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T E X T O S DE
ERUDIÇÃO & PRAZER
A Morte dos Deuses, Michel Henry
A Morte nos Olhos, Jean-Pierre Vernant
Dioniso a Céu Aberto, Marcel Détienne
Maneiras Trágicas de Matar uma Mulher,
Nicole Loraux
Nicole Loraux
MANEIRAS
TRÁGICAS
DEMATAR
UMAMULHER
Imaginário da Grécia Antiga
Traduzido por
MÁRIO DA GAMA KURY
Jorge Zahar Editor
Rio de Janeiro
Título original:
Façons tragiques de tuer une femme
Tradução autorizada da primeira edição francesa publicada em 1985 por I
lachcttc, de Paris, França, na coleção Textes du XXe
Siècle dirigida por
Maurice Olender
Copyright © 1985, Hachette Copyright
© 1988 da edição brasileira:
Jorge Zahar Editor Ltda.
rua México 31 sobreloja 20031
Rio de Janeiro, RJ
Todos os direitos reservados.
A reprodução nao-autorizada desta publicação, no todo
ou etn parte, constituí violação do copyright. (Lei 5.988)
(Edição para o Brasil.
Não pode circular em outros países.)
Ficha técnica Revisão de texto: Angela Loureiro. Diagramação: Celso Bivar. Capa: Gilvan
F. da Silva. Composição e montagem: Ed. Ubyassara Ltda. Revisão: Ricardo Santos, Carlos
Kayfcld, Naír Damctto. Impressão: Tavares e Tristão Granea e Editora de Livros Ltda.
ISBN: 85-7110-046-2
Sumário
7 Prólogo
15 Distribuição
21 Maneiras trágicas de matar uma mulher
27 A Corda e o Gládio
Um suicídio de mulher
por uma morte de homem 27
Uma morte desprovida de andreia 29
A incisão no corpo viril 33
Enforcamento ou sphagé 36
A esposa que se lança 42
O silêncio e o segredo 48
No thálamos: morte e casamento 51
Morrer com 53
A glória das mulheres 56
63 O sangue puro das virgens
Sacrifícios em que é bom pensar 64
Novilha, poldra: domadas 68
Da execução como casamento 72
Liberdades virginais 80
A glória das moças 88
91 Lugares do corpo
0 ponto fraco das mulheres 92
Enumeração do corpo viril 97
A alternativa de Polixena 101
116 Notas
139 Sobre a autora
Prólogo
“Mortes representadas em cena, grandes dores,
ferimentos”: acontecimentos da tragédia, espe-
táculos para os olhos. Considerando os exem-
plos dados por Aristóteles para ilustrar sua
definição do pathos trágico como “ação causa-
dora de destruição ou dor” 1
quem poderia
duvidar um instante sequer de que, no teatro
ateniense, a morte não tenha sido realmente
exposta à visão do espectador? Thanatói en tói
phanerói: agonias em público, assassínios di-
ante dos olhos de todos... Lendo mais uma vez
com perplexidade a frase de Aristóteles, tomo
a decisão de advertir o leitor de que, nas pági-
nas seguintes, o ouvinte da tragédia levará
vantagem sobre o espectador: tudo passa pelas
palavras, porque tudo se passa nas palavras,
principalmente a morte. Investigando as mo-
dalidades trágicas da morte das mulheres, nada
encontrei que seja visto ou que seja primeiro
7
visto. Tudo começou por ser dito, por ser ou-
vido, por ser imaginado – visão nascida das
palavras e presa a elas. Assim, ao empenhar-me
em um longo exercício de leitura, tentei captar,
pura e simplesmente, aquilo que dava de ime-
diato ao público antigo o gozo intenso do pra-
zer de ouvir.
Palavras lidas para substituir ou mesmo
para reencontrar as palavras ouvidas, aquelas
que a representação trágica oferecia à escuta
ativa do público ateniense. Palavras de duplo ou
múltiplo sentido. Em síntese, texto, nada mais
que texto. Pode ser que contar “muito mais com
a imaginação que com a vista, mais com o
ouvido que com o olho” 2
seja uma escolha
minha, mas que importa? Na Atenas do século
V a.C, essa foi a escolha do gênero trágico.
Não tentarei prová-lo. Precisaria para tanto de
mais que um prólogo, e somente por prazer, ou
de memória, evocarei algumas das razões que
levam a colocar a tragédia sob o signo da es-
cuta.
Há, inicialmente, as razões do historiador.
Seria necessário evocar o apego decididamente
etimológico dos gregos à sua língua e o amor
que eles demonstram por suas palavras (que
eles chamam de “nomes”). Conviria lembrar
até que ponto, no século V ateniense, as regras
da escuta dominam esses discursos cívicos que
8
denominamos um pouco impropriamente gê-
neros literários. Ouso mesmo formular a hipó-
tese de que, no teatro de Atenas, a escuta era,
para o público da representação trágica, como
que uma leitura muito refinada, à altura da
“profundidade” do texto3
. Se o espectador anti-
go, tal como gostamos de imaginá-lo depois de
1er Jean-Pierre Vernant, tiver sido esse espec-
tador de ouvido apurado para quem a “lingua-
gem do texto pode ser transparente em todos os
níveis, em sua polivalencia e em suas
ambigüidades”4
, então temos de atribuir a esse
ouvinte onipotente uma atenção da qual o mí-
nimo que se pode dizer é que ela quase não
tinha flutuações, uma memória por nós total-
mente esquecida e a capacidade espantosa de
realizar o longo trabalho sobre o significante
durante o curto tempo da representação teatral.
Ficção, talvez, mas ficção necessária. Podemos
então formular a hipótese de que, arrebatado
pela profundidade polissêmica do texto, o leitor
se empenha na interminável busca das palavras
em eco.
O historiador já se afastou na ponta dos
pés. Resta o texto e, diante do texto, seus usu-
ários muito contemporâneos. Na primeira linha
destes estão o diretor e os atores. Não espere-
mos, entretanto, que eles tornem a dar um cor-
po à idéia de espetáculo5
. Por pouco que seja
9
interrogado, o diretor confessará a dificuldade
que enfrenta para convencer os atores a dizerem
– a somente dizerem e sobretudo a não repre-
sentarem – as grandes unidades textuais com-
ponentes de uma tragédia: o coro do Agamêm-
non sobre o sacrifício de Ifigênia, a narração da
morte de Dejanira nas Traquínias ou a imola-
ção de Polixena na Hécuba6
.
Resta ao leitor, então, aceitar até o fim a
aposta no texto. Leitora de tragédias, não tive
aliás escolha. Fui constrangida a isso desde que,
procurando traçar as vias trágicas da morte das
mulheres, tive de admitir que essas vias eram
textuais. Nada encontrei além da narração.
Como se só se pudesse confiar a morte das
mulheres às palavras, como se apenas as pala-
vras soubessem levá-la a termo. Para isso há
seguramente razões históricas, razões de civi-
lização: uma mulher grega vivia sua existência
de moça, de esposa e de mãe no lugar mais
recôndito da casa; ela também devia partir desta
vida de sua casa bem fechada, ao abrigo dos
olhos, longe de todo o público. Mas, seja como
for, a decência, ainda que sociológica, nunca
bastou para explicar tudo.
Não é difícil admitir que os sacrifícios das
virgens – este puro desvio – só possam rea-
lizar-se no terreno da narração; a tragédia co-
loca as moças em cena apenas para dela tirá-las
10
e para entregá-las, longe dos olhos, ao cútelo do
degolador: execução escandalosa, ficção satis-
fatória narrada passo a passo pelos mensageiros
em linguagem técnica cujas palavras carregam
o impensável com todo o peso do real. Faz bem
matar as moças em pensamento, em narração.
Mas há também o suicídio das esposas, que
vem complicar tudo, porque é revelado também
pela narração, e não pela visão. Estarão essas
desesperadas realmente cometendo uma espé-
cie de transgressão, para terem de voltar a ocu-
par precipitadamente seu lugar – sombrio,
oculto, fantasmático – para então encontrarem a
morte cuja narração ao público dependerá de
uma ama ou de um servidor? É nessa reticência
em mostrar a morte que a invenção trágica da
feminilidade encontra, sem dúvida alguma, seu
limite, com essa maneira que as esposas perdi-
das têm de voltar ao seu lugar para rematar uma
ortodoxia. Mas isso não é tudo: recorrer à or-
dem da linguagem7
para matar Fedra ou Deja-
nira talvez seja uma das dimensões constituti-
vas do trágico em sua definição grega. Ao
menos não se deve subestimar o benefício
imaginário muito real que essas mortes apenas
ditas deviam trazer a um público de cidadãos.
Dessas mortes postas em palavras direi sem
hesitar o que Baudelaire dizia do belo, definido
como “prestando-se a conjecturas”: a morte-
11
narração presta-se infinitamente mais a con-
jecturas que as violências exibidas diante dos
olhos. Para o cidadão de Atenas, a apresentação
teatral das mulheres já é, em si mesma, uma
ocasião admirável para pensar a diferença dos
sexos: mostrá-la para confundi-la e depois re-
encontrá-la, mais rica após haver sido confun-
dida, mas ainda assim consolidada ao ser rea-
firmada no último instante. Pelo fato de nela se
dramatizarem e se condensarem todos os
momentos dessa história, a morte de uma mu-
lher é a ocasião por excelência para essa ope-
ração imaginária, ainda mais porque a tragédia
usa para dizê-la palavras de múltiplos sentidos
que, de certo modo, “sabem”8
.
Palavras precisas, como aiora e áiresthai,
dotadas de sentido técnico na linguagem reli-
giosa ou sacrificial9
; palavras muito gerais
como báinein, designação neutra da ação de
marchar (“ela partiu, a esposa...”); nomes de
lugares do corpo10
– a garganta, por exemplo. A
tragédia usa todas essas palavras da língua e as
transforma para fazer delas a trama de um
discurso bem audível que, sob a narração, fala
ainda e sempre da diferença dos sexos. Foi na
tradução literal dos textos que procurei aquilo
que, no seio da representação trágica, se passa
ao nível das palavras quando um mensageiro
conta a morte de uma mulher.
Mas passemos ao texto.
12
Não gostaria, entretanto, de iniciar essa leitura
prolongada sem antes agradecer, por suas su-
gestões e observações, todos aqueles a quem
expus a totalidade ou parte destas pesquisas em
meus seminários na E.H.E.S.S., nas universi-
dades de Toulouse e de Trieste, na Cornell
University, em Princeton e em Harvard. Agra-
deço principalmente àqueles que, convidándo-
me a falar da morte trágica das mulheres, de-
ram-me a oportunidade de escrever estas pági-
nas: Gregory Nagy em primeiro lugar, e Clau-
dine Leduc. Agradeço finalmente a Maurice
Olender por acolher-me na coleção “Textes du
XXe
Siècle”, por ele dirigida.
Nota do tradutor:
Em relação aos nomes próprios gregos, a auto-
ra usa geralmente a forma tradicional francesa,
13
como Achille, Ajax. Às vezes, entretanto, opta
pela transliteração (preferida pelo tradutor e
adotada em seus trabalhos anteriores: Heracles,
Têcmessa, Teucros, Macária). Respeitando o
critério usado predominantemente pela autora,
e com vistas à uniformidade dentro de uma
mesma obra, seguimos a forma tradicional
portuguesa, dando entre parênteses, na Distri-
buição anteposta à obra, a transliteração dos
nomes gregos: por exemplo, Aquiles (Aqui-
leus), Ájax (Aias).
14
Distribuição*
ÁDMETO: (Ádmetos) Marido de Alceste. Ver Eurípides,
Alcesle.
AGAMÊMNON: Rei de Argos e comandante da expedição
grega contra Tróia. Sacrifica sua filha Ifigênia
e é morto por sua mulher Clitemnestra. Ver
Esquilo, Agamemnon e Coéforas, e Eurípides,
Ifigênia em Áulis.
ÁJAX : (Aias) Rci de Salamina. Recuperando a razão
ao sair do desvario em que o lançou Atena,
suicida-se com seu gládio. Ver Sófocles,
Ajax.
ALCESTE: (Álcestis) A “melhor das mulheres”. Esposa
de Ádmeto, rei da Tessália; aceita morrer em
lugar de seu marido. Ela morre; Heracles a
traz de volta do Inferno depois de disputá-la
com Tânatos, a Morte. Ver Eurípides, Alcesle.
ANTÍGONA: (Antigone) Filha de Édipo e de Jocasta. Por
ocasião da morte de seus irmãos, caídos num
combate decorrente da guerra civil e do sui-
cídio mútuo, enterra Polinices contrariando a
* Os personagens, sua história trágica e a menção às peças das quais
são protagonistas e que serão citadas.
15
proibição de Creóme. Condenada à morte em
confinamento, enforca-se. Ver Sófocles,
Antígona, e Eurípides, Fenicias.
AQUILES: (Aquileus) Pouco presente na tragédia, o
herói da Ilíada é em Áulis o noivo fictício de
Ifigênia. Em Tróia, Polixena é imolada sobre
seu túmulo. Ver Eurípides, Hécuba e Ifigênia
em Áulis.
CASSANDRA: Filha de Príamo e de Hécuba, profetisa em
quem ninguém acreditava, levada como ca-
tiva para Argos pelo rei Agamemnon e morta
com ele por Clitemnestra. Ver Esquilo,
Agamemnon, e Eurípides, Troianas.
CLITEMNESTRA: (Clitaimnestra) Mulher de Agamemnon, mãe
de Ifigênia, de Orestes e de Electra. Mata
Agamêmnon auxiliada por Egisto, e é morta
mais tarde por Orestes com a ajuda de Elec-
tra. Ver Esquilo, Agamêmnon, Coéforas e
Eumênides, Sófocles, Electra, e Eurípides,
Electra c Ifigênia em Áulis.
CREONTE: (Crêon) Irmão de Jocasta, marido de Eurídi-
ce, pai de Hcmon e de Mencceu. Rei de Tebas
após a morte dos filhos de Édipo. Ver
Sófocles, Antígona, e Eurípides, Fenicias.
DANAIDES: Filhas de Dânaos, evitam o casamento e os
homens, especificamente os filhos de Egito
(Áigiptos), seus primos. São acolhidas em
Argos pelo rei Pelasgo. Ver Esquilo,
Suplicantes.
DEJANIRA: (Deiâneira) Mulher de Heracles em Traquis,
envia ao herói a túnica de Nesso, presente de
amor – pensa ela –, mas na realidade presente
de morte. Suicida-se com um gládio. Ver
Sófocles, Traquínias.
ÉDIPO: (Oidípous) Filho de Laio e de Jocasta, assas-
sino de seu pai e marido de sua mãe. Diante
16
do cadáver de Jocasta cega-se com o pino de
um broche da roupa da morta. Seus filhos
Etéocles e Polinices exterminam-se mutua-
mente, sua filha Antígona enforca-se. Ver
Sófocles, Edipo Rei, Antígona, e Eurípides,
Fenicias.
EGISTO: (Áigistos) Amante de Clitemnestra e primo
de Agamêmnon, ajuda a mulher a matar o
marido e é morto por Orestes. Ver Esquilo,
Agamêmnon e Coéforas, e Eurípides, Electro.
ELECTRA: Filha de Agamemnon e de Clitemnestra,
espera o retomo de Oreslcs para vingar o pai
morto matando sua mãe. Ver Esquilo, Coéfo-
ras, Sófocles, Electro, e Eurípides, Electro e
Orestes.
ERECTEU: (Erecteus) Rei de Atenas. Sacrifica sua ou
suas filhas para salvar a cidade. Ver Eurí-
pides, Ion e os fragmentos de Erecteu.
ETÉOCLES: (Eteoclcs) Filho de Édipo e de Jocasta. Mor-
re no combale fratricida cm que enfrenta
Polinices. Ver Esquilo, Sete contra Tebas, e
Eurípides, Fenicias.
EURÍDICE: (Euridice) Mulher de Creonte, mãe de Hê-
mon. Ouvindo a notícia do suicídio de seu
filho, mata-se com um gládio. Ver Sófocles,
Antígona.
EVADNE: (Euadne) Mulher do herói Capaneu, lança-se
na pira fúnebre de seu marido, morto diante
de Tebas. Ver Eurípides, Suplicantes.
FEDRA: (Faidra) A Cretense, mulher de Teseu. Apai-
xonada por seu enteado Hipólito, que gosta
somente da deusa Ártemis, enforca-se. Ver
Eurípides, Hipólito.
HECUBA: (Hecabe) Mulher de Príamo, rei de Tróia,
mãe de numerosos filhos e filhas, entre as
quais Cassandra e Polixena. Ver Eurípides,
Troianas e Hécuba.
17
HELENA:
HÊMON:
HERACLES:
HERMIONE:
HILO:
HIPÓLITO:
IFIGÊNIA:
JASÃO:
JOCASTA:
A bela Helena. Mulher de Menelau, raptada
por Páris. Segundo alguns autores, somente
seu fantasma foi a Tróia. Ver Esquilo,
Agamemnon, e Eurípides, Troianas, Helena e
Orestes.
(Háimon) Filho de Creonte e de Eurídice,
noivo de Antígona. Suicida-se com um gládio
ao descobrir sua noiva enforcada. Ver
Sófocles, Anlígona.
(Heracles) Herói dos doze trabalhos e de
numerosas esposas. Num acesso de loucura
mata Mcgara e seus filhos. Morre vítima do
funesto presente de Dcjanira. Ver Sófocles,
Traquínias, e Eurípides, Heracles. Filha de
Mcnclau e de Helena, mulher de
Neoptólcmo. Ver Eurípides, Andrômaca e
Orestes.
(Hilos) Filho de Heracles c de Dejanira. Ver
Sófocles, Traquínias.
(Hipólitos) Filho de Tcscu e da amazona
Antíope. Gosta apenas de Artemis c da caça.
O amor de Fcdra e a maldição de seu pai le-
vam-no à morte. Ver Eurípides, Hipólito.
(Ifigência) Filha de Agamemnon e de Cli-
temnestra, sacrificada por seu pai para propi-
ciar os ventos que levarão a frota grega a
Tróia. Em certas versões do mito, salva in
extremis pela deusa Artemis ela é transporta-
da para Táuris, onde realiza sacrifícios hu-
manos, antes de Orestes levá-la de volta para
a Grécia. Ver Esquilo, Agamêmnon; Eurí-
pides, Ifigênia em Áulis e Ifigênia em Táuris.
(Iáson) O marido humano, demasiadamente
humano de Medéia. Ver Eurípides, Medéia.
(locaste) Mãe e mulher de Édipo, de quem
tem dois filhos – Etéocles e Polinices – e
18
duas filhas – Antígona e Ismene. Enforca-se
ao descobrir o incesto, ou mata-se com um
gládio quando vê seus dois filhos mortos. Ver
Sófocles, Édipo Rei, e Eurípides, Fenicias.
Homero chama Jocasta de Epicasta.
LEDA: Mãe de Helena e de Clitemnestra. Desespe-
rada por causa da má reputação de Helena,
enforca-se. Ver Eurípides, Helena.
MACÁRIA: (Macária) Filha de Heracles, aceita ser sacri-
ficada para salvar seus irmãos. Ver Eurípides,
Heracles.
MEDÉIA: Princesa colquídia casada com Jasão, que a
abandona para casar-se com a filha do rei de
Corinto. Ela mata o rei e sua filha com vene-
no, e seus próprios filhos com um gládio. Ver
Eurípides, Medéia.
MÈGARA: Esposa fiel de I léracles em Tcbas, morta com
seus filhos pelo herói num acesso de loucura.
Ver Eurípides, Heracles.
MENECEU: (Mcnoiccus) Filho de Crcontc, irmão de
Ilcmon. Mata-se para salvar a cidade. Ver
Eurípides, Fenicias.
MENELAU: (Mcnêlaos) Rei de Esparta, marido de Hele-
na. Ver Eurípides, Troianas, Andrômaca,
Helena c Orestes.
NEOPTÓLEMO: (Ncoptôlemos) Pilho de Aquiles; imola Poli-
xena sobre a sepultura do pai e é morto em
Dclfos. Ver Eurípides, Hécuba e Andrômaca.
ORESTES: Filho de Agamemnon e de Clitemnestra,
irmão de Ifigênia e de Electra. Mata sua mãe
para vingar a morte de seu pai. Ver Esquilo,
Coéforas e Eumênides; Sófocles, Electra;
Eurípides, Electra, Ifigênia em Táuris e
Orestes.
POLINICES: (Polineices) Filho de Édipo e de Jocasta.
Morre no combate fratricida em que enfrenta
19
Etéocles. Ver Esquilo, Sete contra Tebas, e
Eurípides, Fenícias.
POLIXENA: (Polixene) Filha de Príamo e de Hécuba,
sacrificada por Neoptólemo sobre a sepultu-
ra de Aquiles. Ver Eurípides, Troianas e
Hécuba.
TÊCMESSA: Companheira de Ájax, de quem ouviu que o
silêncio é o adomo das mulheres. Ver
Sófocles, Ajax.
TESEU: (Teseus) Rei de Atenas, marido de Fedra, pai
de Hipólito. Maldiz precipitadamente o filho.
Ver Eurípides, Hipólito.
TEUCRO: (Tcucros) Mcio-innão de Ájax. Ver Sófocles,
Ájax.
20
Maneiras Trágicas de
Matar uma Mulher
Dando sua vida à cidade, os atenienses caídos em combate receberam
“o elogio imutável e a mais insigne das sepulturas – não falo do lugar
onde repousam, mas da fama que deixam, memorável para sempre
[...]. Com efeito, para os homens ilustres a terra inteira é a sepultura
e, para dar conta do que foram, não basta uma inscrição gravada numa
esteia em sua cidade: em terra estrangeira, uma lembrança não-escrita
da escolha por eles feita mora cm cada pessoa”.
“O tempo jamais apagará em teu marido a lembrança eterna de teu
valor, Nicoptolcme.” ‘
Este trecho de epitáphios e este fragmento de
epitafio servem de introdução àquilo que na
cidade grega – no caso, Atenas – se diz da
morte dos homens e de uma morte de mulher.
Os homens morreram na guerra, realizando
rigorosamente o ideal cívico; submissa a seu
destino, a mulher morreu em seu leito – ao
menos essa é a história possível. Aos homens a
cidade ofereceu oficialmente uma bela sepul-
tura e um elogio em forma de oração fúnebre
pronunciada pelo mais célebre dos homens de
Estado; e, sob o impacto do verbo eloqüente de
21
Péricles, o epitafio gravado no monumento do
Cerâmico empalidece diante da palavra de
gloria e sua promessa de lembrança imutável e
universal. Para Nicoptoleme, desconhecida
cujo nome guerreiro significa vitória em com-
bate, basta um pouco de lembrança privada:
algumas linhas gravadas numa esteia e a afir-
mação de que seu marido jamais a esquecerá.
Forte contraste, talvez muito perfeito para ser
totalmente exato. Sem dúvida nem todos os
homens de Atenas morrem em combate, mas
não existe um cujo epitafio não confie de algu-
ma maneira à cidade a lembrança eterna das
qualidades do morto; nem todas as mulheres de
Atenas extinguem-se em seu leito, mas é sem-
pre ao marido (ou na pior das hipóteses à fa-
mília) que compete preservar a lembrança da
morta.
Do ponto de vista paradigmático dos
modelos sociais, é verdade que a cidade nada
tem a dizer a respeito da morte de uma mulher,
fosse ela tão perfeita quanto lhe é permitido ser;
com efeito, a única realização para uma mulher
é levar sem alarde uma existência exemplar de
esposa e de mãe ao lado de um homem que vive
sua vida de cidadão. Sem ruído. Essa é a vida
que Péricles aconselhava no epitáphios às viú-
vas dos atenienses caídos em combate. A gló-
ria (kleos) dos homens é palavra viva, levada
22
aos ouvidos da posteridade pelas mil vozes da
fama; para falar da glória de uma mulher, des-
de o tempo em que Pénélope afirmava que
somente o retorno de Ulisses faria crescer sua
kleos diminuída (Odisséia, XIX, 124-128), o
único orador era o marido. Aquele mesmo que,
após a morte da esposa, será o depositário de
sua lembrança. Morto o marido, resta às mu-
lheres não dar aos homens assunto para falarem
delas, quer no tom de censura, quer no de elo-
gio; a glória das mulheres é não terem glória2
.
Essa circunstância certamente não facilita a
tarefa de quem deseja conhecer a realidade
muda da vida das mulheres. Mas esse não é o
meu objetivo. Permanecerei resolutamente
voltada para o logos, evitando o risco de enrai-
zar-me num gênero literário que, na cidade,
consagra à morte das mulheres um discurso
diverso daquele absolutamente privado da
confiança e do luto.
Entretanto, para não complicar mais ainda
a tarefa, é necessário deter-se um pouco mais na
leitura dos epitafios. Ganhar-se-á com isso a
convicção de que uma mulher não saberia pos-
suir sua morte; para aquela cujas virtudes de-
vem culminar no bem-viver do marido não há
fim heróico – pensada a partir do registro da
prova que qualifica, a “morte heróica” é viril. A
morte da esposa encerra pura e simplesmente
23
uma vida de devotamento e de afeição, de bom
humor e de reserva, da qual, sem dúvida, o
marido saberá daí em diante “falar muito bem”.
