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A avaliação entre a lógica classificatória e a lógica emancipatória: concepções
                  concorrentes no cenário educacional atual

                                                Isabel Letícia Pedroso de Medeiros1



Resumo

        O presente artigo apresenta umaanálise sobre o modelo seletivo e
classificatório de avaliação escolar, enquanto vertente que se constituiu como
dominante no cenário educacional. Evidencia também a emergência da avaliação
formativa e emancipatória no novo contexto educacional brasileiro das últimas
décadas, em nível discursivo e prático, fazendo um contraponto entre as duas
concepções e suas respectivas inserções/filiações em diferentes concepções de
escola, ensino e currículo, bem como abordando os diferentes efeitos produzidos
pelos dois modelos. Conclui afirmando que, na perspectiva de uma escola
democrática e de qualidade social, é necessário superar a logica classificatória,
constituindo uma nova hegemonia, na qual a lógica formativa e emancipatória se
sobreponham aos modelos tradicionais.



      A avaliação escolar não é um tema independente do contexto educacional
mais amplo e do território do currículo. Ao contrário, ainda que muitas vezes tomado
de maneira isolada e autônoma, está intimamente urdido nas diferentes concepções
de escola, currículo e conhecimento. É um campo que suscita um debate amplo,
complexo, com posições bastante controversas, porém, num percurso quase
imperceptível e naturalizado, se constituiu como hegemônico, ainda predominando
na escola, um modelo seletivo e classificatório, articulado com a reprovação e
repetência escolar.

      Perrenoud (1999) destaca que a avaliação surgiu inserida na criação dos
colégios, por volta do século XVII, e se torna indissociável da escola de massas,
desde o séc. XI, já que esta se constitui em um paradigma dual, contraditório, que
demanda a seleção e classificação, permitindo a formação de mão de obra para as
novas formas de produção econômica, mas impedindo que o conhecimento se
transforme em instrumento de conscientização e mobilização das classes populares,


1 Professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre desde 1989, mestre e doutora
em Educação pela FACED/UFRGS.
ao mesmo tempo em que garante a formação das elites, “evidenciando” sua
excelência intelectual e assim naturalizando as desigualdades sociais e econômicas.

         Assim, dadas as contradições do modelo capitalista, a seleção na escola
passou a ser necessária como justificativa da desigualdade social e econômica e da
garantia de mão-de-obra barata. Em decorrência, a reprovação e exclusão
começaram a acontecer naturalmente, explicadas e justificadas pelas diferenças
individuais; cada indivíduo passava a ser responsável pelo seu próprio fracasso, já
que outros conseguiam o almejado sucesso.

         No Brasil o paradigma da escola dual se enraizou com muita força. Já nos
seus primórdios, com os jesuítas, a escola teve como objetivo a aculturação e
domesticação de indígenas e colonos pobres. A educação obrigatória em idade
própria, para todos, nunca saiu dos textos constitucionais até a última década do
século XX. A escola pública se constitui e se expande tardiamente, na metade do
século passado, voltada para as classes médias e altas. Somente a partir de 1995
há um empreendimento de todas as esferas governamentais – federal, estadual e
municipal – para a universalização, ainda inconclusa, já que atingimos um
percentual de 98% de cobertura no ensino fundamental.

         O país apresenta uma história de baixa escolaridade da população, altos
índices de analfabetismo, reprovação e evasão escolar, ao mesmo tempo em que
figura    com   os   piores   índices   nas   provas   internacionais   que   averiguam
conhecimentos. A exemplo de outros países, o pensamento Liberal - que afirma as
relações entre capacidades intelectuais, rendimento escolar e classes sociais;
aptidões naturais como determinantes do sucesso ou do fracasso do indivíduo-
tomou conta do ideário pedagógico nacional, justificando e naturalizando os altos
índices de fracasso escolar da parcela das classes pobres que conseguiam entrar
na escola.

         Percebemos um impulso na problematização acerca do tema a partir da
década de 1960, com a emergência das teorias da reprodução e dos estudos, por
muitos pesquisadores (Bordieu; Passeron, 1975), do fenômeno do fracasso escolar
como produção da escola, não mais como responsabilidade individual e familiar,
instrumento que contribui em justificar as desigualdades na sociedade. Essas
proposições começam a minar o domínio hegemônico do modelo classificatório, ou
pelo menos chamar a atenção para aspectos antes invisíveis no espaço escolar.

      Do mesmo modo, muitos autores surgem defendendo a capacidade de
aprendizagem por todos os indivíduos (Bloom, 1974), creditando à escola a tarefa de
planejar sua ação nesse sentido, assumindo a função de ensinar e organizando o
ensino de maneira a individualizar o conteúdo, o ritmo e as modalidades de
conhecimento; nessa perspectiva:



                     [...] a avaliação se tornava o instrumento privilegiado de uma regulação
                     contínua das intervenções e das situações didáticas. [...] Para se tornar uma
                     prática realmente nova, seria necessário [...] que a avaliação formativa fosse
                     a regra e se integrasse a um dispositivo de pedagogia diferenciada.
                     (PERRENOUD, 1999, P. 14)



      O conceito de insucesso emerge nesse contexto, ao mesmo tempo em que o
ideal de sucesso se impôs para todos, com a aposta na plasticidade e educabilidade
dos indivíduos; há a partir daí um enfoque nos indicadores do atraso:
retenção/reprovação e repetência/atraso.

