargento foi conseguida na de soldado
no regimento cavalaria. Trabalhou no choque, na ROTA foram cinco anos.
(PAZ, 2013)
O ex - sargento José de Menezes Cabral afirma que até mesmo antes
do golpe participava dos movimentos, lutas e ideias do Governo Goulart
como, por exemplo; a reforma do ensino, reforma agrária, inclusive tinha
muitos contatos com as ligas camponesas. No Centro Social dos Sargentos
tinha inclusive palestras com pessoas de esquerda falando sobre vários te-
mas como reforma agrária.
Em seguida descreve suas relações com o Partido Comunista do Bra-
sil, segue:
Eu gostaria de dizer que seria membro estruturado do Par-
tidão, do Partido Comunista, mas nós tivemos algumas coi-
sas meio estranhas, que a 138 gente não entendia bem. O
pessoal às vezes não confiava muito na gente, porque nós éra-
mos pouco liberais, eles queriam... Nós éramos meio livres na
coisa. Então esta razão foi que nos dificultou ter acesso à cú-
pula do Partidão, mas sempre ligados com os 141 companhei-
ros. Por exemplo: a minha mulher tinha parente que era liga-
do ao Prestes, na minha casa eu dei refúgio a uns três parentes
dela, que foram capturados junto com o Gregório Bezerra.
(CABRAL, 2013)
Lembra que em 1964 estava no Estado Maior da PM, trabalhava na 1º
174 Seção do Estado Maior, segue:
Naquela época eu era... Aliás, no dia do golpe eu estava ouvin-
do pessoas 178 que se envolveram em compra de diplomas para
a Escola de Oficiais, para a Escola de Sargentos, concurso para
Sargentos. Eu era escrivão de um IPM, onde uma corrupção
violenta aconteceu na venda de gabaritos, para o próprio con-
47. Samuel de Jesus
44••• A Ditadura Revisada
curso para Oficiais, para Sargento, e na época para Sargento
era feito o curso e outros eram concursados. E naquela... Uma
certa noite lá, eu não me recordo, acho que foi no dia... Há
uns três dias 183 que precedeu o golpe, eu estava com o Major
Hélio, que é o Chefe do IPM, ouvindo 184 uma das pessoas que
comprou a prova. Quando chegou o General Franco Bosco,
185 Comandante da Força Pública, o General Amaury Kruel,
o Governador Ademar de Barros, o Coronel Delfim Cerqueira
Neves, Chefe da Casa Militar, e entraram para uma 187 sessão
no fundo da 3ª Seção do Estado Maior. E passaram... Chega-
ram mais ou menos 188 1h da madrugada e ficaram até 5h da
manhã, discutiram fortemente onde Ademar de Barros falou
vários palavrões para o General Kruel, e infelizmente nós não
gravamos. E depois o Ademar de Barros saiu daquele momen-
to, daquela sala, e foi direto para 191 Cochabamba na Bolívia.
(CABRAL, 2013)
Francisco Jesus da Paz conta sobre o seu engajamento político em
1965 nos movimentos políticos dos sargentos que reuniam lideranças sin-
dicais, movimentos populares favoráveis às reformas de base do presidente
João Goulart.
