Dando continuidade a sequência dos ensaios, o Professor e Historiador Professor Antonio Iramar Miranda Barros apresenta a segunda parte do ensaio “Não vim para escolher, mas quero ser a escolhida”: amor, sexo e sedução em perspectiva, publicado no endereço: http://expressoipu.blogspot.com/2018/04/nao-vim-para-escolher-mas-quero-ser.html. O segundo ensaio traz como tema: "Amor e sexo: múltiplas facetas que encantam e fascinam". Boa leitura!
1. Amor e sexo: múltiplas facetas que encantam e fascinam1
(PARTE II)
Antonio Iramar Miranda Barros2
Falando de amor, a perspectiva que nos remete está ligada a contentamento,
vislumbre, emoção ou mesmo entrega, pois como visto, ou da forma como a Filosofia
nos apresenta, a estratificação entre Eros, Fília e Ágape, nos dá uma dimensão de
medida, de conhecimento ou mesmo de apoderamento daquilo que temos e sentimos.
O ser que está amando já não se apresenta mais como uno, mas dividido,
manifestando reações desse sentimento em signos e símbolos, que podem ser
percebidos principalmente por aqueles entes mais próximos, quando ações e reações
diante das mais naturais situações, adquirem caráter de representação, convergindo
sempre para as relações inerentes ao outro, a aquele que o completa, ou seja, ao amado,
onde segundo Nietzsche, “O que é feito por amor está sempre além do bem e do mal”3
,
pois o sentimento de amor é superior a tudo, ao próprio eu, em detrimento do outro.
A aproximação como presença, abraços e beijos, além do ato carnal, são signos
que complementam essa necessidade do outro, portanto, a necessidade de seduzir,
também está ligada a arte de conhecer, pois:
As seduções bem-sucedidas começam pela sua personalidade, pela sua
capacidade de irradiar uma característica que atrai as pessoas e mexe
com suas emoções de um jeito que elas não consigam controlar4
.
E essa falta de controle, na busca pelo convencimento unido às formas de
sedução, transforma o próprio ser. Como demonstração de um jogo, diferentes formas
de aproximação são trabalhadas e assim, homem ou mulher, com suas possibilidades de
êxito nas investidas, com consequências positivas ou negativas passa a qualificar o que
seria o amor, como também desqualificá-lo, de acordo com suas experiências e
convicções.
Assim, crer nas explicações simplórias do que é o amor, sem analisar a arte das
seduções, incorreria em minimizar algo tão presente e ao mesmo tempo extremamente
complexo, explicado, cantado e analisado nas diferentes áreas do conhecimento,
1
Segunda parte do ensaio “Não vim para escolher, mas quero ser a escolhida”: amor, sexo e sedução em
perspectiva, publicado no endereço: http://expressoipu.blogspot.com/2018/04/nao-vim-para-escolher-
mas-quero-ser.html
2
Professor e Historiador. E-mail: iramarmiranda@hotmail.com
3
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal ou prelúdio de uma Filosofia do Futuro. Curitiba-PR:
Hemus editora, 2001. p. 54
4
GREENE Robert. A arte da sedução. Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2013. p. 17.
2. fortalecido principalmente pelas convicções de “quem não está amando”, pois como já
visto, só consegue explicar o que seria o amor, quando não mais existe esse sentimento.
Amor trágico, ligado à catástrofe, já fora tema de inúmeras obras épicas, que têm
na sua essência, a intenção de dar uma resposta aos sentimentos que se acham no íntimo
de cada um. Pela tradição cultural, principalmente do fim do século XIX, o que seria o
amor?
O amor é um pássaro rebelde
Que não se pode aprisionar,
É em vão que o chame,
Se lhe convém recusar!
O amor é criança da boemia,
Ela nunca, nunca conheceu lei [...]
– Ária: Habanera da ópera Carmen. Ato I. (Bizet, 1875)5
.
Portanto, segundo a tradição, o amor pode ser trágico, mas também é livre e se
manifesta de diferentes formas, de acordo com as conveniências de cada um ou o
momento. Ainda buscando na arte outra perspectiva, vemos que o amor tem vida
própria, organizando e ditando o modelo de vida das pessoas, formando ideias e
conceitos, forjando situações que passam a permear a vida de quem se disponibiliza na
arte de amar:
[...] Em meio àquela dor que o amor veio a mim!
E com voz cheia de harmonia murmurou: Vive ainda! Eu sou a vida!
Nos meus olhos o teu Céu! Não estás sozinha!
Recolho as tuas lágrimas! Sigo o teu caminho e te amparo.
Sorri e espera! Eu sou o amor! Tudo ao redor é sangue e lodo?
Eu sou divino! Sou o esquecimento! Sou o deus que reina o mundo
desce do Império, faz da terra um paraíso!
Ah! Eu sou o amor, Eu sou o amor, O amor [...]
