O documento trata de um habeas corpus impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça para anular o inquérito policial e o indiciamento indireto de um paciente. O relator negou o pedido, argumentando que não houve ilegalidade no indiciamento indireto e que eventuais nulidades no inquérito policial foram sanadas com o recebimento da denúncia.
1. Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 194.473 - SP (2011/0007038-7)
IMPETRANTE : JOÃO CÁRMINO GENEROSO DA COSTA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : JOAO BATISTA MONTEIRO MARTINS
RELATÓRIO
MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com
pedido liminar impetrado em favor de JOÃO BATISTA MONTEIRO, apontando
como autoridade coatora a 1.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, que denegou a ordem no HC n.º 990.10.444506-0.
Consta dos autos que, em 25.5.2008, foi instaurado o Inquérito Policial
n.º 449/08, perante a Delegacia de Polícia de Poá/SP, a fim de se apurar a autoria
de crimes de ameaça e de homicídio na forma tentada.
No curso das investigações, após várias tentativas de localizar o
paciente, em 16.11.2009, a autoridade policial determinou seu formal indiciamento,
prosseguindo com as demais diligências.
A defesa do paciente impetrou prévio writ, perante o Juízo de primeiro
grau, “sob os argumentos de que o Delegado de polícia agiu com abuso de poder
ao proceder ao indiciamento indireto, de ter pleiteado a instauração de inquérito
contra a vítima por delitos de denunciação caluniosa e de tentativa de invasão de
domicílio, de o paciente não ter sido intimado de nenhum ato do procedimento,
embora residente há treze anos em um dos dois endereços que morou, e de serem
suspeitas as testemunhas ouvidas no expediente em questão, e objetivando a
declaração de nulidade de todo o feito e a expedição de salvo conduto para impedir
outras determinações por parte da autoridade policial” (fl. 27). O habeas corpus não
foi conhecido.
Sobreveio em seu desfavor denúncia pela suposta prática do delito de
homicídio tentado, por duas vezes, recebida pelo Juízo da 2.ª Vara Criminal de
Poá/SP, em 1.12.2010 (Ação Penal n.º 462.01.2008.008058-0 – Controle n.º
369/08).
Buscando a declaração de nulidade do inquérito policial e do
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2. Superior Tribunal de Justiça
indiciamento indireto e a expedição de salvo conduto para não ser decretada a
prisão preventiva do paciente, a defesa impetrou prévio writ perante o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, cuja ordem foi denegada.
Daí o presente mandamus , no qual o impetrante sustenta que “não há
razão para o indiciamento indireto do paciente, e agora menos ainda para
recebimento da denúncia (...), tendo em vista que possui residência fixa, que reside
no mesmo local há mais de 13 (treze) anos, que não possui antecedentes criminais
e que jamais foi intimado para apresentar sua versão sobre aludidos fatos” (fl. 5).
Entende que houve violação ao direito de amplitude de defesa, tendo
em vista o fato de que no inquérito policial, que norteará o processo judicial, o
paciente nunca foi ouvido pela autoridade policial.
Requer a concessão da ordem, em sede liminar, para que o paciente
possa apresentar sua versão perante a autoridade policial, para que o inquérito
policial seja anulado e para que seja trancada a ação penal. Pretende, ainda, a
anulação do indiciamento indireto do paciente, seja determinada a intimação de seu
advogado constituído em relação a eventuais novos atos da autoridade policial.
Distribuído o writ no período de recesso forense, a liminar foi indeferida
pelo Ministro Felix Fischer, Vice-Presidente, no exercício da presidência (fls. 17/18).
A autoridade apontada como coatora prestou informações às fls.
26/28.
O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 402/403, opina no
sentido de que seja julgada prejudicada a ordem.
É o relatório.
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3. Superior Tribunal de Justiça
VOTO
MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Colhe-se dos autos que foi
instaurado inquérito policial em desfavor do paciente, para investigar suposta prática
dos delitos de ameaça e de tentativa de homicídio.
Após frustradas tentativas de localizá-lo, a autoridade policial
determinou seu indiciamento indireto.
Visando à anulação de todos os atos da Polícia Judiciária praticados
em desfavor do paciente, a defesa impetrou habeas corpus perante o Juízo
singular, que não conheceu o pedido, pelos seguintes motivos (fl. 367):
(...) este Juízo é incompetente para análise do pedido.
É que, o art. 650, § 1º, do Código de Processo Penal,
preceitua que a competência do juiz cessará se a coação
ilegal provier de autoridade judiciária de igual ou superior
jurisdição.
No particular, a autoridade policial remeteu a este Juízo
os autos do inquérito relatado, oportunidade em que se
acatou requerimento ministerial e foram determinadas
diligências indispensáveis de caráter jurisdicional para a
busca da verdade real, conforme se infere de fls. 188 dos
autos do inquérito.