Em 36 outubro de 65 (...) já comecei a fazer, a participar do movi-
mento de Sargento e havia um movimento nacional e as funções
social dos Sargentos na verdade elas reuniam as lideranças sindi-
cais, movimentos populares que lutaram pela reforma de base do
governo João Goulart e aquilo eu já participava intensivamente,
quando ingressei na universidade isso melhorou muito porque
eu passei a ter agora um conteúdo político, contato com os mo-
vimentos e isso fez com que eu me dedicasse intensivamente a
resistência democrática. Em 68 já parti do congresso da UNE eu
já defendia que o movimento deveria, passar pra clandestinidade,
eu já tinha, as poucas informações que tinha, mas indicavam que
o regime militar ele ia endurecer, ele ia pra uma repressão muito
forte e havia necessidade do movimento, até por uma questão de
segurança, como eu era Sargento e na época inclusive, trabalhava
na Rotam então eu tinha uma posição assim um tanto quanto pri-
vilegiada, porque de um lado tinha o movimento estudantil, tinha
o movimento de resistência que eu participava e do outro lado eu
também via a repressão, quer dizer, eu tava numa situação e, muito
48. ECOS DO AUTORITARISMO
A Ditadura Revisada ••• 45
delicada, muito perigosa, então na verdade eu brincava com o peri-
go, né? Quando foi em 64, com o golpe militar, a diretoria do Sindi-
social dos sargentos foi presa, foi afastada, foi presa no navio Raul
Soares e ficava em Santos, colado em Santos e também uma parte
da diretoria dos cabos e soldados também foi destruída, foi presa,
então e quando foi, a direita assumiu a direção das duas entidades
em 68, em 68 eu organizei uma chapa para disputar as eleições do
Sindisocial dos sargentos e não conseguimos e em janeiro, feverei-
ro de 1970 em uma assembleia geral, nós derrubamos a diretoria
dos sargentos e assumi a presidência, né? Quando eu assumi a pre-
sidência aí fortaleceu mais a nossa luta e mas por outro lado eu fi-
quei extremamente visado, né? Aí, já em 68 nós tivemos novamente
um grupo de prisões de sargentos, de praças, o pessoal ligado a
direita, ao (ininteligível 00:08:30), que é vinculado a casa militar
do governo Costa e Silva, que jogavam bombas, jogaram bombas
no quartel general, no alistamento, no bombeiro e atribuiu isso ai
a esquerda que na verdade já era um trabalho que era feito pela
inteligência da ditadura preparando a opinião pública pro AI-5, né?
(PAZ, 2013)
Tortura
Neste momento, Vicente Silvestre faz o relato dos meses de torturas
pelas quais passou. O objetivo de obter informação sobre outros militares
que estivessem envolvidos. No caso dos militares a expulsão era uma forma
de punição exemplar. Relata também a morte de um companheiro, o tenen-
te José Pereira de Almeida:
Então três meses de torturas, as mais absurdas do mundo. Como
é que um ser humano pode fazer isso com uma pessoa indefesa?
Não é? Mas não tinha apelação, era.... E o que eles queriam de
mim? Como eu era um tenente- coronel da ativa e que estava fa-
zendo o Curso Superior de Polícia e que eles tiveram acesso ao ma-
terial que a gente produziu durante o curso, então eles mostraram
que eu tinha um outro nível para estar só naquela coisa, achavam
que eu tinha ligações exteriores e tal, aí pancadaria até sair... E aí
acharam que tinha um general ligado comigo e eu falei: “eu não
conheço nenhum general, não tenho nenhuma ligação com nin-
guém do Exército, das Forças Armadas, não conheço ninguém”.
Aí fui até setembro. Encontrei... Poucas vezes encontrava, me en-
49. Samuel de Jesus
46••• A Ditadura Revisada
contrava com os companheiros presos. Havia uma preocupação
de me manterem sempre isolado, sempre eu estava isolado, por-
que eles achavam que eu tinha mais informação que os outros. Aí
eu volto, em setembro eu volto para o Quartel General da Polícia
Militar por responde a uma chamado Proce... A um processo que
chama “Conselho de Justificação”. O Conselho de Justificação
tem esse nome no meio militar, mas no meio jurídico ele não pas-
sa... Não vai além de um Processo Administrativo, não é? Então
nesse processo, que durou desse primeiro dia que me ouviram até
o final, durou 48 horas. Em 48 horas, eles concluíram o processo,
não deixaram o advogado entrar, foi proibida a entrada do advo-
gado, o advogado foi denunciar lá na Justiça Militar, mas isso fa-
zia parte dos, do sistema, né? Então, no dia 2 de outubro publica a
minha expulsão da Polícia Militar. Aí continuo preso, mas já não
mais na condição de tenente coronel. Aí, graças à intervenção de
Dom Paulo Evaristo Arns, o governador Paulo Egídio Martins,
atendendo ao apelo do Dom Paulo Evaristo Arns, manda para a
Assembleia Legislativa um projeto de lei dando uma pensão para
a minha mulher e para as demais, né? Que estavam no... Os que
eram da ativa, uma pensão e eu fiquei, fiquei na condição de...