Nessas condições, que palavra cívica poderia
ser articulada num discurso sobre a morte das
mulheres? Certamente não no gênero histórico,
sobretudo se o historiador se chama Tucídides
e seu assunto é a Grécia; relato de guerra e de
decisões políticas, a historiografia tucidídia
nada tem a ver com as mulheres, mesmo em
vida. Acredita-se que Heródoto era menos
categórico a esse respeito, mas, de maneira
igualmente previsível, ele se interessava
apenas pelas mulheres bárbaras ou esposas de
tiranos, e por sua morte só quando violenta –
ou pretexto para alguma exposição sobre um
rito fúnebre anormal3
; mesmo nestes casos,
trata-se de menções breves, não decorrentes de
uma elaboração mais desenvolvida. Há, porém,
um gênero cívico que, comprazendo-se institu-
cionalmente em confundir a fronteira do mas-
culino e do feminino, libera a morte das mu-
lheres dos lugares-comuns onde a confinava o
luto privado. Falo da tragédia, onde, como é
verdade em Heródoto, as mulheres só morrem
de morte violenta4
. Mas, no universo trágico, a
morte, mesmo ocorrendo no campo de batalha,
é sempre posta sob o signo da violência, e os
homens sofrem-na tanto quanto as mulheres.
24
Pelo menos por algum tempo, restabelece-se
uma espécie de equilíbrio entre os sexos.
As mulheres trágicas morrem violenta-
mente. Com maior exatidão, uma mulher con-
quista sua morte nessa violência. Morte que não
seja somente o fim de uma vida exemplar.
Morte que lhe pertença como sua, como a Jo-
casta de Sófocles, que a infligiu “ela mesma a
si mesma”5
, ou que, de modo mais paradoxal,
lhe foi imposta. Uma morte brutal, cuja comu-
nicação se faz sem frases – assim, para a es-
posa-mãe de Édipo, “basta uma palavra, tão
curta para dizer quanto para ouvir: está morta,
a nobre figura de Jocasta” – mas cujas moda-
lidades, dolorosas ou chocantes, ensejam uma
longa narração. Com efeito, logo depois de ser
enunciado em sua nudez de fato bruto, o acon-
tecimento provoca uma indagação, sempre a
mesma: “Como? Dize como!” 6
Então o men-
sageiro conta, e é assim que a tragédia rompe o
silêncio amplamente observado na tradição
grega sobre as modalidades da morte.
Mas impõe-se uma precisão: se, na tragé-
dia, a morte das mulheres tem acesso ao dis-
curso tanto quanto a dos homens, convém ob-
servar que no interior do espectro das modali-
dades de morte violenta se opera de fato uma
distinção entre homens e mulheres: aparece
então uma ruptura do equilíbrio entre os sexos.
25
Do lado dos homens, a morte, salvo algumas
exceções – a de Ajax e de Hêmon, que se sui-
cidam, a de Meneceu, que se oferece para ser a
vítima de um sacrifício – toma a forma do
assassínio: assim, é de fato um assassínio –
oikeios phonos, morte em família – a morte
formalmente guerreira dos filhos de Edipo, que
se matam mutuamente no campo de batalha.
Quanto às mulheres, apesar de eventualmente
serem mortas, como Clitemnestra, como Mê-
gara, é muito maior o número daquelas que
recorrem ao suicídio como a única saída numa
desgraça extrema: Jocasta e, ainda em Sófocles,
Dejanira, Antígona e Eurídice; Fedra e, também
em Eurípides, Evadne e Leda, no segundo pla-
no da Helena; no caso das moças, o cútelo do
sacrifício é o instrumento privilegiado da mor-
te, podendo-se acrescentar à coorte das esposas
suicidas o grupo de virgens sacrificadas, de
Ifigênia a Polixena, passando por Macária e
pelas filhas de Erecteu.
Não estarei aqui privilegiando o assassí-
nio, entretanto, não me impedirei de evocar
suas formas trágicas: por ser mais equitativa-
mente partilhado entre homens e mulheres, sem
dúvida o assassínio é um critério menos perti-
nente da diferença dos sexos em sua relação
com a morte. Sendo assim, no tocante às mor-
tes femininas, darei relevo principalmente ao
suicídio das esposas e ao sacrifício das virgens.
26
A Corda e o Gládio
Um suicídio de mulher
por uma morte de homem
“Para uma mulher, permanecer no lar, sem esposo, abandonada, já é
um mal enlouqueccdor. E quando, alem disso, vem um mensageiro e
depois outro, trazendo sempre notícias piores, todos alardeando infe-
licidade para a casa [...]! Se este homem tivesse recebido tantos feri-
mentos (traumalon) quantos, por vias diversas, o rumor trazia à sua
casa, haveria mais cicatrizes em seu corpo (íêtrotat) que malhas numa
rede [...]. Eis as notícias cruéis que me fizeram suspender mais de uma
vez meu pescoço num laço, do qual só me tiravam usando a violência.”
(Esquilo, Agamêirmon, 861-876)
Por trás da mentira, cujo uso a rainha domina
admiravelmente, há uma verdade ou, ao menos,
uma verossimilhança apropriada ao universo
trágico enunciado nessas palavras de Clitem-
nestra ao acolher Agamêmnon de volta a seu
palácio: a morte do homem clama irresistivel-
mente pelo suicídio de uma mulher, sua mulher.
Uma morte de mulher para contrabalançar a
morte de um homem? Em virtude da honra
heróica que a tragédia se compraz em recordar,
a morte de um homem só poderia ser a de um
guerreiro no campo de batalha – assim, nas
27
Coéforas, os filhos de Agamemnon por um
instante desejarão retrospectivamente, para seu
pai, uma morte gloriosa ao pé das muralhas de
Tróia – e, à simples notícia desse fim, a esposa
morria passando a corda pelo pescoço em sua
morada bem fechada. É em nome dessa
mesma verossimilhança trágica que, nas Troia-
nas (1012-1014), Hécuba censurará aspera-
mente Helena porque jamais alguém a “sur-
preendeu na iminência de passar um laço pelo
pescoço ou de afiar um punhal como teria fei-
to uma mulher de sentimentos nobres (gennaia
gyné) com saudade de seu primeiro marido”.
Assim como sua irmã Helena, Clitemnes-
tra não se matou. A rainha certamente não é
uma Pénélope (embora, no mesmo discurso
mentiroso, ela evoque seus olhos inflamados
pelas lágrimas durante as longas vigílias em
que chorava o marido), como também não é
uma esposa trágica comum. Clitemnestra não
se matou, e quem vai morrer é Agamêmnon,
com o corpo retalhado de ferimentos e colhido
num véu em forma de armadilha. Clitemnestra
não cogitou de matar-se; ela desviou a morte de
sua pessoa para a do rei, da mesma forma que,
em vez de matar-se, Medéia matará indireta-
mente Jasão por via de seus filhos, por via de
sua nova esposa7
. Em Clitemnestra, a mãe de
Ifigênia e a amante de Egisto sobrepuseram-se
28
à esposa. A rainha assassina desmentiu a lei da
feminilidade, que determina que diante da
aporia da infelicidade se ache uma saída no nó
de um laço8
.
Uma morte desprovida de andreia
Achar uma saída no suicídio: solução trágica
reprovada pela moral na confusão da vida coti-
diana. Mas, principalmente, solução de mulher
e não, como às vezes se pretendeu, ato heróico9
.
Que, em Sófocles como na tradição épica, o
herói Ajax se suicide é uma coisa; que ele se
suicide virilmente é outra – voltarei a esse
assunto –; mas não se deve pensar que, a partir
desse exemplo, se possa tirar a conclusão
geral de que, no imaginário compartilhado dos
gregos, todo suicídio resulta da andreia (nome
grego da coragem enquanto ela é o apanágio
dos homens). Muito mais conforme à ética tra-
dicional é sem dúvida o Heracles de Eurípides,
que, do fundo do desastre, aceita a idéia de
suportar a vida10
. Do ponto de vista do cidadão,
as coisas são ainda mais claras: nada de mais
estranho ao suicídio que o imperativo marcial
da “morte gloriosa”, que deve ser aceita, e não
procurada11
. Sabe-se que, por haver desejado
com excesso de ostentação morrer em Platéia,
29
após a batalha o espartano Aristódamo foi pri-
vado por seus concidadãos da glória póstuma
de uma citação por ato de bravura. Espartano
ou não, um guerreiro suicida-se apenas sob os
golpes da desonra – este é o caso de Otriadas
no livro I de Heródoto, e de Pantites no livro
VII. Essas constatações são ecoadas pelo Platão
das Leis, pensador normativo mas fiel à conve-
niência cívica, que inflige ao suicida, por “fal-
ta absoluta de virilidade”, a sanção institucional
de uma sepultura tão solitária quanto esquecida,
à margem da cidade e na noite do anonimato
(IX, 873 c-d). Acrescentar-se-á – o que não é
indiferente – que à falta de um nome especí-
fico para o suicídio, a língua grega usa para
designar esse ato as próprias palavras referen-
tes ao assassínio dos pais, esse cúmulo de
ignomínia12
.
O suicídio, então: morte trágica, talvez,
escolhida sob o peso da pressão por aqueles
sobre os quais se abate “a dor excessiva de um
infortúnio sem saída”13
. Na tragédia, sobretudo
morte de mulher. Mas há uma modalidade
dessa morte, já depreciada em si mesma, mais
que as outras marcada pela infâmia e mais que
as outras associada a uma desonra sem remé-
dio: refiro-me ao enforcamento, morte hedion-
da ou, falando com maior propriedade, morte
“informe” (áskhemon), mácula máxima que
30
uma pessoa se inflige sob o golpe da vergo-
nha14
. Considera-se também – mas será isso
verdadeiramente um acaso? – que o enforca-
mento é morte de mulher: morte de Jocasta, de
Fedra e de Leda, morte de Antigona (e, fora da
tragédia, morte de inúmeras moças que se en-
forcam para dar a um culto sua origem ou para
ilustrar os enigmas da fisiología feminina)15
.
O enforcamento, morte feminina. Ousaria
mesmo dizer que nele a expressão da feminili-
dade pode desdobrar-se infinitamente: as mu-
lheres e as moças sabem que a corda – instru-
mento usual do enforcamento – pode ser
substituída, como em Antigona estrangulada no
laço feito de seu véu, pelos adornos com que se
cobrem e que são emblemas de seu sexo. Véus,
cintos, faixas: esses instrumentos de sedução
constituem virtualmente armadilhas de morte
para aquelas que os usam, como as Danaides
suplicantes explicam ao rei Pelasgo16
; em suma,
aproveitando a expressão vigorosa de Esquilo,
há nisso uma bela astucia, mekhané kalé, em
que apeithó (a persuasão) erótica se põe a ser-
viço da mais sinistra das ameaças.
Não insistirei aqui na convivência da
mulher com o campo da métis, essa inteligência
astuciosa característicamente grega. Todavia,
não se deve esquecer que toda ação realizada
por uma mulher, esteja ela armada com o gládio
31
para matar ou para matar-se, corre sempre o
risco de ser inexoravelmente recoberta pelo
vocabulário da astucia. No Agamemnon, por
exemplo, a fim de evocar os desígnios assassi-
nos de Clitemnestra afiando o gládio para usá-
lo contra seu marido, Cassandra, contra toda
expectativa, recorre à imagem do veneno mis-
turado na taça; mas o texto da Oréstia substi-
tuirá rapidamente o veneno pela armadilha
muito real do véu que aprisionará Agamêmnon
como se fosse numa rede – materialização
audaciosa da metáfora de métis. A mesma ló-
gica aparece nas Traquínias: sem querer, De-
janira colhe Héraclès na armadilha envenenada
da túnica de Nesso. A partir de então poderá
pedir ao gládio a salvação de uma morte rápida,
mas nem assim terá evitado que, mesmo fu-
gazmente, seu suicídio seja incluído no registro
industrioso da inteligência astuciosa17
.
A essa métis envolvente, em ação nas pa-
lavras e nos atos das mulheres e que tece as
redes mortíferas ou aperta os nós de inúmeros
laços, a tragédia contrapõe tudo que corta e
dilacera, em suma, que derrama sangue. Isso
nos leva às Suplicantes de Esquilo e à sua
compulsão para o enforcamento. Ultimo recur-
so em sua fuga desvairada diante dos filhos de
Egito, o laço de morte protegeria as Danaides
contra o desejo violento dos machos, da mesma
32
forma que a precipitação do alto de uma rocha
escarpada, em que pensam por um instante, as
premuniría contra o casamento, esse constran-
gimento em que o marido é somente um senhor.
Mas não é por acaso que elas denominam esse
senhor dáiktor. não “raptor” (como, na edição
“Les Belles Lettres”, quer a tradução francesa
muito conceituada de Paul Mazon), mas com
maior precisão “dilacerador”18
. Para escapar a
essa dilaceração – sem dúvida a do estupro e
do defloramento –, há somente duas vias: a
morte das Danaides no nó de uma corda, e a
conseqüente mácula para a cidade, ou sua vida
ao preço de uma guerra na qual o sangue dos
homens será derramado “por causa das mulhe-
res” (Suplicantes, 476-477). As Danaides não
se enforcarão. Conhece-se a seqüência: o casa-
mento finalmente realizado, as nupcias de san-
gue, mortíferas para os maridos, e mais tarde o
castigo no Hades. Mas isso é outra história.
Aincisãonocorpoviril
A crer em Eurípides, um gládio arma a mão de
Tânatos (a Morte). Sem dúvida isso não é puro
acaso: se a morte, igual para todos, não faz
distinção entre suas vítimas e corta indiferen-
temente a cabeleira das mulheres e dos homens,
convém a Tânatos, encarnação da morte no
33
masculino, empunhar o gládio, emblema da
morte viril19
.
Isto porque um homem digno desse nome
somente poderia morrer no campo de batalha,
sob o gládio ou a lança de outro homem. É
pouco glorioso o Menelau de Eurípides, o único
grego a voltar de Tróia sem a marca de um
ferimento sequer recebido de perto, ferimento a
que está sujeito o homem completo20
. E até num
sacrifício humano – esse ato corrompido sob
todos os aspectos –, convém que o sacrifica-
dor seja um homem, sobretudo quando a vítima
é masculina; essa circunstância é atestada na
Ifigênia em Táuris, quando Orestes pergunta à
sua irmã, antes de havê-la reconhecido:
“Tu,mulher,feriráshomens
comaespada?”
e quando Ifigênia responde garantindo a
presença no santuário de um degolador (spha-
geus) para incumbir-se dessa tarefa21
.
Essa regra imperativa, que determina que
o homem morra pela mão do homem, sob o
gládio e no sangue derramado, não é derrogada
sequer pelo suicídio na tragédia. Em Sófocles
como em Píndaro, Ajax aniquilou-se com a
espada, fiel até o fim à sua estatura de herói,
que vive e morre da guerra onde, numa troca
34
sem dúvida sujeita a regras, fere-se e se é feri-
do. Ájax suicida-se, mas como um guerreiro22
.
Cortado pelo ferro com o qual se identificava
(Ájax, 650-651), ele dilacera seu flanco com
essa espada que, ao encenar sua própria morte,
o herói transforma num princípio ativo (não
afirma ele que o “degolador (sphageus) está lá,
de pé, para cortar o melhor possível”?)23
. A
espada de Ájax: significante primordial, en-
contrado a cada passo na trama metafórica da
tragédia de Sófocles, e que dá ao texto sua
coerência. Se a espada do guerreiro torna-se
realmente o escalpelo invocado por Ájax em
seu clamor, existem, no sentido que se diz fi-
gurado, muitos outros gládios em Ájax: por
exemplo, as próprias palavras da língua que,
afiadas como o aço, “cortam a carne viva”.
Como admirar-se, então, de que à vista do
cadáver do herói a espada cortante da dor tras-
passe Têcmessa “até o fígado”?24
Nada mais direi a propósito da espada de
Ájax; outros antes de mim souberam falar dela,
às vezes soberbamente, como Jean Starobins-
ki25
. Não me estenderei tampouco sobre o tema
do sangue derramado, embora central em Ajax,
pois há outro herói de Sófocles para ilustrar o
caráter necessariamente sanguinolento do sui-
cídio viril. Refiro-me ao noivo de Antígona,
cuja morte é anunciada sob a forma intraduzí-
vel da glosa etimológica:
35
“Hêmon morreu; sua própria
mao o ensangüenta”.26
Baste-me relembrar que o nome de Hêmon
(Háimon) se assemelha extremamente ao do
sangue (haima): sendo assim, traspassado por
seu próprio gládio, o filho de Creonte consuma
o presságio de seu nome e morre como homem.
Enforcamento ou sphagé
Há entretanto uma palavra que não se poderá
evitar por mais tempo de pronunciar, porque ela
obseda o gênero trágico e é oposta insistente-
mente ao vocabulário do enforcamento. Essa
palavra é sphagé, nome do degolamento nos
sacrifícios e também do ferimento e do sangue
que corre dele. Como o verbo sphazo e seus
derivados, ela serve evidentemente para desig-
nar os sacrifícios, o de Ifigênia em Esquilo e em
Eurípides, e também, em Eurípides, o de Ma-
cária nos Heráclidas, o de Polixena na Hécuba
e nas Troianas, e finalmente o dos filhos de
Erecteu, oferecidos à pátria a título de sphagia
(íon, 278). Até aqui, nada de anormal, ou qua-
se nada. Mas, de Esquilo a Eurípides, passando
por Sófocles, sphazo e sphagé servem também
para designar o assassínio no seio da família
36
dos Atridas. E sobretudo é ainda às mesmas
palavras que se recorre para a designação do
suicídio quando é sanguinolento: suicídio de
Ajax, de Dejanira, de Eurídice. Invocar-se-á,
para justificar o seu emprego um tanto diver-
gente, alguma lei de impropriedade semântica
que caracterizaria a tragédia em seu recurso à
linguagem? Rebaixar-se-ia sphazo à categoria
das palavras mais neutras ou mais descritivas
como skhizo e daízo, que se referem à dilace-
ração do corpo27
? Isso importaria em desco-
nhecer o rigor do significante trágico, que só
desvia a língua para fins nv.iito precisos – por
exemplo, o de confundir as ordens. É melhor
apostar no sentido e observar que, carregadas
de valores religiosos, sphazo, sphagé e spha-
gíon não designam na tragédia um degolamen-
to assassino qualquer, nem um suicídio qual-
quer, e sim a longa seqüência de “assassinatos
resultantes da aplicação da lei do sangue” na
família dos Atridas, ou a morte voluntária de
Eurídice ao pé do altar de Zeus Herqueio28
. De
maneira mais geral, sphagé caracteriza a morte
pela espada como morte “pura” em contraste
com o enforcamento29
.
Logo depois de lembrar essa oposição
entre os dois modos – o masculino e o femi-
nino – do morrer, deve-se admitir que a in-
fringimos de fato evocando a morte “viril” de
37
Dejanira ou de Eurídice, que cravam um gládio
no corpo. E em Eurípides não faltam heroínas
para preferir o gládio à corda quando pensam
na morte; assim, montando guarda à porta do
aposento onde se consuma o assassínio de Cli-
temnestra, Electra brande um gládio, prestes a
voltá-lo contra si mesma se o cometimento
fracassar (Electra, 688,695-696). Inversamen-
te, há no mesmo Eurípides homens para quem
a morte sobrevém por haverem sido apanhados
em laços inextricáveis, como se se tratasse de
uma mulher; acontece o mesmo com Hipólito,
cujo corpo, enlaçado às rédeas de seus cavalos
como se fosse com uma peia, é arrastado sobre
os rochedos da estrada30
. Mas, em relação aos
homens, esse modo anormal da morte é obvia-
mente mais raro.
Voltando então a meu propósito, observa-
rei que a confusão trágica que dá a uma mulher
uma morte viril não resulta de contingência
alguma. Por exemplo, a morte de Jocasta nas
Fenicias. Em Sófocles, sabe-se que Jocasta,
imediatamente após perceber quem era ela em
relação a Édipo, enforca-se, como mulher
esmagada por uma desgraça insuportável. A
Jocasta de Eurípides não se enforca; ela sobre-
vive à revelação do incesto e morre por causa
da morte de seus filhos, ferindo-se com o mes-
mo gládio que os matou31
. Sem dúvida trata-se
38
aqui de um desvio absolutamente notável em
relação a uma tradição firmemente estabeleci-
da, desde Homero e do enforcamento de Epi-
casta. Dever-se-ia, então, como fazem certos
autores, atribuir essa inovação a uma evolução
das mentalidades, sempre mais hostis às mortes
por enforcamento?32
Para dizer a verdade, nada
autoriza tal hipótese porque, desde a Odisséia
(XXII, 462-464), a corda ocasiona a mais im-
pura das mortes. Neste aspecto, quase não se
percebe em que as mentalidades teriam evoluí-
do. Mas convém sobretudo ler o texto de Eu-
rípides tendo em vista o de Sófocles; notar-se-
á então que há nas Fenicias urna espécie de
reinterpretação de conjunto da personagem de
Jocasta, e a morte viril daquela que não é mais,
como em Sófocles, essencialmente uma esposa,
e sim exclusivamente uma mãe33
, deve desde
então ser creditada a essa reelaboração crítica
da tradição.
A partir deste exemplo e de alguns outros
cheguei a esboçar, evocando a morte trágica
das mulheres, uma generalização onde o en-
forcamento estaria associado ao casamento –
ou melhor, à supervalorização da condição de
esposa (nymphe) – e o suicídio sanguinolento
à maternidade, pela qual, nas dores “heróicas”
do parto, a esposa se realiza plenamente34
.
Apesar de continuar me atendo a esta leitura,
39
não voltarei a ela, pois o que me interessa no
momento é a confusão e principalmente as afir-
mações, numerosas em Eurípides, que parecem
postular uma espécie de equivalência entre a
corda e o gládio.
A corda ou o gládio: em uma palavra, a
morte a qualquer preço, sejam quais forem as
suas vias. Numa situação desesperada, assim
raciocinam as mulheres viris (que, afinal de
contas, prefeririam o gládio), assim se gabam as
mulheres excessivamente femininas que, como
Hermione, não ousarão sequer enforcar-se –
mas, num caso ou no outro, a seqüência do
texto é perfeitamente clara sobre qual seria,
gládio ou corda, a verdadeira escolha da de-
sesperada. Corda ou gládio: é essa ainda a es-
colha que, diante da iminência da morte de
Alceste, o coro deixa a Ádmeto, afirmando que
“tal desventura justifica que se abra a garganta
(sphagé) ou que se passe no pescoço o nó de
um laço suspenso” – simples maneira de assi-
nalar que, por haver fugido à morte, um homem
feminizado não poderia subtrair-se à angústia
que aniquila as mulheres35
.
Mas, como esses exemplos sugerem,
mesmo quando a confusão chega ao máximo,
seu único objetivo é, paradoxalmente, reforçar
a oposição em sua ortodoxia. Por exemplo, na
peça que tem o seu nome, Helena, chamando a
morte em suas preces:
40
“Com um nó mortífero, com um nó suspenso, enlaçarei meu pescoço,
ou então, com um grande esforço, cravarei em minha carne a lâmina
inteira de uma espada cujo ímpeto assassino abrirá em minha garganta
uma fonte de sangue, e me imolarei às três deusas...”
Como indica a resolução final, a única
eventualidade que Helena considera digna dela
é a sphagé; mas, olhando de frente, a escolha já
se esboçava nas palavras usadas por Helena
quando falava em se enforcar, sobretudo nessa
“phoníon aiórema”, essa intraduzível e con-
traditória “suspensão sangrenta” que os tradu-
tores dissimulam como podem, porque, pensam
eles, a característica do enforcamento é que o
sangue não corre durante a sua consumação36
. É
precisamente nesse oxymoron que devemos
adivinhar a escolha da heroína, para quem só se
pode pensar em morte sanguinolenta e cujas
palavras rejeitam o enforcamento no instante
mesmo em que ela evoca a sua eventualidade.
Phoníon aiórema: assim, anunciando antecipa-
damente o sangue da sphagé, a língua de Hele-
na antecede seu pensamento.
Reafirma-se então ainda mais forte a opo-
sição entre a corda e o gládio, com a ressalva de
que, daqui em diante, algumas evidências se
impõem. Nunca, mesmo tendo pensado nisso,
um homem se enforca37
; então, sempre que se
mata, um homem o faz como homem. Em
compensação, para a mulher a alternativa está
41
aberta: buscar no nó de uma corda um fim bem
feminino, ou apoderar-se de um gládio rou-
bando aos homens sua morte. Questão de iden-
tificação, isto é, de coerência interna do perso-
nagem trágico? Talvez. Nem por isso o dese-
quilíbrio é menos evidente, provando, se for
necessário lembrá-lo, que o gênero trágico
domina perfeitamente o jogo da confusão e
conhece os limites que não pode transpor. Ou,
para dizer de outra maneira, que a mulher nes-
se caso está mais autorizada a fazer-se de
homem para morrer que o homem a adotar,
mesmo na morte, qualquer conduta feminina,
seja ela qual for. Liberdade trágica das mulhe-
res: liberdade na morte...
A esposa que se lança
Mas, já que a alternativa está aberta para as
mulheres, e há as que escolhem as vias da
feminilidade até o fim, detenho-me ainda um
instante no enforcamento e nos valores ligados
a ele.
Para além do vocabulário da métis e do
julgamento implícito que seu emprego faz pe-
sar sobre uma morte em que alguém se prende
a si mesmo na armadilha de um laço, uma pa-
lavra merece reter nossa atenção, porque des-
creve e sugere em vez de julgar.