      As ideias correntes (idem) de que: o papel da escola se resume em oferecer a
todos oportunidade de aprender; que as desigualdades de êxito são naturais; que
cabe à pedagogia revelar as desigualdades de aptidão; que a escola não é
responsável pela aprendizagem, mas pela transmissão do conhecimento, passam a
ser fortemente questionadas. Vários pesquisadores no mundo e no país
empreendem estudos tendo como foco aspectos que envolvem a avaliação.

      De acordo com Crahay (1996), pesquisas na França e em países anglo-
saxônicos, que comparam grupos de alunos com mesmo nível/padrão de
dificuldades, concluíram por diferenças significativas de avanço no grupo promovido,
em relação aos reprovados; nenhuma análise conduziu a uma diferença a favor dos
alunos repetentes. Programas de medidas individualizadas mostraram significativa
superioridade em termos de eficácia para o alcance da aprendizagem, em
detrimento da mera reprovação. Ainda que haja evolução positiva nas avaliações
cognitivas e sócio-afetivas dos alunos repetentes, se considerarmos o início do ano
repetido e o final, os estudos demonstram uma evolução mais significativa dos
estudantes promovidos, acompanhados de estratégias diferenciadas de apoio à
aprendizagem.

      O mesmo autor enfatiza que o funcionamento da escola é um operador que
produz sucessos/ insucessos escolares, a partir de variáveis tais como: programa de
ensino; tempo diário e anual; gestão do percurso escolar - retenção/progressão
automática; diferenciação de percurso; certificação por exame ou automática;
acesso ao ensino superior automático via exame; escolha dos conteúdos; definição
de dos objetivos e competências mínimas; concepção e elaboração de ferramentas
de avaliação; escolha de métodos de ensino. Portanto, a questão é como organizar
o sistema de ensino de maneira a assegurar tanto um ensino de qualidade como o
sucesso do maior número de alunos, operando com essas e outras variáveis.

      Outras contribuições também partiram da área da psicologia. Patto (1984)
esclarece que as pesquisas sobre a carência cultural são um fenômeno tipicamente
norte-americano das décadas de sessenta e setenta, como “resposta científica” à
crise decorrente do abalo do mito da igualdade de oportunidades, já que as minorias
naquele país protagonizaram, à época, um forte movimento reivindicatório pela
igualdade de condições. Assim, as teorias “comprovaram” que as desigualdades
econômicas, em função da não inserção no mercado de trabalho, são decorrentes
da baixa escolaridade, que por sua vez é justificada pela incapacidade das classes
subalternas em lograrem sucesso escolar, devido à sua pobreza cultural.

      Nesse sentido, as pesquisas afirmavam que a pobreza ambiental e cultural,
nas classes populares, produziam dificuldades no desenvolvimento psicológico
infantil e causavam dificuldades de aprendizagem e adaptação escolar. Esta teoria
teve ampla aceitação no Brasil, pois confirmava as crenças enraizadas na cultura
brasileira a respeito da inferioridade e incapacidade dos pobres, negros e mestiços.
Ainda que professores mais comprometidos com a educação popular tenham se
preocupado com essas teorias, não alcançaram realizar uma análise crítica dessa
ideologização da psicologia, aliançada com interesses políticos de dominação,
opressão e manutenção do poder pelas elites.

      A mesma autora (1999) aponta que uma nova abordagem foi proposta pela
teoria crítica, em meados dos anos setenta, sustentada pelas referências teóricas de
Bourdieu e Passeron. Essa teoria analisou o papel predominante da escola
numasociedade dividida em classes, qual seja, exercer a dominação cultural e a
reprodução/naturalização das relações de produção, através da imposição de modos
de ser, de falar e de pensar característicos dos integrantes das classes dominantes,
apresentados como padrão ideal.

      Nessa perspectiva, o sistema de ensinopassou a ser questionado e analisado
como instrumento da manutenção dos privilégios educacionais e profissionais,
responsável pelo fracasso escolar das crianças das classes pobres. A avaliação
classificatória e seletiva se encaixa nessa engrenagem como mecanismo
fundamental na constituição dessas hierarquias. Conforme Perrenoud (1999, p.9):
“Avaliar é –cedo ou tarde - criar hierarquias de excelência [...] privilegiar um modo de
estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas de excelência, definir um
aluno modelo, aplicado e dócil para uns, imaginativo e autônomo para outros...”.

      Assim, nos anos setenta as pesquisas sobre o fracasso escolar se
caracterizaram pela investigação da participação do sistema de ensino nos
resultados da aprendizagem, através dos fatores intra-escolares e suas relações de
seleção e exclusão social que se desenvolvem na escola (PATTO, 1999).

      Nesse mesmo contexto de análise crítica sobre o fracasso escolar, a
avaliação classificatória é alvo de inúmeros trabalhos desenvolvidos no sentido de
problematizá-la. Vasconcellos (1998) diz que a classificação e a seleção se
constituem no núcleo da distorçãodo processo ensino-aprendizagem e de sua
avaliação, promovendo muitos efeitos: a preocupação da comunidade escolar se
volta para o resultado da avaliação, não para o processo de aprendizagem; o exame
escolar constitui um fim em si mesmo; a escola não centra seus esforços na
intervenção nas dificuldades de aprendizagem, mas se restringe à verificação,
fazendo com que a chamada profecia sobre o desempenho dos estudantes em geral
se confirme. Estudantes e professores ficam condicionados e focados na nota.

