Entrevista com o escritor Luiz Ruffato sobre literatura, educação e projeto de supervisão literária
1. CORREIO DO POVO SÁBADO | 15 de março de 2014 ■ 3
caderno de sábado
■ LUIZ GONZAGA LOPES
L
uiz Ruffato é o que pode-
mos chamar de escritor
com o dom de transformar
a realidade ao seu redor.
São vários os fatores que com-
põem a sua trajetória. Filho de
mãe analfabeta e de pai semianal-
fabeto, teve todas as profissões
possíveis, de operário têxtil a tor-
neio mecânico, até que a leitura
de um livro russo, aos 12 anos,
transformou a sua vida. Autor de
“Eles Eram Muitos Cavalos” e da
série “Inferno Provisório”, com
cinco títulos, Ruffato proferiu du-
rante a Feira de Frankfurt, em
outubro passado, o contundente
discurso sobre os paradoxos do
Brasil, desigualdades sociais, vio-
lência, baixo índice de leitura e
perpetuação da ignorância por
ensino precário. Natural de Cata-
guases (MG), este autor quer tam-
bém transformar a realidade dos
escritores à sua volta, criando pro-
jeto de supervisão literária de es-
critores, com trabalho continuado
e individual para que o iniciante
ou não descubra os impasses do
texto e siga até a publicação. Nes-
ta entrevista ao Caderno de Sába-
do, ele fala do projeto, que deve
começar com os autores gaúchos,
do discurso de Frankfurt, do novo
livro, de adaptações ao cinema da
sua obra, entre outros temas.
Caderno de Sábado — Fale-nos
sobre o seu projeto de supervisão
literária para romances.
Luiz Ruffato — Venho, há três
anos, no verão, oferecendo um cur-
so em Porto Alegre, na livraria Pa-
lavraria, que chamo de “Diagnósti-
co de romance”, aprimoramento de
uma técnica que desenvolvo mensal-
mente, há seis anos, na Estação
das Letras, no Rio de Janeiro. Tra-
ta-se de uma discussão sobre difi-
culdades e impasses do escritor du-
rante o processo de escrita. Aconte-
ce que desses encontros nasceu
uma demanda específica, de acom-
panhamento dos desdobramentos
da resolução dos obstáculos. Ou se-
ja, identificado o problema do tex-
to, percebemos a necessidade de su-
pervisionar a construção do livro.
Então, o que estou oferecendo ago-
ra é um trabalho continuado e indi-
vidual: disponibilizo minha expe-
riência como escritor para auxiliar
colegas, iniciantes ou não, na prepa-
ração de um livro de ficção, seja
uma coletânea de contos, seja um
romance, esteja ele em elaboração
ou mesmo em finalização.
CS — Na “Teoria do Roman-
ce”, Lukács diz que “a intenção
fundamental determinante da for-
ma do romance objetiva-se como
psicologia dos heróis romanes-
cos, eles buscam algo”. O que vo-
cê buscará nos romancistas sele-
cionados pelo projeto?
Ruffato — A mim não interessa
julgar os candidatos a partir de um
gosto estético pré-determinado. Em
minhas “terapias em grupo”, seja
em Porto Alegre, no Rio de Janeiro
ou em outras cidades onde ofereci
eventualmente essa técnica, o que
persigo é encontrar, junto com o es-
critor, a forma adequada para ex-
pressar conteúdos. Para mim, lite-
ratura é isto: adequação entre o
quê e o como. Por isso, não importa
que tipo de história o autor deseja
escrever, o meu esforço é no senti-
do de tentar ajudá-lo a encontrar a
maneira correta de fazer isso. O
que procuro no escritor é isto: a
sua voz. O bom escritor é aquele
que, possuindo uma visão de mun-
do particular, consegue falar em no-
me da coletividade. Aquele que,
construindo histórias a partir de ex-
periências individuais, consegue to-
car o outro, que se identifica e se
transforma. Não citarei nomes, pois
seria indelicado da minha parte,
mas adianto que vivemos um dos
períodos mais férteis da história da
literatura brasileira.
CS — Fale-nos sobre a Igreja
do Livro Transformador e o
exemplo pessoal de transforma-
ção pelo livro, pela literatura.
Ruffato — A Igreja do Livro
Transformador nasceu de uma brin-
cadeira. Em todas as cidades aon-
de ia fazer palestras, contava que,
sendo filho de mãe analfabeta e pai
semianalfabeto, fui salvo pela expe-
riência da leitura. Eu só entendi a
precariedade da minha infância,
só percebi as limitações que se im-
punham ao meu futuro quando,
lendo livros, fui tomando consciên-
cia do meu lugar e do meu papel
no mundo. Ao longo das minhas
viagens fui me deparando com
centenas de pessoas que me rela-
tavam a mesma experiência, a de
transformação de suas vidas pela
leitura. Então, resolvi criar a Igre-
ja do Livro Transformador. Que
não é igreja, evidentemente, mas
apenas um espaço virtual onde as
pessoas postam seus depoimentos
em vídeo, narrando qual livro as
transformou e como...