42
À audição da palavra aiora (ou eora) liga-
se a dupla imagem de ura corpo suspenso e do
ligeiro movimento de balanço que lhe é
imprimido38
. Deve-se lembrar que em Atenas
aiora era o nome de uma festa em que as re-
presentações do enforcamento se associavam à
brincadeira do balanço; não se trata aqui, to-
davia, da Aiora religiosa, e sim da visão indu-
zida pelo emprego trágico da palavra. Aiora de
Jocasta, aiórema de Helena: Édipo forçou a
porta que Jocasta havia fechado cuidadosa-
mente depois de passar por ela, e todos vêem
agora a mulher enforcada, “presa ao nó balou-
çante” (plektais corais empeplegmenen); da
mesma forma, para Helena, que não se enfor-
cará, o enforcamento se resumia no termo
aiórema. Nesse ponto o leitor de tragédias
lembrar-se-á de haver encontrado esta palavra
em outro contexto: o da morte por lançamento.
Nas Suplicantes de Eurípides, Evadne se pre-
para para lançar-se ao fogo, junto à rocha ele-
vada (aitheriapetra) que domina a pira fúnebre
de seu marido Capaneu:
“Eis-me aqui, neste rochedo, como um pássaro, por sobre a pira de
Capaneu, elevando-me rápida num balanço (aiórema) funesto.”
(Suplicantes, 1045-1047)
Deter-nos-emos o tempo necessário para
verificar que aiórema designa tanto o balanço
43
da enforcada quanto o vôo de Evadne, e que
existe na linguagem trágica um parentesco
temático evidente entre o enforcamento e a
precipitação. Talvez alguém se admire: a en-
forcada se lança no vazio, sem dúvida, mas seu
corpo deixa o solo para ficar preso ao alto do
teto; a precipitação, ao contrário, é uma queda
profunda (bathy ptomá). O próprio verbo aeiro,
que significa a elevação e a suspensão, aplica-
se a esses dois lançamentos orientados em sen-
tido inverso, para o alto, para baixo, como se o
alto tivesse sua profundidade, como se alguém
só chegasse embaixo – o solo, mas :.imbém as
profundezas subterrâneas – elevando-se39
. Por
estranho que seja, essa é a lógica implícita que,
somente ela, permite esclarecer a associação
recorrente dessas duas maneiras de elevar-se no
interior das “odes de evasão”, esses trechos
líricos onde, esmagados pelo real, freqüente-
mente o coro e às vezes a heroína trágica (ou o
herói) cantam suas aspirações à morte como à
fuga salutar. Ter-se-ia de evocar as Suplicantes
de Esquilo, o Hipólito de Eurípides, e muitos
outros textos. Para ir ao essencial observarei
que, em todos eles, a mesma imagem retorna: a
do lançamento alado, mas também, explicita-
mente, a do pássaro. O pássaro Evadne encon-
tra eco em Fedra, pouco tempo antes pássaro de
mau agouro e logo pobre pássaro fugido das
44
mãos de Teseu: do alto de um rochedo ou no nó
de um laço – que importa? – Evadne e Fedra
levantaram seu vôo, para sempre. Há também
as mulheres que se limitam a sonhar com o vôo:
Hermione, que em seu desejo de morte queria
ser pássaro, as Danaides desesperadas em face
da aproximação dos machos, as mulheres do
coro da Ifigênia em Táuris ou da Helena, al-
ciones sem asas, arrebatadas pela saudade ar-
dente da pátria distante40
.
O fato de o pássaro, esse operador trágico
da evasão, realizar imaginariamente a fuga
permite que se enuncie algumas proposições
sobre o que se diz das mulheres a propósito do
enforcamento41
. A primeira é que, em sua pro-
pensão a levantar vôo, essas esposas (que a
ortodoxia das representações cívicas quer se-
dentárias) têm uma certa relação de conaturali-
dade com o “algures”; e ei-las lançando-se no
ar e pairando entre o céu e a terra. A segunda é
que basta uma desventura para que elas esca-
pem ao homem, saindo de sua própria vida,
saindo da vida dele, como deixam a cena:
bruscamente. Identificado que é com o modelo
marcial, o homem deve permanecer em seu
lugar, afrontar a morte frente a frente, como
Ájax que, no trespasse, se reencontra com a
terra à qual o prende sua espada, fixa no solo,
cravada em seu corpo.
45
Para as mulheres a morte é uma saída.
Bêbeke: “Ela partiu”, diz-se de uma mulher que
morreu ou que se matou. Diz-se de Alceste, diz-
se de Evadne que deixou de um salto (bêbeke
pedásasa) a casa de seu pai para subir ao ro-
chedo de onde se lançará, ainda de um salto – o
último (pedásasa). E, chorando a morte de
Fedra, que “desapareceu como um pássaro
escapado das mãos”, Teseu grita: “um salto
súbito (pédema) levou-te para o Hades”42
. Mas é
tempo de relembrar que, se para uma mulher a
morte é movimento, somente levantam vôo as
heroínas extremamente femininas. De fato, o
anúncio da morte de Dejanira, que prefere o
gládio à corda, começa como seria de esperar,
mas termina com uma conotação insólita:
“Dejanira partiu para sua última estrada – a última –, com um pé
imóvel (Bêbeke .../ex akinetou podôs).” (Traquínias, 874, 875)
O pé imóvel de Dejanira é talvez – a
sugestão é de Jebb, o editor inglês de Sófocles
– algo como uma locução proverbial empre-
gada para eufemizar a morte, um modo de de-
signar a marcha e a estrada como puramente
metafóricas. Prefiro ver nessa expressão, em
oposição ao vôo na aiora, uma maneira de
sugerir, antes de o coro interrogar-se a respeito
da forma da morte, que a mulher de Heracles
46
não fugiu pela via do enforcamento. Que ela
morreu como um soldado. Mas, inversamente,
é tempo de voltar ao suicídio marcial de Ajax
para verificar que, na apresentação dessa mor-
te, Sófocles soube relembrar discretamente que
para um homem o suicídio é morte desviante;
foi certamente viril a morte do herói, mas com
a ressalva de que é a espada do herói que está
de pé (hêsteken) no lugar do hoplita, enquanto
Ájax irá traspassar-se, lançando-se num salto
rápido – salto esse (isso causará admiração a
alguém?) denominado pédema41
.
Boa ocasião para observar novamente que,
se na tragédia o masculino e o feminino brin-
cam cruelmente com a distribuição da humani-
dade em homens e mulheres, essa brincadeira
nada tem de fortuita, mas tende a sugerir o
modo – adequação ou desvio – pelo qual
cada personagem vive o seu destino de ser
sexuado, essa realidade ao mesmo tempo mui-
to real e muito imaginária de que a cidade
desejaria produzir uma realidade antes de tudo
social.
Entretanto, sejam elas femininas ou viris,
há para as mulheres um modo de morrer se-
gundo o qual elas permanecem plenamente
mulheres. É sua maneira, fora do teatro, de
encenar seu suicídio; encenação minuciosa
escondida do olhar do espectador e no essencial
47
narrada; encenação que, em Sófocles, obedece
mesmo a uma estrutura regida por fórmulas:
uma saída silenciosa, um canto do coro e depois
o anúncio por um mensageiro de que a mulher
se matou longe dos olhares.
O silêncio e o segredo
O silêncio é o ornamento das mulheres: idéia
presente em Sófocles, retomada por Aristóteles
e expressa em Eurípides através de Macária
que, no momento de intervir na ação, empenha-
se em mostrar que sabe disso ao observar que,
para uma mulher, o melhor é não sair do inte-
rior bem fechado de sua casa44
. Mas as mulhe-
res trágicas vieram misturar-se ao mundo viril
da ação: elas sofrem por isso. E as heroínas de
Sófocles voltam silenciosamente à morada que
haviam deixado para morrer nela. Silêncio de
Dejanira em face das acusações de Hilo, pesa-
do silêncio de Euridice no qual o coro adivinha
com razão uma ameaça oculta, meio-silêncio de
Jocasta, palavra de duplo sentido onde a voz
afinal se extingue45
.
Esses silêncios, que o ouvido percebe
como outros tantos sinais angustiantes, anteci-
pam uma ação que a mulher quis subtrair à
vista: Fedra tornou-se invisível (áphantos) e
48
Dejanira desapareceu (diêistosen) – digamos
que ela organizou a desaparição definitiva gra-
ças à qual, longe da vista dos mortais, chega ao
mundo invisível do Hades fugindo a todos os
olhares no próprio interior do palácio onde se
refugiou46
. Da mesma forma, Jocasta e Fedra
ocultam-se por trás de portas trancadas, her-
méticamente fechadas sobre a morte, encerra-
mento que redobra o aprisionamento do corpo
no enforcamento; Édipo terá de lançar-se con-
tra a porta, Teseu esbravejará e suplicará que
lhe abram os ferrolhos47
: só então poderão ver
suas mulheres. Mortas. Os espectadores não
vêem o corpo de Jocasta, mas verão o de Fedra,
da mesma forma que o de Eurídice, aparecer à
sua vista ao mesmo tempo que à de Creonte – e
o mensageiro sublinhará o jogo de cena:
“Pode-se vc-la, pois ela não está mais cm seu retiro (en mykhois)”**.
Admirável jogo do visível e do oculto, em
virtude do qual não se vê a morte de uma mu-
lher mas somente uma mulher morta. Então,
como ss mais nenhum interdito pesasse sobre
essa lugubre contemplação, a ação dramática
pode continuar, e mesmo, como no Hipólito,
organizar-se daí em diante em torno do corpo
da morta e de sua presença silenciosa: Fedra
desapareceu, mas seu corpo está ali, esse corpo
49
tirado do nó fatal para ser estendido na terra
como convém, esse corpo que ela quis usar
como prova contra Hipólito e que, mudo para
sempre, leva todavia a mensagem da ausente49
.
Essa é sem dúvida uma maneira bem feminina
de apresentar a própria morte. De fato, com
Ájax, cujo cadáver é um elemento dramático
pelo menos tão importante quanto o de Fedra,
as coisas se passam de maneira diferente, e a
distribuição do ver e do ocultar é decididamente
outra: se Ájax é o paradigma viril do suicídio,
conseqüentemente um homem tem o direito de
suicidar-se diante dos espectadores50
. Mas, pela
circunstância de sua morte ser apenas uma
imitação canhestra da morte gloriosa do guer-
reiro, o interdito de ver aplica-se a seu corpo.
Antes de começar entre os chefes do exército o
debate sobre a conveniência de “ocultá-lo” em
uma tumba, Têcmessa e depois Teucro, cada
um à sua maneira, esforçam-se por dissimular
o espetáculo tão doloroso quanto inconve-
niente51
.
Deve-se enfim mencionar o vaivém entre
o ver e o ocultar que se instaura a propósito de
Alceste, morta em substituição a um homem.
Alceste que morre em cena e cujo corpo, inici-
almente levado ao interior do palácio, será no
teatro objeto de uma longa prôthesis (exposi-
ção) antes de o cortejo fúnebre (ekphorã) reti-
50
rá-lo da vista – definitivamente, acredita o
coro, e é verdade que, sem a intervenção de
Héraclès, Alceste teria desaparecido para sem-
pre52
. Mas Alceste, a única a não ir para o
Hades, é uma exceção; são inúmeras as mu-
lheres trágicas que partem para lá sem retorno.
No thálamos: morte e casamento
Voltando sobre nossos passos, detenhamo-nos
por um instante na porta desse lugar bem fe-
chado onde uma mulher se refugia para morrer
longe dos olhares. Com seus sólidos ferrolhos,
que têm de ser forçados para se poder chegar
até a morta, ou melhor, ao corpo de que ela já
escapou, esse lugar indica o pequeno espaço da
autonomia concedido às mulheres pela tragé-
dia. Sempre suficientemente livres para matar-
se, elas não o são para escapar a seu enraiza-
mento espacial: o retiro recôndito onde elas se
matam é também o símbolo de sua vida, vida
que tira seu sentido fora de si, que só se realiza
nas instituições – casamento, maternidade –
que ligam as mulheres ao mundo e à vida dos
homens. E é pelos homens que as mulheres
morrem, é pelos homens que elas se matam
com maior freqüência53
. Por um homem, para
um homem: distinção ausente em muitos tex-
51
tos, mas que Sófocles sublinha com uma aten-
ção especial, na Antígona, onde Eurídicc mor-
re por seus filhos mas por causa de Creonte, nas
Traquínias, onde Dejanira morre por causa de
Hilo, por amor de Heracles. Assim a morte das
mulheres confirma ou restabelece sua relação
com o casamento e com a maternidade.
É tempo de denominar o lugar onde elas
se matam: trata-se precisamente do aposento
conjugal, o titulamos. Dejanira se precipita nele
como faz Jocasta, Alceste derrama nele suas
últimas lágrimas antes de enfrentar Tânatos e,
saindo do palácio para morrer, é ainda para esse
lugar que ela voltará seus pensamentos e seus
queixumes. Quanto à pira de Capaneu, onde
Evadne se lança para reencontrar nela a união
carnal com o marido, ela é chamada de thala-
mai (câmara fúnebre). Essa palavra condensa as
múltiplas afinidades de sua morte com as nup-
cias54
.
Entretanto, se o thálamos é a parte mais
recôndita da casa, há ainda no interior do thála-
mos o leito, lelçhos, lugar de um prazer tolera-
do pela instituição do casamento se for bastan-
te moderado, lugar sobretudo da procriação.
Não há morte de mulher que não passe pelo
leito: é lá, e somente lá, que Dejanira e Jocasta
podem, antes de matar-se, reiterar para si mes-
mas sua identidade55
. É lá também que morre
52
Dejanira, na cama que ela havia associado
demasiadamente aos prazeres da nymphe: ma-
tando-se como um homem, não se morre menos
por isso em seu leito quando se é mulher.
Enfim, prendendo sua corda ao teto do
aposento conjugai, Jocasta e Fedra atraem a
atenção para o madeiramento simbólico da
casa. Essa viga da cumeeira, conhecida na
Odisséia como mêlathron, é chamada de
têramna por Eurípides; ela pode designar meto-
nimicamente o palácio pensado em sua dimen-
são de verticalidade. Mais ainda: de Safo can-
tando o epitalamio
(“Vamos, carpinteiros, levantai a viga do teto (mêlathron), Himeneu!
pois eis aqui entrando na casa nupcial um noivo igual a Ares!”)
até Eurípides, parece realmente que essa viga
tem muito a ver com o marido, cuja alta estatura
ela domina e protege56
. Ocasião talvez de re-
lembrar que, em seu discurso mentiroso, Cli-
temnestra chamava Agamêmnon de “coluna
que é o sustentáculo do alto teto” (Agamêmnon,
897-898). No momento de saltar no vácuo, é a
presença ausente do homem que a mulher en-
contra pela última vez em cada ponto do thá-
lamos.
53
Morrer com
Igualmente, ninguém deve se admirar demais
de que muitas dessas mortes solitárias sejam
pensadas como outras tantas maneiras de mor-
rer com o homem. Morrer com: modalidade
mortal do synoikein, o “morar com” que dá ao
casamento grego uma de suas designações mais
correntes57
.
Morrer com: este não era certamente o
desejo de Clitemnestra, que em vez de morrer
preferiu viver com Egisto, mas é o quinhão que
Orestes, com uma ironia fustigante, lhe reserva
quando, antes de golpeá-la, convida-a a ir
“dormir” na morte “com” aquele que ela ama-
va e preferira a seu marido. Justa reviravolta
das coisas na lógica da Oréstia, justa compen-
sação pela morte de Cassandra ao lado de
Agamêmnon, que Clitemnestra antes apresen-
tara como o trespasse devido a uma amante58
.
Morrer com: aquilo que a lógica do assassínio
impunha às mulheres da Oréstia será para as
suicidas o objeto de um querer muito seme-
lhante ao amor e ao desespero. Assim Dejanira,
logo que adivinhou a catástrofe já em marcha,
anunciou às mulheres de Traquis, suas confi-
dentes, sua intenção de acompanhar Heracles
na morte: “Decidi que se lhe acontecer alguma
desgraça morrerei com ele, eu também, no
54
mesmo impacto, ao mesmo tempo” (Traquí-
nias, 719-720); intenção firmemente amadure-
cida, expressa quatro vezes no mesmo verso, e
à qual ela se adequará totalmente. Entretanto, o
“com” terá sentido apenas para ela mesma.
Vencido, Heracles a renegará porque ela lhe
roubou a morte dos homens, condenando-a,
para além da morte, à solidão que foi seu qui-
nhão na vida. Evocar-se-á também a Helena de
Eurípides, que não morre mas fala muito em
morrer e que, virtuosa como a de Estesícoro em
seu exílio egípcioS9
, jura que se Menelau mor-
rer ela se matará com a mesma espada para
repousar ao lado do marido. Enfim, se toda
conduta contém seu excesso, Evadne merece
uma menção especial: desvairada com o casa-
mento, bacante do amor conjugal, faz da pira
fúnebre de Capaneu um túmulo compartilhado
e, não contente com aspirar a morrer com o
homem amado, sonha com o aniquilamento à
maneira erotizada da união dos corpos:
“Misturarei meu corpo ao de meu marido na chama ardente,
repousando unida a ele, carne contra carne”‘0
.
Morrer com: para uma mulher, maneira
trágica de ir até o fim do casamento, realizando,
é verdade, um deslocamento temível, pois é na
morte que a coabitação com o marido se con-
55
sumará. Há entretanto uma mulher, mais mãe
que esposa ou, melhor, mãe em excesso, capaz
de deslocar o “morrer com” para o lado da
maternidade. Refiro-me à Jocasta de Eurípides
que, coerente com seu destino de mãe inces-
tuosa, morre da morte de seus filhos e, “morta,
repousa entre seus bem-amados, envolvendo
ambos com seus braços”61
. É assim que Eurípi-
des reconstrói nas Fenicias a história de Jocas-
ta; ela que, casando-se com seu próprio filho,
havia misturado as nupcias com a maternidade,
somente poderia morrer como mãe. Mas, da
mesma forma, o homem a quem as mulheres
dedicam sua morte, apresenta, como já vimos,
duas figuras alternativas. Já que se trata de
morrer, uma mulher como Eurídice prefere a
morte por seus filhos à vida com o marido. A
originalidade de Jocasta é morrer com aqueles
que ela pôs no mundo, matando-se sobre seus
corpos, no mesmo lugar em que encontraram
sua morte guerreira.
A glória das mulheres
Chegou a hora de indicar o que o discurso trá-
gico sobre a morte das mulheres tira das repre-
sentações socialmente admitidas na Atenas
clássica, e em que se afasta delas. Esta questão
56
remete ao difícil problema da “gloria das mu-
lheres” (kleos gynaikon), cuja formulação,
mesmo a mais cotidiana, não se esgota com-
pletamente na abrupta profissão de fé de Péri-
cles.
Porta-vozes de uma ética tradicional, em
matéria de glória das mulheres os epigramas
funerários manifestam um radicalismo menos
intransigente que o de Péricles no epitáphios.
Digamos que eles não ignoram totalmente essa
noção. Mas essa glória, sempre subordinada à
realização de uma carreira de boa esposa, con-
funde-se com o valor (arete) propriamente
feminino, devendo ser evocada de preferência
num modo condicional, talvez no tom de reti-
cência. O valor das mulheres não se confunde
com o valor pertencente aos homens, que não
tem de ser especificado: não há “valor mascu-
lino”, há areté em si. Ouçamos o discurso do
luto em sua ortodoxia:
“Supondo-se que ainda exista na humanidade uma virtude feminina,
ela coube em partilha a esta mulher”,
diz prudentemente um epitafio de Amorgos; e
um epitafio do Pireu reitera:
“O que é uma raridade para uma natureza feminina – virtude acom-
panhada de castidade –, coube nobremente a Glicera num duplo
quinhão.”
57
Quanto ao elogio e à admiração da huma-
nidade, às vezes explicitamente conferidos a
uma esposa, a morte, este último acidente, nada
vale, e a vida que ela levou vale tudo. É isso
que se deve entender de outro epigrama do
Pireu:
“Por ocasião de sua morte Cairipe recebeu no mais alto grau aquilo
que é no mundo o elogio mais nobilitante das mulheres.”
Numa formulação ainda mais precisa, o epi-
grama gravado no túmulo de uma ateniense
afirma:
“Mais que ninguém no mundo, Antipe, rccebias o elogio adequado às
mulheres, e agora, que estás morta, ainda o recebes.”
Eis algumas menções à glória cotidiana das
mulheres. Talvez isso seja muito para Atenas,
mas é também pouco. É verdade que as boas
esposas não são trágicas.
Isso não significa que as mulheres trágicas
não sejam esposas. Mas elas o são na morte – e
só na morte, parece, pois só sua morte lhes
pertence, e é na morte que elas consumam o
casamento. Pode-se então formular duas pro-
posições contraditórias, mas complementares,
sobre sua morte. A primeira, sensível à força
dos valores tradicionais, afirma que quando as
heroínas de tragédias se realizam como esposas
na morte reforçam a tradição no instante mes-
58
mo em que inovam. A segunda, atenta a
abranger tudo que, na tragédia, tomaria o “par-
tido das mulheres”62
, constata que, na morte, as
esposas ganham uma glória cuja extensão ul-
trapassa consideravelmente a do elogio conce-
dido pela tradição a seu sexo. Sem decidir en-
tre as duas proposições, porque cada uma delas
tem sua exatidão, observar-se-á que é de fato
impossível não sustentar as duas simultanea-
mente, a todo instante e caso por caso. Isso, sem
dúvida, chama-se ambigüidade, e ambíguo é o
prazer da kátharsis em virtude do qual, duran-
te uma representação trágica, os cidadãos se
comovem vendo o sofrimento dessas mulheres
heróicas que encarnam no teatro outros cida-
dãos vestidos com trajes femininos.
Glória trágica das mulheres, glória am-
bígua.
Tomemos como exemplo Alceste, figura
paradigmática desta interpretação do casamen-
to pela morte. O coro diz convictamente que ela
foi “entre todas as mulheres a melhor para com
seu marido”; e suas últimas palavras são para
dizer ao marido: “Adeus” (Khaire), exatamen-
te como as boas defuntas nas esteias dos cemi-
térios atenienses. Entretanto, essa Alceste irre-
preensível testemunha brilhantemente que a
glória das mulheres é sempre artificiosa: Al-
ceste a devotada, a amante, a virtuosa, mas a
59
quem somente essas qualidades másculas que
são a audácia e a pertinácia asseguram a “mor-
te gloriosa”; ou, porque a morte gloriosa é es-
sencialmente viril e a esposa fiel ocupou o lugar
do homem, essa tolma (audácia) feminiza em
contrapartida o marido bem-amado, condenado
a assumir uma paternidade maternalizante e a
viver desde então recluso como uma virgem ou
casto como uma recém-casada no interior desse
palácio que sua mulher deixou quando, para
morrer, entrou no espaço aberto dos feitos
viris63
.
Glória eminentemente ambígua é também
a de Evadne, desejosa de morrer ao mesmo
tempo como esposa e como guerreiro. Para
honrar o casamento, a mulher de Capaneu bus-
ca a morte como um hoplita equívoco, desar-
vorado longe do campo de batalha: de pé sobre
a rocha escarpada, ansiosa pela glória de um
túmulo comum, desejosa de que toda Argos
tome conhecimento de sua morte, mas adorna-
da como uma mulher determinada a seduzir –
como uma nymphe, talvez. Disso resulta que a
“vitória” por ela reclamada como seu quinhão
a leva muito além de seu sexo, que normal-
mente ganha renome na ocupação de tecer e por
uma sábia discrição. E quando Evadne afirma
que sua vitória é a da areté (virtude), parece que
nem a mulher nem o guerreiro nela presente
60
devem achar nessa atitude sua satisfação. Com
efeito, o coro, composto de mães enlutadas, não
crê realmente em sua virtude feminina, marca-
da pelo excesso, nem tampouco em sua audá-
cia, cuja “virilidade” combina mal com a es-
posa que ela pretende ser6
*.
Há também a glória tardia de Dejanira,
que só após ter cometido o ato irreparável pro-
clama seu desejo de boa fama (Traquínias, 721-
722), e sobretudo aquela – quão paradoxal! – de
Fedra. Tão apaixonada pela glória quanto por
Hipólito, Fedra morre por ter perdido a
reputação de esposa de Teseu, mas coloca essa
morte, que deseja nobre, sob o signo da métis,
colocando um nó em volta de seu pescoço,
fazendo desse nó uma armadilha para Hipólito
e deixando a sinais escritos o cuidado de clamar
por uma falsa verdade. Entretanto seu nome
será ilustre, por causa desse amor em que ela
imaginava perder sua glória, por causa dessa
morte funesta. A contradição atinge o auge. É
verdade que Afrodite nada mais tem a ver com
aquilo, mas a própria Fedra tem muito65
.
Duplicidade da tragédia em matéria de
feminilidade... Por estarem “deslocadas”, essas
glórias de mulher nem por isso levam menos a
pensar, a ouvir, a ver. Mas, em sua qualidade de
61
esposas por falta ou excesso, Fedra, Dejanira,
Alceste ou Evadne não deixam de morrer sob o
signo do casamento. Sem dúvida é preciso
aceitar que constantemente a tragédia se afasta
da norma em proveito do desvio, sem que nun-
ca se tenha certeza de que, sob o desvio, a nor-
ma não esteja silenciosamente presente. Tam-
bém tentamos simultaneamente as duas leituras
possíveis: aquela que faz o inventário de todas
as distorções que, do seio de um sistema de
valores, é possível aduzir a esses valores, e
aquela que dá ouvidos a uma voz às vezes dis-
sonante no conjunto grego dos lôgoi sobre as
mulheres.
62
O Sangue Puro das Virgens
Entre as moças em flor é o sacrifício e o sangue
derramado que dominam. Por terem menos
autonomia que as esposas, mesmo no universo
trágico, as virgens não se matam; são mortas.