      Conforme o autor, a lógica da seleção se manifesta desde os primeiros dias
de aula, muitos professores evitam dar uma boa nota no primeiro bimestre, com o
receio de que o aluno não siga um percurso exitoso e a boa nota inicial pareça uma
incoerência. Há quem credite a não reprovação nas classes de alfabetização como o
fator responsável pelas reprovações seguintes. Nos conselhos de classe, a
discussão é centrada nas notas. A avaliação classificatória está incluída no
paradigma de uma educação transmissiva e cumulativa, caracterizada pela
preocupação com o cumprimento do programa e dos pré-requisitos para a próxima
série. Nesse sentido, a função da escola como promotora de aprendizagens é
totalmente pervertida.

      Vasconcellos (1998), a partir de suas pesquisas, identificou alguns mitos que
povoam o debate sobre avaliação, afirmados pelos professores: é o aluno que se
reprova; é normal ter alunos fortes, médios e fracos; contingências individuais;
múltiplos fatores, devidos à organização do sistema, turmas superlotadas, baixos
salários, formação precária. O professor, por estar inserido em uma lógica
totalmente naturalizada, nega estar praticando uma ação ideologizada. A
responsabilidade não é individual, mas de uma conjuntura fortemente estabelecida.

      Mas na opinião do autor, a avaliação classificatória é fruto de um sistema
mais amplo, no qual a negação da aprendizagem é uma condição para que se
perpetue. Ao capital financeiro não importa a escola; ao capital vinculado à
produção, importa garantir, contraditoriamente, qualificação de mão-de-obra, sem
que os filhos dos operários se equiparem aos filhos do patronato, nem adquiram
condições de analisar criticamente o modo de produção, e assim não tenham
pretensões de transformá-lo. Essa ausência de criticidade promove um círculo
vicioso; fazendo com que as classes populares também não tenham interesse em
um ensino efetivo. Mesmo quem vai bem na escola tem um ensino formalista,
desligado da cidadania, da criticidade, da politização.

      Mais uma vez se evidencia o modelo dual, que inicialmente não permitia o
acesso do povo à escola. Depois, permitiu o acesso, mas sem permanência, com
altos índices de evasão e repetência. Atualmente, o povo vai e permanece, por força
da lei, mas sem aprender. A avaliação meritocrática tem sido uma estratégia para
que a escola siga sem ensinar e sem se preocupar em encontrar solução para o
problema central, que é a não aprendizagem por parte de uma grande parcela.

      Pesquisas do mesmo autor, entre outros, revelam a arbitrariedade e
relativismo da avaliação tradicional no sistema: há diferenciação de critérios entre
escolas, entre alunos de turmas diferentes, entre alunos da mesma turma. Outros
fatores, tais como docilidade, simpatia, compadecimento, ou ao invés, antipatia,
agressividade, pesam bastante na decisão sobre a aprovação ou reprovação de um
aluno. Mas o destaque é para a ineficácia da classificação, seleção e reprovação do
ponto de vista pedagógico: não produz aprendizagem, que deveria ser o principal
objetivo da escola.

      A partir da década de 1980, se fortalecem as propostas em torno da educação
para todos, do respeito à diversidade, da inclusão escolar. Emerge um novocontexto
de reformas educacionais, que alteram concepções tradicionais, incorporadas em
legislações e normas. No Brasil, em decorrência também dos elevadíssimos índices
de fracasso escolar, se revitaliza a disputa de uma nova concepção de avaliação,
formativa, emancipatória, regulatória, que tem como objetivo o replanejamento das
situações pedagógicas, a partir do diagnóstico do nível de aprendizagem, a fim de
aprimorar as estratégias dos docentes, adaptar os currículos e individualizar as
intervenções, garantindo a aprendizagem de todos.

      No entanto, em nível prático, as mudanças são lentas e quase imperceptíveis.
Conforme Perrenoud (1999) a ideia de que a avaliação possa ajudar o aluno não é
uma ideia nova. Desde que a escola existe, pedagogos defendem que a avaliação
esteja a serviço do aluno. Porém, nada se transforma de um dia para o outro no
mundo escolar, a força da inércia e do imobilismo do sistema se impõe. A indiferença
às diferenças, denunciada por Bordieu (1966), segue com vitalidade. Vasconcellos
(1998) também enfatiza que a denúncia da avaliação autoritária já vem sendo feita
há tempos; no pensamento pedagógico, a avaliação como diagnóstico, processual
sistemática, já não é novidade, há uma vasta elaboração teórica nova sobre a
avaliação; porém, a prática pouco tem mudado, tanto a avaliativa como a didático-
metodológica, apesar da denúncia.

      Quais são os fatores que contribuem para a continuidade da hegemonia da
avaliação classificatória? Vasconcellos (idem) elenca alguns fatores: a supremacia
da lógica meritocrática, que resiste à inovação, pois a associa avaliação formativa
com promoção automática; a percepçãoda avaliação classificatória como fator de
qualidade de ensino, apoiada no mito da escola de antigamente como modelo de
boa escola; a especificidade do magistério em vivenciar, como estudante,
determinado modelo educacional que acaba se enraizando em detrimento da
formação profissional posterior; a crença de que é a avaliação classificatória que
garante a qualidade de ensino; o temor da perda da autoridade do professor e do
descomprometimento do aluno; falta de percepção sobre as profundas mudanças
históricas que ocorreram, transformando a função da escola.