Não podia exercer nenhuma atividade econômica, pública ou pri-
vada. Durante nove anos, a minha mulher figurava como... Como
viúva de marido vivo e eu como morto vivo. Não podia exer-
cer nenhuma atividade. Aí entra... Nessa altura já entra um novo
(ininteligível) porque o meu primeiro advogado foi o Professor...
Foi o Sobral Pinto. Depois o Sobral Pinto deixa, ele estava no Rio,
ficava muito difícil para ele vir em todas as audiências em São
Paulo, aí ele (ininteligível) o meu advogado passa a ser Luiz Edu-
ardo Greenhalgh. Aí o Luiz Eduardo Greenhalgh acompanha
até o desfecho final. Nesse meio de tempo, quando eu já estava na
Polícia Militar de volta, chega a notícia que o tenente José Pereira
de Almeida havia se suicidado dentro do DOI-CODI. Aquilo foi
uma coisa, um choque tremendo porque não havia condições de
alguém se suicidar dentro do DOI-CODI, era humanamente im-
possível, não tinha instrumento, não tinha elementos para isso.
Aí deu que ele se suicidou. Mais tarde ficamos sabendo que ele
foi... Ele foi vítima de torturas dentro do DOI-CODI e introduzi-
ram no ânus dele um cabo de vassoura com uma...Quebrado na
ponta e perfuraram todo o intestino dele, quer dizer, ele morre
sem o corpo deixar nenhum vestígio, nenhum hematoma, nada.
(SYLVESTRE, 2013)
50. ECOS DO AUTORITARISMO
A Ditadura Revisada ••• 47
Francisco Jesus da Paz segue o relato de torturas e assassinatos dos
militares presos, menciona datas, nomes e situações:
...no dia 8 de agosto de 1975 o Tenente Almeida foi assassinado
sob tortura, então ele apareceu enforcado na cela número 1 do
DOI-CODI, na mesma cela em que o Herzog apareceu enforca-
do, né? Nas mesmas circunstancias. E no dia 18 de agosto, 10
dias depois o Coronel Maximiliano, também que estava preso lá
com a gente é, foi solto, pegou um táxi pra ir pra residência que
morava em Campinas e morreu dentro do táxi, um assassinato,
pra nós foi um assassinato, bastante obscuro porque na época se
falava muito que o preso saltou do viaduto, que se jogou debai-
xo do caminhão, aquela coisa toda pra justificar os assassinatos
sob tortura, então nós não temos testemunha, não temos dados
nenhum a respeito da morte do Coronel Maximiliano, mas pra
nós ele foi torturado, foi preso, foi torturado e o estranho é isso,
sair do DOI-CODI e morrer dentro do táxi, quer dizer, então.
(SYLVESTRE, 2013)
Segue contando um pouco sobre a trajetória de Werneck, herdeiro de
uma liderança que vinha desde os tempos do Governo Jânio Quadros, em
1961. Morto em plena anistia.
No caso do Werneck é que ele era uma liderança extraordinária,
primeiro foi a criação da Associação dos Soldados pelo Sabadim,
é uma liderança extraordinária, criou no governo, governo Jâ-
nio Quadros, em 1955, mas a repressão era tão vigorosa que a
direção era clandestina, atas, documentos, eles escondiam debai-
xo do colchão lá do alojamento, entende? A repressão era muito
dura, muito violenta, isso já antes do golpe militar. O Sabadim
faleceu e o sucessor dele foi o Werneck e o Werneck tinha uma
liderança, uma coragem, uma consciência crítica muito forte,
eu, a tropa acreditava nele, era um líder mesmo, então quando
ele foi já em 64, logo após o golpe, ele foi afastado do cargo e
também foi demitido da corporação, isso já em 64, abril de 64, e
ele com a anistia do Figueiredo em 79, questão de data, eu não,
é claro que ele ganhou a anistia, ele iria votar pra o associati-
vo contra os outros, frutuoso, o Silvestre, enfim, todo pessoal e
quando faltava poucos dias pra ele ser, retornar ao serviço ativo,
51. Samuel de Jesus
48••• A Ditadura Revisada
faltavam poucos dias, foi quando ele foi assassinado. Perfeito? E
ele foi assassinado por Coronel nosso, o Coronel e dois praças.