– Ária: La mamma morta da ópera Andrea Chénier. Ato III. (Giordano, 1896)6
.
Esse “deus que reina no mundo” divide seu poder com aqueles que detêm a arte
da sedução, independente de gênero, mas que aprendeu a utilizar as facetas da conquista
em prol de suas vontades. Assim, o amor, ligado ao sexo, se transforma em arma
perigosa, que pode ser utilizado em proveito próprio, ainda que para que isso, o amor
seja trocado por um momento de prazer, sem responsabilidade e em troca de
dividendos. O corpo e a mente neste instante passam a ser utilizados em faces distintas,
5
http://www.rj.gov.br/web/sec/exibeconteudo?article-id=2032832. Acesso em 14/05/2018
6
https://mondomoda.com.br/2018/05/25/opera/. Acesso em 14/05/2018
3. onde a partir de uma questão venal, utiliza-se do corpo e da sedução, para adentrar a
mente daqueles que buscam o amor, e acreditam encontrá-lo em um momento de prazer,
com quem está disposto a vender tanto o corpo como a promessa da tal felicidade
representada em um ato de entrega, mesmo que pago.
E neste momento, diferentes intencionalidades se entrelaçam. Mesmo quem
vende o corpo, também está apto a sentir a sensação do que seria o amor, enquanto
sentimento e necessidade, portanto, apresenta-se aqui a interlocução de dois mundos: o
mundo de quem tem o corpo venal, representado pela mulher e o mundo de quem busca
prazer, o homem.
Sousa simplifica esta passividade de mundos, defendendo que:
Ao apertar uma determinada tecla, a mulher prostituta-máquina
esquece o prazer e sua história pessoal, passando a agir tão somente
como mercadoria á venda. Em outro momento, de atração por um
cliente, aperta-se outra tecla, e o que vai predominar é a busca do
prazer, vivenciada pela história pessoal7
.
Mas se assim for, a comodidade ou facilidade de transmutação entre situações,
caracteriza o ser como algo mecânico, de fácil adaptação em diferentes situações,
inclusive naquelas que adentram espaços de sentimento, distanciando-se da direta
explicação das relações, ligadas aos tipos de amor Eros, Fília ou Ágape. O corpo passa
a ser apresentado como espaço de procura, ou também espaço de sentimentos. A mulher
se apresenta nesse sentido, sendo capaz e dona de suas vontades, tendo a possibilidade
de fazer e entender essa diferenciação de intenções, e, diferentes situações. Ou seja, ora
é objeto, passível de comercialização, ora é dotada de sentimentos, livre para escolhas e
entregas, mas sempre dona de suas vontades, dona de seus desejos, e principalmente,
dona de seu próprio corpo.
Essas relações podem ser caracterizadas como quebras de paradigmas, que
foram socialmente construídos no Brasil a partir da nossa formação enquanto família.
As relações sociais entre homens e mulheres, principalmente quando relacionadas à
sexualidade, se distanciam nos seus interesses. Homens buscam domínio, mulheres
entrega e desejos ligados a sentimentos, com diferenças nos seus moldes de
manifestação, portanto, quando a mulher se apresenta emancipada e dona de seu corpo e
vontades, os conflitos nas relações se mostram mais latentes.
7
SOUZA, I. O cliente: o outro lado da prostituição. São Paulo: Annablume, 1998. p. 41
4. Portanto, a prostituição pode ser caracterizada como uma quebra da moral
reguladora da sociedade, e a prostituta, como mulher emancipada dessa mesma moral.
Na sociedade patriarcal, que segundo Gilberto Freyre fora marca de nossa formação
enquanto família8
, as relações entre homens e mulheres em muito se diferenciavam.
No casamento formando um contrato de relações, a mulher era vista como mãe e
esposa, a serviço do homem. Na rua, a meretriz também era posta a serviço do homem,
mas com a possibilidade de se manifestar detentora de prazer, para o prazer. Ângelo
trata a questão da forma como:
No casamento encontram a mãe de seus filhos e uma serviçal que,
gratuitamente, reproduz sua força de trabalho, cuida de seu cotidiano.
Fora do casamento, porém, é que se encontra para ele, o prazer. Com
outro tipo de mulher, as outras, as que não prestam, aquelas que
aparentemente vivem de um prazer mais que na verdade, como as
primeiras, estão colocadas a serviço das necessidades de uma
sociedade masculina e patriarcal9
.
Assim, amor e sexo são complementares nas relações sociais, onde o sexo livre
pode ser caracterizado como símbolo da liberdade. A mulher, esposa, recatada e do lar
tinha suas limitações, o que a diferenciava da mulher meretriz. Toda essa liberdade
sexual poderia ser representada pela demonstração de prazer, mas mesmo assim, a
meretriz se apresentava a serviço do homem, que por um momento a tinha como posse.
Nessas relações de poder, as heranças patriarcais defendidas por Freyre, ainda se
manifestam.