      No entanto, cresce a perspectiva de que a avaliação classificatória é um
modelo em crise, cada vez mais percebida como estratégia improdutiva e
indesejável: não produz aprendizagem, mas acomodação e reprodução. A avaliação
formativa, expressa pela progressão continuada, está consolidada em lei (Resolução
007/2010 do Conselho Nacional de Educação) justificada pela necessidade de
melhorar as condições da escolarização nos anos iniciais, na etapa de alfabetização.
A mesma resolução orienta que a lógica da avaliação formativa seja estendida para
todos os anos do ensino fundamental.

      Na mesma linha de argumentação, Vasconcellos (2005) afirma que a
reprovação escolar deve ser superada pelos seguintes motivos: é instrumento de
discriminação e seleção social; se constitui em uma séria distorção do sentido da
avaliação; do ponto de vista pedagógico, não é a melhor solução; não é justo o
aluno pagar por eventuais deficiências do ensino; tem um elevado custo social; toda
criança é capaz de aprender.

      Em consonância com os autores citados, penso que a avaliação formativa,
ancorada em uma perspectiva democrática e libertadora da educação, que quer
contribuir para a reconstrução de uma sociedade em bases igualitárias e
democráticas, necessariamente passa pela construção de um novo projeto
educacional e social para o país. Nesse sentido, há que se ampliar e aprofundar a
crítica às velhas práticas, refletir criticamente a experiência empreendida pela escola
até o momento atual e buscar uma fundamentação teórico-metodológica que dê
sustentação a um novo modelo, desconstruindo a lógica classificatória tão
profundamente enraizada em nossas experiências.

      Em nível de sistema percebemos muitas referências a essa nova lógica. O
Conselho Nacional de Educação, através das resoluções exaradas pela Câmara de
Educação Básica, tem sublinhado o caráter formativo, diagnóstico e regulatório da
avaliação, em todas as etapas da educação básica. O Ministério da Educação
passou a fazer um uso positivo das avaliações externas, tais como o Sistema de
Avaliação da Educação Básica, antes usado apenas para estabelecer o ranking
entre estados, municípios, escolas públicas e privadas, e a Provinha Brasil, que
constituem o IDEB, usando os resultados para promoção da equidade, destinando
mais recursos para quem tem os índices mais desfavoráveis. Muitos sistemas de
ensino adotaram a organização curricular por ciclos, na qual há um sistema de
progressão continuada ou de restrição da reprovação.

      Porém,    o   salto   qualitativo   se   dará   pela   eliminação   da   dicotomia
aprovação/reprovação e a superação da lógica classificatória em direção a uma
nova intencionalidade da educação e, por decorrência, da avaliação: garantir a
aprendizagem de qualidade para todos. Assim, todos os esforços devem ser
canalizados na reorganização de tempos e espaços escolares, criação de
estratégias e mecanismos de apoio à aprendizagem, tais como laboratórios de
aprendizagem, reagrupamentos temporários, projetos, adaptação de currículos,
docência compartilhada, enfim, novas experiências que possam dar conta da
aprendizagem.

      O grande desafio é fazer da regulação contínua das aprendizagens a lógica
prioritária da escola. A avaliação formativa desloca a regulação ao nível das
aprendizagens para individualiza-las. As provas escolares tradicionais têm pouca
utilidade, pois são concebidas para a classificação do que para o diagnóstico,
portanto, deve haver uma ampliação e diversificação dos instrumentos avaliativos. A
avaliação deve servir para compreender e trabalhar os erros dos alunos, apontam
para o professor o caminho a seguir. O diagnóstico é inútil se não levar a uma ação
apropriada. A avaliação formativa é acompanhada de uma intervenção diferenciada.
(PERRENOUD, 1999).

      Para por em curso esse processo de mudança, o papel do professor é
fundamental. Qualquer política ou proposta educacional está fadada ao fracasso se
não for assumida pelos docentes. Muito embora muitas reformas dependam de
ações externas à escola, um dos principais agentes de mudança é o professor.
Nesse sentido, nós professores devemos reconhecer o caráter social e político do
nosso trabalho, empreendendo ações que fortaleçam uma formação democrática,
cidadã e de qualidade social para todos.

      Vivemos novos tempos em educação, que demandam novas práticas. Ainda
que devamos reconhecer os limites, pois como nos diz Perrenoud, “Não há exemplo
de mudança significativa que não se tenha ancorado em uma visão bastante realista
das restrições e das contradições do sistema educativo.” (1999, P. 11), para inovar a
escola temos de superar a inércia e o desperdício da reflexão e darmos curso a um
novo paradigma, no cotidiano do nosso trabalho. Como nos ensinou Paulo Freire, o
fato de algo ser inédito não significa que seja impossível. Homens e mulheres fazem
a história, sempre nova, inédita e viável.




Referências

SAUL, A. M. Avaliação emancipatória. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.

BOURDIEU, P; PASSERON, J. C. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema
de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975

CRAHAY, M. Podemos lutar contra o insucesso escolar? Lisboa, Instituto Piaget,
1996.

PATTO, M. Psicologia e ideologia: uma introdução critica à psicologia escolar.
São Paulo: TAQ Editor, 1984.