(SYLVESTRE, 2013)
Referências
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novas-revelacoes-entrevista-com-jair-krischke Extraído em 01.01.2016.
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João Goulart recebe honras de chefe de Estado nesta quinta. EBC,
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joao-goulart-recebe-honras-de-chefe-de-estado-nesta-quinta.
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NOGUEIRA, K. Braço forte, mão amiga: adeptos da intervenção
militar têm seu desejo atendido e apanham do Exército. In: DCM,
52. ECOS DO AUTORITARISMO
A Ditadura Revisada ••• 49
30.05.2018. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/
braco-forte-mao-amiga-adeptos-da-intervencao-militar-tem-seu-desejo-
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gravada-renan-defende-mudar-lei-da-delacao-premiada.shtml.
Extraído em 18.05.2018
ROSSATO, N. Comandante da Aeronáutica emite esclarecimento
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noticias/mostra/31878/INSTITUCIONAL%20-%20Comandante%20
da%20Aeron%C3%A1utica%20emite%20esclarecimento%20sobre%20
contexto%20atual%20do%20Pa%C3%ADs. Extraído em 17.05.2018
ROUQUIÉ, A. O Estado militar na América Latina. São Paulo: Alfa, 1984.
SENRA, R. ‘Último prego no caixão de Geisel’, diz coordenador da
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bbc/2018/05/11/ultimo-prego-no-caixao-de-geisel-diz-coordenador-da-
comissao-da-verdade-sobre-memorando-da-cia.htm.
Extraído em 05.06.2018.
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15 de agosto de 2001. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
brasil/fc1508200117.htm. Extraído em 02.06.2018
SOUZA, J. Arquivo revela ação secreta do Exército. In: Folha de S. Paulo,
02 de agosto de 2001. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/
brasil/fc0208200106.htm. Extraído em 02.06.2018
Veja o que o chefe do Exército falou na cara do Pedro Bial,
YouTube, 20.09.2017. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=gNoqzjxmZTE Extraído em 17.05.2018.
Vídeo: PM bombardeia manifestação de estudantes da UnB. In: Revista
Fórum 26.04.2018. Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/
video-pm-bombardeia-manifestacao-de-estudantes-da-unb/.
Extraído em 03.06.2018
VILLAS BOAS, E. In Twitter, 03.04.2018. Disponível em: https://twitter.
com/Gen_VillasBoas/status/981315180226318336?tfw_site=UOL&ref_
src=twsrc%5Etfw&ref_url=https%3A%2F%2Fnoticias.uol.com.br%2Fpoli
tica%2Feleicoes%2F2018%2Fnoticias%2F2018%2F04%2F04%2Fcelso-de-
mello-responde-a-general-do-exercio.htm Extraído em 17.05.2018.
53. Samuel de Jesus
50••• A Ditadura Revisada
Documentos
Comissão Nacional da Verdade. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/
Extraído em 01.01.2016.
