2. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Da necessidade de leitura de Kant para o diálogo com Hegel e Marx.
O surgimento do sujeito de direito e da noção correspondente de
"direito subjetivo" coincide com o surgimento do arcabouço conceitual
jurídico-ideológico que reveste a sociedade burguesa. Coincide,
também, com o surgimento da noção de indivíduo (que, como
sabemos, não existia até o advento da Modernidade). E coincide com o
surgimento da noção de subjetividade (que tampouco existia) - Alberto
Kant é a descoberta da subjetivação. Hegel é a contestação à esta
subjetivação kantiana. Marx é a percepção do papel da importância
desta subjetivação para a lógica de acumulação do capital.
O sujeito desta subjetivação não como um fenômeno individual, mas
com desdobramentos coletivos - universalização do sujeito. Para que
isto comporte a lógica do capital não basta que seja uma subjetivação
apenas no plano individual, mas deve ser coletivizada. O capitalismo
precisa observar leis morais que sejam observadas por todos.
3. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Indivíduo burguês - subjetividade como interioridade (psicológica e
epistemológica) - representações na esfera da consciência – Alberto.
Esse é o quadro em que nasce a razão na Modernidade, de Descartes até
Kant. Hegel, apogeu da razão burguesa, é um pouco diferente, pois
rejeita a noção de representação e de subjetividade até então (daí
porque Marx tomará a Fenomenologia como a primeira crítica
ideológica, ainda que idealista – Alberto.
Minha leitura, como você percebe, é lukácsiana. Eu entendo, com
Lukács, que o processo de ascensão da burguesia e afirmação das
conquistas da razão contra a superstição e a dominação política, sofre
um revés no momento em que a burguesia, em 1848, percebe que não
pode continuar seu projeto sem que ela própria pereça como classe. O
ponto culminante desse movimento, portanto, é Hegel. Tanto assim
que, a partir de então, renascem os irracionalismos e os relativismos de
toda espécie (filosofias "da emoção", "do sentimento", relativismos de
todo tipo), pois agora a burguesia tem de jogar fora a razão e lutar
contra os herdeiros do racionalismo hegeliano: ou seja, Marx - Alberto
4. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Esta última observação será muito importante para os
direitos humanos. Há uma forma de ver os direitos
humanos proveniente de Kant e outra proveniente de
Hegel. Kant e sua apropriação pelos positivismos jurídicos
(principalmente pós-positivismo). Hegel e sua apropriação
pelas teorias do reconhecimento.
Pergunta de hoje da Fenomenologia estabelece esta relação
e a aula dará conta de ajudar na resposta e na relação entre
o curso e o texto lido: “O que Hegel entende por fenômeno.
Estabeleça uma relação entre este conceito e o que é
apreendido a partir de Kant (fenômeno como
deslocamento do entendimento do objeto a partir do
sujeito)?”
5. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Um sujeito portador de valores do capital, precisa parecer
livre e igual, para vender a sua força de trabalho. Para isto a
liberdade/igualdade deve aparecer como algo inato, mas os
demais deveres morais devem ser obra do sujeito (do
nascente capitalismo).
As construções teóricas da economia, política e filosofia e
sua harmonia para a consolidação do pensamento burguês
Para isto, a importância do sujeito de direito no capital.
A mercadoria e seus valores de uso e de troca. O trabalho
concreto e o trabalho abstrato. A mercadoria trabalho.
6. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
Seleção no pensamento complexo apenas do que mais
de perto nos interessa para entender a universalização
do sujeito.
Kant e antecipação da revolução burguesa.
A universalização do sujeito pela primeira vez.
Migração da análise a partir do objeto (essência) para o
sujeito (“aparência”).
Reflexos nas análises de alienação de Hegel e do jovem
Marx e de fetiche da mercadoria do Marx da
maturidade.
7. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
A relação sujeito/objeto aqui a ser considerada compõe
do binômio homem/razão.
Qualquer ser humano poderá percorrer o caminho da
razão, ao buscar a realização das leis morais.
Portanto, a razão universalizada traduz um percurso
que pode ser percorrido por qualquer homem
individualmente na medida em que foi obra de todos
os demais homens.
Assim, cada homem deverá ser livre e totalmente livre
para realizar este percurso, não podendo ser guiado
por causas externas que o compilam a realizá-lo.
8. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
CONTRASTE 1 - Dever versus inclinação
CONTRASTE 2 – Autonomia versus heteronomia
CONTRASTE 3 – Imperativos categóricos versus imperativo
hipotéticos.