_________. AProdução do Fracasso Escolar: histórias de submissão e
rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens –
entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica - SAEB Extraído do "site" do
Instituto   Nacional     de   Estudos        e   Pesquisas   Educacionais   -   INEP
http://www.inep.gov.br/saeb
VASCONCELLOS, C. Superação da lógica classificatória e excludente da
avaliação: do é proibido reprovar ao é preciso garantir a aprendizagem. São
Paulo: Libertad, 1998.

__________________. Avaliação: Concepção Dialética Libertadora do Processo
de Avaliação Escolar. 15. ed. São Paulo: Libertad, 2005.

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A avaliação lógica classificatória e emancipatória 1

  • 1. A avaliação entre a lógica classificatória e a lógica emancipatória: concepções concorrentes no cenário educacional atual Isabel Letícia Pedroso de Medeiros1 Resumo O presente artigo apresenta umaanálise sobre o modelo seletivo e classificatório de avaliação escolar, enquanto vertente que se constituiu como dominante no cenário educacional. Evidencia também a emergência da avaliação formativa e emancipatória no novo contexto educacional brasileiro das últimas décadas, em nível discursivo e prático, fazendo um contraponto entre as duas concepções e suas respectivas inserções/filiações em diferentes concepções de escola, ensino e currículo, bem como abordando os diferentes efeitos produzidos pelos dois modelos. Conclui afirmando que, na perspectiva de uma escola democrática e de qualidade social, é necessário superar a logica classificatória, constituindo uma nova hegemonia, na qual a lógica formativa e emancipatória se sobreponham aos modelos tradicionais. A avaliação escolar não é um tema independente do contexto educacional mais amplo e do território do currículo. Ao contrário, ainda que muitas vezes tomado de maneira isolada e autônoma, está intimamente urdido nas diferentes concepções de escola, currículo e conhecimento. É um campo que suscita um debate amplo, complexo, com posições bastante controversas, porém, num percurso quase imperceptível e naturalizado, se constituiu como hegemônico, ainda predominando na escola, um modelo seletivo e classificatório, articulado com a reprovação e repetência escolar. Perrenoud (1999) destaca que a avaliação surgiu inserida na criação dos colégios, por volta do século XVII, e se torna indissociável da escola de massas, desde o séc. XI, já que esta se constitui em um paradigma dual, contraditório, que demanda a seleção e classificação, permitindo a formação de mão de obra para as novas formas de produção econômica, mas impedindo que o conhecimento se transforme em instrumento de conscientização e mobilização das classes populares, 1 Professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre desde 1989, mestre e doutora em Educação pela FACED/UFRGS.
  • 2. ao mesmo tempo em que garante a formação das elites, “evidenciando” sua excelência intelectual e assim naturalizando as desigualdades sociais e econômicas. Assim, dadas as contradições do modelo capitalista, a seleção na escola passou a ser necessária como justificativa da desigualdade social e econômica e da garantia de mão-de-obra barata. Em decorrência, a reprovação e exclusão começaram a acontecer naturalmente, explicadas e justificadas pelas diferenças individuais; cada indivíduo passava a ser responsável pelo seu próprio fracasso, já que outros conseguiam o almejado sucesso. No Brasil o paradigma da escola dual se enraizou com muita força. Já nos seus primórdios, com os jesuítas, a escola teve como objetivo a aculturação e domesticação de indígenas e colonos pobres. A educação obrigatória em idade própria, para todos, nunca saiu dos textos constitucionais até a última década do século XX. A escola pública se constitui e se expande tardiamente, na metade do século passado, voltada para as classes médias e altas. Somente a partir de 1995 há um empreendimento de todas as esferas governamentais – federal, estadual e municipal – para a universalização, ainda inconclusa, já que atingimos um percentual de 98% de cobertura no ensino fundamental. O país apresenta uma história de baixa escolaridade da população, altos índices de analfabetismo, reprovação e evasão escolar, ao mesmo tempo em que figura com os piores índices nas provas internacionais que averiguam conhecimentos. A exemplo de outros países, o pensamento Liberal - que afirma as relações entre capacidades intelectuais, rendimento escolar e classes sociais; aptidões naturais como determinantes do sucesso ou do fracasso do indivíduo- tomou conta do ideário pedagógico nacional, justificando e naturalizando os altos índices de fracasso escolar da parcela das classes pobres que conseguiam entrar na escola. Percebemos um impulso na problematização acerca do tema a partir da década de 1960, com a emergência das teorias da reprodução e dos estudos, por muitos pesquisadores (Bordieu; Passeron, 1975), do fenômeno do fracasso escolar como produção da escola, não mais como responsabilidade individual e familiar, instrumento que contribui em justificar as desigualdades na sociedade. Essas