Vicente Sylvestre Categoria do depoente: Vítima militar - Coronel Tipo
de arquivo: Áudio Duração: 01:37:51 Ocasião: Testemunho colhido por
integrantes da CNV Data: 18/03/2013 Local: São Paulo, SP Responsáveis
pela tomada de depoimento: Maria Rosa Loula e Paulo Cunha NUP:
00092.000439/2013-83
Francisco Jesus da Paz, categoria do depoente: Vítima militar - tenente
Tipo de arquivo: Áudio Duração: 01:48:17 Ocasião: Depoimento
colhido por integrantes da CNV Data: 18/03/2013 Local: São Paulo, SP
Responsáveis pela tomada de depoimento: Maria Rosa Loula e Paulo Cunha
NUP: 00092.000438/2013-39
JOSÉ DE MENEZES CABRAL Categoria do depoente: Vítima militar
Tipo de arquivo: Áudio Duração: 01:31:58 Ocasião: Depoimento colhido
por integrantes da CNV Data: 10/12/2013 Local: São Paulo Responsáveis
pela tomada de depoimento: Paulo Cunha NUP: 00092.000281/2014-22
54. 51
Relações extra-oficiais
entre EUA e Brasil
(1964-1980)
Neste presente capítulo, nós analisamos um período dramático da vida
brasileira que vai do Golpe Militar de 1964, até o surgimento da Operação
Bandeirante e a participação de agentes da OPS órgão da CIA, responsável
pela repressão aos opositores do regime civil-militar brasileiro. Sobretudo
analisamos a atuação surpreendente dos órgãos do governo estadunidense
no esforço de manutenção da repressão, envolvimento que compreendia o
treinamento, organização, até o ensino de técnicas de tortura. Este artigo
contribui com a historiografia sobre o período do Regime Militar Brasileiro
(1964-1985) ao reunir analise de importantes livros que contém importantes
documentos que demonstram a organização e sistematização dos atos de
perseguição, tortura e morte dos insurgentes do regime.
Operação Brother Sam, assim foi chamada a operação que daria suporte
logístico aos militares golpistas de 01 de abril de 1964, caso ocorresse uma
guerra civil entre os conspiradores e legalistas. Dois importantes livros re-
velam o grau de envolvimento entre o governo estadunidense e o grupo
hegemônico das Forças Armadas Brasileiras, são eles; 1964: visto e comentado
pela Casa Branca do jornalista Sá Corrêa e Polícia e Política de Martha Hug-
gins. O primeiro livro apresenta documentos como os obtidos na Biblioteca
Lyndon Johnson da Universidade do Texas. Esses documentos mostram a
dimensão da Operação Brother Sam. O segundo livro revela o grau de en-
volvimento do órgão da CIA chamado de OPS no treinamento, estruturação
e articulação do sistema repressivo aos opositores do Regime Militar Brasi-
leiro. Utilizamos como fontes estes importantes livros e seus documentos
que nos oferece subsídios para ampliarmos o conhecimento sobre este dra-
mático momento da vida brasileira.
55. Samuel de Jesus
52••• A Ditadura Revisada
Operação Brother Sam
Thomas Skidmore (1982) afirma não existir dúvidas de que Lincoln
Gordon (ex-embaixador dos EUA no Brasil em 1964) foi um entusiasta do
governo ditatorial brasileiro, pois em 23 de abril de 1964 falou em Porto
Alegre que a queda de Goulart simbolizou uma nova arrancada do Brasil
para a realização dos ideais da Aliança para o Progresso. Em 05 de maio do
mesmo ano na Escola Superior de Guerra exaltou a “Revolução” Brasileira e
disse que ela poderia ser comparada como um momento decisivo da Histó-
ria Mundial, assim como foi o Plano Marshall (1947), o Bloqueio de Berlim
(1948-1949), a derrota do comunismo na Coréia e a resolução da Crise dos
Mísseis em Cuba (1962).
Em 1966, quando encerrou sua missão no Brasil, Lincoln Gordon
afirmara sua crença no compromisso do governo Castelo Branco em res-
taurar os procedimentos “democráticos” no Brasil, compatíveis com os
princípios da política Estados Unidos - América Latina. É importante afir-
mar que as palavras de Lincoln Gordon eram endossadas por Washington.
(SKIDMORE, (1982) 2000, PP. 397).