Generalizando dessa maneira, não esqueço
que existe ao menos uma virgem que fornece
um desmentido categórico a tal proposição:
refiro-me certamente a Antígona que, não se
contentando com matar-se, mata-se como as
esposas lacrimosas, buscando no enforcamento
um último recurso. A dificuldade é real, e
seria inútil tentar atenuá-la. No mínimo convém
proceder a uma análise meticulosa das condi-
ções inerentes à consumação da morte de An-
tígona, onde se misturam inextricavelmente um
suicídio bem feminino e algo como um sacrifí-
cio fora das normas. Embora tenha tido, em sua
opinião, o cuidado de não comprometer nem
sua responsabilidade pessoal nem a da cidade,
63
Creonte condenou inapelavelmente Antígona
ao Hades, vítima humana oferecida aos deuses
infernais para que eles se apoderassem de sua
jovem vida66
; sepultada viva, a filha de Édipo
estava condenada a morrer asfixiada e, no laço
feito com seu véu de virgem, ela antecipará a
asfixia por outra via. Seu proveito com isso é
inventar sua própria morte e condenar Creonte
à mácula que ele queria evitar. Mas o sentido
desse enforcamento não se esgota no gesto pelo
qual Antígona, fiel à lógica das heroínas de
Sófocles, escolhe morrer por suas próprias
mãos e converte em suicídio o que seria uma
execução: matando-se como as mulheres bem
femininas, a moça reencontra na morte tanto
uma feminilidade que enquanto viva renegara
com todo o seu ser, como um tipo de nupcias.
Voltarei a essa questão. Mas, nessa morte ex-
cepcional, o importante era acentuar antes de
mais nada o aspecto de exceção e a estranha
norma que determina que se executem as vir-
gens na tragédia.
Essa é realmente a norma, ou aquilo que
parece ocupar o seu lugar no universo trágico:
um sacrifício, geralmente sanguinolento, cuja
vítima é uma moça.
64
Sacrifícios em que é bom pensar
Examinemos a morte de Ifigênia sob o cútelo
do sacrificador, morte paradigmática que
nenhum dos três grandes trágicos deixou de
evocar, e mais de uma vez. A morte de Ifigênia:
um sacrifício, mas cuja vítima é uma moça, não
um animal. Simples detalhe? Poder-se-ia crer
que sim, observando que, para dizer a morte de
Ifigênia, a tragédia recorre de bom grado aos
verbos sphazo e thyo, normalmente usados para
significar o degolamento e o ato do sacrifício.
Mas há textos que nos levam a ver nesse deta-
lhe uma monstruosidade e nos fazem pensar
essa morte sob a categoria do assassínio
(phonos)67
.
Sacrificar uma virgem: numa palavra,
valer-se do jogo teatral para pensar o impensá-
vel, plantar-se no cúmulo da alienação para
interrogar ali a norma a partir do desvio – direi
eu: sob a proteção de um desvio que se mostra
muito evidentemente como tal? Atenta em
mascarar o assassínio oculto no sacrifício, a
prática religiosa das cidades esforçava-se para
que o degolamento do animal fosse submetido
a uma encenação rígida68
. Pulverizando essas
piedosas precauções, o gênero trágico, à escu-
ta do mito, entrega as moças ao cútelo do de-
golador. E o impensável torna-se narração (pois
65
nada dessas mortes virginais será posto diante
dos olhos, tudo será confiado à sugestão das
palavras): uma narração boa para ser ouvida
porque o teatro é ficção69
. Por certo, a cidade na
realidade não sacrificava suas moças; mas, na
oportunidade de uma representação, ela ofere-
cia aos cidadãos a dupla satisfação de trans-
gredir imaginariamente a proibição do phonos
e de sonhar com o sangue das virgens.
Se sobre esse jogo catártico do imaginário,
da proibição e do real, haveria muito a dizer,
muito haveria também sobre a função do teatro,
essa cena que a cidade se oferece para nela atar
e desatar ações sobre as quais o próprio pensa-
mento seria perigoso e insuportável. Não será
todavia a reflexão trágica sobre o sacrifício que
reterá aqui nossa atenção, e sim o conjunto dos
procedimentos que, de Esquilo a Eurípides,
cercam a morte das moças. Já que também o
mesmo se aplica à figura da párthenos, cabe
aqui a interrogação sobre aquilo que, do dis-
curso mitológico às narrações da tragédia, faz
de uma virgem a vítima designada de um sa-
crifício contra as regras.
Ifigênia, Macária, Polixena ou as filhas de
Erecteu: virgens oferecidas à sanguinária Árte-
mis, à temível Perséfone ou aos habitantes do
Hades, para a salvação da comunidade, para
que se possa começar uma guerra ou ao con-
66
trário para chegar a seu fim, para que se trave o
combate decisivo e que a vitória caiba ao lado
dos sacrificadores. Em suma, outras tantas
sphagia. A quem se perguntasse o que vale para
as phártenoi a sinistra honra de ser entregues
assim ao cútelo do degolador, lembraríamos
primeiro que, por ignorar o casamento e os tra-
balhos de Afrodite, a moça adquire por meio do
imaginário social noções relativas ao mundo da
guerra. Talvez se evoque então Atena, virgem
e guerreira. Mas Atena é uma deusa, enquanto
Ifigênia, Macária, Polixena e as filhas de Erec-
teu são simples mortais: à deusa cabe o privi-
légio de combater, às mortais cabe o de serem
sacrificadas. As virgens não poderiam comba-
ter ao lado dos varões mas, quando o perigo é
extremo, seu sangue corre para que a comuni-
dade dos andres viva70
. Às vezes velam pela
boa ordem da imolação os “escolhidos” (loga-
des), essa elite da juventude guerreira cuja
vocação para a morte é mais imperativa que a
de quaisquer outros combatentes. Venha a der-
rota: os escolhidos deixar-se-ão matar até o
último; para que venha a vitória, os escolhidos
conduzirão ao cútelo do sacrifício uma virgem
escolhida71
.
Para que o sangue dos homens não seja
derramado em vão, teria portanto de correr
sangue virgem ou, de acordo com a proclama-
67
ção dos sacrifícadores no momento de realizar
sua tarefa, “sangue puro”72
. Além disso, tal
lógica, sempre referenciada ao tempo do mito,
é a do imaginário: sejam quais forem as liber-
dades que a tragédia tome com a realidade das
práticas sociais, nenhum espectador poderia
esquecer-se de que, mesmo confrontada com o
perigo, uma cidade se contenta geralmente com
a imolação de animais e de que, pensada na
perspectiva excessivamente ortodoxa do siste-
ma sacrificial, a imolação de uma virgem é pelo
menos uma anomalia. Seria para resolver essa
tensão do real e do imaginário que, de Esquilo
a Eurípides, a tragédia se empenha em anima-
lizar metaforicamente as moças sacrificadas?
Novilha, poldra: domadas
No Agamêmnon de Esquilo, Ifigênia debate-se
“como uma cabra” e seu pai a destina à morte
“como um animal (boton) escolhido num reba-
nho de ovelhas”73
. É a uma novilha (moskhos)
que Eurípides a compara duas vezes, mais pre-
cisamente a uma “novilha das montanhas des-
cida virgem de um antro rochoso”74
. Sempre
sacrificada na hora crucial do início do comba-
te, a cabra não é uma vítima ordinária; com a
novilha, o modelo do sacrifício pareceria mais
68
clássico se a vítima não fosse caracterizada
como montanhesa. De fato, uma vez que só se
pode imolar dentro das regras um animal do-
méstico, verifica-se que uma novilha monta-
nhesa não é absolutamente uma vítima confor-
me a essa exigência: a montanha torna selva-
gem tudo que vive nela e, salvo quando se tra-
ta de Hermes, que sabe manipular como artis-
ta a confusão das regras75
, não seria possível
sacrificar uma vaca das montanhas. Nessa
comparação de Ifigênia com uma oreia mos-
khos ver-se-á então um modo de sublinhar o
desvio que caracteriza todo sacrifício humano,
“a selvageria da vítima substituindo a selvage-
ria do ato”76
. O desenlace da tragédia, aliás,
proporciona uma confirmação dessa análise:
quando finalmente Artemis – ou o poeta –
substitui a moça por uma vítima animal, como
a corça corredora da montanha que expira sob
o cútelo de Calcas, o mundo selvagem se in-
troduz irreversivelmente no coração do sacri-
fício.
A semelhança de Ifigênia, Polixena em
vias de ser sacrificada é assimilada a uma no-
vilha das montanhas e, pelo caminho oblíquo
dessa analogia, sua imolação se inscreve na
interseção do civilizado e do selvagem. Mas,
para evocar Polixena, a comparação não pare-
ce a figura de estilo mais adequada. Talvez
69
porque nenhuma substituição deve suavizar in
extremis seu destino, a jovem recebe um trata-
mento principalmente metafórico: ela é a novi-
lha de Hécuba, mas também é sua “poldra” (po-
los)11
. Detenhamo-nos um instante nesta última
palavra, ainda que seja para evocar outras situ-
ações muito semelhantes onde ela é usada
igualmente para caracterizar uma vítima jovem:
trata-se do filho de Creonte, Meneceu, candi-
dato ao sacrifício e, também ele, identificado
com um potro (Fenicias, 947); mas também
ocorre uma inversão da metáfora, transportada
a um universo – como o da historiografia –
onde a parte do real é mais compulsiva: já não
é a moça que é uma poldra, e sim a poldra que
é uma virgem, como compreenderá Pelópidas
que, convidado a sacrificar uma “virgem lou-
ra”, saberá decifrar o oráculo imolando uma
poldra ruça (Plutarco, Pelópidas, 20-22).
Da mesma forma que os animais selva-
gens ou asselvajados, o cavalo não é uma víti-
ma ordinária de sacrifícios – ele tem seu lugar
nos sacrifícios militares, um lugar incontesta-
velmente mais ambíguo que o da cabra. Trata-
remos todavia de polos e das conotações espe-
cíficas dessa palavra, que não cobrem necessa-
riamente o campo das representações associa-
das ao cavalo. De fato, se nos interrogarmos
sobre aquilo que faz de Polixena e de Meneceu
70
uma ou um polos, deveremos deslocar a tônica,
da polaridade do selvagem e do doméstico para
a oposição entre o que já está domesticado e o
que ainda não está78
. Polixena é poldra indo-
mada, Meneceu é potro não preparado; essas
metáforas não indicam somente que ambos são
vítimas designadas para um sacrifício anômalo;
sugerem também que estão como se fosse na
expectativa do casamento. Em suma, para eles
como para Ifigênia em Áulis, há uma estreita
interação entre o casamento e o sacrifício. A
espera dessa domesticação que é o casamento,
a moça assimila-se naturalmente a uma égua
indomada, a uma novilha ainda desconhecedo-
ra do jugo79
; mas, por definição, a vítima do
sacrifício deve ser também livre do jugo, e é
naturalmente – cingindo-nos ao menos à trama
metafórica do texto – que, prometidos à
decapitação, pôloi e môskhoi trocarão o casa-
mento pelo sacrifício80
.
Não devemos entretanto enganar-nos: se,
para Ifigênia e para Polixena, o casamento in-
tervém no sacrifício, convém ver nisso mais
que um jogo de poeta sobre uma metáfora sig-
nificante. De fato, se o tema do sacrifício se
ordena em torno de uma metáfora ligada a ani-
mais, é porque, como a vítima, a moça é sub-
missa, passiva, dada, conduzida. Digamos com
maior precisão que os sacrifícios trágicos es-
71
clarecem o ritmo muito cotidiano do casamen-
to, pelo qual a virgem passa de um kyfios (tu-
tor) a outro, do pai que a “dá” ao marido que a
“conduz”81
. Ironia trágica dos cortejos fúnebres
que deviam ter sido nupciais – o de Ifigênia, o
de Polixena, também o de Antígona82
–, casa-
mentos ao inverso por levarem a um sacrifica-
dor que é freqüentemente o próprio pai83
– e,
ver-se-á mais tarde, para a casa de um marido
chamado Hades. Ironia trágica o gesto do filho
de Aquiles, “tomando pela mão” Polixena para
pô-la no alto do sepulcro de seu pai84
. Quando
a vítima é uma virgem, o sacrifício é tragica-
mente irônico, por assemelhar-se demais ao
casamento.
Da execução como casamento
Para esclarecer essa semelhança, não nos apres-
saremos a relacioná-la com qualquer sistema
geral em que Eros se comunicaria com Tâna-
tos85
. Com efeito, se generalizarmos muito
depressa, se nos contentarmos com a satisfação
que experimentamos com a descoberta da “evi-
dência de algumas grandes leis universais”, ar-
riscar-nos-emos pura e simplesmente a esque-
cer a língua – grega, mas sobretudo trágica –
onde se enuncia a equivalência da execução e
72
do casamento. Ao ímpeto interpretativo prefe-
rir-se-á, então, uma vez mais, a lenta caminhada
na literalidade do significante trágico.
Uma primeira figura impõe-se imediata-
mente: as virgens conduzidas à morte são es-
posas para Hades. Nas representações partilha-
das da vida social, cabe à morte ser metáfora do
casamento porque, durante todo o cortejo nup-
cial, a moça morre por si mesma: tanto é assim
que em Locris as noivas deviam imitar Persé-
fone raptada pelo esposo vindo do mundo
subterrâneo86
. Benefício incomparável da fic-
ção: consagrando as moças à morte, a tragédia
inverte a ordem usual do discurso; indo contra
a metáfora, as virgens trágicas chegam à mo-
rada dos mortos como se trocassem a casa pa-
terna pela do marido87
, quer seja seu destino
encontrar, sem maior precisão, o “casamento no
Hades” (Eurípides, Troianas, 445), quer seja
encontrá-lo na união com Hades.
Casamento no Hades, união com Hades:
no âmago do sacrifício ou da execução, o des-
tino trágico das párthenoi inscreve-se no fundo
dessa tensão do no e do com e, como se toda
virgem devesse inelutavelmente realizar-se
como esposa, não existe aparentemente tercei-
ro termo para essa alternativa entre uma versão
“fraca” e uma versão “forte” da morte como
casamento88
. Assim, é no trespasse que Antí-
73
gona, morta por haver preferido um irmão
morto a uma vida de esposa, terá diante de si
um casamento, quer se imagine que ela vá
“encontrar um marido no Hades”, como sugere
Creonte, quer ela esteja destinada sem mais
rodeios a casar-se com o senhor dos mortos:
antes de morrer ela dera ao esposo infernal o
nome de Aqueronte, mas no discurso do men-
sageiro a moça (kore) encontrou o próprio
Hades em “seu aposento nupcial cavado na
rocha”89
. Além disso, corpo já inerte abraçado
por Hêmon, Antígona escapa ao noivo que
entretanto se matará para juntar-se a ela,
movido pelo desejo desesperado de desposá-la
“na morada de Hades” (Sófocles, Antígona,
1240-1241). Seja ainda Ifigênia, vinda a Áulis
para casar-se com o melhor dos aqueus, mas
que afinal verifica que seu esposo é “Hades e
nãoAquiles”90
.
Mas, com Ifigênia, começa um percurso
através das figuras mais secretas, próprias para
enunciarem a equação mortal das nupcias e do
degolamento. Um lamento de Agamêmnon,
suspirando em vão a propósito do destino de
sua filha, prenderá especialmente a nossa aten-
ção, pois o que ele exprime é talvez mais que
uma evocação dos esponsais infernais de Ifi-
gênia. Quando o rei brada:
74
“Quanto à desventurada virgem – que digo? virgem (párthenos)? –
Hades, segundo parece, casar-se-á com ela dentro de pouco tempo”
(Ifigênia em Áulis, 460-461),
deve-se ouvir nessa exclamação uma simples
variação em torno das nupcias de Hades? Ou
deve-se dar sentido à reticência de Agamêmnon
e entender que a virgem perde sua virgindade
no sacrifício? Esses dois versos da Ifigênia em
Áulis não bastariam por si mesmos para con-
firmar a segunda hipótese. Há, porém, duas
outras passagens de Eurípides onde uma vir-
gem sacrificada, sem ser entretanto declarada
esposa de Hades, sofre a perda da virgindade. É
o que ocorre com Polixena que, em Eurípides,
não se casa com Aquiles na morte91
. Polixena,
até então nymphe prometida a reis e que, em
sua altivez, pretende entregar a Hades apenas
seu corpo (demas), de forma nenhuma sua
pessoa; Polixena que, no instante da morte, dirá
somente que vai “para debaixo da terra, sem
esposo, sem himeneu”. Ora: uma vez imolada,
esta mesma Polixena será qualificada por sua
mãe lacrimosa de “esposa sem esposo, virgem
que não é mais virgem” (nymphe ánymphos,
párthenos apárthenos)92
.
Com Polixena, certamente o comentador
pouco preocupado em deter-se numa expressão
delicada, pode ainda descartar-se desta proje-
tando sobre o texto de Eurípides o romance
75
helenístico das nupcias de morte com Aquiles;
ele escreverá então que, na morte, as “cativas
de guerra tornavam-se concubinas de seu se-
nhor”93
, e considerará o problema resolvido
prometendo a jovem troiana à sombra do herói
grego. A dificuldade, entretanto, reabre-se mais
aguda do que nunca nos Heráclidas com a vir-
gem Macária. Macária, que não é oferecida a
um herói, e sim sacrificada a Core; Macária,
que não pretende unir-se ao marido da deusa
dos mortos, e para quem Hades é apenas o
nome de um lugar; Macária, que renuncia à
hora das nupcias para salvar sua raça e a vida de
seus irmãos. Macária, párthenos exemplar.
Mas, evocando a glória decorrente de sua es-
colha e as honras fúnebres que serão seu qui-
nhão, a virgem Macária declara que “terá esse
tesouro em vez de filhos e de virgindade” (anti
paidon... kai partheneias)94
. Embaraço dos tra-
dutores, embaraço dos comentadores: que uma
virgem troque os filhos que não terá pela glória,
isso afinal de contas está na ordem das coisas
onde, pensam os comentadores, pensam os tra-
dutores, uma mulher – principalmente grega –
não poderia ter tudo; mas em que a glória
deveria “ocupar o lugar” da virgindade no caso
de Macaría, a virgem sábia? Pergunta ingênua,
de que alguns comentadores e tradutores se
desembaraçam dando a anti (em vez de) dois
76
sentidos muito diferentes, dependendo de o
regime ser “os filhos” – bem precioso que será
substituído pela glória – ou a “virgindade” –
estatuto incompleto de que, numa leitura ao
mesmo tempo psicológica e pequeno-burguesa,
se imagina que uma párthenos deseje livrar-se
o mais depressa possível para realizar-se no
casamento: e as honras fúnebres tornam-se uma
“compensação” por essa virgindade forçada95
.
Porque nada de tudo isso é realmente convin-
cente, nem mesmo conforme ao rigor grave
característico da filha de Heracles, desejar-se-
ia, com a ajuda da leitura adotada até agora
remontando da Ifigênia em Áulis para a Hécu-
ba e os Herácüdas, oferecer uma resposta ca-
paz de conservar toda a força da declaração da
moça: trata-se efetivamente de dois bens pre-
ciosos que a virgem dá com sua vida; dois bens
aos quais ela renuncia para sempre: os filhos
que ela não terá, e a virgindade intacta que ela
vai perder com a vida no instante do degola-
mento.
Com efeito, lendo os textos com rigor é
preciso concordar com a estranha verificação
de que uma virgem sacrificada perde sua
parthêneia (yirgindade) sem entretanto ganhar
um marido. À semelhança de Ifigênia, à seme-
lhança de Polixena, Macária jamais será uma
gyné; apesar disso, não é mais uma párthenos
77
que o Hades ganhará. Nem mulher, nem vir-
gem, mas um entremeio, como uma nymphe.
Uma nymphe ánymphos, entretanto, esposada
sem esposo. É sob a forma desse oxymoron,
evocado há pouco a propósito de Polixena, que
se deve pensar a figura paradoxal da virgem
sacrificada, da qual se tira a parthêneia no ins-
tante mesmo da exaltação de sua pureza de
novilha indomada. Graças sejam dadas por isso
a Macária: por não ser prometida a nenhum
Aquiles, a nenhum Hades, a filha de Heracles
compele o leitor à audácia, ou, no mínimo, a
uma interpretação mais exigente do texto.
Pode-se então formular algumas proposições:
num certo nível de generalidade, na tragédia
euripidiana a morte de um ser jovem provoca
necessariamente a evocação de suas nupcias96
e,
nessa perspectiva, a virgem sacrificada, esposa
de Hades, nada mais é que uma encarnação
entre outras do equivalente da morte e do ca-
samento. Mas existe também em Eurípides urna
língua, obscura para dizer o obscuro, em que a
morte sanguinolenta das párthenoi é pensada
como uma maneira anômala, atópica, de con-
sumar a virgindade em feminilidade. Como se,
talvez, a decapitação valesse por um deflo-
ramento97
: garganta cortada, Ifigênia, Polixena
e Macária são párthenoi apárthenoi, virgens
78
não-virgens. Assim, sob o signo do impensável,
as virgens trágicas de Eurípides dão o passo que
satisfaz ao mesmo tempo os deuses irritados e
os sonhos dos espectadores.
Sem dúvida objetar-se-á a esta análise que
existe em Eurípides pelo menos uma vítima
jovem de sacrifício do sexo masculino. Evocar-
se-á então o irmão de Hêmon, Meneceu, cuja
imolação à terra de Tebas a cólera de Ares exi-
ge nas Fenicias. Mas deve-se ver na morte de
Meneceu a versão viril, portanto tebana, do
sacrifício virginal: no universo dos espartos (os
“semeados”), que outra vítima senão um macho
poderia morrer pela pátria, essa terra de ma-
chos98
? Certamente a circunstância de a vítima
ser um rapaz e não uma virgem não é sem
conseqüências: assim, por ser um privilégio
masculino empunhar a arma, ao contrário das
párthenoi que tombam sob o cútelo do degola-
dor, o filho de Creonte é seu próprio sacrifica-
dor, e nessa morte ninguém saberia distinguir
claramente o sacrifício do suicídio, e o suicídio
de uma gloriosa morte guerreira”. Mas o es-
sencial está na semelhança, não no afastamen-
to: embora se devote como um guerreiro, é por
sua virgindade de potro ainda ignorante da
domesticação do casamento que Meneceu deve
ser designado como vítima do sacrifício100
79
Ocasião, para quem se interessa pela antropo-
logia do casamento grego, de lembrar que
também a propósito do homem essa instituição
é critério de maturidade101
, apesar de a passa-
gem ser mais marcante nas mulheres. Ocasião
principalmente para meditar sobre a lei segun-
do a qual só a virgindade se presta ao sacrifício,
para que, glorificada pelo verbo trágico, o sa-
crifício humano possa ser pensado.
É assim que, por ignorar o himeneu,
Meneceu vem ocupar um lugar ao lado de Ifi-
gênia, de Polixena e de Macária. Mas – a
nobreza de seu devotamente não poderia mas-
cará-lo – se todo sacrifício humano é desvi-
ante, o imaginário prefere entregar ao degola-
dor uma moça a ter que pensar esse desvio. A
párthenos: uma vítima submissa, passiva, dócil.
Sem dúvida.
Liberdades virginais
Para ser fasto, todo sacrifício animal deve
mostrar a aquiescência da vítima102
. Mesmo
imaginado por um autor trágico, um sacrifício
humano não poderia deixar de enquadrar-se
nessa regra. A não ser que se queira apresentar
esse sacrifício como um puro assassínio, onde
80
a moça conduzida à imolação não consente.
Essa é a escolha103
de Esquilo no Agamêmnon.
Sem dúvida a palavra phonos não é expli-
citamente pronunciada, porém o sacrifício da
virgem é claramente designado como uma
mácula, antes mesmo de, na descrição de Ifi-
gênia levada ao suplício, o texto acumular as
provas de acusação contra o pai que ousou
imolar sua filha. Nada há, até o estatuto virgi-
nal da moça, que não seja pensado como uma
circunstância agravante (“tudo isso – até sua
idade virginal! – ela viu descartado como se
nada fosse!”). Mas o essencial é que Esquilo
não deixa lugar algum a esse assentimento da
vítima, que confere ao sacrifício animal sua
legitimidade formal; logo depois de ser dado o
sinal da degolação, a violência passa a dominar:
erguida, agarrada, amordaçada para que não se
lhe ouvissem os gritos104
, Ifigênia, que se debate e
se agarra à terra, recusa desesperadamente sua
aquiescência10
* a essa imolação cujo aspecto
escandaloso Esquilo se compraz em subli-
nhar106
.
Se excetuarmos a. Ifigênia em Táuris, cuja
heroína recorda horrorizada a violência que lhe
foi infligida de modo muito esquiliano, a es-
tratégia euripidiana em face das virgens imola-
das é completamente diferente. De fato, Eurí-
pides aceita a ficção do sacrifício humano ape-
81
nas para desviar-lhe a significação. Maneira
hábil de recusar aquilo que entretanto a ence-
nação e a realização descrevem minuciosa-
mente. Sob a aparência de respeitar a regra da
aquiescência, transforma-se o assentimento em
escolha livremente feita e a morte infligida em
morte voluntária, para não dizer em morte glo-
riosa. Tudo está no lugar, porém nada tem
agora o mesmo sentido.