  • 3. proposições começam a minar o domínio hegemônico do modelo classificatório, ou pelo menos chamar a atenção para aspectos antes invisíveis no espaço escolar. Do mesmo modo, muitos autores surgem defendendo a capacidade de aprendizagem por todos os indivíduos (Bloom, 1974), creditando à escola a tarefa de planejar sua ação nesse sentido, assumindo a função de ensinar e organizando o ensino de maneira a individualizar o conteúdo, o ritmo e as modalidades de conhecimento; nessa perspectiva: [...] a avaliação se tornava o instrumento privilegiado de uma regulação contínua das intervenções e das situações didáticas. [...] Para se tornar uma prática realmente nova, seria necessário [...] que a avaliação formativa fosse a regra e se integrasse a um dispositivo de pedagogia diferenciada. (PERRENOUD, 1999, P. 14) O conceito de insucesso emerge nesse contexto, ao mesmo tempo em que o ideal de sucesso se impôs para todos, com a aposta na plasticidade e educabilidade dos indivíduos; há a partir daí um enfoque nos indicadores do atraso: retenção/reprovação e repetência/atraso. As ideias correntes (idem) de que: o papel da escola se resume em oferecer a todos oportunidade de aprender; que as desigualdades de êxito são naturais; que cabe à pedagogia revelar as desigualdades de aptidão; que a escola não é responsável pela aprendizagem, mas pela transmissão do conhecimento, passam a ser fortemente questionadas. Vários pesquisadores no mundo e no país empreendem estudos tendo como foco aspectos que envolvem a avaliação. De acordo com Crahay (1996), pesquisas na França e em países anglo- saxônicos, que comparam grupos de alunos com mesmo nível/padrão de dificuldades, concluíram por diferenças significativas de avanço no grupo promovido, em relação aos reprovados; nenhuma análise conduziu a uma diferença a favor dos alunos repetentes. Programas de medidas individualizadas mostraram significativa superioridade em termos de eficácia para o alcance da aprendizagem, em detrimento da mera reprovação. Ainda que haja evolução positiva nas avaliações cognitivas e sócio-afetivas dos alunos repetentes, se considerarmos o início do ano repetido e o final, os estudos demonstram uma evolução mais significativa dos
  • 4. estudantes promovidos, acompanhados de estratégias diferenciadas de apoio à aprendizagem. O mesmo autor enfatiza que o funcionamento da escola é um operador que produz sucessos/ insucessos escolares, a partir de variáveis tais como: programa de ensino; tempo diário e anual; gestão do percurso escolar - retenção/progressão automática; diferenciação de percurso; certificação por exame ou automática; acesso ao ensino superior automático via exame; escolha dos conteúdos; definição de dos objetivos e competências mínimas; concepção e elaboração de ferramentas de avaliação; escolha de métodos de ensino. Portanto, a questão é como organizar o sistema de ensino de maneira a assegurar tanto um ensino de qualidade como o sucesso do maior número de alunos, operando com essas e outras variáveis. Outras contribuições também partiram da área da psicologia. Patto (1984) esclarece que as pesquisas sobre a carência cultural são um fenômeno tipicamente norte-americano das décadas de sessenta e setenta, como “resposta científica” à crise decorrente do abalo do mito da igualdade de oportunidades, já que as minorias naquele país protagonizaram, à época, um forte movimento reivindicatório pela igualdade de condições. Assim, as teorias “comprovaram” que as desigualdades econômicas, em função da não inserção no mercado de trabalho, são decorrentes da baixa escolaridade, que por sua vez é justificada pela incapacidade das classes subalternas em lograrem sucesso escolar, devido à sua pobreza cultural. Nesse sentido, as pesquisas afirmavam que a pobreza ambiental e cultural, nas classes populares, produziam dificuldades no desenvolvimento psicológico infantil e causavam dificuldades de aprendizagem e adaptação escolar. Esta teoria teve ampla aceitação no Brasil, pois confirmava as crenças enraizadas na cultura brasileira a respeito da inferioridade e incapacidade dos pobres, negros e mestiços. Ainda que professores mais comprometidos com a educação popular tenham se preocupado com essas teorias, não alcançaram realizar uma análise crítica dessa ideologização da psicologia, aliançada com interesses políticos de dominação, opressão e manutenção do poder pelas elites. A mesma autora (1999) aponta que uma nova abordagem foi proposta pela teoria crítica, em meados dos anos setenta, sustentada pelas referências teóricas de Bourdieu e Passeron. Essa teoria analisou o papel predominante da escola
  • 5. numasociedade dividida em classes, qual seja, exercer a dominação cultural e a reprodução/naturalização das relações de produção, através da imposição de modos de ser, de falar e de pensar característicos dos integrantes das classes dominantes, apresentados como padrão ideal. Nessa perspectiva, o sistema de ensinopassou a ser questionado e analisado como instrumento da manutenção dos privilégios educacionais e profissionais, responsável pelo fracasso escolar das crianças das classes pobres. A avaliação classificatória e seletiva se encaixa nessa engrenagem como mecanismo fundamental na constituição dessas hierarquias. Conforme Perrenoud (1999, p.9): “Avaliar é –cedo ou tarde - criar hierarquias de excelência [...] privilegiar um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas e normas de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil para uns, imaginativo e autônomo para outros...”. Assim, nos anos setenta as pesquisas sobre o fracasso escolar se caracterizaram pela investigação da participação do sistema de ensino nos resultados da aprendizagem, através dos fatores intra-escolares e suas relações de seleção e exclusão social que se desenvolvem na escola (PATTO, 1999). Nesse mesmo contexto de análise crítica sobre o fracasso escolar, a avaliação classificatória é alvo de inúmeros trabalhos desenvolvidos no sentido de problematizá-la. Vasconcellos (1998) diz que a classificação e a seleção se constituem no núcleo da distorçãodo processo ensino-aprendizagem e de sua avaliação, promovendo muitos efeitos: a preocupação da comunidade escolar se volta para o resultado da avaliação, não para o processo de aprendizagem; o exame escolar constitui um fim em si mesmo; a escola não centra seus esforços na intervenção nas dificuldades de aprendizagem, mas se restringe à verificação, fazendo com que a chamada profecia sobre o desempenho dos estudantes em geral se confirme. Estudantes e professores ficam condicionados e focados na nota. Conforme o autor, a lógica da seleção se manifesta desde os primeiros dias de aula, muitos professores evitam dar uma boa nota no primeiro bimestre, com o receio de que o aluno não siga um percurso exitoso e a boa nota inicial pareça uma incoerência. Há quem credite a não reprovação nas classes de alfabetização como o fator responsável pelas reprovações seguintes. Nos conselhos de classe, a discussão é centrada nas notas. A avaliação classificatória está incluída no