Sá Corrêa (1977) revela os canais de telex que ligavam a Casa Branca e
a embaixada estadunidense no Brasil que confirmam a Operação Brother Sam,
cujo objetivo era evitar o estrangulamento dos golpistas de 64, em seu ponto
maisfrágilqueeraafaltadecombustível,issoconsiderandoahipótesedeuma
luta longa. O Embaixador Lincoln Gordon foi responsável por acioná-lo.
(CORRÊA, 1977, pp. 97).
A Operação Brother Sam não daria o apoio bélico, mas estratégico,
pois o maior temor dos EUA seria a falta de combustível, assim 40 mil barris
de gasolina comum, 15 mil barris de gasolina de aviação, 33 mil barris de
óleo diesel e 20 mil barris de querosene estavam prontos para serem envia-
dos ao Brasil via Montevidéu.
Outro petroleiro, o Chapacket, traria 35 mil barris de
querosene, 40 mil de gasolina comum e 33 mil de avia-
ção, o terceiro barco Hampton Road preparado para o
porto de pequeno calado, carregaria 150 mil barris. E
o quarto Nash Bulk, 56 mil barris de gasolina comum,
39 mil de gasolina de aviação e 92 mil de querosene.
(CORREA, 1977, pp. 17).
56. ECOS DO AUTORITARISMO
A Ditadura Revisada ••• 53
Esse volume todo de combustível somado aos quatro petroleiros que
levavam 136 mil barris, corresponderia a um dia de consumo do Brasil no
ano de 1976 ou 1977. Por exemplo, o Santa Inez estava pronto para zarpar
de Aruba rumo ao Brasil no dia 02 de abril e chegaria na vizinhança de
Santos entre 10 e 11 de abril. No mesmo dia se encontraria por aqui o por-
ta-aviões Forrestal cuja missão era garantir o desembarque do combustível.
(SÁ CORRÊA, 1977, pp.17)
O embarque de munição é apresentado, num comuni-
cado do Estado Maior conjunto da Força Aérea como
missão de apoio ao plano operacional de que a força ta-
refa naval fora encarregada. Destina-se à Operação Bro-
ther Sam 110 toneladas de armas e munições e há mensa-
gem que falam em encaixotar 250 carabinas de calibre 12.
(SÁ CORRÊA, 1997, pp.17).
Está escrito em um telegrama de 04 de março de 1964 da Embaixada
dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, destinada ao Secretário para Assun-
tos Latino Americanos, que os militares brasileiros seriam um fator esta-
bilizador e moderador na cena política brasileira e um fator essencial para
conter os “excessos” da esquerda do Governo Goulart. Destaca ainda que
os militares brasileiros não possuem origem aristocrática, possuem orienta-
ção nacionalista, mas não fascista e pró-constitucionalista democrática. So-
bretudo possuem capacidade de suprimir as desordens internas dentro dos
limites constitucionais. Salienta ainda que durante o período pós-guerra se
beneficiaram da orientação pró-americana de Oficiais das Forças Armadas
Brasileiras, resultando em uma aliança ativa durante a Segunda Guerra, po-
rém estes oficiais estavam se aposentando, o que tornava necessária a apro-
ximação com a nova oficialidade para manter relações estreitas e eficazes.
(GORDON, 1964 apud SÁ CORRÊA, 1977, pp.87).
A CIA-OPS e a OBAN
Marta Huggins (1998) revela não só envolvimento entre a Central
americana de inteligência (CIA) no treinamento da repressão brasileira (no
período pós – Ato Institucional nº 5), mas a montagem de uma estrutura de
57. Samuel de Jesus
54••• A Ditadura Revisada
repressão baseada no DOI-CODI1
. A Casa Branca sabia e a CIA através do
Office of Public Safety Brasil (OPS-Brasil), montou, operacionalizou a estrutura
de repressão e treinou seus agentes.