Ainda uma vez a filha de Agamêmnon
adquire o caráter de paradigma, ela que, na Ifi-
gênia em Áulis, morre voluntariamente (hêkou-
sa: ver o verso 1555). Agarrada por mãos bru-
tais, a Ifigênia de Esquilo foi “erguida por cima
do altar” (hypenhe bomou labein aerden) e,
nisso que é uma prática sacrificial normal com
uma vítima animal, Esquilo via apenas um sinal
flagrante de violência e de compulsão107
. Aer-
dén: no ar. Se, na aiora do enforcamento, as
esposas elevam-se no ar espontaneamente, a
moça sacrificada não desejou um instante se-
quer deixar o chão. Pobre Ifigênia: Eurípides
recordar-se-á dela na Ifigênia em Táuris, onde,
desde os primeiros versos da tragédia, a filha de
Agamêmnon, numa franca imitação do texto
esquiliano, evoca o instante funesto em que,
“infortunada, agarrada e erguida acima do al-
tar” (hyper pyras metarsia lephtheisa)m
, ela ia
perecer atingida pelo gládio. Inversamente, não
82
causará maior admiração que, no fim da Ifigê-
nia em Áulis, onde a liberdade da heroína não
poderia se coadunar com uma compulsão, ain-
da que ritual, esse sinal de pura violência tenha
desaparecido. De fato, quando, de pé diante de
seu pai, Ifigênia anuncia que, dando com toda
a liberdade seu corpo para ser sacrificado, apre-
sentará silenciosa e corajosamente o pescoço, a
virgem impede por isso mesmo os argivos de
porem as mãos sobre ela – maneira de recusar-se
a ser tratada como vítima e “erguida” de
conformidade com o ritual (Ifigênia em Áulis,
1551-1561). Depois disso a atenção se con-
centra nos preparativos para a imolação e, do
que foi no último instante o comportamento de
Ifigênia – altivamente erecta, ou talvez
ajoelhada? – o texto, numa elipse eloqüente,
nada mais diz. Em compensação – e sem
dúvida não se trata aqui de um acaso –, desde
que o gládio de Calcas a feriu a descrição volta
a ser precisa a propósito da corça montanhe-sa
imolada em vez da moça, alongada sobre o
solo mas cujo sangue jorrava para molhar no
alto (arden) o altar de Artemis109
: com a vítima
animal o ritual do sacrifício, mesmo desviante,
retomou seus direitos, embora a párthenos ti-
vesse desaparecido, imobilizada em sua livre
escolha.
83
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Nicole loraux maneiras tragicas de matar uma mulher

  • 1.
  • 2. T E X T O S DE ERUDIÇÃO & PRAZER A Morte dos Deuses, Michel Henry A Morte nos Olhos, Jean-Pierre Vernant Dioniso a Céu Aberto, Marcel Détienne Maneiras Trágicas de Matar uma Mulher, Nicole Loraux
  • 3. Nicole Loraux MANEIRAS TRÁGICAS DEMATAR UMAMULHER Imaginário da Grécia Antiga Traduzido por MÁRIO DA GAMA KURY Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro
  • 4. Título original: Façons tragiques de tuer une femme Tradução autorizada da primeira edição francesa publicada em 1985 por I lachcttc, de Paris, França, na coleção Textes du XXe Siècle dirigida por Maurice Olender Copyright © 1985, Hachette Copyright © 1988 da edição brasileira: Jorge Zahar Editor Ltda. rua México 31 sobreloja 20031 Rio de Janeiro, RJ Todos os direitos reservados. A reprodução nao-autorizada desta publicação, no todo ou etn parte, constituí violação do copyright. (Lei 5.988) (Edição para o Brasil. Não pode circular em outros países.) Ficha técnica Revisão de texto: Angela Loureiro. Diagramação: Celso Bivar. Capa: Gilvan F. da Silva. Composição e montagem: Ed. Ubyassara Ltda. Revisão: Ricardo Santos, Carlos Kayfcld, Naír Damctto. Impressão: Tavares e Tristão Granea e Editora de Livros Ltda. ISBN: 85-7110-046-2
  • 5. Sumário 7 Prólogo 15 Distribuição 21 Maneiras trágicas de matar uma mulher 27 A Corda e o Gládio Um suicídio de mulher por uma morte de homem 27 Uma morte desprovida de andreia 29 A incisão no corpo viril 33 Enforcamento ou sphagé 36 A esposa que se lança 42 O silêncio e o segredo 48 No thálamos: morte e casamento 51 Morrer com 53 A glória das mulheres 56 63 O sangue puro das virgens Sacrifícios em que é bom pensar 64 Novilha, poldra: domadas 68 Da execução como casamento 72 Liberdades virginais 80 A glória das moças 88
  • 6. 91 Lugares do corpo 0 ponto fraco das mulheres 92 Enumeração do corpo viril 97 A alternativa de Polixena 101 116 Notas 139 Sobre a autora
  • 7. Prólogo “Mortes representadas em cena, grandes dores, ferimentos”: acontecimentos da tragédia, espe- táculos para os olhos. Considerando os exem- plos dados por Aristóteles para ilustrar sua definição do pathos trágico como “ação causa- dora de destruição ou dor” 1 quem poderia duvidar um instante sequer de que, no teatro ateniense, a morte não tenha sido realmente exposta à visão do espectador? Thanatói en tói phanerói: agonias em público, assassínios di- ante dos olhos de todos... Lendo mais uma vez com perplexidade a frase de Aristóteles, tomo a decisão de advertir o leitor de que, nas pági- nas seguintes, o ouvinte da tragédia levará vantagem sobre o espectador: tudo passa pelas palavras, porque tudo se passa nas palavras, principalmente a morte. Investigando as mo- dalidades trágicas da morte das mulheres, nada encontrei que seja visto ou que seja primeiro 7
  • 8. visto. Tudo começou por ser dito, por ser ou- vido, por ser imaginado – visão nascida das palavras e presa a elas. Assim, ao empenhar-me em um longo exercício de leitura, tentei captar, pura e simplesmente, aquilo que dava de ime- diato ao público antigo o gozo intenso do pra- zer de ouvir. Palavras lidas para substituir ou mesmo para reencontrar as palavras ouvidas, aquelas que a representação trágica oferecia à escuta ativa do público ateniense. Palavras de duplo ou múltiplo sentido. Em síntese, texto, nada mais que texto. Pode ser que contar “muito mais com a imaginação que com a vista, mais com o ouvido que com o olho” 2 seja uma escolha minha, mas que importa? Na Atenas do século V a.C, essa foi a escolha do gênero trágico. Não tentarei prová-lo. Precisaria para tanto de mais que um prólogo, e somente por prazer, ou de memória, evocarei algumas das razões que levam a colocar a tragédia sob o signo da es- cuta. Há, inicialmente, as razões do historiador. Seria necessário evocar o apego decididamente etimológico dos gregos à sua língua e o amor que eles demonstram por suas palavras (que eles chamam de “nomes”). Conviria lembrar até que ponto, no século V ateniense, as regras da escuta dominam esses discursos cívicos que 8
  • 9. denominamos um pouco impropriamente gê- neros literários. Ouso mesmo formular a hipó- tese de que, no teatro de Atenas, a escuta era, para o público da representação trágica, como que uma leitura muito refinada, à altura da “profundidade” do texto3 . Se o espectador anti- go, tal como gostamos de imaginá-lo depois de 1er Jean-Pierre Vernant, tiver sido esse espec- tador de ouvido apurado para quem a “lingua- gem do texto pode ser transparente em todos os níveis, em sua polivalencia e em suas ambigüidades”4 , então temos de atribuir a esse ouvinte onipotente uma atenção da qual o mí- nimo que se pode dizer é que ela quase não tinha flutuações, uma memória por nós total- mente esquecida e a capacidade espantosa de realizar o longo trabalho sobre o significante durante o curto tempo da representação teatral. Ficção, talvez, mas ficção necessária. Podemos então formular a hipótese de que, arrebatado pela profundidade polissêmica do texto, o leitor se empenha na interminável busca das palavras em eco. O historiador já se afastou na ponta dos pés. Resta o texto e, diante do texto, seus usu- ários muito contemporâneos. Na primeira linha destes estão o diretor e os atores. Não espere- mos, entretanto, que eles tornem a dar um cor- po à idéia de espetáculo5 . Por pouco que seja 9
  • 10. interrogado, o diretor confessará a dificuldade que enfrenta para convencer os atores a dizerem – a somente dizerem e sobretudo a não repre- sentarem – as grandes unidades textuais com- ponentes de uma tragédia: o coro do Agamêm- non sobre o sacrifício de Ifigênia, a narração da morte de Dejanira nas Traquínias ou a imola- ção de Polixena na Hécuba6 . Resta ao leitor, então, aceitar até o fim a aposta no texto. Leitora de tragédias, não tive aliás escolha. Fui constrangida a isso desde que, procurando traçar as vias trágicas da morte das mulheres, tive de admitir que essas vias eram textuais. Nada encontrei além da narração. Como se só se pudesse confiar a morte das mulheres às palavras, como se apenas as pala- vras soubessem levá-la a termo. Para isso há seguramente razões históricas, razões de civi- lização: uma mulher grega vivia sua existência de moça, de esposa e de mãe no lugar mais recôndito da casa; ela também devia partir desta vida de sua casa bem fechada, ao abrigo dos olhos, longe de todo o público. Mas, seja como for, a decência, ainda que sociológica, nunca bastou para explicar tudo. Não é difícil admitir que os sacrifícios das virgens – este puro desvio – só possam rea- lizar-se no terreno da narração; a tragédia co- loca as moças em cena apenas para dela tirá-las 10
  • 11. e para entregá-las, longe dos olhos, ao cútelo do degolador: execução escandalosa, ficção satis- fatória narrada passo a passo pelos mensageiros em linguagem técnica cujas palavras carregam o impensável com todo o peso do real. Faz bem matar as moças em pensamento, em narração. Mas há também o suicídio das esposas, que vem complicar tudo, porque é revelado também pela narração, e não pela visão. Estarão essas desesperadas realmente cometendo uma espé- cie de transgressão, para terem de voltar a ocu- par precipitadamente seu lugar – sombrio, oculto, fantasmático – para então encontrarem a morte cuja narração ao público dependerá de uma ama ou de um servidor? É nessa reticência em mostrar a morte que a invenção trágica da feminilidade encontra, sem dúvida alguma, seu limite, com essa maneira que as esposas perdi- das têm de voltar ao seu lugar para rematar uma ortodoxia. Mas isso não é tudo: recorrer à or- dem da linguagem7 para matar Fedra ou Deja- nira talvez seja uma das dimensões constituti- vas do trágico em sua definição grega. Ao menos não se deve subestimar o benefício imaginário muito real que essas mortes apenas ditas deviam trazer a um público de cidadãos. Dessas mortes postas em palavras direi sem hesitar o que Baudelaire dizia do belo, definido como “prestando-se a conjecturas”: a morte- 11
  • 12. narração presta-se infinitamente mais a con- jecturas que as violências exibidas diante dos olhos. Para o cidadão de Atenas, a apresentação teatral das mulheres já é, em si mesma, uma ocasião admirável para pensar a diferença dos sexos: mostrá-la para confundi-la e depois re- encontrá-la, mais rica após haver sido confun- dida, mas ainda assim consolidada ao ser rea- firmada no último instante. Pelo fato de nela se dramatizarem e se condensarem todos os momentos dessa história, a morte de uma mu- lher é a ocasião por excelência para essa ope- ração imaginária, ainda mais porque a tragédia usa para dizê-la palavras de múltiplos sentidos que, de certo modo, “sabem”8 . Palavras precisas, como aiora e áiresthai, dotadas de sentido técnico na linguagem reli- giosa ou sacrificial9 ; palavras muito gerais como báinein, designação neutra da ação de marchar (“ela partiu, a esposa...”); nomes de lugares do corpo10 – a garganta, por exemplo. A tragédia usa todas essas palavras da língua e as transforma para fazer delas a trama de um discurso bem audível que, sob a narração, fala ainda e sempre da diferença dos sexos. Foi na tradução literal dos textos que procurei aquilo que, no seio da representação trágica, se passa ao nível das palavras quando um mensageiro conta a morte de uma mulher. Mas passemos ao texto. 12
  • 13. Não gostaria, entretanto, de iniciar essa leitura prolongada sem antes agradecer, por suas su- gestões e observações, todos aqueles a quem expus a totalidade ou parte destas pesquisas em meus seminários na E.H.E.S.S., nas universi- dades de Toulouse e de Trieste, na Cornell University, em Princeton e em Harvard. Agra- deço principalmente àqueles que, convidándo- me a falar da morte trágica das mulheres, de- ram-me a oportunidade de escrever estas pági- nas: Gregory Nagy em primeiro lugar, e Clau- dine Leduc. Agradeço finalmente a Maurice Olender por acolher-me na coleção “Textes du XXe Siècle”, por ele dirigida. Nota do tradutor: Em relação aos nomes próprios gregos, a auto- ra usa geralmente a forma tradicional francesa, 13
  • 14. como Achille, Ajax. Às vezes, entretanto, opta pela transliteração (preferida pelo tradutor e adotada em seus trabalhos anteriores: Heracles, Têcmessa, Teucros, Macária). Respeitando o critério usado predominantemente pela autora, e com vistas à uniformidade dentro de uma mesma obra, seguimos a forma tradicional portuguesa, dando entre parênteses, na Distri- buição anteposta à obra, a transliteração dos nomes gregos: por exemplo, Aquiles (Aqui- leus), Ájax (Aias). 14
  • 15. Distribuição* ÁDMETO: (Ádmetos) Marido de Alceste. Ver Eurípides, Alcesle. AGAMÊMNON: Rei de Argos e comandante da expedição grega contra Tróia. Sacrifica sua filha Ifigênia e é morto por sua mulher Clitemnestra. Ver Esquilo, Agamemnon e Coéforas, e Eurípides, Ifigênia em Áulis. ÁJAX : (Aias) Rci de Salamina. Recuperando a razão ao sair do desvario em que o lançou Atena, suicida-se com seu gládio. Ver Sófocles, Ajax. ALCESTE: (Álcestis) A “melhor das mulheres”. Esposa de Ádmeto, rei da Tessália; aceita morrer em lugar de seu marido. Ela morre; Heracles a traz de volta do Inferno depois de disputá-la com Tânatos, a Morte. Ver Eurípides, Alcesle. ANTÍGONA: (Antigone) Filha de Édipo e de Jocasta. Por ocasião da morte de seus irmãos, caídos num combate decorrente da guerra civil e do sui- cídio mútuo, enterra Polinices contrariando a * Os personagens, sua história trágica e a menção às peças das quais são protagonistas e que serão citadas. 15
  • 16. proibição de Creóme. Condenada à morte em confinamento, enforca-se. Ver Sófocles, Antígona, e Eurípides, Fenicias. AQUILES: (Aquileus) Pouco presente na tragédia, o herói da Ilíada é em Áulis o noivo fictício de Ifigênia. Em Tróia, Polixena é imolada sobre seu túmulo. Ver Eurípides, Hécuba e Ifigênia em Áulis. CASSANDRA: Filha de Príamo e de Hécuba, profetisa em quem ninguém acreditava, levada como ca- tiva para Argos pelo rei Agamemnon e morta com ele por Clitemnestra. Ver Esquilo, Agamemnon, e Eurípides, Troianas. CLITEMNESTRA: (Clitaimnestra) Mulher de Agamemnon, mãe de Ifigênia, de Orestes e de Electra. Mata Agamêmnon auxiliada por Egisto, e é morta mais tarde por Orestes com a ajuda de Elec- tra. Ver Esquilo, Agamêmnon, Coéforas e Eumênides, Sófocles, Electra, e Eurípides, Electra c Ifigênia em Áulis. CREONTE: (Crêon) Irmão de Jocasta, marido de Eurídi- ce, pai de Hcmon e de Mencceu. Rei de Tebas após a morte dos filhos de Édipo. Ver Sófocles, Antígona, e Eurípides, Fenicias. DANAIDES: Filhas de Dânaos, evitam o casamento e os homens, especificamente os filhos de Egito (Áigiptos), seus primos. São acolhidas em Argos pelo rei Pelasgo. Ver Esquilo, Suplicantes. DEJANIRA: (Deiâneira) Mulher de Heracles em Traquis, envia ao herói a túnica de Nesso, presente de amor – pensa ela –, mas na realidade presente de morte. Suicida-se com um gládio. Ver Sófocles, Traquínias. ÉDIPO: (Oidípous) Filho de Laio e de Jocasta, assas- sino de seu pai e marido de sua mãe. Diante 16
  • 17. do cadáver de Jocasta cega-se com o pino de um broche da roupa da morta. Seus filhos Etéocles e Polinices exterminam-se mutua- mente, sua filha Antígona enforca-se. Ver Sófocles, Edipo Rei, Antígona, e Eurípides, Fenicias. EGISTO: (Áigistos) Amante de Clitemnestra e primo de Agamêmnon, ajuda a mulher a matar o marido e é morto por Orestes. Ver Esquilo, Agamêmnon e Coéforas, e Eurípides, Electro. ELECTRA: Filha de Agamemnon e de Clitemnestra, espera o retomo de Oreslcs para vingar o pai morto matando sua mãe. Ver Esquilo, Coéfo- ras, Sófocles, Electro, e Eurípides, Electro e Orestes. ERECTEU: (Erecteus) Rei de Atenas. Sacrifica sua ou suas filhas para salvar a cidade. Ver Eurí- pides, Ion e os fragmentos de Erecteu. ETÉOCLES: (Eteoclcs) Filho de Édipo e de Jocasta. Mor- re no combale fratricida cm que enfrenta Polinices. Ver Esquilo, Sete contra Tebas, e Eurípides, Fenicias. EURÍDICE: (Euridice) Mulher de Creonte, mãe de Hê- mon. Ouvindo a notícia do suicídio de seu filho, mata-se com um gládio. Ver Sófocles, Antígona. EVADNE: (Euadne) Mulher do herói Capaneu, lança-se na pira fúnebre de seu marido, morto diante de Tebas. Ver Eurípides, Suplicantes. FEDRA: (Faidra) A Cretense, mulher de Teseu. Apai- xonada por seu enteado Hipólito, que gosta somente da deusa Ártemis, enforca-se. Ver Eurípides, Hipólito. HECUBA: (Hecabe) Mulher de Príamo, rei de Tróia, mãe de numerosos filhos e filhas, entre as quais Cassandra e Polixena. Ver Eurípides, Troianas e Hécuba. 17
  • 18. HELENA: HÊMON: HERACLES: HERMIONE: HILO: HIPÓLITO: IFIGÊNIA: JASÃO: JOCASTA: A bela Helena. Mulher de Menelau, raptada por Páris. Segundo alguns autores, somente seu fantasma foi a Tróia. Ver Esquilo, Agamemnon, e Eurípides, Troianas, Helena e Orestes. (Háimon) Filho de Creonte e de Eurídice, noivo de Antígona. Suicida-se com um gládio ao descobrir sua noiva enforcada. Ver Sófocles, Anlígona. (Heracles) Herói dos doze trabalhos e de numerosas esposas. Num acesso de loucura mata Mcgara e seus filhos. Morre vítima do funesto presente de Dcjanira. Ver Sófocles, Traquínias, e Eurípides, Heracles. Filha de Mcnclau e de Helena, mulher de Neoptólcmo. Ver Eurípides, Andrômaca e Orestes. (Hilos) Filho de Heracles c de Dejanira. Ver Sófocles, Traquínias. (Hipólitos) Filho de Tcscu e da amazona Antíope. Gosta apenas de Artemis c da caça. O amor de Fcdra e a maldição de seu pai le- vam-no à morte. Ver Eurípides, Hipólito. (Ifigência) Filha de Agamemnon e de Cli- temnestra, sacrificada por seu pai para propi- ciar os ventos que levarão a frota grega a Tróia. Em certas versões do mito, salva in extremis pela deusa Artemis ela é transporta- da para Táuris, onde realiza sacrifícios hu- manos, antes de Orestes levá-la de volta para a Grécia. Ver Esquilo, Agamêmnon; Eurí- pides, Ifigênia em Áulis e Ifigênia em Táuris. (Iáson) O marido humano, demasiadamente humano de Medéia. Ver Eurípides, Medéia. (locaste) Mãe e mulher de Édipo, de quem tem dois filhos – Etéocles e Polinices – e 18
  • 19. duas filhas – Antígona e Ismene. Enforca-se ao descobrir o incesto, ou mata-se com um gládio quando vê seus dois filhos mortos. Ver Sófocles, Édipo Rei, e Eurípides, Fenicias. Homero chama Jocasta de Epicasta. LEDA: Mãe de Helena e de Clitemnestra. Desespe- rada por causa da má reputação de Helena, enforca-se. Ver Eurípides, Helena. MACÁRIA: (Macária) Filha de Heracles, aceita ser sacri- ficada para salvar seus irmãos. Ver Eurípides, Heracles. MEDÉIA: Princesa colquídia casada com Jasão, que a abandona para casar-se com a filha do rei de Corinto. Ela mata o rei e sua filha com vene- no, e seus próprios filhos com um gládio. Ver Eurípides, Medéia. MÈGARA: Esposa fiel de I léracles em Tcbas, morta com seus filhos pelo herói num acesso de loucura. Ver Eurípides, Heracles. MENECEU: (Mcnoiccus) Filho de Crcontc, irmão de Ilcmon. Mata-se para salvar a cidade. Ver Eurípides, Fenicias. MENELAU: (Mcnêlaos) Rei de Esparta, marido de Hele- na. Ver Eurípides, Troianas, Andrômaca, Helena c Orestes. NEOPTÓLEMO: (Ncoptôlemos) Pilho de Aquiles; imola Poli- xena sobre a sepultura do pai e é morto em Dclfos. Ver Eurípides, Hécuba e Andrômaca. ORESTES: Filho de Agamemnon e de Clitemnestra, irmão de Ifigênia e de Electra. Mata sua mãe para vingar a morte de seu pai. Ver Esquilo, Coéforas e Eumênides; Sófocles, Electra; Eurípides, Electra, Ifigênia em Táuris e Orestes. POLINICES: (Polineices) Filho de Édipo e de Jocasta. Morre no combate fratricida em que enfrenta 19
  • 20. Etéocles. Ver Esquilo, Sete contra Tebas, e Eurípides, Fenícias. POLIXENA: (Polixene) Filha de Príamo e de Hécuba, sacrificada por Neoptólemo sobre a sepultu- ra de Aquiles. Ver Eurípides, Troianas e Hécuba. TÊCMESSA: Companheira de Ájax, de quem ouviu que o silêncio é o adomo das mulheres. Ver Sófocles, Ajax. TESEU: (Teseus) Rei de Atenas, marido de Fedra, pai de Hipólito. Maldiz precipitadamente o filho. Ver Eurípides, Hipólito. TEUCRO: (Tcucros) Mcio-innão de Ájax. Ver Sófocles, Ájax. 20
  • 21. Maneiras Trágicas de Matar uma Mulher Dando sua vida à cidade, os atenienses caídos em combate receberam “o elogio imutável e a mais insigne das sepulturas – não falo do lugar onde repousam, mas da fama que deixam, memorável para sempre [...]. Com efeito, para os homens ilustres a terra inteira é a sepultura e, para dar conta do que foram, não basta uma inscrição gravada numa esteia em sua cidade: em terra estrangeira, uma lembrança não-escrita da escolha por eles feita mora cm cada pessoa”. “O tempo jamais apagará em teu marido a lembrança eterna de teu valor, Nicoptolcme.” ‘ Este trecho de epitáphios e este fragmento de epitafio servem de introdução àquilo que na cidade grega – no caso, Atenas – se diz da morte dos homens e de uma morte de mulher. Os homens morreram na guerra, realizando rigorosamente o ideal cívico; submissa a seu destino, a mulher morreu em seu leito – ao menos essa é a história possível. Aos homens a cidade ofereceu oficialmente uma bela sepul- tura e um elogio em forma de oração fúnebre pronunciada pelo mais célebre dos homens de Estado; e, sob o impacto do verbo eloqüente de 21
  • 22. Péricles, o epitafio gravado no monumento do Cerâmico empalidece diante da palavra de gloria e sua promessa de lembrança imutável e universal. Para Nicoptoleme, desconhecida cujo nome guerreiro significa vitória em com- bate, basta um pouco de lembrança privada: algumas linhas gravadas numa esteia e a afir- mação de que seu marido jamais a esquecerá. Forte contraste, talvez muito perfeito para ser totalmente exato. Sem dúvida nem todos os homens de Atenas morrem em combate, mas não existe um cujo epitafio não confie de algu- ma maneira à cidade a lembrança eterna das qualidades do morto; nem todas as mulheres de Atenas extinguem-se em seu leito, mas é sem- pre ao marido (ou na pior das hipóteses à fa- mília) que compete preservar a lembrança da morta. Do ponto de vista paradigmático dos modelos sociais, é verdade que a cidade nada tem a dizer a respeito da morte de uma mulher, fosse ela tão perfeita quanto lhe é permitido ser; com efeito, a única realização para uma mulher é levar sem alarde uma existência exemplar de esposa e de mãe ao lado de um homem que vive sua vida de cidadão. Sem ruído. Essa é a vida que Péricles aconselhava no epitáphios às viú- vas dos atenienses caídos em combate. A gló- ria (kleos) dos homens é palavra viva, levada 22
  • 23. aos ouvidos da posteridade pelas mil vozes da fama; para falar da glória de uma mulher, des- de o tempo em que Pénélope afirmava que somente o retorno de Ulisses faria crescer sua kleos diminuída (Odisséia, XIX, 124-128), o único orador era o marido. Aquele mesmo que, após a morte da esposa, será o depositário de sua lembrança. Morto o marido, resta às mu- lheres não dar aos homens assunto para falarem delas, quer no tom de censura, quer no de elo- gio; a glória das mulheres é não terem glória2 . Essa circunstância certamente não facilita a tarefa de quem deseja conhecer a realidade muda da vida das mulheres. Mas esse não é o meu objetivo. Permanecerei resolutamente voltada para o logos, evitando o risco de enrai- zar-me num gênero literário que, na cidade, consagra à morte das mulheres um discurso diverso daquele absolutamente privado da confiança e do luto. Entretanto, para não complicar mais ainda a tarefa, é necessário deter-se um pouco mais na leitura dos epitafios. Ganhar-se-á com isso a convicção de que uma mulher não saberia pos- suir sua morte; para aquela cujas virtudes de- vem culminar no bem-viver do marido não há fim heróico – pensada a partir do registro da prova que qualifica, a “morte heróica” é viril. A morte da esposa encerra pura e simplesmente 23