Assim, induvidoso que este Juízo passou a ser a
autoridade tida como coatora, de modo que o habeas
corpus deve ser impetrado no Tribunal competente,
conforme jurisprudência de fls. 80, trazida na
fundamentada manifestação ministerial.
À evidência do exposto, e considerando todo o mais que
dos autos consta, deixo de conhecer do presente writ.
Impetrado novo mandamus , agora perante o Tribunal estadual, a
defesa não obteve a tutela almejada, uma vez que a ordem foi denegada, sob o
seguinte fundamento (fls. 7/11):
Em que pesem as razões expostas, ao meu sentir, não há
como acolher o pleito deduzido. Não vislumbro qualquer
constrangimento sendo infligido ao ora paciente.
Não há que se falar em nulidade do inquérito policial
apenas e tão somente porque foi feito o indiciamento de
forma "indireta".
O ato de indiciamento tem lugar, em regra, na fase do
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4. Superior Tribunal de Justiça
inquérito policial. Mas, nada impede que tal providência
ocorra em fase posterior, quando já instaurada a ação
penal.
Não tem o ato apenas o escopo de elaboração do Boletim
de Identificação Criminal do agente, mas também a
apuração de seu modus operandi e também a importante
finalidade de composição de dados estatísticos a respeito
da criminalidade, relevantes para o implemento de
políticas públicas de segurança.
No caso em apreço, diversas diligências foram realizadas
pela Autoridade Policial com o objetivo de que o
indiciamento fosse feito de forma direta, mas todas as
tentativas de localização do indiciado, ora paciente,
restaram infrutíferas (cf. fls. 75, 90 e 129, do apenso).
Não restou, então, alternativa à Autoridade Policial senão
o indiciamento "indireto", já que esgotado o prazo para
encerramento do procedimento administrativo.
Daí por que, em meu viso, respeitadas as vozes
divergentes, não vejo qualquer constrangimento ilegal
sendo infligido ao ora paciente. Se algum prejuízo houve,
o que se admite a título de argumentação, por exemplo,
não foi colhida sua versão dos fatos, pode a qualquer
momento comparecer espontaneamente perante a
Autoridade Policial e apresentar seu depoimento.
Por derradeiro, as nulidades do inquérito policial, em
especial para indiciados que estão em liberdade, são
relativas, pois tais diligências, em regra, podem ser
repetidas ou corroboradas em Juízo, sob o crivo do
contraditório, assegurada a ampla defesa.
Portanto, não restou demonstrado constrangimento ilegal
algum, motivo pelo qual de rigor a denegação da ordem.
Ante ao exposto, denego a ordem impetrada.
Daí o presente mandamus , no qual se pretende, em síntese, seja
declarada a nulidade do inquérito policial, em razão do indiciamento indireto do
paciente, e o trancamento da ação penal.
Da análise dos autos, entendo que não assiste razão ao impetrante.
Inicialmente, no que se refere ao pedido de trancamento da ação
penal, tem-se que este não pode ser conhecido. Isto porque, tal pedido não foi
formulado no prévio writ, não sendo, pois, apreciado pelo Tribunal a quo, o que
impede a sua análise por esta Corte, sob pena de se prestar a jurisdição em
indevida supressão de instância.
Nesse sentido:
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5. Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. FURTO. PRISÃO EM
FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
GARANTIDA DA ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTES. PEDIDO DE
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO
TRIBUNAL DE ORIGEM. VEDADA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
(...)
2. O pedido de trancamento da ação penal em decorrência da
aplicação do princípio da insignificância não foi analisado pelo
Tribunal de origem, motivo pelo qual fica inviabilizado o
conhecimento do tema, sob pena de vedada supressão de instância.
3. Writ parcialmente conhecido e, nessa extensão, DENEGADO. (HC
224.824/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado
em 14/02/2012, DJe 28/02/2012)
CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
TRANCAMENTO. TESE NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL A
QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO.
PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADA. APLICAÇÃO DA LEI
PENAL E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. FUGA DO
DISTRITO DA CULPA. AMEAÇAS ÀS TESTEMUNHAS. ORDEM
PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA PARTE, DENEGADA.
I. O pedido de trancamento da ação penal não foi conhecido pela
instância ordinária, não podendo aqui ser analisado, sob pena de
supressão de instância, porquanto ausente o debate sobre o tema
no Tribunal a quo.
(...)
VI. Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte, denegada, nos
termos do voto do Relator. (HC 209.066/GO, Rel. Ministro GILSON
DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 13/12/2011)
Com relação ao pleito de nulidade do inquérito policial, melhor sorte
não assiste ao impetrante.