Richard Helms, diretor da CIA, afirma que pelo menos indiretamente
a OPS contribuiu para uma centralização da Polícia Brasileira (HUGGINS,
1998, pp. 188). Os Comandantes Militares de cada um dos Exércitos Brasilei-
ros, tinham responsabilidade por tudo que envolvia a segurança. Sobretudo
legitimou a ideologia baseada na divisão do país em “verdadeiros cidadãos”
de um lado e “subversivos” de outro, a parte “desviante”. A criação do DOI
– CODI1
, uma rede nacional interligada de forças de segurança da polícia e
das forças armadas, todas sobre o controle militar direto.
Em 1969, o primeiro desses novos órgãos foi instituído em São
Paulo como a Operação Bandeirantes (OBAN), comando das
operações de defesa interna em âmbito estadual. Um ano depois,
esse modelo estendeu-se para todo o Brasil como DOI-CODI,
sendo sua missão obter informações e neutralizar os terroristas.
(HUGGINS, 1998, pp. 189)
Richard Helms entendia o DOI-CODI em comissões compostas por
membros das forças armadas e da polícia. A posição mais alta na hierarquia
era ocupada por cada comandante dos distritos militares.
A estrutura do DOI-CODI destinava-se a ajudar as forças de
segurança do Brasil a superar as disputas de jurisdição e fal-
ta de coordenação entre os inúmeros órgãos militares e civis
de inteligência e segurança, como explicou o próprio Helms.
(HUGGINS, 1998, pp. 189).
1
DOI era o Departamento de Ordem Interna, consistia em uma força de prontidão para
combater diretamente as organizações “subversivas”, desmontar sua estrutura pes-
soal e material. Em cada uma das zonas de defesa interna (DOI-COD) possuía um CODI
(Centro de Comando de Operações de defesa interna), identificava as prioridades, ana-
lisava informações obtidas pela inteligência, planeja va missões e esquadrões do DOI.
(HUGGINS, 1998, pp. 190).
58. ECOS DO AUTORITARISMO
A Ditadura Revisada ••• 55
A utilidade da normatização da violência estatal no Brasil obe-
deceu a interesses dos Estados Unidos, pois ofereceram treinamen-
to, tecnologia, apoio moral e político à tortura no Brasil promovida pela
polícia e pelo governo brasileiro. Washington sabia sobre essa prática
(HUGGINS, 1998, pp. 189-190).
Os DOIs dos maiores Estados eram divididos em três es-
quadrões: um prendia e caçava os sujeitos (“busca e captura”),
outro captava informações e recolhia os prisioneiros (“infor-
mação e interrogação”) e o outro analisava as informações ob-
tidas a partir das infiltrações obtidas a partir da infiltração em
associações e interrogatórios de informantes (“informação”)
(HUGGINS, 1998, pp. 191).
Os consultores de segurança (da OPS – Brasil) consideravam
o seu trabalho como uma espécie de “missão religiosa”, considera-
vam seu método legitimo para acabar com a desordem brasileira,
pois seu principal objetivo era proporcionar segurança aos Estados
Unidos e garantir as “liberdades democráticas”. O DOPS era essen-
cial nessa estrutura, pois os militares estavam despreparados ini-
cialmente para coletar informações de inteligência civil, para inter-
rogar prisioneiros para conduzir operações de segurança interna.
(FON, 1986 apud HUGGINS, 1996, pp.190).
Helms, diretor da CIA, utilizou o termo “guerra santa” para falar da
violência do Governo Brasileiro contra os “terroristas” a firmou ainda que
“a violência não era nada de novo no Brasil”.
Em algumas regiões, particularmente no nordeste (do Brasil),
a violência é tida como um meio tradicional - e muitas vezes
bastante respeitável – de punição. Em muitas áreas rurais, os
espancamentos e, em casos extremos, os tiros da polícia e até
mesmo dos proprietários de terras locais constituem há mui-
to tempo um dos métodos favoritos para manter as classes in-
feriores em seu lugar... em quanto esse tipo de tratamento não
resulta em mortes, a população rural mantêm-se indiferente.
(HELMS, 1971 apud HUGGINS, 1998, pp.204).