  • 24. uma vida de devotamento e de afeição, de bom humor e de reserva, da qual, sem dúvida, o marido saberá daí em diante “falar muito bem”. Nessas condições, que palavra cívica poderia ser articulada num discurso sobre a morte das mulheres? Certamente não no gênero histórico, sobretudo se o historiador se chama Tucídides e seu assunto é a Grécia; relato de guerra e de decisões políticas, a historiografia tucidídia nada tem a ver com as mulheres, mesmo em vida. Acredita-se que Heródoto era menos categórico a esse respeito, mas, de maneira igualmente previsível, ele se interessava apenas pelas mulheres bárbaras ou esposas de tiranos, e por sua morte só quando violenta – ou pretexto para alguma exposição sobre um rito fúnebre anormal3 ; mesmo nestes casos, trata-se de menções breves, não decorrentes de uma elaboração mais desenvolvida. Há, porém, um gênero cívico que, comprazendo-se institu- cionalmente em confundir a fronteira do mas- culino e do feminino, libera a morte das mu- lheres dos lugares-comuns onde a confinava o luto privado. Falo da tragédia, onde, como é verdade em Heródoto, as mulheres só morrem de morte violenta4 . Mas, no universo trágico, a morte, mesmo ocorrendo no campo de batalha, é sempre posta sob o signo da violência, e os homens sofrem-na tanto quanto as mulheres. 24
  • 25. Pelo menos por algum tempo, restabelece-se uma espécie de equilíbrio entre os sexos. As mulheres trágicas morrem violenta- mente. Com maior exatidão, uma mulher con- quista sua morte nessa violência. Morte que não seja somente o fim de uma vida exemplar. Morte que lhe pertença como sua, como a Jo- casta de Sófocles, que a infligiu “ela mesma a si mesma”5 , ou que, de modo mais paradoxal, lhe foi imposta. Uma morte brutal, cuja comu- nicação se faz sem frases – assim, para a es- posa-mãe de Édipo, “basta uma palavra, tão curta para dizer quanto para ouvir: está morta, a nobre figura de Jocasta” – mas cujas moda- lidades, dolorosas ou chocantes, ensejam uma longa narração. Com efeito, logo depois de ser enunciado em sua nudez de fato bruto, o acon- tecimento provoca uma indagação, sempre a mesma: “Como? Dize como!” 6 Então o men- sageiro conta, e é assim que a tragédia rompe o silêncio amplamente observado na tradição grega sobre as modalidades da morte. Mas impõe-se uma precisão: se, na tragé- dia, a morte das mulheres tem acesso ao dis- curso tanto quanto a dos homens, convém ob- servar que no interior do espectro das modali- dades de morte violenta se opera de fato uma distinção entre homens e mulheres: aparece então uma ruptura do equilíbrio entre os sexos. 25
  • 26. Do lado dos homens, a morte, salvo algumas exceções – a de Ajax e de Hêmon, que se sui- cidam, a de Meneceu, que se oferece para ser a vítima de um sacrifício – toma a forma do assassínio: assim, é de fato um assassínio – oikeios phonos, morte em família – a morte formalmente guerreira dos filhos de Edipo, que se matam mutuamente no campo de batalha. Quanto às mulheres, apesar de eventualmente serem mortas, como Clitemnestra, como Mê- gara, é muito maior o número daquelas que recorrem ao suicídio como a única saída numa desgraça extrema: Jocasta e, ainda em Sófocles, Dejanira, Antígona e Eurídice; Fedra e, também em Eurípides, Evadne e Leda, no segundo pla- no da Helena; no caso das moças, o cútelo do sacrifício é o instrumento privilegiado da mor- te, podendo-se acrescentar à coorte das esposas suicidas o grupo de virgens sacrificadas, de Ifigênia a Polixena, passando por Macária e pelas filhas de Erecteu. Não estarei aqui privilegiando o assassí- nio, entretanto, não me impedirei de evocar suas formas trágicas: por ser mais equitativa- mente partilhado entre homens e mulheres, sem dúvida o assassínio é um critério menos perti- nente da diferença dos sexos em sua relação com a morte. Sendo assim, no tocante às mor- tes femininas, darei relevo principalmente ao suicídio das esposas e ao sacrifício das virgens. 26
  • 27. A Corda e o Gládio Um suicídio de mulher por uma morte de homem “Para uma mulher, permanecer no lar, sem esposo, abandonada, já é um mal enlouqueccdor. E quando, alem disso, vem um mensageiro e depois outro, trazendo sempre notícias piores, todos alardeando infe- licidade para a casa [...]! Se este homem tivesse recebido tantos feri- mentos (traumalon) quantos, por vias diversas, o rumor trazia à sua casa, haveria mais cicatrizes em seu corpo (íêtrotat) que malhas numa rede [...]. Eis as notícias cruéis que me fizeram suspender mais de uma vez meu pescoço num laço, do qual só me tiravam usando a violência.” (Esquilo, Agamêirmon, 861-876) Por trás da mentira, cujo uso a rainha domina admiravelmente, há uma verdade ou, ao menos, uma verossimilhança apropriada ao universo trágico enunciado nessas palavras de Clitem- nestra ao acolher Agamêmnon de volta a seu palácio: a morte do homem clama irresistivel- mente pelo suicídio de uma mulher, sua mulher. Uma morte de mulher para contrabalançar a morte de um homem? Em virtude da honra heróica que a tragédia se compraz em recordar, a morte de um homem só poderia ser a de um guerreiro no campo de batalha – assim, nas 27
  • 28. Coéforas, os filhos de Agamemnon por um instante desejarão retrospectivamente, para seu pai, uma morte gloriosa ao pé das muralhas de Tróia – e, à simples notícia desse fim, a esposa morria passando a corda pelo pescoço em sua morada bem fechada. É em nome dessa mesma verossimilhança trágica que, nas Troia- nas (1012-1014), Hécuba censurará aspera- mente Helena porque jamais alguém a “sur- preendeu na iminência de passar um laço pelo pescoço ou de afiar um punhal como teria fei- to uma mulher de sentimentos nobres (gennaia gyné) com saudade de seu primeiro marido”. Assim como sua irmã Helena, Clitemnes- tra não se matou. A rainha certamente não é uma Pénélope (embora, no mesmo discurso mentiroso, ela evoque seus olhos inflamados pelas lágrimas durante as longas vigílias em que chorava o marido), como também não é uma esposa trágica comum. Clitemnestra não se matou, e quem vai morrer é Agamêmnon, com o corpo retalhado de ferimentos e colhido num véu em forma de armadilha. Clitemnestra não cogitou de matar-se; ela desviou a morte de sua pessoa para a do rei, da mesma forma que, em vez de matar-se, Medéia matará indireta- mente Jasão por via de seus filhos, por via de sua nova esposa7 . Em Clitemnestra, a mãe de Ifigênia e a amante de Egisto sobrepuseram-se 28
  • 29. à esposa. A rainha assassina desmentiu a lei da feminilidade, que determina que diante da aporia da infelicidade se ache uma saída no nó de um laço8 . Uma morte desprovida de andreia Achar uma saída no suicídio: solução trágica reprovada pela moral na confusão da vida coti- diana. Mas, principalmente, solução de mulher e não, como às vezes se pretendeu, ato heróico9 . Que, em Sófocles como na tradição épica, o herói Ajax se suicide é uma coisa; que ele se suicide virilmente é outra – voltarei a esse assunto –; mas não se deve pensar que, a partir desse exemplo, se possa tirar a conclusão geral de que, no imaginário compartilhado dos gregos, todo suicídio resulta da andreia (nome grego da coragem enquanto ela é o apanágio dos homens). Muito mais conforme à ética tra- dicional é sem dúvida o Heracles de Eurípides, que, do fundo do desastre, aceita a idéia de suportar a vida10 . Do ponto de vista do cidadão, as coisas são ainda mais claras: nada de mais estranho ao suicídio que o imperativo marcial da “morte gloriosa”, que deve ser aceita, e não procurada11 . Sabe-se que, por haver desejado com excesso de ostentação morrer em Platéia, 29
  • 30. após a batalha o espartano Aristódamo foi pri- vado por seus concidadãos da glória póstuma de uma citação por ato de bravura. Espartano ou não, um guerreiro suicida-se apenas sob os golpes da desonra – este é o caso de Otriadas no livro I de Heródoto, e de Pantites no livro VII. Essas constatações são ecoadas pelo Platão das Leis, pensador normativo mas fiel à conve- niência cívica, que inflige ao suicida, por “fal- ta absoluta de virilidade”, a sanção institucional de uma sepultura tão solitária quanto esquecida, à margem da cidade e na noite do anonimato (IX, 873 c-d). Acrescentar-se-á – o que não é indiferente – que à falta de um nome especí- fico para o suicídio, a língua grega usa para designar esse ato as próprias palavras referen- tes ao assassínio dos pais, esse cúmulo de ignomínia12 . O suicídio, então: morte trágica, talvez, escolhida sob o peso da pressão por aqueles sobre os quais se abate “a dor excessiva de um infortúnio sem saída”13 . Na tragédia, sobretudo morte de mulher. Mas há uma modalidade dessa morte, já depreciada em si mesma, mais que as outras marcada pela infâmia e mais que as outras associada a uma desonra sem remé- dio: refiro-me ao enforcamento, morte hedion- da ou, falando com maior propriedade, morte “informe” (áskhemon), mácula máxima que 30
  • 31. uma pessoa se inflige sob o golpe da vergo- nha14 . Considera-se também – mas será isso verdadeiramente um acaso? – que o enforca- mento é morte de mulher: morte de Jocasta, de Fedra e de Leda, morte de Antigona (e, fora da tragédia, morte de inúmeras moças que se en- forcam para dar a um culto sua origem ou para ilustrar os enigmas da fisiología feminina)15 . O enforcamento, morte feminina. Ousaria mesmo dizer que nele a expressão da feminili- dade pode desdobrar-se infinitamente: as mu- lheres e as moças sabem que a corda – instru- mento usual do enforcamento – pode ser substituída, como em Antigona estrangulada no laço feito de seu véu, pelos adornos com que se cobrem e que são emblemas de seu sexo. Véus, cintos, faixas: esses instrumentos de sedução constituem virtualmente armadilhas de morte para aquelas que os usam, como as Danaides suplicantes explicam ao rei Pelasgo16 ; em suma, aproveitando a expressão vigorosa de Esquilo, há nisso uma bela astucia, mekhané kalé, em que apeithó (a persuasão) erótica se põe a ser- viço da mais sinistra das ameaças. Não insistirei aqui na convivência da mulher com o campo da métis, essa inteligência astuciosa característicamente grega. Todavia, não se deve esquecer que toda ação realizada por uma mulher, esteja ela armada com o gládio 31
  • 32. para matar ou para matar-se, corre sempre o risco de ser inexoravelmente recoberta pelo vocabulário da astucia. No Agamemnon, por exemplo, a fim de evocar os desígnios assassi- nos de Clitemnestra afiando o gládio para usá- lo contra seu marido, Cassandra, contra toda expectativa, recorre à imagem do veneno mis- turado na taça; mas o texto da Oréstia substi- tuirá rapidamente o veneno pela armadilha muito real do véu que aprisionará Agamêmnon como se fosse numa rede – materialização audaciosa da metáfora de métis. A mesma ló- gica aparece nas Traquínias: sem querer, De- janira colhe Héraclès na armadilha envenenada da túnica de Nesso. A partir de então poderá pedir ao gládio a salvação de uma morte rápida, mas nem assim terá evitado que, mesmo fu- gazmente, seu suicídio seja incluído no registro industrioso da inteligência astuciosa17 . A essa métis envolvente, em ação nas pa- lavras e nos atos das mulheres e que tece as redes mortíferas ou aperta os nós de inúmeros laços, a tragédia contrapõe tudo que corta e dilacera, em suma, que derrama sangue. Isso nos leva às Suplicantes de Esquilo e à sua compulsão para o enforcamento. Ultimo recur- so em sua fuga desvairada diante dos filhos de Egito, o laço de morte protegeria as Danaides contra o desejo violento dos machos, da mesma 32
  • 33. forma que a precipitação do alto de uma rocha escarpada, em que pensam por um instante, as premuniría contra o casamento, esse constran- gimento em que o marido é somente um senhor. Mas não é por acaso que elas denominam esse senhor dáiktor. não “raptor” (como, na edição “Les Belles Lettres”, quer a tradução francesa muito conceituada de Paul Mazon), mas com maior precisão “dilacerador”18 . Para escapar a essa dilaceração – sem dúvida a do estupro e do defloramento –, há somente duas vias: a morte das Danaides no nó de uma corda, e a conseqüente mácula para a cidade, ou sua vida ao preço de uma guerra na qual o sangue dos homens será derramado “por causa das mulhe- res” (Suplicantes, 476-477). As Danaides não se enforcarão. Conhece-se a seqüência: o casa- mento finalmente realizado, as nupcias de san- gue, mortíferas para os maridos, e mais tarde o castigo no Hades. Mas isso é outra história. Aincisãonocorpoviril A crer em Eurípides, um gládio arma a mão de Tânatos (a Morte). Sem dúvida isso não é puro acaso: se a morte, igual para todos, não faz distinção entre suas vítimas e corta indiferen- temente a cabeleira das mulheres e dos homens, convém a Tânatos, encarnação da morte no 33
  • 34. masculino, empunhar o gládio, emblema da morte viril19 . Isto porque um homem digno desse nome somente poderia morrer no campo de batalha, sob o gládio ou a lança de outro homem. É pouco glorioso o Menelau de Eurípides, o único grego a voltar de Tróia sem a marca de um ferimento sequer recebido de perto, ferimento a que está sujeito o homem completo20 . E até num sacrifício humano – esse ato corrompido sob todos os aspectos –, convém que o sacrifica- dor seja um homem, sobretudo quando a vítima é masculina; essa circunstância é atestada na Ifigênia em Táuris, quando Orestes pergunta à sua irmã, antes de havê-la reconhecido: “Tu,mulher,feriráshomens comaespada?” e quando Ifigênia responde garantindo a presença no santuário de um degolador (spha- geus) para incumbir-se dessa tarefa21 . Essa regra imperativa, que determina que o homem morra pela mão do homem, sob o gládio e no sangue derramado, não é derrogada sequer pelo suicídio na tragédia. Em Sófocles como em Píndaro, Ajax aniquilou-se com a espada, fiel até o fim à sua estatura de herói, que vive e morre da guerra onde, numa troca 34
  • 35. sem dúvida sujeita a regras, fere-se e se é feri- do. Ájax suicida-se, mas como um guerreiro22 . Cortado pelo ferro com o qual se identificava (Ájax, 650-651), ele dilacera seu flanco com essa espada que, ao encenar sua própria morte, o herói transforma num princípio ativo (não afirma ele que o “degolador (sphageus) está lá, de pé, para cortar o melhor possível”?)23 . A espada de Ájax: significante primordial, en- contrado a cada passo na trama metafórica da tragédia de Sófocles, e que dá ao texto sua coerência. Se a espada do guerreiro torna-se realmente o escalpelo invocado por Ájax em seu clamor, existem, no sentido que se diz fi- gurado, muitos outros gládios em Ájax: por exemplo, as próprias palavras da língua que, afiadas como o aço, “cortam a carne viva”. Como admirar-se, então, de que à vista do cadáver do herói a espada cortante da dor tras- passe Têcmessa “até o fígado”?24 Nada mais direi a propósito da espada de Ájax; outros antes de mim souberam falar dela, às vezes soberbamente, como Jean Starobins- ki25 . Não me estenderei tampouco sobre o tema do sangue derramado, embora central em Ajax, pois há outro herói de Sófocles para ilustrar o caráter necessariamente sanguinolento do sui- cídio viril. Refiro-me ao noivo de Antígona, cuja morte é anunciada sob a forma intraduzí- vel da glosa etimológica: 35
  • 36. “Hêmon morreu; sua própria mao o ensangüenta”.26 Baste-me relembrar que o nome de Hêmon (Háimon) se assemelha extremamente ao do sangue (haima): sendo assim, traspassado por seu próprio gládio, o filho de Creonte consuma o presságio de seu nome e morre como homem. Enforcamento ou sphagé Há entretanto uma palavra que não se poderá evitar por mais tempo de pronunciar, porque ela obseda o gênero trágico e é oposta insistente- mente ao vocabulário do enforcamento. Essa palavra é sphagé, nome do degolamento nos sacrifícios e também do ferimento e do sangue que corre dele. Como o verbo sphazo e seus derivados, ela serve evidentemente para desig- nar os sacrifícios, o de Ifigênia em Esquilo e em Eurípides, e também, em Eurípides, o de Ma- cária nos Heráclidas, o de Polixena na Hécuba e nas Troianas, e finalmente o dos filhos de Erecteu, oferecidos à pátria a título de sphagia (íon, 278). Até aqui, nada de anormal, ou qua- se nada. Mas, de Esquilo a Eurípides, passando por Sófocles, sphazo e sphagé servem também para designar o assassínio no seio da família 36
  • 37. dos Atridas. E sobretudo é ainda às mesmas palavras que se recorre para a designação do suicídio quando é sanguinolento: suicídio de Ajax, de Dejanira, de Eurídice. Invocar-se-á, para justificar o seu emprego um tanto diver- gente, alguma lei de impropriedade semântica que caracterizaria a tragédia em seu recurso à linguagem? Rebaixar-se-ia sphazo à categoria das palavras mais neutras ou mais descritivas como skhizo e daízo, que se referem à dilace- ração do corpo27 ? Isso importaria em desco- nhecer o rigor do significante trágico, que só desvia a língua para fins nv.iito precisos – por exemplo, o de confundir as ordens. É melhor apostar no sentido e observar que, carregadas de valores religiosos, sphazo, sphagé e spha- gíon não designam na tragédia um degolamen- to assassino qualquer, nem um suicídio qual- quer, e sim a longa seqüência de “assassinatos resultantes da aplicação da lei do sangue” na família dos Atridas, ou a morte voluntária de Eurídice ao pé do altar de Zeus Herqueio28 . De maneira mais geral, sphagé caracteriza a morte pela espada como morte “pura” em contraste com o enforcamento29 . Logo depois de lembrar essa oposição entre os dois modos – o masculino e o femi- nino – do morrer, deve-se admitir que a in- fringimos de fato evocando a morte “viril” de 37
  • 38. Dejanira ou de Eurídice, que cravam um gládio no corpo. E em Eurípides não faltam heroínas para preferir o gládio à corda quando pensam na morte; assim, montando guarda à porta do aposento onde se consuma o assassínio de Cli- temnestra, Electra brande um gládio, prestes a voltá-lo contra si mesma se o cometimento fracassar (Electra, 688,695-696). Inversamen- te, há no mesmo Eurípides homens para quem a morte sobrevém por haverem sido apanhados em laços inextricáveis, como se se tratasse de uma mulher; acontece o mesmo com Hipólito, cujo corpo, enlaçado às rédeas de seus cavalos como se fosse com uma peia, é arrastado sobre os rochedos da estrada30 . Mas, em relação aos homens, esse modo anormal da morte é obvia- mente mais raro. Voltando então a meu propósito, observa- rei que a confusão trágica que dá a uma mulher uma morte viril não resulta de contingência alguma. Por exemplo, a morte de Jocasta nas Fenicias. Em Sófocles, sabe-se que Jocasta, imediatamente após perceber quem era ela em relação a Édipo, enforca-se, como mulher esmagada por uma desgraça insuportável. A Jocasta de Eurípides não se enforca; ela sobre- vive à revelação do incesto e morre por causa da morte de seus filhos, ferindo-se com o mes- mo gládio que os matou31 . Sem dúvida trata-se 38
  • 39. aqui de um desvio absolutamente notável em relação a uma tradição firmemente estabeleci- da, desde Homero e do enforcamento de Epi- casta. Dever-se-ia, então, como fazem certos autores, atribuir essa inovação a uma evolução das mentalidades, sempre mais hostis às mortes por enforcamento?32 Para dizer a verdade, nada autoriza tal hipótese porque, desde a Odisséia (XXII, 462-464), a corda ocasiona a mais im- pura das mortes. Neste aspecto, quase não se percebe em que as mentalidades teriam evoluí- do. Mas convém sobretudo ler o texto de Eu- rípides tendo em vista o de Sófocles; notar-se- á então que há nas Fenicias urna espécie de reinterpretação de conjunto da personagem de Jocasta, e a morte viril daquela que não é mais, como em Sófocles, essencialmente uma esposa, e sim exclusivamente uma mãe33 , deve desde então ser creditada a essa reelaboração crítica da tradição. A partir deste exemplo e de alguns outros cheguei a esboçar, evocando a morte trágica das mulheres, uma generalização onde o en- forcamento estaria associado ao casamento – ou melhor, à supervalorização da condição de esposa (nymphe) – e o suicídio sanguinolento à maternidade, pela qual, nas dores “heróicas” do parto, a esposa se realiza plenamente34 . Apesar de continuar me atendo a esta leitura, 39
  • 40. não voltarei a ela, pois o que me interessa no momento é a confusão e principalmente as afir- mações, numerosas em Eurípides, que parecem postular uma espécie de equivalência entre a corda e o gládio. A corda ou o gládio: em uma palavra, a morte a qualquer preço, sejam quais forem as suas vias. Numa situação desesperada, assim raciocinam as mulheres viris (que, afinal de contas, prefeririam o gládio), assim se gabam as mulheres excessivamente femininas que, como Hermione, não ousarão sequer enforcar-se – mas, num caso ou no outro, a seqüência do texto é perfeitamente clara sobre qual seria, gládio ou corda, a verdadeira escolha da de- sesperada. Corda ou gládio: é essa ainda a es- colha que, diante da iminência da morte de Alceste, o coro deixa a Ádmeto, afirmando que “tal desventura justifica que se abra a garganta (sphagé) ou que se passe no pescoço o nó de um laço suspenso” – simples maneira de assi- nalar que, por haver fugido à morte, um homem feminizado não poderia subtrair-se à angústia que aniquila as mulheres35 . Mas, como esses exemplos sugerem, mesmo quando a confusão chega ao máximo, seu único objetivo é, paradoxalmente, reforçar a oposição em sua ortodoxia. Por exemplo, na peça que tem o seu nome, Helena, chamando a morte em suas preces: 40
  • 41. “Com um nó mortífero, com um nó suspenso, enlaçarei meu pescoço, ou então, com um grande esforço, cravarei em minha carne a lâmina inteira de uma espada cujo ímpeto assassino abrirá em minha garganta uma fonte de sangue, e me imolarei às três deusas...” Como indica a resolução final, a única eventualidade que Helena considera digna dela é a sphagé; mas, olhando de frente, a escolha já se esboçava nas palavras usadas por Helena quando falava em se enforcar, sobretudo nessa “phoníon aiórema”, essa intraduzível e con- traditória “suspensão sangrenta” que os tradu- tores dissimulam como podem, porque, pensam eles, a característica do enforcamento é que o sangue não corre durante a sua consumação36 . É precisamente nesse oxymoron que devemos adivinhar a escolha da heroína, para quem só se pode pensar em morte sanguinolenta e cujas palavras rejeitam o enforcamento no instante mesmo em que ela evoca a sua eventualidade. Phoníon aiórema: assim, anunciando antecipa- damente o sangue da sphagé, a língua de Hele- na antecede seu pensamento. Reafirma-se então ainda mais forte a opo- sição entre a corda e o gládio, com a ressalva de que, daqui em diante, algumas evidências se impõem. Nunca, mesmo tendo pensado nisso, um homem se enforca37 ; então, sempre que se mata, um homem o faz como homem. Em compensação, para a mulher a alternativa está 41
  • 42. aberta: buscar no nó de uma corda um fim bem feminino, ou apoderar-se de um gládio rou- bando aos homens sua morte. Questão de iden- tificação, isto é, de coerência interna do perso- nagem trágico? Talvez. Nem por isso o dese- quilíbrio é menos evidente, provando, se for necessário lembrá-lo, que o gênero trágico domina perfeitamente o jogo da confusão e conhece os limites que não pode transpor. Ou, para dizer de outra maneira, que a mulher nes- se caso está mais autorizada a fazer-se de homem para morrer que o homem a adotar, mesmo na morte, qualquer conduta feminina, seja ela qual for. Liberdade trágica das mulhe- res: liberdade na morte... A esposa que se lança Mas, já que a alternativa está aberta para as mulheres, e há as que escolhem as vias da feminilidade até o fim, detenho-me ainda um instante no enforcamento e nos valores ligados a ele. Para além do vocabulário da métis e do julgamento implícito que seu emprego faz pe- sar sobre uma morte em que alguém se prende a si mesmo na armadilha de um laço, uma pa- lavra merece reter nossa atenção, porque des- creve e sugere em vez de julgar. 42
  • 43. À audição da palavra aiora (ou eora) liga- se a dupla imagem de ura corpo suspenso e do ligeiro movimento de balanço que lhe é imprimido38 . Deve-se lembrar que em Atenas aiora era o nome de uma festa em que as re- presentações do enforcamento se associavam à brincadeira do balanço; não se trata aqui, to- davia, da Aiora religiosa, e sim da visão indu- zida pelo emprego trágico da palavra. Aiora de Jocasta, aiórema de Helena: Édipo forçou a porta que Jocasta havia fechado cuidadosa- mente depois de passar por ela, e todos vêem agora a mulher enforcada, “presa ao nó balou- çante” (plektais corais empeplegmenen); da mesma forma, para Helena, que não se enfor- cará, o enforcamento se resumia no termo aiórema. Nesse ponto o leitor de tragédias lembrar-se-á de haver encontrado esta palavra em outro contexto: o da morte por lançamento. Nas Suplicantes de Eurípides, Evadne se pre- para para lançar-se ao fogo, junto à rocha ele- vada (aitheriapetra) que domina a pira fúnebre de seu marido Capaneu: “Eis-me aqui, neste rochedo, como um pássaro, por sobre a pira de Capaneu, elevando-me rápida num balanço (aiórema) funesto.” (Suplicantes, 1045-1047) Deter-nos-emos o tempo necessário para verificar que aiórema designa tanto o balanço 43
