O filme retrata a história de um menino na Espanha de 1936 e sua relação com seu professor republicano. O professor inspira o menino e o ensina a questionar preconceitos em um período conturbado que antecede a Guerra Civil Espanhola. Apesar das crenças opostas de seus pais, o menino aprende com seu professor a valorizar a liberdade e a cooperação entre as pessoas.
1. ANÁLISE DO FILME “A LÍNGUA DAS MARIPOSAS”
Por Marcus Nogueira
O filme “A Língua das Mariposas” da Espanha, 1999, retoma o cenário
nacional vivido na década de 1930, precisamente em 1936, um pouco antes de a Guerra
Civil Espanhola estourar.
Logo de início, o filme retrata do nervosismo do menino Moncho em seu
primeiro ano na escola. Ele mal consegue dormir, aterrorizado com a reputação de
opressores rígidos que os professores da época ostentavam e que, como destacado no
filme, batiam nos alunos para promover bom comportamento e melhor aprendizado das
matérias. Porém, para surpresa do menino, ele encontra no professor republicano Don
Gregório alguém companheiro e carismático.
Ainda que o filme notoriamente trate da inadequação de métodos disciplinares
suplantados em nossa geração, a situação vista no filme ainda se faz presente nos dias
atuais. Estudos de 2010 revelaram que a repreensão física e outros tipos de castigos
corporais ainda são comuns em todo o mundo, mesmo que 24 países tenham adotado a
proibição de punições físicas desde 1979. Além disso, outros estudos mostraram que,
antagonicamente, o castigo físico pode alterar partes do cérebro ligadas ao desempenho
acadêmico e aumentar a agressividade e vulnerabilidade à dependência de drogas.
Ainda assim, muitos pais céticos acreditam que o uso das palmadas é consequência do
comportamento agressivo, e não o contrário.
De volta à sala de aula, as aulas encantam o garoto que passa a ter o professor
como referência. A cada aula o garoto descobre um pouco mais do universo que acaba
de ser inserido. As portas para o conhecimento são escancaradas e seus preconceitos ao
poucos vão caindo. Aliás, caem muitos preconceitos, como o racial: “O professor diz
que entre raças somos todos iguais.”.
Outra ideia apontada no filme que ainda perpassa a esta geração é a relação
estabelecida entre superar uma realidade difícil e emigrar para outro país a procura de
melhores condições de vida. Na primeira cena do filme o menino vendo-se em desajuste
social reclama ao irmão: “Aliás, eu já sei ler. Vou para a América.”; uma prerrogativa
ainda comum na nossa sociedade que almeja o “sonho americano”, a igualdade de
oportunidade e de liberdade para fazer-se prosperar por seus próprios esforços.
No filme, o valor dos professores também é questionado quanto a
subvalorização que tem; em uma cena, o pai de Moncho presenteia o professor com um
terno sob medidas e diz que os professores, a luz da República, não ganham tanto
quanto deveriam. Também se questiona o amor e o sexo; serão aliados ou inimigos
peremptórios? O que seria do tilonorrinco sem seu par? Um pássaro solitário qualquer?
Outro tema trabalhado é o convívio entre uma mãe religiosa e um pai cético
que categoricamente acredita que o mundo é dos ricos, e como, mesmo tendo crenças
opostas, conseguem levar a vida tolerando o outro, ainda que a controversa confunda o
2. menino. Quando questionado por Moncho sobre o céu e inferno, o professor responde
que o inferno não existe, mas sim o ódio, a crueldade; isso sim é o inferno e às vezes
nós mesmos somos o inferno.
O professor, observando a realidade em que vive, relata quando se aposenta:
“Se permitirmos que somente uma geração, somente uma geração, cresça livre na
Espanha então ninguém nunca poderá tomar sua liberdade.”.
Na cena em que Dom Gregório dá de presente a Moncho o livro “A Ilha do
Tesouro” de R. Lois Stevenson o que classifica como “ler livros de verdade”, a fim de
instigar o espírito aventureiro e questionador do menino (enfim, torna-lo um verdadeiro
pardal), podemos ver o livro “A Conquista do Pão” de Piotr Kropotkin, uma mensagem
subliminar sobre a ambição humana e como devemos cooperar uns com os outros para
progredir. Ao fim do filme, que coincide com o término da leitura do livro pelo menino,
a guerra chega à vila onde mora. E por fim, a sombra do fascismo intimida a família de
Moncho, que acaba contrariando as lições morais e de vida aprendidas com Don
Gregório, que termina preso pelos ditadores fascistas.
Podemos dizer que nem de longe a língua das mariposas, a tromba espiral, é a
chave do filme. Pelo contrário, ela é o aspecto menos trabalhado em meio a tantas
ideologias; mas ela representa sim o ponto principal, nunca desprezar a inocência e a
paciência com que se deve desfrutar a vida e continuar lutando por seus ideais mesmo
quando o mundo está prestes a viver seu período mais caótico, ou seja, não perder sua
inocência para não perdeu sua causa.
Marcus Nogueira
29/03/2013