A princípio, mister destacar que, a despeito do impetrante afirmar que
o paciente “reside no mesmo local há mais de 13 (treze) anos” (fl. 5), o que se pode
depreender dos documentos juntados aos autos é a sua escusa em receber a
notificação da autoridade policial para prestar esclarecimentos nos autos do
Inquérito Policial n.º 449/08 – recusa da esposa em receber a notificação (fl. 96);
recebimento da notificação pela irmã do paciente, que se comprometeu a entregá-la
a este (fl. 103); imóvel fechado (fl. 151).
Veja-se que não se pode afirmar ter havido qualquer desídia por parte
da autoridade policial, que empreendeu esforços em notificar pessoalmente o
paciente no endereço por ele mesmo indicado por ocasião de notitia criminis
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6. Superior Tribunal de Justiça
apresentada em desfavor das vítimas do inquérito policial em apreço (fl. 36).
Ainda que assim não fosse, com o superveniente recebimento da
denúncia em desfavor do paciente, resta prejudicado o exame da alegação da
nulidade que estaria a contaminar o inquérito policial, porque eventuais
irregularidades ocorridas na fase investigatória, dada a sua natureza inquisitiva, não
contaminam, necessariamente, o processo criminal, consoante a iterativa
jurisprudência deste Sodalício:
CRIMINAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE
QUALIFICADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. QUESTÃO NÃO
APRECIADA NA CORTE ESTADUAL. SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. NULIDADE.
MAUS TRATOS E TORTURAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.
DIREITOS CONSTITUCIONAIS. CIENTIFICAÇÃO DO
INTERROGANDO. OITIVA DO RÉU SEM A PRESENÇA DE
ADVOGADO. INQUÉRITO. PEÇA INFORMATIVA. AUSÊNCIA DE
CONTRADITÓRIO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO
PRISIONAL. INOCORRÊNCIA. PERICULOSIDADE DO AGENTE.
"ACERTO DE CONTAS". MODUS OPERANDI. NECESSIDADE DA
CUSTÓDIA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.
SEGREGAÇÃO JUSTIFICADA. EXCESSO DE PRAZO.
SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE PRONÚNCIA. ALEGAÇÃO
SUPERADA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA
EXTENSÃO, DENEGADA.
(...)
O posicionamento firmado nesta Corte é no sentido de que os
eventuais vícios ocorridos no inquérito policial não são hábeis a
contaminar a ação penal, pois aquele procedimento resulta em peça
informativa e não probatória.
(...)
Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (HC
188.527/GO, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJe 4/4/11)
HABEAS CORPUS. ROUBO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU
BANDO E ABUSO DE AUTORIDADE. PACIENTE POLICIAL
MILITAR. PRISÃO PREVENTIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE. ORDEM DENEGADA.
(...)
3. Eventuais irregularidades ocorridas na fase inquisitorial não
contaminam o desenvolvimento da ação penal, tendo em vista ser o
inquérito policial peça meramente informativa e não probatória, que
tem por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido,
conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a
propositura da ação penal.
4. Ordem denegada. (HC 132.946/SP, Rel. Min. CELSO LIMONGI
(Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 20/9/10.)
HABEAS CORPUS. ABUSO DE AUTORIDADE E CRIME
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7. Superior Tribunal de Justiça
PREVISTO NO ECA. AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. MINISTÉRIO PÚBLICO.
INVESTIGAÇÃO. LEGALIDADE. FASE INQUISITORIAL.
EVENTUAL NULIDADE QUE NÃO CONTAMINA A AÇÃO PENAL.
INVERSÃO DE ATOS PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
NULIDADE. INOCORRÊNCIA.
(...)
3. O inquérito policial, ou outro procedimento investigatório, constitui
peça meramente informativa, sem valor probatório, apenas servindo
de suporte para a propositura da ação penal. Eventual vício ocorrido
nessa fase não tem o condão de contaminar a ação penal, sendo
que a plena defesa e o contraditório são reservados para o
processo, quando há acusação formalizada por meio da denúncia.
Precedentes.
4. Não há nulidade processual sem demonstração da ocorrência de
efetivo prejuízo para o réu, nos termos do art. 563 do Código de
Processo Penal. É princípio de direito que: 'pás de nullité sans
grief'. Precedente.
5. Ordem denegada. (RHC 19.543/DF, Relatora a Ministra LAURITA
VAZ, DJ de 11/2/2008.)
Desse modo, deve ser mantido o entendimento firmado na instância
ordinária por inexistir constrangimento ilegal apto a fundamentar a concessão da
ordem.
Ante o exposto, conhece-se parcialmente o habeas corpus e, nesta
extensão, denega-se a ordem.
É o voto.
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