  • 44. da enforcada quanto o vôo de Evadne, e que existe na linguagem trágica um parentesco temático evidente entre o enforcamento e a precipitação. Talvez alguém se admire: a en- forcada se lança no vazio, sem dúvida, mas seu corpo deixa o solo para ficar preso ao alto do teto; a precipitação, ao contrário, é uma queda profunda (bathy ptomá). O próprio verbo aeiro, que significa a elevação e a suspensão, aplica- se a esses dois lançamentos orientados em sen- tido inverso, para o alto, para baixo, como se o alto tivesse sua profundidade, como se alguém só chegasse embaixo – o solo, mas :.imbém as profundezas subterrâneas – elevando-se39 . Por estranho que seja, essa é a lógica implícita que, somente ela, permite esclarecer a associação recorrente dessas duas maneiras de elevar-se no interior das “odes de evasão”, esses trechos líricos onde, esmagados pelo real, freqüente- mente o coro e às vezes a heroína trágica (ou o herói) cantam suas aspirações à morte como à fuga salutar. Ter-se-ia de evocar as Suplicantes de Esquilo, o Hipólito de Eurípides, e muitos outros textos. Para ir ao essencial observarei que, em todos eles, a mesma imagem retorna: a do lançamento alado, mas também, explicita- mente, a do pássaro. O pássaro Evadne encon- tra eco em Fedra, pouco tempo antes pássaro de mau agouro e logo pobre pássaro fugido das 44
  • 45. mãos de Teseu: do alto de um rochedo ou no nó de um laço – que importa? – Evadne e Fedra levantaram seu vôo, para sempre. Há também as mulheres que se limitam a sonhar com o vôo: Hermione, que em seu desejo de morte queria ser pássaro, as Danaides desesperadas em face da aproximação dos machos, as mulheres do coro da Ifigênia em Táuris ou da Helena, al- ciones sem asas, arrebatadas pela saudade ar- dente da pátria distante40 . O fato de o pássaro, esse operador trágico da evasão, realizar imaginariamente a fuga permite que se enuncie algumas proposições sobre o que se diz das mulheres a propósito do enforcamento41 . A primeira é que, em sua pro- pensão a levantar vôo, essas esposas (que a ortodoxia das representações cívicas quer se- dentárias) têm uma certa relação de conaturali- dade com o “algures”; e ei-las lançando-se no ar e pairando entre o céu e a terra. A segunda é que basta uma desventura para que elas esca- pem ao homem, saindo de sua própria vida, saindo da vida dele, como deixam a cena: bruscamente. Identificado que é com o modelo marcial, o homem deve permanecer em seu lugar, afrontar a morte frente a frente, como Ájax que, no trespasse, se reencontra com a terra à qual o prende sua espada, fixa no solo, cravada em seu corpo. 45
  • 46. Para as mulheres a morte é uma saída. Bêbeke: “Ela partiu”, diz-se de uma mulher que morreu ou que se matou. Diz-se de Alceste, diz- se de Evadne que deixou de um salto (bêbeke pedásasa) a casa de seu pai para subir ao ro- chedo de onde se lançará, ainda de um salto – o último (pedásasa). E, chorando a morte de Fedra, que “desapareceu como um pássaro escapado das mãos”, Teseu grita: “um salto súbito (pédema) levou-te para o Hades”42 . Mas é tempo de relembrar que, se para uma mulher a morte é movimento, somente levantam vôo as heroínas extremamente femininas. De fato, o anúncio da morte de Dejanira, que prefere o gládio à corda, começa como seria de esperar, mas termina com uma conotação insólita: “Dejanira partiu para sua última estrada – a última –, com um pé imóvel (Bêbeke .../ex akinetou podôs).” (Traquínias, 874, 875) O pé imóvel de Dejanira é talvez – a sugestão é de Jebb, o editor inglês de Sófocles – algo como uma locução proverbial empre- gada para eufemizar a morte, um modo de de- signar a marcha e a estrada como puramente metafóricas. Prefiro ver nessa expressão, em oposição ao vôo na aiora, uma maneira de sugerir, antes de o coro interrogar-se a respeito da forma da morte, que a mulher de Heracles 46
  • 47. não fugiu pela via do enforcamento. Que ela morreu como um soldado. Mas, inversamente, é tempo de voltar ao suicídio marcial de Ajax para verificar que, na apresentação dessa mor- te, Sófocles soube relembrar discretamente que para um homem o suicídio é morte desviante; foi certamente viril a morte do herói, mas com a ressalva de que é a espada do herói que está de pé (hêsteken) no lugar do hoplita, enquanto Ájax irá traspassar-se, lançando-se num salto rápido – salto esse (isso causará admiração a alguém?) denominado pédema41 . Boa ocasião para observar novamente que, se na tragédia o masculino e o feminino brin- cam cruelmente com a distribuição da humani- dade em homens e mulheres, essa brincadeira nada tem de fortuita, mas tende a sugerir o modo – adequação ou desvio – pelo qual cada personagem vive o seu destino de ser sexuado, essa realidade ao mesmo tempo mui- to real e muito imaginária de que a cidade desejaria produzir uma realidade antes de tudo social. Entretanto, sejam elas femininas ou viris, há para as mulheres um modo de morrer se- gundo o qual elas permanecem plenamente mulheres. É sua maneira, fora do teatro, de encenar seu suicídio; encenação minuciosa escondida do olhar do espectador e no essencial 47
  • 48. narrada; encenação que, em Sófocles, obedece mesmo a uma estrutura regida por fórmulas: uma saída silenciosa, um canto do coro e depois o anúncio por um mensageiro de que a mulher se matou longe dos olhares. O silêncio e o segredo O silêncio é o ornamento das mulheres: idéia presente em Sófocles, retomada por Aristóteles e expressa em Eurípides através de Macária que, no momento de intervir na ação, empenha- se em mostrar que sabe disso ao observar que, para uma mulher, o melhor é não sair do inte- rior bem fechado de sua casa44 . Mas as mulhe- res trágicas vieram misturar-se ao mundo viril da ação: elas sofrem por isso. E as heroínas de Sófocles voltam silenciosamente à morada que haviam deixado para morrer nela. Silêncio de Dejanira em face das acusações de Hilo, pesa- do silêncio de Euridice no qual o coro adivinha com razão uma ameaça oculta, meio-silêncio de Jocasta, palavra de duplo sentido onde a voz afinal se extingue45 . Esses silêncios, que o ouvido percebe como outros tantos sinais angustiantes, anteci- pam uma ação que a mulher quis subtrair à vista: Fedra tornou-se invisível (áphantos) e 48
  • 49. Dejanira desapareceu (diêistosen) – digamos que ela organizou a desaparição definitiva gra- ças à qual, longe da vista dos mortais, chega ao mundo invisível do Hades fugindo a todos os olhares no próprio interior do palácio onde se refugiou46 . Da mesma forma, Jocasta e Fedra ocultam-se por trás de portas trancadas, her- méticamente fechadas sobre a morte, encerra- mento que redobra o aprisionamento do corpo no enforcamento; Édipo terá de lançar-se con- tra a porta, Teseu esbravejará e suplicará que lhe abram os ferrolhos47 : só então poderão ver suas mulheres. Mortas. Os espectadores não vêem o corpo de Jocasta, mas verão o de Fedra, da mesma forma que o de Eurídice, aparecer à sua vista ao mesmo tempo que à de Creonte – e o mensageiro sublinhará o jogo de cena: “Pode-se vc-la, pois ela não está mais cm seu retiro (en mykhois)”**. Admirável jogo do visível e do oculto, em virtude do qual não se vê a morte de uma mu- lher mas somente uma mulher morta. Então, como ss mais nenhum interdito pesasse sobre essa lugubre contemplação, a ação dramática pode continuar, e mesmo, como no Hipólito, organizar-se daí em diante em torno do corpo da morta e de sua presença silenciosa: Fedra desapareceu, mas seu corpo está ali, esse corpo 49
  • 50. tirado do nó fatal para ser estendido na terra como convém, esse corpo que ela quis usar como prova contra Hipólito e que, mudo para sempre, leva todavia a mensagem da ausente49 . Essa é sem dúvida uma maneira bem feminina de apresentar a própria morte. De fato, com Ájax, cujo cadáver é um elemento dramático pelo menos tão importante quanto o de Fedra, as coisas se passam de maneira diferente, e a distribuição do ver e do ocultar é decididamente outra: se Ájax é o paradigma viril do suicídio, conseqüentemente um homem tem o direito de suicidar-se diante dos espectadores50 . Mas, pela circunstância de sua morte ser apenas uma imitação canhestra da morte gloriosa do guer- reiro, o interdito de ver aplica-se a seu corpo. Antes de começar entre os chefes do exército o debate sobre a conveniência de “ocultá-lo” em uma tumba, Têcmessa e depois Teucro, cada um à sua maneira, esforçam-se por dissimular o espetáculo tão doloroso quanto inconve- niente51 . Deve-se enfim mencionar o vaivém entre o ver e o ocultar que se instaura a propósito de Alceste, morta em substituição a um homem. Alceste que morre em cena e cujo corpo, inici- almente levado ao interior do palácio, será no teatro objeto de uma longa prôthesis (exposi- ção) antes de o cortejo fúnebre (ekphorã) reti- 50
  • 51. rá-lo da vista – definitivamente, acredita o coro, e é verdade que, sem a intervenção de Héraclès, Alceste teria desaparecido para sem- pre52 . Mas Alceste, a única a não ir para o Hades, é uma exceção; são inúmeras as mu- lheres trágicas que partem para lá sem retorno. No thálamos: morte e casamento Voltando sobre nossos passos, detenhamo-nos por um instante na porta desse lugar bem fe- chado onde uma mulher se refugia para morrer longe dos olhares. Com seus sólidos ferrolhos, que têm de ser forçados para se poder chegar até a morta, ou melhor, ao corpo de que ela já escapou, esse lugar indica o pequeno espaço da autonomia concedido às mulheres pela tragé- dia. Sempre suficientemente livres para matar- se, elas não o são para escapar a seu enraiza- mento espacial: o retiro recôndito onde elas se matam é também o símbolo de sua vida, vida que tira seu sentido fora de si, que só se realiza nas instituições – casamento, maternidade – que ligam as mulheres ao mundo e à vida dos homens. E é pelos homens que as mulheres morrem, é pelos homens que elas se matam com maior freqüência53 . Por um homem, para um homem: distinção ausente em muitos tex- 51
  • 52. tos, mas que Sófocles sublinha com uma aten- ção especial, na Antígona, onde Eurídicc mor- re por seus filhos mas por causa de Creonte, nas Traquínias, onde Dejanira morre por causa de Hilo, por amor de Heracles. Assim a morte das mulheres confirma ou restabelece sua relação com o casamento e com a maternidade. É tempo de denominar o lugar onde elas se matam: trata-se precisamente do aposento conjugal, o titulamos. Dejanira se precipita nele como faz Jocasta, Alceste derrama nele suas últimas lágrimas antes de enfrentar Tânatos e, saindo do palácio para morrer, é ainda para esse lugar que ela voltará seus pensamentos e seus queixumes. Quanto à pira de Capaneu, onde Evadne se lança para reencontrar nela a união carnal com o marido, ela é chamada de thala- mai (câmara fúnebre). Essa palavra condensa as múltiplas afinidades de sua morte com as nup- cias54 . Entretanto, se o thálamos é a parte mais recôndita da casa, há ainda no interior do thála- mos o leito, lelçhos, lugar de um prazer tolera- do pela instituição do casamento se for bastan- te moderado, lugar sobretudo da procriação. Não há morte de mulher que não passe pelo leito: é lá, e somente lá, que Dejanira e Jocasta podem, antes de matar-se, reiterar para si mes- mas sua identidade55 . É lá também que morre 52
  • 53. Dejanira, na cama que ela havia associado demasiadamente aos prazeres da nymphe: ma- tando-se como um homem, não se morre menos por isso em seu leito quando se é mulher. Enfim, prendendo sua corda ao teto do aposento conjugai, Jocasta e Fedra atraem a atenção para o madeiramento simbólico da casa. Essa viga da cumeeira, conhecida na Odisséia como mêlathron, é chamada de têramna por Eurípides; ela pode designar meto- nimicamente o palácio pensado em sua dimen- são de verticalidade. Mais ainda: de Safo can- tando o epitalamio (“Vamos, carpinteiros, levantai a viga do teto (mêlathron), Himeneu! pois eis aqui entrando na casa nupcial um noivo igual a Ares!”) até Eurípides, parece realmente que essa viga tem muito a ver com o marido, cuja alta estatura ela domina e protege56 . Ocasião talvez de re- lembrar que, em seu discurso mentiroso, Cli- temnestra chamava Agamêmnon de “coluna que é o sustentáculo do alto teto” (Agamêmnon, 897-898). No momento de saltar no vácuo, é a presença ausente do homem que a mulher en- contra pela última vez em cada ponto do thá- lamos. 53
  • 54. Morrer com Igualmente, ninguém deve se admirar demais de que muitas dessas mortes solitárias sejam pensadas como outras tantas maneiras de mor- rer com o homem. Morrer com: modalidade mortal do synoikein, o “morar com” que dá ao casamento grego uma de suas designações mais correntes57 . Morrer com: este não era certamente o desejo de Clitemnestra, que em vez de morrer preferiu viver com Egisto, mas é o quinhão que Orestes, com uma ironia fustigante, lhe reserva quando, antes de golpeá-la, convida-a a ir “dormir” na morte “com” aquele que ela ama- va e preferira a seu marido. Justa reviravolta das coisas na lógica da Oréstia, justa compen- sação pela morte de Cassandra ao lado de Agamêmnon, que Clitemnestra antes apresen- tara como o trespasse devido a uma amante58 . Morrer com: aquilo que a lógica do assassínio impunha às mulheres da Oréstia será para as suicidas o objeto de um querer muito seme- lhante ao amor e ao desespero. Assim Dejanira, logo que adivinhou a catástrofe já em marcha, anunciou às mulheres de Traquis, suas confi- dentes, sua intenção de acompanhar Heracles na morte: “Decidi que se lhe acontecer alguma desgraça morrerei com ele, eu também, no 54
  • 55. mesmo impacto, ao mesmo tempo” (Traquí- nias, 719-720); intenção firmemente amadure- cida, expressa quatro vezes no mesmo verso, e à qual ela se adequará totalmente. Entretanto, o “com” terá sentido apenas para ela mesma. Vencido, Heracles a renegará porque ela lhe roubou a morte dos homens, condenando-a, para além da morte, à solidão que foi seu qui- nhão na vida. Evocar-se-á também a Helena de Eurípides, que não morre mas fala muito em morrer e que, virtuosa como a de Estesícoro em seu exílio egípcioS9 , jura que se Menelau mor- rer ela se matará com a mesma espada para repousar ao lado do marido. Enfim, se toda conduta contém seu excesso, Evadne merece uma menção especial: desvairada com o casa- mento, bacante do amor conjugal, faz da pira fúnebre de Capaneu um túmulo compartilhado e, não contente com aspirar a morrer com o homem amado, sonha com o aniquilamento à maneira erotizada da união dos corpos: “Misturarei meu corpo ao de meu marido na chama ardente, repousando unida a ele, carne contra carne”‘0 . Morrer com: para uma mulher, maneira trágica de ir até o fim do casamento, realizando, é verdade, um deslocamento temível, pois é na morte que a coabitação com o marido se con- 55
  • 56. sumará. Há entretanto uma mulher, mais mãe que esposa ou, melhor, mãe em excesso, capaz de deslocar o “morrer com” para o lado da maternidade. Refiro-me à Jocasta de Eurípides que, coerente com seu destino de mãe inces- tuosa, morre da morte de seus filhos e, “morta, repousa entre seus bem-amados, envolvendo ambos com seus braços”61 . É assim que Eurípi- des reconstrói nas Fenicias a história de Jocas- ta; ela que, casando-se com seu próprio filho, havia misturado as nupcias com a maternidade, somente poderia morrer como mãe. Mas, da mesma forma, o homem a quem as mulheres dedicam sua morte, apresenta, como já vimos, duas figuras alternativas. Já que se trata de morrer, uma mulher como Eurídice prefere a morte por seus filhos à vida com o marido. A originalidade de Jocasta é morrer com aqueles que ela pôs no mundo, matando-se sobre seus corpos, no mesmo lugar em que encontraram sua morte guerreira. A glória das mulheres Chegou a hora de indicar o que o discurso trá- gico sobre a morte das mulheres tira das repre- sentações socialmente admitidas na Atenas clássica, e em que se afasta delas. Esta questão 56
  • 57. remete ao difícil problema da “gloria das mu- lheres” (kleos gynaikon), cuja formulação, mesmo a mais cotidiana, não se esgota com- pletamente na abrupta profissão de fé de Péri- cles. Porta-vozes de uma ética tradicional, em matéria de glória das mulheres os epigramas funerários manifestam um radicalismo menos intransigente que o de Péricles no epitáphios. Digamos que eles não ignoram totalmente essa noção. Mas essa glória, sempre subordinada à realização de uma carreira de boa esposa, con- funde-se com o valor (arete) propriamente feminino, devendo ser evocada de preferência num modo condicional, talvez no tom de reti- cência. O valor das mulheres não se confunde com o valor pertencente aos homens, que não tem de ser especificado: não há “valor mascu- lino”, há areté em si. Ouçamos o discurso do luto em sua ortodoxia: “Supondo-se que ainda exista na humanidade uma virtude feminina, ela coube em partilha a esta mulher”, diz prudentemente um epitafio de Amorgos; e um epitafio do Pireu reitera: “O que é uma raridade para uma natureza feminina – virtude acom- panhada de castidade –, coube nobremente a Glicera num duplo quinhão.” 57
  • 58. Quanto ao elogio e à admiração da huma- nidade, às vezes explicitamente conferidos a uma esposa, a morte, este último acidente, nada vale, e a vida que ela levou vale tudo. É isso que se deve entender de outro epigrama do Pireu: “Por ocasião de sua morte Cairipe recebeu no mais alto grau aquilo que é no mundo o elogio mais nobilitante das mulheres.” Numa formulação ainda mais precisa, o epi- grama gravado no túmulo de uma ateniense afirma: “Mais que ninguém no mundo, Antipe, rccebias o elogio adequado às mulheres, e agora, que estás morta, ainda o recebes.” Eis algumas menções à glória cotidiana das mulheres. Talvez isso seja muito para Atenas, mas é também pouco. É verdade que as boas esposas não são trágicas. Isso não significa que as mulheres trágicas não sejam esposas. Mas elas o são na morte – e só na morte, parece, pois só sua morte lhes pertence, e é na morte que elas consumam o casamento. Pode-se então formular duas pro- posições contraditórias, mas complementares, sobre sua morte. A primeira, sensível à força dos valores tradicionais, afirma que quando as heroínas de tragédias se realizam como esposas na morte reforçam a tradição no instante mes- 58
  • 59. mo em que inovam. A segunda, atenta a abranger tudo que, na tragédia, tomaria o “par- tido das mulheres”62 , constata que, na morte, as esposas ganham uma glória cuja extensão ul- trapassa consideravelmente a do elogio conce- dido pela tradição a seu sexo. Sem decidir en- tre as duas proposições, porque cada uma delas tem sua exatidão, observar-se-á que é de fato impossível não sustentar as duas simultanea- mente, a todo instante e caso por caso. Isso, sem dúvida, chama-se ambigüidade, e ambíguo é o prazer da kátharsis em virtude do qual, duran- te uma representação trágica, os cidadãos se comovem vendo o sofrimento dessas mulheres heróicas que encarnam no teatro outros cida- dãos vestidos com trajes femininos. Glória trágica das mulheres, glória am- bígua. Tomemos como exemplo Alceste, figura paradigmática desta interpretação do casamen- to pela morte. O coro diz convictamente que ela foi “entre todas as mulheres a melhor para com seu marido”; e suas últimas palavras são para dizer ao marido: “Adeus” (Khaire), exatamen- te como as boas defuntas nas esteias dos cemi- térios atenienses. Entretanto, essa Alceste irre- preensível testemunha brilhantemente que a glória das mulheres é sempre artificiosa: Al- ceste a devotada, a amante, a virtuosa, mas a 59
  • 60. quem somente essas qualidades másculas que são a audácia e a pertinácia asseguram a “mor- te gloriosa”; ou, porque a morte gloriosa é es- sencialmente viril e a esposa fiel ocupou o lugar do homem, essa tolma (audácia) feminiza em contrapartida o marido bem-amado, condenado a assumir uma paternidade maternalizante e a viver desde então recluso como uma virgem ou casto como uma recém-casada no interior desse palácio que sua mulher deixou quando, para morrer, entrou no espaço aberto dos feitos viris63 . Glória eminentemente ambígua é também a de Evadne, desejosa de morrer ao mesmo tempo como esposa e como guerreiro. Para honrar o casamento, a mulher de Capaneu bus- ca a morte como um hoplita equívoco, desar- vorado longe do campo de batalha: de pé sobre a rocha escarpada, ansiosa pela glória de um túmulo comum, desejosa de que toda Argos tome conhecimento de sua morte, mas adorna- da como uma mulher determinada a seduzir – como uma nymphe, talvez. Disso resulta que a “vitória” por ela reclamada como seu quinhão a leva muito além de seu sexo, que normal- mente ganha renome na ocupação de tecer e por uma sábia discrição. E quando Evadne afirma que sua vitória é a da areté (virtude), parece que nem a mulher nem o guerreiro nela presente 60
  • 61. devem achar nessa atitude sua satisfação. Com efeito, o coro, composto de mães enlutadas, não crê realmente em sua virtude feminina, marca- da pelo excesso, nem tampouco em sua audá- cia, cuja “virilidade” combina mal com a es- posa que ela pretende ser6 *. Há também a glória tardia de Dejanira, que só após ter cometido o ato irreparável pro- clama seu desejo de boa fama (Traquínias, 721- 722), e sobretudo aquela – quão paradoxal! – de Fedra. Tão apaixonada pela glória quanto por Hipólito, Fedra morre por ter perdido a reputação de esposa de Teseu, mas coloca essa morte, que deseja nobre, sob o signo da métis, colocando um nó em volta de seu pescoço, fazendo desse nó uma armadilha para Hipólito e deixando a sinais escritos o cuidado de clamar por uma falsa verdade. Entretanto seu nome será ilustre, por causa desse amor em que ela imaginava perder sua glória, por causa dessa morte funesta. A contradição atinge o auge. É verdade que Afrodite nada mais tem a ver com aquilo, mas a própria Fedra tem muito65 . Duplicidade da tragédia em matéria de feminilidade... Por estarem “deslocadas”, essas glórias de mulher nem por isso levam menos a pensar, a ouvir, a ver. Mas, em sua qualidade de 61
  • 62. esposas por falta ou excesso, Fedra, Dejanira, Alceste ou Evadne não deixam de morrer sob o signo do casamento. Sem dúvida é preciso aceitar que constantemente a tragédia se afasta da norma em proveito do desvio, sem que nun- ca se tenha certeza de que, sob o desvio, a nor- ma não esteja silenciosamente presente. Tam- bém tentamos simultaneamente as duas leituras possíveis: aquela que faz o inventário de todas as distorções que, do seio de um sistema de valores, é possível aduzir a esses valores, e aquela que dá ouvidos a uma voz às vezes dis- sonante no conjunto grego dos lôgoi sobre as mulheres. 62
  • 63. O Sangue Puro das Virgens Entre as moças em flor é o sacrifício e o sangue derramado que dominam. Por terem menos autonomia que as esposas, mesmo no universo trágico, as virgens não se matam; são mortas. Generalizando dessa maneira, não esqueço que existe ao menos uma virgem que fornece um desmentido categórico a tal proposição: refiro-me certamente a Antígona que, não se contentando com matar-se, mata-se como as esposas lacrimosas, buscando no enforcamento um último recurso. A dificuldade é real, e seria inútil tentar atenuá-la. No mínimo convém proceder a uma análise meticulosa das condi- ções inerentes à consumação da morte de An- tígona, onde se misturam inextricavelmente um suicídio bem feminino e algo como um sacrifí- cio fora das normas. Embora tenha tido, em sua opinião, o cuidado de não comprometer nem sua responsabilidade pessoal nem a da cidade, 63
  • 64. Creonte condenou inapelavelmente Antígona ao Hades, vítima humana oferecida aos deuses infernais para que eles se apoderassem de sua jovem vida66 ; sepultada viva, a filha de Édipo estava condenada a morrer asfixiada e, no laço feito com seu véu de virgem, ela antecipará a asfixia por outra via. Seu proveito com isso é inventar sua própria morte e condenar Creonte à mácula que ele queria evitar. Mas o sentido desse enforcamento não se esgota no gesto pelo qual Antígona, fiel à lógica das heroínas de Sófocles, escolhe morrer por suas próprias mãos e converte em suicídio o que seria uma execução: matando-se como as mulheres bem femininas, a moça reencontra na morte tanto uma feminilidade que enquanto viva renegara com todo o seu ser, como um tipo de nupcias. Voltarei a essa questão. Mas, nessa morte ex- cepcional, o importante era acentuar antes de mais nada o aspecto de exceção e a estranha norma que determina que se executem as vir- gens na tragédia. Essa é realmente a norma, ou aquilo que parece ocupar o seu lugar no universo trágico: um sacrifício, geralmente sanguinolento, cuja vítima é uma moça. 64
