Trabalho realizado no ano de 2010, na disciplina de estágio básico I do curso de Psicologia que teve como objeto de estudo o AUTISMO BASEADO NA ABORDAGEM PSICANALÍTICA.
1. EDUARDO LUIS BECK – RA 910209539
AUTISMO BASEADO NAABORDAGEM PSICANALÍTICA
UNINOVE
São Paulo
2010
2. EDUARDO LUIS BECK – RA 910209539
AUTISMO BASEADO NAABORDAGEM PSICANALÍTICA
Relatório Final de Estágio Básico I
do Curso de Psicologia, sob
supervisão da Prof. Valéria
Lucarelli Mocelin
UNINOVE
São Paulo
2010
3. RESUMO
Este artigo apresenta uma leitura psicanalítica do autismo, acompanhada
cuidadosamente dos textos que tratavam do tema a partir da referida abordagem,
evidenciando a etiologia e o tratamento. No decorrer deste artigo, destacamos a terapia
psicanalítica que envolve não só as crianças com o transtorno, mas também os pais e
pessoas diretamente ligadas a elas. Por fim, ressaltamos a importância das brincadeiras e
dos jogos lúdicos para o tratamento do autismo, com o objetivo de destacar a influência do
terapeuta no desenvolvimento interativo da criança.
PALAVRAS-CHAVE: Transtorno Autista, função materna, tratamento psicanalítico,
conceito psicanalítico do autismo, jogos lúdicos.
5. INTRODUÇÃO
“… Imagine chegar em um país onde você não entende a língua e não conhece os
costumes – e ninguém entende o que você quer ou precisa. Você, na tentativa de se
organizar e entender esse ambiente, provavelmente apresentará comportamentos que os
nativos acharão estranhos…” (Manual de Treinamento ABA – Help us learn – Ajude-nos a
aprender.)
O estudo do tema autismo é desafio para a comunidade científica, visto a
diversidade de sintomas e características, o que contribui certa dificuldade em se realizar o
diagnóstico diferencial.
O Transtorno autista é uma alteração cerebral que afeta a capacidade da pessoa se
comunicar, estabelecer relacionamentos e responder apropriadamente ao ambiente. Essas
crianças apresentam retardo mental, mutismo ou importantes atrasos no desenvolvimento
da linguagem. Em alguns casos, podem apresentar inteligência e linguagem intactas.
Alguns parecem distantes e pouco acessíveis ao contato externo, evidenciam tendência a
apresentar padrões de comportamentos restritos e rígidos.
Além disso, o indivíduo com o transtorno autista tem padrões restritos, repetitivos e
estereotipados de comportamentos. Geralmente o diagnóstico ocorre antes dos três anos de
idade. Outros sintomas e comportamentos podem ser encontrados no DSM IV-TR. ¹
Os pais são os primeiros a perceber alterações no bebê, este desde o nascimento
pode mostrar-se indiferente a estimulação por pessoas ou brinquedos, focando sua atenção
prolongadamente por determinados objetos. Por outro lado, certas crianças começam com
um desenvolvimento normal nos primeiros meses, e pode ser identificada uma regressão do
desenvolvimento.²
Contudo, os sinais do autismo podem passar desapercebidos pelos familiares, sendo
considerados como características próprias da criança em questão, como certamente
posterga o diagnóstico e as intervenções.
6. Segundo Perissinoto3
citando Leo Kanner, que foi o primeiro responsável por
apresentar um estudo com onze casos de autismo, a observação de Kanner determinou o
autismo como característica marcante; neste momento, teve origem a expressão “Distúrbio
Autístico do Contato Afetivo” para se referir a estas crianças .
Considerou que as crianças autistas nasciam assim, devido ao aparecimento da
síndrome em idade precoce. Seu contato com os pais foi alterando suas opiniões. Observou
que os pais destas crianças estabeleciam um contato afetivo distante com elas, e foi
Kanner, segundo Costa e Silva2
que criou o termo “mãe geladeira” para referir-se às mães
de autistas, onde estas mães estabeleciam um contato frio e distante, promovendo assim
neles uma hostilidade inconsciente a qual seria direcionada para situações de demanda
social.
O mesmo autor destaca que apesar do termo ter sido criado por Kanner foi Bruno
Bettelheim a popularidade do termo. Em seus artigos nos anos 50 e 60, enfatizou a idéia
que existiam uma falha básica na relação mãe-bebê.
O rótulo “mãe geladeira” culpabilizou por décadas as mães pela etiologia do
autismo. Com os avanços nos diagnósticos foi possível descaracterizar esta idéia,
ampliando as causas para o autismo, sendo multifatorial 4
.