Martin10
nos dá uma ideia, de como essas relações e sensações se apresentam no
imaginário das relações entre homens e mulheres quando nos referimos a sexo e prazer.
Para ele, como em todas as ações existem intencionalidades, as mulheres que se
submetem ao sexo pago, manifestam determinadas posturas que as diferenciam das
demais e as qualificam como profissionais da venda do corpo. Argumenta que elas têm
consciência que podem dar ao homem, aquilo que eles não têm em seus
relacionamentos, e que por uma questão de postura, conveniência ou mesmo tradição,
buscam na outra, aquilo que não credenciam acontecer em casa.
8
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. 49° ed. São Paulo: Global, 2004.
9
ÂNGELO, A. ET al. A prostituição em debate: depoimentos, análises e procuras de soluções. São Paulo:
Paulinas, 1982. p. 16
10
MARTIN, D. Riscos na prostituição: Um olhar antropológico. São Paulo: Humanitas /FFLCH /USP:
FAPESP, 2003.
5. Como boas profissionais, se qualificam, percebem as necessidades do outro e
principalmente, dão o tão desejado senso de poder ao homem, onde na máxima de que,
“quem paga, pode exigir”, o preço exigido para a prática sexual, libera reações que
transcendem normas pré-estabelecidas e que de longe passariam nas casas de homens e
mulheres recatados socialmente, a partir do que se convencionou historicamente
vivenciar.
Ainda segundo Martin,
A prostituição permite, para algumas outras, uma sociabilidade com
os clientes na qual há diversão e lazer, além da “liberdade e
autonomia” declaradas nos seus modos de agir. Também a descrição
de fatos do cotidiano da prostituição mostrou vários exemplos de
atividades que envolvem sentimentos de alegria, prazer, solidariedade
e diversão11
.
Fortalecendo os laços de trocas e intenções, homens e mulheres nesse campo de
desejos e prazer, tornam-se cúmplices no que concerne à contravenção social. Ambos
sabem que estão burlando normas, mas também sabem que necessitam de algo para
complementar seus anseios. Neste sentido, amor, prazer e sedução se confundem. A
mulher venal propicia o prazer, a partir da defesa de que está trabalhando com o amor,
ou com a falta dele, complementando as necessidades do homem. Como a arte da
sedução exige determinadas reações e depende da capacidade de cada uma, ou mesmo
experiência, o que as levou a essa arte, pode ser respondido com diversas teorias.
Para Gaspar, o que leva a mulher à venda do corpo, está ligado principalmente à
questão econômica, qualidade de vida ou mesmo à sobrevivência. Embora ele admita
que em alguns casos, algumas mulheres sintam prazer no métier a qual desenvolvem, a
maioria está mais preocupada no que se refere a ganhar dinheiro, sentindo inclusive
repulsa por seus clientes, o que não pode ser manifestado durante a arte da sedução e
muito menos durante o desenrolar da prática sexual, pois como visto, além do prazer, o
parceiro também quer sentir a sensação de poder, de domínio e controle da situação a
qual ele se dispôs a pagar. Gaspar justifica que:
[...] uma situação econômica precária, marcada pela difícil colocação
no mercado de trabalho por baixos rendimentos, e muitas vezes, pela
condição de arrimo e chefe de família, é uma forte justificativa para o
fato de a mulher se dedicar à prostituição [...] diante da sua própria
situação de penúria e também da de sua família, é necessário que ela
11
MARTIN, D. Riscos na prostituição: Um olhar antropológico. São Paulo: Humanitas /FFLCH /USP:
FAPESP, 2003. p. 181
6. se sacrifique por ela e pelos seus. A prostituição surge então como um
recurso quase legítimo para a falta de dinheiro12
.
Desta forma, com base na justificativa de Gaspar, fica simplório o motivo a qual
as mulheres adentram na prática da venda do corpo. Mas também podemos ter como
principio que uma vez percorrido esse caminho, necessário se faz que saibam
desenvolver ações que aproximem a sedução, o sexo e o próprio amor, no ato da junção
carnal. Assim acontecendo, complicado se fará uma explicação filosófica dentro dos
moldes Eros, Fília ou Ágape, que consiga dê cabo de entendimento da real sensação
que será manifestada antes, durante e depois do ato sexual.
Assim, o que fascina nas relações entre amor e sexo é as múltiplas facetas que se
desenrolam no decorrer da efetiva prática, onde por mais que tenhamos a possibilidade
de responder a questionamentos e a sentimentos, adentrar aos espaços da intimidade,
entender o desenrolar de intenções, destrinchar conceitos ligados a sentimentos, não se
apresenta como tarefa das mais fáceis, pois como visto, as ações e práticas, são
desenvolvidas a partir das intenções de cada um, seja do gênero masculino ou feminino.
Continua...
12
GASPAR, M. D. Garotas de programa: prostituição e identidade social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1985. p. 86