  • 65. Sacrifícios em que é bom pensar Examinemos a morte de Ifigênia sob o cútelo do sacrificador, morte paradigmática que nenhum dos três grandes trágicos deixou de evocar, e mais de uma vez. A morte de Ifigênia: um sacrifício, mas cuja vítima é uma moça, não um animal. Simples detalhe? Poder-se-ia crer que sim, observando que, para dizer a morte de Ifigênia, a tragédia recorre de bom grado aos verbos sphazo e thyo, normalmente usados para significar o degolamento e o ato do sacrifício. Mas há textos que nos levam a ver nesse deta- lhe uma monstruosidade e nos fazem pensar essa morte sob a categoria do assassínio (phonos)67 . Sacrificar uma virgem: numa palavra, valer-se do jogo teatral para pensar o impensá- vel, plantar-se no cúmulo da alienação para interrogar ali a norma a partir do desvio – direi eu: sob a proteção de um desvio que se mostra muito evidentemente como tal? Atenta em mascarar o assassínio oculto no sacrifício, a prática religiosa das cidades esforçava-se para que o degolamento do animal fosse submetido a uma encenação rígida68 . Pulverizando essas piedosas precauções, o gênero trágico, à escu- ta do mito, entrega as moças ao cútelo do de- golador. E o impensável torna-se narração (pois 65
  • 66. nada dessas mortes virginais será posto diante dos olhos, tudo será confiado à sugestão das palavras): uma narração boa para ser ouvida porque o teatro é ficção69 . Por certo, a cidade na realidade não sacrificava suas moças; mas, na oportunidade de uma representação, ela ofere- cia aos cidadãos a dupla satisfação de trans- gredir imaginariamente a proibição do phonos e de sonhar com o sangue das virgens. Se sobre esse jogo catártico do imaginário, da proibição e do real, haveria muito a dizer, muito haveria também sobre a função do teatro, essa cena que a cidade se oferece para nela atar e desatar ações sobre as quais o próprio pensa- mento seria perigoso e insuportável. Não será todavia a reflexão trágica sobre o sacrifício que reterá aqui nossa atenção, e sim o conjunto dos procedimentos que, de Esquilo a Eurípides, cercam a morte das moças. Já que também o mesmo se aplica à figura da párthenos, cabe aqui a interrogação sobre aquilo que, do dis- curso mitológico às narrações da tragédia, faz de uma virgem a vítima designada de um sa- crifício contra as regras. Ifigênia, Macária, Polixena ou as filhas de Erecteu: virgens oferecidas à sanguinária Árte- mis, à temível Perséfone ou aos habitantes do Hades, para a salvação da comunidade, para que se possa começar uma guerra ou ao con- 66
  • 67. trário para chegar a seu fim, para que se trave o combate decisivo e que a vitória caiba ao lado dos sacrificadores. Em suma, outras tantas sphagia. A quem se perguntasse o que vale para as phártenoi a sinistra honra de ser entregues assim ao cútelo do degolador, lembraríamos primeiro que, por ignorar o casamento e os tra- balhos de Afrodite, a moça adquire por meio do imaginário social noções relativas ao mundo da guerra. Talvez se evoque então Atena, virgem e guerreira. Mas Atena é uma deusa, enquanto Ifigênia, Macária, Polixena e as filhas de Erec- teu são simples mortais: à deusa cabe o privi- légio de combater, às mortais cabe o de serem sacrificadas. As virgens não poderiam comba- ter ao lado dos varões mas, quando o perigo é extremo, seu sangue corre para que a comuni- dade dos andres viva70 . Às vezes velam pela boa ordem da imolação os “escolhidos” (loga- des), essa elite da juventude guerreira cuja vocação para a morte é mais imperativa que a de quaisquer outros combatentes. Venha a der- rota: os escolhidos deixar-se-ão matar até o último; para que venha a vitória, os escolhidos conduzirão ao cútelo do sacrifício uma virgem escolhida71 . Para que o sangue dos homens não seja derramado em vão, teria portanto de correr sangue virgem ou, de acordo com a proclama- 67
  • 68. ção dos sacrifícadores no momento de realizar sua tarefa, “sangue puro”72 . Além disso, tal lógica, sempre referenciada ao tempo do mito, é a do imaginário: sejam quais forem as liber- dades que a tragédia tome com a realidade das práticas sociais, nenhum espectador poderia esquecer-se de que, mesmo confrontada com o perigo, uma cidade se contenta geralmente com a imolação de animais e de que, pensada na perspectiva excessivamente ortodoxa do siste- ma sacrificial, a imolação de uma virgem é pelo menos uma anomalia. Seria para resolver essa tensão do real e do imaginário que, de Esquilo a Eurípides, a tragédia se empenha em anima- lizar metaforicamente as moças sacrificadas? Novilha, poldra: domadas No Agamêmnon de Esquilo, Ifigênia debate-se “como uma cabra” e seu pai a destina à morte “como um animal (boton) escolhido num reba- nho de ovelhas”73 . É a uma novilha (moskhos) que Eurípides a compara duas vezes, mais pre- cisamente a uma “novilha das montanhas des- cida virgem de um antro rochoso”74 . Sempre sacrificada na hora crucial do início do comba- te, a cabra não é uma vítima ordinária; com a novilha, o modelo do sacrifício pareceria mais 68
  • 69. clássico se a vítima não fosse caracterizada como montanhesa. De fato, uma vez que só se pode imolar dentro das regras um animal do- méstico, verifica-se que uma novilha monta- nhesa não é absolutamente uma vítima confor- me a essa exigência: a montanha torna selva- gem tudo que vive nela e, salvo quando se tra- ta de Hermes, que sabe manipular como artis- ta a confusão das regras75 , não seria possível sacrificar uma vaca das montanhas. Nessa comparação de Ifigênia com uma oreia mos- khos ver-se-á então um modo de sublinhar o desvio que caracteriza todo sacrifício humano, “a selvageria da vítima substituindo a selvage- ria do ato”76 . O desenlace da tragédia, aliás, proporciona uma confirmação dessa análise: quando finalmente Artemis – ou o poeta – substitui a moça por uma vítima animal, como a corça corredora da montanha que expira sob o cútelo de Calcas, o mundo selvagem se in- troduz irreversivelmente no coração do sacri- fício. A semelhança de Ifigênia, Polixena em vias de ser sacrificada é assimilada a uma no- vilha das montanhas e, pelo caminho oblíquo dessa analogia, sua imolação se inscreve na interseção do civilizado e do selvagem. Mas, para evocar Polixena, a comparação não pare- ce a figura de estilo mais adequada. Talvez 69
  • 70. porque nenhuma substituição deve suavizar in extremis seu destino, a jovem recebe um trata- mento principalmente metafórico: ela é a novi- lha de Hécuba, mas também é sua “poldra” (po- los)11 . Detenhamo-nos um instante nesta última palavra, ainda que seja para evocar outras situ- ações muito semelhantes onde ela é usada igualmente para caracterizar uma vítima jovem: trata-se do filho de Creonte, Meneceu, candi- dato ao sacrifício e, também ele, identificado com um potro (Fenicias, 947); mas também ocorre uma inversão da metáfora, transportada a um universo – como o da historiografia – onde a parte do real é mais compulsiva: já não é a moça que é uma poldra, e sim a poldra que é uma virgem, como compreenderá Pelópidas que, convidado a sacrificar uma “virgem lou- ra”, saberá decifrar o oráculo imolando uma poldra ruça (Plutarco, Pelópidas, 20-22). Da mesma forma que os animais selva- gens ou asselvajados, o cavalo não é uma víti- ma ordinária de sacrifícios – ele tem seu lugar nos sacrifícios militares, um lugar incontesta- velmente mais ambíguo que o da cabra. Trata- remos todavia de polos e das conotações espe- cíficas dessa palavra, que não cobrem necessa- riamente o campo das representações associa- das ao cavalo. De fato, se nos interrogarmos sobre aquilo que faz de Polixena e de Meneceu 70
  • 71. uma ou um polos, deveremos deslocar a tônica, da polaridade do selvagem e do doméstico para a oposição entre o que já está domesticado e o que ainda não está78 . Polixena é poldra indo- mada, Meneceu é potro não preparado; essas metáforas não indicam somente que ambos são vítimas designadas para um sacrifício anômalo; sugerem também que estão como se fosse na expectativa do casamento. Em suma, para eles como para Ifigênia em Áulis, há uma estreita interação entre o casamento e o sacrifício. A espera dessa domesticação que é o casamento, a moça assimila-se naturalmente a uma égua indomada, a uma novilha ainda desconhecedo- ra do jugo79 ; mas, por definição, a vítima do sacrifício deve ser também livre do jugo, e é naturalmente – cingindo-nos ao menos à trama metafórica do texto – que, prometidos à decapitação, pôloi e môskhoi trocarão o casa- mento pelo sacrifício80 . Não devemos entretanto enganar-nos: se, para Ifigênia e para Polixena, o casamento in- tervém no sacrifício, convém ver nisso mais que um jogo de poeta sobre uma metáfora sig- nificante. De fato, se o tema do sacrifício se ordena em torno de uma metáfora ligada a ani- mais, é porque, como a vítima, a moça é sub- missa, passiva, dada, conduzida. Digamos com maior precisão que os sacrifícios trágicos es- 71
  • 72. clarecem o ritmo muito cotidiano do casamen- to, pelo qual a virgem passa de um kyfios (tu- tor) a outro, do pai que a “dá” ao marido que a “conduz”81 . Ironia trágica dos cortejos fúnebres que deviam ter sido nupciais – o de Ifigênia, o de Polixena, também o de Antígona82 –, casa- mentos ao inverso por levarem a um sacrifica- dor que é freqüentemente o próprio pai83 – e, ver-se-á mais tarde, para a casa de um marido chamado Hades. Ironia trágica o gesto do filho de Aquiles, “tomando pela mão” Polixena para pô-la no alto do sepulcro de seu pai84 . Quando a vítima é uma virgem, o sacrifício é tragica- mente irônico, por assemelhar-se demais ao casamento. Da execução como casamento Para esclarecer essa semelhança, não nos apres- saremos a relacioná-la com qualquer sistema geral em que Eros se comunicaria com Tâna- tos85 . Com efeito, se generalizarmos muito depressa, se nos contentarmos com a satisfação que experimentamos com a descoberta da “evi- dência de algumas grandes leis universais”, ar- riscar-nos-emos pura e simplesmente a esque- cer a língua – grega, mas sobretudo trágica – onde se enuncia a equivalência da execução e 72
  • 73. do casamento. Ao ímpeto interpretativo prefe- rir-se-á, então, uma vez mais, a lenta caminhada na literalidade do significante trágico. Uma primeira figura impõe-se imediata- mente: as virgens conduzidas à morte são es- posas para Hades. Nas representações partilha- das da vida social, cabe à morte ser metáfora do casamento porque, durante todo o cortejo nup- cial, a moça morre por si mesma: tanto é assim que em Locris as noivas deviam imitar Persé- fone raptada pelo esposo vindo do mundo subterrâneo86 . Benefício incomparável da fic- ção: consagrando as moças à morte, a tragédia inverte a ordem usual do discurso; indo contra a metáfora, as virgens trágicas chegam à mo- rada dos mortos como se trocassem a casa pa- terna pela do marido87 , quer seja seu destino encontrar, sem maior precisão, o “casamento no Hades” (Eurípides, Troianas, 445), quer seja encontrá-lo na união com Hades. Casamento no Hades, união com Hades: no âmago do sacrifício ou da execução, o des- tino trágico das párthenoi inscreve-se no fundo dessa tensão do no e do com e, como se toda virgem devesse inelutavelmente realizar-se como esposa, não existe aparentemente tercei- ro termo para essa alternativa entre uma versão “fraca” e uma versão “forte” da morte como casamento88 . Assim, é no trespasse que Antí- 73
  • 74. gona, morta por haver preferido um irmão morto a uma vida de esposa, terá diante de si um casamento, quer se imagine que ela vá “encontrar um marido no Hades”, como sugere Creonte, quer ela esteja destinada sem mais rodeios a casar-se com o senhor dos mortos: antes de morrer ela dera ao esposo infernal o nome de Aqueronte, mas no discurso do men- sageiro a moça (kore) encontrou o próprio Hades em “seu aposento nupcial cavado na rocha”89 . Além disso, corpo já inerte abraçado por Hêmon, Antígona escapa ao noivo que entretanto se matará para juntar-se a ela, movido pelo desejo desesperado de desposá-la “na morada de Hades” (Sófocles, Antígona, 1240-1241). Seja ainda Ifigênia, vinda a Áulis para casar-se com o melhor dos aqueus, mas que afinal verifica que seu esposo é “Hades e nãoAquiles”90 . Mas, com Ifigênia, começa um percurso através das figuras mais secretas, próprias para enunciarem a equação mortal das nupcias e do degolamento. Um lamento de Agamêmnon, suspirando em vão a propósito do destino de sua filha, prenderá especialmente a nossa aten- ção, pois o que ele exprime é talvez mais que uma evocação dos esponsais infernais de Ifi- gênia. Quando o rei brada: 74
  • 75. “Quanto à desventurada virgem – que digo? virgem (párthenos)? – Hades, segundo parece, casar-se-á com ela dentro de pouco tempo” (Ifigênia em Áulis, 460-461), deve-se ouvir nessa exclamação uma simples variação em torno das nupcias de Hades? Ou deve-se dar sentido à reticência de Agamêmnon e entender que a virgem perde sua virgindade no sacrifício? Esses dois versos da Ifigênia em Áulis não bastariam por si mesmos para con- firmar a segunda hipótese. Há, porém, duas outras passagens de Eurípides onde uma vir- gem sacrificada, sem ser entretanto declarada esposa de Hades, sofre a perda da virgindade. É o que ocorre com Polixena que, em Eurípides, não se casa com Aquiles na morte91 . Polixena, até então nymphe prometida a reis e que, em sua altivez, pretende entregar a Hades apenas seu corpo (demas), de forma nenhuma sua pessoa; Polixena que, no instante da morte, dirá somente que vai “para debaixo da terra, sem esposo, sem himeneu”. Ora: uma vez imolada, esta mesma Polixena será qualificada por sua mãe lacrimosa de “esposa sem esposo, virgem que não é mais virgem” (nymphe ánymphos, párthenos apárthenos)92 . Com Polixena, certamente o comentador pouco preocupado em deter-se numa expressão delicada, pode ainda descartar-se desta proje- tando sobre o texto de Eurípides o romance 75
  • 76. helenístico das nupcias de morte com Aquiles; ele escreverá então que, na morte, as “cativas de guerra tornavam-se concubinas de seu se- nhor”93 , e considerará o problema resolvido prometendo a jovem troiana à sombra do herói grego. A dificuldade, entretanto, reabre-se mais aguda do que nunca nos Heráclidas com a vir- gem Macária. Macária, que não é oferecida a um herói, e sim sacrificada a Core; Macária, que não pretende unir-se ao marido da deusa dos mortos, e para quem Hades é apenas o nome de um lugar; Macária, que renuncia à hora das nupcias para salvar sua raça e a vida de seus irmãos. Macária, párthenos exemplar. Mas, evocando a glória decorrente de sua es- colha e as honras fúnebres que serão seu qui- nhão, a virgem Macária declara que “terá esse tesouro em vez de filhos e de virgindade” (anti paidon... kai partheneias)94 . Embaraço dos tra- dutores, embaraço dos comentadores: que uma virgem troque os filhos que não terá pela glória, isso afinal de contas está na ordem das coisas onde, pensam os comentadores, pensam os tra- dutores, uma mulher – principalmente grega – não poderia ter tudo; mas em que a glória deveria “ocupar o lugar” da virgindade no caso de Macaría, a virgem sábia? Pergunta ingênua, de que alguns comentadores e tradutores se desembaraçam dando a anti (em vez de) dois 76
  • 77. sentidos muito diferentes, dependendo de o regime ser “os filhos” – bem precioso que será substituído pela glória – ou a “virgindade” – estatuto incompleto de que, numa leitura ao mesmo tempo psicológica e pequeno-burguesa, se imagina que uma párthenos deseje livrar-se o mais depressa possível para realizar-se no casamento: e as honras fúnebres tornam-se uma “compensação” por essa virgindade forçada95 . Porque nada de tudo isso é realmente convin- cente, nem mesmo conforme ao rigor grave característico da filha de Heracles, desejar-se- ia, com a ajuda da leitura adotada até agora remontando da Ifigênia em Áulis para a Hécu- ba e os Herácüdas, oferecer uma resposta ca- paz de conservar toda a força da declaração da moça: trata-se efetivamente de dois bens pre- ciosos que a virgem dá com sua vida; dois bens aos quais ela renuncia para sempre: os filhos que ela não terá, e a virgindade intacta que ela vai perder com a vida no instante do degola- mento. Com efeito, lendo os textos com rigor é preciso concordar com a estranha verificação de que uma virgem sacrificada perde sua parthêneia (yirgindade) sem entretanto ganhar um marido. À semelhança de Ifigênia, à seme- lhança de Polixena, Macária jamais será uma gyné; apesar disso, não é mais uma párthenos 77
  • 78. que o Hades ganhará. Nem mulher, nem vir- gem, mas um entremeio, como uma nymphe. Uma nymphe ánymphos, entretanto, esposada sem esposo. É sob a forma desse oxymoron, evocado há pouco a propósito de Polixena, que se deve pensar a figura paradoxal da virgem sacrificada, da qual se tira a parthêneia no ins- tante mesmo da exaltação de sua pureza de novilha indomada. Graças sejam dadas por isso a Macária: por não ser prometida a nenhum Aquiles, a nenhum Hades, a filha de Heracles compele o leitor à audácia, ou, no mínimo, a uma interpretação mais exigente do texto. Pode-se então formular algumas proposições: num certo nível de generalidade, na tragédia euripidiana a morte de um ser jovem provoca necessariamente a evocação de suas nupcias96 e, nessa perspectiva, a virgem sacrificada, esposa de Hades, nada mais é que uma encarnação entre outras do equivalente da morte e do ca- samento. Mas existe também em Eurípides urna língua, obscura para dizer o obscuro, em que a morte sanguinolenta das párthenoi é pensada como uma maneira anômala, atópica, de con- sumar a virgindade em feminilidade. Como se, talvez, a decapitação valesse por um deflo- ramento97 : garganta cortada, Ifigênia, Polixena e Macária são párthenoi apárthenoi, virgens 78
  • 79. não-virgens. Assim, sob o signo do impensável, as virgens trágicas de Eurípides dão o passo que satisfaz ao mesmo tempo os deuses irritados e os sonhos dos espectadores. Sem dúvida objetar-se-á a esta análise que existe em Eurípides pelo menos uma vítima jovem de sacrifício do sexo masculino. Evocar- se-á então o irmão de Hêmon, Meneceu, cuja imolação à terra de Tebas a cólera de Ares exi- ge nas Fenicias. Mas deve-se ver na morte de Meneceu a versão viril, portanto tebana, do sacrifício virginal: no universo dos espartos (os “semeados”), que outra vítima senão um macho poderia morrer pela pátria, essa terra de ma- chos98 ? Certamente a circunstância de a vítima ser um rapaz e não uma virgem não é sem conseqüências: assim, por ser um privilégio masculino empunhar a arma, ao contrário das párthenoi que tombam sob o cútelo do degola- dor, o filho de Creonte é seu próprio sacrifica- dor, e nessa morte ninguém saberia distinguir claramente o sacrifício do suicídio, e o suicídio de uma gloriosa morte guerreira”. Mas o es- sencial está na semelhança, não no afastamen- to: embora se devote como um guerreiro, é por sua virgindade de potro ainda ignorante da domesticação do casamento que Meneceu deve ser designado como vítima do sacrifício100 79
  • 80. Ocasião, para quem se interessa pela antropo- logia do casamento grego, de lembrar que também a propósito do homem essa instituição é critério de maturidade101 , apesar de a passa- gem ser mais marcante nas mulheres. Ocasião principalmente para meditar sobre a lei segun- do a qual só a virgindade se presta ao sacrifício, para que, glorificada pelo verbo trágico, o sa- crifício humano possa ser pensado. É assim que, por ignorar o himeneu, Meneceu vem ocupar um lugar ao lado de Ifi- gênia, de Polixena e de Macária. Mas – a nobreza de seu devotamente não poderia mas- cará-lo – se todo sacrifício humano é desvi- ante, o imaginário prefere entregar ao degola- dor uma moça a ter que pensar esse desvio. A párthenos: uma vítima submissa, passiva, dócil. Sem dúvida. Liberdades virginais Para ser fasto, todo sacrifício animal deve mostrar a aquiescência da vítima102 . Mesmo imaginado por um autor trágico, um sacrifício humano não poderia deixar de enquadrar-se nessa regra. A não ser que se queira apresentar esse sacrifício como um puro assassínio, onde 80
  • 81. a moça conduzida à imolação não consente. Essa é a escolha103 de Esquilo no Agamêmnon. Sem dúvida a palavra phonos não é expli- citamente pronunciada, porém o sacrifício da virgem é claramente designado como uma mácula, antes mesmo de, na descrição de Ifi- gênia levada ao suplício, o texto acumular as provas de acusação contra o pai que ousou imolar sua filha. Nada há, até o estatuto virgi- nal da moça, que não seja pensado como uma circunstância agravante (“tudo isso – até sua idade virginal! – ela viu descartado como se nada fosse!”). Mas o essencial é que Esquilo não deixa lugar algum a esse assentimento da vítima, que confere ao sacrifício animal sua legitimidade formal; logo depois de ser dado o sinal da degolação, a violência passa a dominar: erguida, agarrada, amordaçada para que não se lhe ouvissem os gritos104 , Ifigênia, que se debate e se agarra à terra, recusa desesperadamente sua aquiescência10 * a essa imolação cujo aspecto escandaloso Esquilo se compraz em subli- nhar106 . Se excetuarmos a. Ifigênia em Táuris, cuja heroína recorda horrorizada a violência que lhe foi infligida de modo muito esquiliano, a es- tratégia euripidiana em face das virgens imola- das é completamente diferente. De fato, Eurí- pides aceita a ficção do sacrifício humano ape- 81
  • 82. nas para desviar-lhe a significação. Maneira hábil de recusar aquilo que entretanto a ence- nação e a realização descrevem minuciosa- mente. Sob a aparência de respeitar a regra da aquiescência, transforma-se o assentimento em escolha livremente feita e a morte infligida em morte voluntária, para não dizer em morte glo- riosa. Tudo está no lugar, porém nada tem agora o mesmo sentido. Ainda uma vez a filha de Agamêmnon adquire o caráter de paradigma, ela que, na Ifi- gênia em Áulis, morre voluntariamente (hêkou- sa: ver o verso 1555). Agarrada por mãos bru- tais, a Ifigênia de Esquilo foi “erguida por cima do altar” (hypenhe bomou labein aerden) e, nisso que é uma prática sacrificial normal com uma vítima animal, Esquilo via apenas um sinal flagrante de violência e de compulsão107 . Aer- dén: no ar. Se, na aiora do enforcamento, as esposas elevam-se no ar espontaneamente, a moça sacrificada não desejou um instante se- quer deixar o chão. Pobre Ifigênia: Eurípides recordar-se-á dela na Ifigênia em Táuris, onde, desde os primeiros versos da tragédia, a filha de Agamêmnon, numa franca imitação do texto esquiliano, evoca o instante funesto em que, “infortunada, agarrada e erguida acima do al- tar” (hyper pyras metarsia lephtheisa)m , ela ia perecer atingida pelo gládio. Inversamente, não 82
  • 83. causará maior admiração que, no fim da Ifigê- nia em Áulis, onde a liberdade da heroína não poderia se coadunar com uma compulsão, ain- da que ritual, esse sinal de pura violência tenha desaparecido. De fato, quando, de pé diante de seu pai, Ifigênia anuncia que, dando com toda a liberdade seu corpo para ser sacrificado, apre- sentará silenciosa e corajosamente o pescoço, a virgem impede por isso mesmo os argivos de porem as mãos sobre ela – maneira de recusar-se a ser tratada como vítima e “erguida” de conformidade com o ritual (Ifigênia em Áulis, 1551-1561). Depois disso a atenção se con- centra nos preparativos para a imolação e, do que foi no último instante o comportamento de Ifigênia – altivamente erecta, ou talvez ajoelhada? – o texto, numa elipse eloqüente, nada mais diz. Em compensação – e sem dúvida não se trata aqui de um acaso –, desde que o gládio de Calcas a feriu a descrição volta a ser precisa a propósito da corça montanhe-sa imolada em vez da moça, alongada sobre o solo mas cujo sangue jorrava para molhar no alto (arden) o altar de Artemis109 : com a vítima animal o ritual do sacrifício, mesmo desviante, retomou seus direitos, embora a párthenos ti- vesse desaparecido, imobilizada em sua livre escolha. 83