Donald Woods Winnicott5
escreveu em seu livro, um capítulo sobre o autismo com a
intenção de contribuir para que os problemas pessoais associados ao assunto venha nos
ajudar a compreender o desenvolvimento infantil.
Winnicott discorda da terminologia de Leo Kanner de 1943. Ele diz que “depois de
este termo ter sido inventado e aplicado, estava montado o cenário para uma coisa um tanto
quanto falsa, a descoberta de uma doença”.
Para Winnicott, o autismo não é uma doença, e sim um problema de
desenvolvimento emocional, dizendo ainda que essa doença - o autismo - não existe.5
7. O TRATAMENTO PSICANALÍTICO
A primeira dúvida dos pais quando levam suas crianças autistas para algum centro
de tratamento é o motivo pelo qual seus filhos apresentam tais sintomas. Em seguida,
desejam saber o que podem fazer para mudar e curar seu filho. Após o diagnóstico, as
crianças são encaminhadas de acordo com o caso. Vale ressaltar que o diagnóstico nem
sempre é realizado facilmente, demanda tempo e muita dedicação do profissional que
atende.
A terapia não é um interrogatório, os psicanalistas não estão preocupados em
atribuir sentido a todos os comportamentos das crianças autistas. O processo terapêutico
não é somente realizado com as crianças, também envolve os pais. No tratamento
psicanalítico, não adiantaria realizar alguma atividade com os filhos, deixando os pais de
fora, por que o autismo é compreendido em relação à falhas na função materna e paterna.
Muitas vezes, os pais apresentam certa resistência pela dificuldade de mudar sua
relação com o filho autista, comprometendo assim o tratamento. 6
Uma forma de extrema importância para o desenvolvimento da interação da criança
autista são as brincadeiras lúdicas.
Através da atividade lúdica, a criança aprende a conviver, a ganhar e perder, a
esperar por sua vez, ela desenvolve a criatividade e a espontaneidade da criança, ajuda a
conhecer e explorar o mundo. Processa-se em torno do grupo, nas necessidades individuais,
facilita a convivência entre a criança e o professor, pois recrear é educar.
As atividades lúdicas têm como papel fundamental estruturar o psiquismo da
criança e a psicomotricidade, brincando a criança utiliza fantasia e realidade, começa saber
o que é real e imaginário, aprendendo a utilizar sua imaginação, seus afetos, seus conflitos e
suas ansiedades e assim assume múltiplos papeis e fecunda competência cognitiva e
8. interativas.
Conclui-se, segundo Nasser7
, que é através das atividades psicomotoras: jogos,
atividades lúdicas e brincadeiras que a criança explorara o mundo, elaborando seu espaço,
psíquico, ligações afetivas e domínio do seu próprio corpo. A criança adquire sua relação
com o lúdico, brincando desde bebê, através das interações sociais.
OBJETIVO
Refletir conceitos psicanalíticos sobre o autismo e sua interface com a conceituação
atual do transtorno autista.
JUSTIFICATIVA
O transtorno autista configura-se como desafio importante dentro da área de saúde
mental. As especificidades diagnósticas e a falta de informação acabam por dificultar a
caracterização e diagnóstico, postergando as intervenções apropriadas.
A psicanálise com técnica terapêutica constitui-se com sua probabilidade viável de
intervenção neste âmbito, que pode favorecer a minimização dos sintomas e propiciar na
melhora da interação social.
MÉTODO
Foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o tema autismo, com
rastreamento de artigos e capítulos de livros, em acervos físicos e virtuais.
9. DISCUSSÃO
Como foi relatado neste artigo, o autismo visto em uma abordagem psicanalítica
destaca o transtorno afetivo como principal causador da síndrome.
Segundo Cullere-Crespin 8
citando Winnicott, o mesmo enfatiza a importância das
primeiras relações que a criança estabelece com o ambiente, sendo a mãe o protótipo dele.
“Preocupação materna primária” foi o termo denominado para demonstrar o estado
psicológico especial em que a mãe se encontra para desempenhar a função materna. Neste
estado de “preocupação materna primária”, a mulher esquece que antes de ser mãe, era
mulher e esposa, tinha tempo para dedicar-se a ela e ao seu marido. Com a vinda de um
filho, tende a dedicar-se ao filho de uma forma integral.
Com essa intensa relação, a mãe passa a interpretar suas necessidades através do
choro ou movimentos.
Quando a mãe vê o filho chorando e supõe que é fome, ela também está supondo a
existência de um sujeito. E quando a mãe não consegue supor nada? Quando ela toma seu
filho como prolongamento dela própria? Isso geralmente ocorre por uma falência
concomitante da função materna e paterna. 8
Na relação mãe-bebê, a presença do pai, ou alguém que represente a função paterna,
tem a responsabilidade na constituição psíquica da criança.