  • 6. paradigma de uma educação transmissiva e cumulativa, caracterizada pela preocupação com o cumprimento do programa e dos pré-requisitos para a próxima série. Nesse sentido, a função da escola como promotora de aprendizagens é totalmente pervertida. Vasconcellos (1998), a partir de suas pesquisas, identificou alguns mitos que povoam o debate sobre avaliação, afirmados pelos professores: é o aluno que se reprova; é normal ter alunos fortes, médios e fracos; contingências individuais; múltiplos fatores, devidos à organização do sistema, turmas superlotadas, baixos salários, formação precária. O professor, por estar inserido em uma lógica totalmente naturalizada, nega estar praticando uma ação ideologizada. A responsabilidade não é individual, mas de uma conjuntura fortemente estabelecida. Mas na opinião do autor, a avaliação classificatória é fruto de um sistema mais amplo, no qual a negação da aprendizagem é uma condição para que se perpetue. Ao capital financeiro não importa a escola; ao capital vinculado à produção, importa garantir, contraditoriamente, qualificação de mão-de-obra, sem que os filhos dos operários se equiparem aos filhos do patronato, nem adquiram condições de analisar criticamente o modo de produção, e assim não tenham pretensões de transformá-lo. Essa ausência de criticidade promove um círculo vicioso; fazendo com que as classes populares também não tenham interesse em um ensino efetivo. Mesmo quem vai bem na escola tem um ensino formalista, desligado da cidadania, da criticidade, da politização. Mais uma vez se evidencia o modelo dual, que inicialmente não permitia o acesso do povo à escola. Depois, permitiu o acesso, mas sem permanência, com altos índices de evasão e repetência. Atualmente, o povo vai e permanece, por força da lei, mas sem aprender. A avaliação meritocrática tem sido uma estratégia para que a escola siga sem ensinar e sem se preocupar em encontrar solução para o problema central, que é a não aprendizagem por parte de uma grande parcela. Pesquisas do mesmo autor, entre outros, revelam a arbitrariedade e relativismo da avaliação tradicional no sistema: há diferenciação de critérios entre escolas, entre alunos de turmas diferentes, entre alunos da mesma turma. Outros fatores, tais como docilidade, simpatia, compadecimento, ou ao invés, antipatia, agressividade, pesam bastante na decisão sobre a aprovação ou reprovação de um
  • 7. aluno. Mas o destaque é para a ineficácia da classificação, seleção e reprovação do ponto de vista pedagógico: não produz aprendizagem, que deveria ser o principal objetivo da escola. A partir da década de 1980, se fortalecem as propostas em torno da educação para todos, do respeito à diversidade, da inclusão escolar. Emerge um novocontexto de reformas educacionais, que alteram concepções tradicionais, incorporadas em legislações e normas. No Brasil, em decorrência também dos elevadíssimos índices de fracasso escolar, se revitaliza a disputa de uma nova concepção de avaliação, formativa, emancipatória, regulatória, que tem como objetivo o replanejamento das situações pedagógicas, a partir do diagnóstico do nível de aprendizagem, a fim de aprimorar as estratégias dos docentes, adaptar os currículos e individualizar as intervenções, garantindo a aprendizagem de todos. No entanto, em nível prático, as mudanças são lentas e quase imperceptíveis. Conforme Perrenoud (1999) a ideia de que a avaliação possa ajudar o aluno não é uma ideia nova. Desde que a escola existe, pedagogos defendem que a avaliação esteja a serviço do aluno. Porém, nada se transforma de um dia para o outro no mundo escolar, a força da inércia e do imobilismo do sistema se impõe. A indiferença às diferenças, denunciada por Bordieu (1966), segue com vitalidade. Vasconcellos (1998) também enfatiza que a denúncia da avaliação autoritária já vem sendo feita há tempos; no pensamento pedagógico, a avaliação como diagnóstico, processual sistemática, já não é novidade, há uma vasta elaboração teórica nova sobre a avaliação; porém, a prática pouco tem mudado, tanto a avaliativa como a didático- metodológica, apesar da denúncia. Quais são os fatores que contribuem para a continuidade da hegemonia da avaliação classificatória? Vasconcellos (idem) elenca alguns fatores: a supremacia da lógica meritocrática, que resiste à inovação, pois a associa avaliação formativa com promoção automática; a percepçãoda avaliação classificatória como fator de qualidade de ensino, apoiada no mito da escola de antigamente como modelo de boa escola; a especificidade do magistério em vivenciar, como estudante, determinado modelo educacional que acaba se enraizando em detrimento da formação profissional posterior; a crença de que é a avaliação classificatória que garante a qualidade de ensino; o temor da perda da autoridade do professor e do