De um lado, o homem segue as suas inclinações, seus instintos,
seus desejos, ele age de baseado em algo que lhe é externo à
razão, atendendo mais ao chamado de sua natureza, com isto age
não com autonomia, mas a partir de uma heteronomia, o que
daria ensejo a um imperativo hipotético;
De outro lado, o homem age segundo o dever de fazê-lo,
observadas leis morais ditadas pela razão, age de forma
autônoma, já que o seu agir não é imposto por elemento externos
à razão, ensejando o que se conhece como imperativo categórico.
9. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
Conflito razão e natureza.
Exemplo da esmola.
o raciocínio anterior somente funciona na medida em
que nenhum homem é tido como um meio, mas
sempre deve aparecer como um fim em si mesmo.
Logo, ao dar esmola, para atender ao seu desejo
altruísta ou para obter abatimento no imposto de
renda, passei a usar o outro homem como meio para a
satisfação de algo que tem um significado egoístico,
que atende mais aos desejos de minha natureza do que
à racionalidade humana.
10. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
Voltando ao lugar onde pretendemos chegar, o
imperativo categórico consagra portanto a razão, a
partir de leis morais, pela universalização de
representações humanas do que seja uma vida comum
baseada na convivência racional. Homens não são
selvagens que se debatem, mas vivem racionalmente, a
partir de determinados princípios, que eles mesmos
produzem.
11. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
A universalização do sujeito é importante elemento, assim, para
que os princípios morais, ligados à razão, sejam acessíveis a todos
os homens, que passam a ser livres e iguais para acessá-los,
independe mesmo de dados como origem social, que são, no
exercício anterior, dado desprezível. Daí ser fácil concluir que os
elementos externos, como impulsos decorrentes da natureza pela
pobreza (fome, frio, causados pela situação social), por exemplo,
não são impeditivos de que o ser humano faça o percurso da
razão disponível a qualquer homem. Este dado é importante para
a consolidação da lógica do capital, na medida em que o mais
pobre dos homens, ao poder fazer o percurso nobre da razão e
cumprir as leis morais impostas pela humanidade, também é
igual e livre – condição primordial para o advento da lógica de
acumulação típica do capital.
12. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
“Para a maior parte dos seres humanos constituídos de poder
suficiente para tomar decisões, a e fazer com que sejam
executadas, o raio de abrangência das mesmas não alcança
apenas seus iguais em razão, linguagem e autonomia da vontade,
mas, ao contrário, seus não-iguais em razão, linguagem e
autonomia de vontade. Se tivéssemos o dever de respeito
somente para com seres dotados de dignidade, isto é, para com
aqueles que, por serem iguais a nós, não devem ser usados, por
nós, como engenhos, pontes, guindastes, trampolins, moeda de
troca, móbiles, para que alcancemos mais rápida e
eficientemente nosso próprios fins, então o círculo de
abrangência desse conceito de respeito se fecha em torno de uma
minoria de seres humanos, além de excluir a totalidade de outros
seres capazes de, ao serem usados como meros meios, sofrer
danos com nossas ações” (“Redefinindo a comunidade moral” de
Sônia T. Felipe, in “Kant – liberdade e natureza”, p. 268).
13. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
Logo, não é a igualdade e liberdade que determinam o
capitalismo, mas a ideia, a representação da igualdade
e liberdade feita pelo homem forjado no capitalismo.
Kantianamente, somos empurrados para o mundo das
representações, deixamos o plano do essente e nos
colocamos confortavelmente no plano do aparente,
completando-se a mágica capitalista do fetiche da
mercadoria.
14. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
“Sobre o suposto direito de mentir por amor à
humanidade”, escrito em 1797.
Kant inicia, ali, debatendo com escrito de Benjamin
Constant, em que este teria se insurgido contra
assertiva kantiana no sentido que o homem tem o
dever de dizer a verdade. Este dever não seria
escusado, mesmo diante de pergunta de um assassino
no sentido da presença de um amigo daquele homem,
que teria se ocultado na sua casa para fugir do
assassinato.
15. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
Constant se insurge contra Kant, dizendo que em
síntese que “’nenhum homem, porém, tem o direito de
dizer uma verdade que prejudica outro’” (“A paz
perpétua e outros opúsculos”, p. 188).
Kant se rebate, dizendo “A veracidade nas declarações,
que não se pode evitar, é o dever formal do homem em
relação a quem quer que seja, por maior que seja a
desvantagem que daí decorre para ele ou para outrem”
(p. 188)
16. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
Dizer a mentira, em decorrência de uma vantagem a mim
ou a terceiros, não é permitido, pois tenho o dever de fazer
tudo quanto me é exigido para evitar que as “declarações
em geral não tenham crédito algum, por conseguinte,
também que todos os direitos fundados em contratos sejam
abolidos e percam a sua força; o que é uma injustiça
causada à humanidade em geral” (p. 189). Logo, a mentira
sempre prejudica “outrem, mesmo se não é um homem
determinado, mas sim a humanidade em geral”, já que
confronta a lei moral que deve reger as relações entre os
homens, inclusive a boa-fé é a base para a sobrevivência das
relações contratuais (e patrimoniais, portanto) da
sociedade.
17. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
E isto não é afastado sequer no caso de uma “mentira
bem-intencionada”. Quem mente deve responder pelas
consequências de sua mentira perante um tribunal,
sendo o ser verídico (honesto) em todas as declarações
“mandamento sagrado da razão que ordena
incondicionalmente e não admite limitação por
quaisquer conveniências” (p. 190)
A pessoa para quem se mentiu como um meio para se
tirar uma vantagem para si ou para outra pessoa, não
como um fim em si mesmo.
18. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
E isto não é afastado sequer no caso de uma “mentira
bem-intencionada”. Quem mente deve responder pelas
consequências de sua mentira perante um tribunal,
sendo o ser verídico (honesto) em todas as declarações
“mandamento sagrado da razão que ordena
incondicionalmente e não admite limitação por
quaisquer conveniências” (p. 190)
A pessoa para quem se mentiu como um meio para se
tirar uma vantagem para si ou para outra pessoa, não
como um fim em si mesmo.
19. ASPECTOS INICIAIS PARA COMPREENSÃO
DA FILOSOFIA DE KANT
A pessoa para quem se mentiu foi usada para interesse
próprio e foi desconsiderada não apenas ela mesma, ao
se fazer isto, mas a humanidade como um todo que
teve um mandamento da razão violado.
O homem como fim em si mesmo e nunca como meio
típico do discurso dos direitos humanos no sentido
anterior.
O homem estoico de Kant.
20. O DIREITO EM KANT
A questão do direito e da sanção – heteronomia,
autonomia e direito como produto da razão
humana.
A vontade geral de Rousseau.
Abrir mão da liberdade para se ter liberdade.
O que determina a adequação às normas jurídicas
não e a sanção, mas a lei moral em última
instância.
21. O DIREITO EM KANT
“Tanto a definição de direito quanto seu princípio universal
são compostos pelos mesmos elementos básicos. ‘O direito
é o conjunto das condições sob as quais o arbítrio de um
pode ser unido ao arbítrio de outro segundo uma lei
universal da liberdade’ (Rechtsl, VI, 230). A lei universal do
direito é, por sua vez, assim formulada: “Age exteriormente
de tal maneira que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir
com a liberdade de cada um, segundo uma lei universal´(p.
231). Trata-se das relações externas, das ações de pessoas
que possam realmente influenciar a ação dos outros; nesta
perspectiva não interessam as intenções, e a lei universal do
direito não é necessariamente tomada como móbil da ação
(dado que não se trata de virtude, mas de direito).
22. O DIREITO EM KANT
O que importa não é matéria do arbítrio (o fim visado por
alguém), mas a forma da relação dos arbítrios (p. 230), ou
seja, quando se negocia um objeto não é considerado se
alguém será ou não beneficiado por ele, o que importa é
apenas a forma da relação dos arbítrios, os dois
contratantes sendo considerados livres e iguais e a
coexistência de suas liberdades estando de acordo com uma
lei universal. Os elementos básicos são dois: de um lado, a
relação mútua dos arbítrios e, de outro, a universalidade da
lei”. (“A distinção entre direito e ética na filosofia kantiana”
de Ricardo R. Terra, p. 91, em “Kant no Brasil”, organizado
por Daniel Omar Perez).
23. O DIREITO EM KANT
O mesmo sujeito de direito descrito por Marx como
indispensável à constituição da lógica de acumulação
do capital.
O homem passa, pela razão, a ser um projeto
inalcançável a si mesmo. Bastaria uma ideia de razão,
ainda que inalcançável. Aliás, isto é perfeito para a
sustentação dos princípios (leis morais) que
acomodam os espíritos e contaminam a classe
trabalhadora.
24. O DIREITO EM KANT
Os direitos naturais, por fim, aparecem como uma nítida
composição entre a razão e a natureza em Kant. Não seria
possível, na perspectiva kantiana, conceber os direitos
naturais como inatos ao ser humano. O único direito inato
seria a liberdade (“A metafísica dos costumes”). Caso isto se
desse, os direitos naturais seriam uma realização dos
imperativos hipotéticos. Em se situando na perspectiva do
direito, como posto acima, devem ser visto como
relacionados com os imperativos categóricos. Os direitos
naturais são, portanto, decorrentes da lei moral construída
pelo percurso da racionalidade e a qual a todo homem,
desde o seu nascimento, deve-se dar possibilidade de
acesso.