Segundo Rocha,9
a função paterna é uma quantidade de trabalho psíquico exigido do
pai no contato com o bebê. Este trabalho psíquico consiste não só no investimento pulsional
desse pai em relação a esse bebê, mas também na limitação da “loucura materna”,
sustentando assim uma distância entre a mãe e o bebê.
Durante a gravidez, a mãe permanece numa sintonia quase alucinatória com o bebê,
assim ela se oferece como objeto de investimento erótico para o filho, fomentando-lhe a
vida pulsional. Essa loucura é indispensável para a constituição do sujeito, mas é
10. contrabalançada por uma outra relação mãe-bebê, para que não tenha efeitos nefastos. Por
um lado a mãe exerce a função de seduzir o bebê, por outro, deveria funcionar como
espelho para ele, o que é só viável se a ela for possível conter sua própria vida pulsional.
Nesse sentido seria impensável o exercício da função materna sem a função paterna
representaria, desde sempre, uma limitação à loucura materna, à medida que sinaliza
permanentemente para uma inevitável separação. 10
Esse quadro clínico também pode ser decorrente de infecções gestacionais como
rubéola, toxoplasmose, citomegalia congênitas, neurofibromatose, traumatismos de parto,
meningoencefalites,traumatismos crânio-encefálicos. Portanto, sua determinação é
multifatorial e não psicológica, como se acreditou durante muitas décadas. 11
Hoje sabemos que o espectro autístico é composto por vários subgrupos: autismo
típico, síndrome de Asperger, síndromede Rett, e autismo atípico, com diagnóstico
diferencial parasíndrome do X frágil, síndrome de Landau-Kleffner, síndromede Williams.
Há consenso mundial atual de que esses pacientes têm uma dificuldade de apreender os
sentimentos do outro, mantendo um ponto de vista pessoal e único à respeito do mundo,
com visão concreta e estereotipada dos fenômenos mentais. Quanto ao seu grau de
compreensão, podemos dividir os pacientes autistas em 02 subgrupos: os de baixo
funcionamento, com deficiência mental associada e, os de alto funcionamento,com
inteligência e habilidades mentais superiores. Lembramos também que 1/3 desses pacientes
manifestam crises convulsivas até o período da adolescência, denotando um componente
cerebral importante na sua condição clínica.11
11. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O assunto abordado foi de extrema importância para a aquisição do conhecimento.
Através de pesquisas e discussões, foi possível discriminar idéias de diversos autores sobre
o autismo abordado em uma visão psicanalítica.
Durante a realização do artigo, assumimos o desafio de procurar transmitir de uma
forma clara, a relação afetiva e toda a complexidade que envolve o tratamento psicanalítico
do autismo. Também ficou evidente no decorrer das diversas fases do trabalho, a falta de
informação dos pais das crianças autistas, que dificulta a aceitação e o tratamento. Por
conta disso, a psicanálise atua não só na criança, mas também nos pais, pois eles são o
protótipo da criança.
Foi de fundamental importância a conclusão deste trabalho para que possamos
compreender o transtorno autista, mas será que o universo autista “perfeito e impenetrável”
poderá um dia ser decodificado?
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. DSM IV-TR Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. American
12. Psychiatric Association. Porto Alegre: Artmed, 2002
2. Silva, A C Abordagem Comportamental do Autismo; Fortaleza CE; 2008
3. Perissinoto, J Autismo. Pulso. São Paulo, 2003
4. Laindler, J R The "Refrigerator Mother" Hypothesis of Autism; Portland, Oregon: USA;
2. Ed, 2004.
5. Winnicott, D W Pensando sobre Crianças. Porto Alegre RS: Artes Médicas; 1966.
6. Neda, G D ; Doria, M ; Marinho, S T ; Filho U P O Autismo no Enfoque Psicanalítico.
Salvador BA; 2006
7. NASSER, AA importância da Ludicidade, jogos e brincadeiras no desenvolvimento da
psicomotricidade. São Paulo SP, 2004.
8. Cullere-Crespin, G A Clínica Precoce: contribuição ao estudo da emergência do
psiquismo no bebê. In. A Clínica Precoce: O Nascimento do Humano. São Paulo SP: Casa
do Psicólogo, 2004, p. 13-45.
9. Rocha, P S A Função Paterna Revisitada. In Rocha, P (org) Autismos. São Paulo: Escuta
1997 p. 61-67.
10. Cavalcante A. E. O que a clínica do autismo pode nos fazer pensar sobre a constituição
das subjetividades na contemporaneidade. XV Jornada do Círculo Psicanalítico de PE,
“feminilidade e subjetividade”. Recife PE, 1998.
11. Domingues, M W O autismo e sua relação com a psicanálise. Prêmio Fato Literário
2008 Ano Cyro Martins, São Paulo SP, 2003.