  • 8. descomprometimento do aluno; falta de percepção sobre as profundas mudanças históricas que ocorreram, transformando a função da escola. No entanto, cresce a perspectiva de que a avaliação classificatória é um modelo em crise, cada vez mais percebida como estratégia improdutiva e indesejável: não produz aprendizagem, mas acomodação e reprodução. A avaliação formativa, expressa pela progressão continuada, está consolidada em lei (Resolução 007/2010 do Conselho Nacional de Educação) justificada pela necessidade de melhorar as condições da escolarização nos anos iniciais, na etapa de alfabetização. A mesma resolução orienta que a lógica da avaliação formativa seja estendida para todos os anos do ensino fundamental. Na mesma linha de argumentação, Vasconcellos (2005) afirma que a reprovação escolar deve ser superada pelos seguintes motivos: é instrumento de discriminação e seleção social; se constitui em uma séria distorção do sentido da avaliação; do ponto de vista pedagógico, não é a melhor solução; não é justo o aluno pagar por eventuais deficiências do ensino; tem um elevado custo social; toda criança é capaz de aprender. Em consonância com os autores citados, penso que a avaliação formativa, ancorada em uma perspectiva democrática e libertadora da educação, que quer contribuir para a reconstrução de uma sociedade em bases igualitárias e democráticas, necessariamente passa pela construção de um novo projeto educacional e social para o país. Nesse sentido, há que se ampliar e aprofundar a crítica às velhas práticas, refletir criticamente a experiência empreendida pela escola até o momento atual e buscar uma fundamentação teórico-metodológica que dê sustentação a um novo modelo, desconstruindo a lógica classificatória tão profundamente enraizada em nossas experiências. Em nível de sistema percebemos muitas referências a essa nova lógica. O Conselho Nacional de Educação, através das resoluções exaradas pela Câmara de Educação Básica, tem sublinhado o caráter formativo, diagnóstico e regulatório da avaliação, em todas as etapas da educação básica. O Ministério da Educação passou a fazer um uso positivo das avaliações externas, tais como o Sistema de Avaliação da Educação Básica, antes usado apenas para estabelecer o ranking entre estados, municípios, escolas públicas e privadas, e a Provinha Brasil, que
  • 9. constituem o IDEB, usando os resultados para promoção da equidade, destinando mais recursos para quem tem os índices mais desfavoráveis. Muitos sistemas de ensino adotaram a organização curricular por ciclos, na qual há um sistema de progressão continuada ou de restrição da reprovação. Porém, o salto qualitativo se dará pela eliminação da dicotomia aprovação/reprovação e a superação da lógica classificatória em direção a uma nova intencionalidade da educação e, por decorrência, da avaliação: garantir a aprendizagem de qualidade para todos. Assim, todos os esforços devem ser canalizados na reorganização de tempos e espaços escolares, criação de estratégias e mecanismos de apoio à aprendizagem, tais como laboratórios de aprendizagem, reagrupamentos temporários, projetos, adaptação de currículos, docência compartilhada, enfim, novas experiências que possam dar conta da aprendizagem. O grande desafio é fazer da regulação contínua das aprendizagens a lógica prioritária da escola. A avaliação formativa desloca a regulação ao nível das aprendizagens para individualiza-las. As provas escolares tradicionais têm pouca utilidade, pois são concebidas para a classificação do que para o diagnóstico, portanto, deve haver uma ampliação e diversificação dos instrumentos avaliativos. A avaliação deve servir para compreender e trabalhar os erros dos alunos, apontam para o professor o caminho a seguir. O diagnóstico é inútil se não levar a uma ação apropriada. A avaliação formativa é acompanhada de uma intervenção diferenciada. (PERRENOUD, 1999). Para por em curso esse processo de mudança, o papel do professor é fundamental. Qualquer política ou proposta educacional está fadada ao fracasso se não for assumida pelos docentes. Muito embora muitas reformas dependam de ações externas à escola, um dos principais agentes de mudança é o professor. Nesse sentido, nós professores devemos reconhecer o caráter social e político do nosso trabalho, empreendendo ações que fortaleçam uma formação democrática, cidadã e de qualidade social para todos. Vivemos novos tempos em educação, que demandam novas práticas. Ainda que devamos reconhecer os limites, pois como nos diz Perrenoud, “Não há exemplo de mudança significativa que não se tenha ancorado em uma visão bastante realista
  • 10. das restrições e das contradições do sistema educativo.” (1999, P. 11), para inovar a escola temos de superar a inércia e o desperdício da reflexão e darmos curso a um novo paradigma, no cotidiano do nosso trabalho. Como nos ensinou Paulo Freire, o fato de algo ser inédito não significa que seja impossível. Homens e mulheres fazem a história, sempre nova, inédita e viável. Referências SAUL, A. M. Avaliação emancipatória. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2006. BOURDIEU, P; PASSERON, J. C. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975 CRAHAY, M. Podemos lutar contra o insucesso escolar? Lisboa, Instituto Piaget, 1996. PATTO, M. Psicologia e ideologia: uma introdução critica à psicologia escolar. São Paulo: TAQ Editor, 1984. _________. AProdução do Fracasso Escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica - SAEB Extraído do "site" do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP http://www.inep.gov.br/saeb VASCONCELLOS, C. Superação da lógica classificatória e excludente da avaliação: do é proibido reprovar ao é preciso garantir a aprendizagem. São Paulo: Libertad, 1998. __________________. Avaliação: Concepção Dialética Libertadora do Processo de Avaliação Escolar. 15. ed. São Paulo: Libertad, 2005.