CS — O discurso de Frankfurt
ainda repercute?
Ruffato — No meu discurso apon-
tei problemas que se arrastam des-
de o nosso achamento. Não são ques-
tões de resolução imediata. Tivesse
que escolher um único ponto para, a
partir dele, propor soluções claras
para o Brasil, destacaria a educa-
ção. Parece que há um interesse, em
todos os tempos, na manutenção de
um ensino péssimo, como forma de
perpetuar um exército de mão de
obra barata. Todos os problemas
que hoje grassam no país seriam mi-
nimizados se ofertássemos uma edu-
cação de qualidade. Mas preferimos
patinar na mediocridade...
CS — Qual será o próximo li-
vro e quais obras suas ganham
adaptações ao cinema?
Ruffato — Lanço em maio um
novo romance, “Flores Artificiais”,
e relanço outro, “De Mim Já Nem
Se Lembra”. Todos os meus livros
estão sendo publicados agora pela
Companhia das Letras. Já tinha edi-
tado lá “Estive em Lisboa e Lem-
brei de Você”, em 2009, e no ano
passado saiu a 11ª edição de “Eles
Eram Muitos Cavalos”. No ano que
vem, será relançado o “Inferno Pro-
visório”, não mais em cinco volu-
mes, mas agora em volume único.
Quanto às adaptações para o cine-
ma, acaba de ser rodado, em Portu-
gal, um longa-metragem baseado
em “Estive em Lisboa e Lembrei de
Você”, pelo diretor português José
Barahona. Em outubro começam as
filmagens de outro longa-metragem,
baseado em “O Mundo Inimigo”
(um dos volumes do “Inferno Provi-
sório”), com direção de José Luis
Villamarin e roteiro de George Mou-
ra, a mesma dupla que fez a minis-
série Amores Roubados.
CS — Como você analisa o mo-
mento atual da literatura brasi-
leira e também as questões da
tradução de autores nacionais
para países europeus?
Ruffato — O escritor deve se
preocupar em escrever seus livros.
Todo o resto são acidentes. Adapta-
ções para teatro ou cinema, tradu-
ções, prêmios, isso tudo deve ser ob-
jetivo do mercado editorial e de
seus agentes... E não há receita pa-
ra o sucesso. Fosse assim, teríamos
milhares de Paulos Coelhos ou cen-
tenas de Gracilianos Ramos... Se
fossem aplicar com rigor os precei-
tos ideais do que o mercado estran-
geiro deseja de um autor brasileiro,
eu não teria nenhum título traduzi-
do... No entanto, tenho livros publi-
cados em Portugal, Argentina, Méxi-
co, Colômbia, Cuba, Finlândia... Na
França, além da edição standard,
meus livros estão em edição de bol-
so e são adotados em liceus... Na
Itália, tive livro que vendeu uma edi-
ção em um mês... Na Alemanha
meus livros alcançaram três edi-
ções em um ano... Nos Estados Uni-
dos serei publicado este ano pela
AmazonCrossing, braço editorial
da Amazon.com... Tenho mais de
10 convites anuais para participar
de festivais e feiras do livro no exte-
rior... Minha literatura contraria
todas as fórmulas do que os agen-
tes dizem que o mercado estrangei-
ro deseja...
CS — Como você avalia a polí-
tica do Ministério da Cultura pa-
ra o livro e a leitura?
Ruffato — Há um esforço sério
no sentido de abastecer as bibliote-
cas escolares com títulos os mais di-
versos. As compras são transparen-
tes, e um número bastante expressi-
vo de especialistas é consultado. Pa-
ra mim, a questão é de outra natu-
reza. É importante que os livros es-
tejam presentes nas estantes das es-
colas — e têm estado. Mas é impor-
tante também que os estudantes te-
nham uma educação de qualidade
que os incentive a buscar esses li-
vros — e isso não está acontecen-
do... Os livros estão disponíveis,
mas os alunos não têm interesse
em lê-los... Precisamos, além do
acesso, despertar o desejo da leitu-
ra... Mas isso só adviria de uma
educação de qualidade, o que, infe-
lizmente, não existe...
CS — Sobre os autores gaú-
chos. Você tem lido ou trocado
ideias com algum?
Ruffato — O RS sempre foi um
dos grandes celeiros da literatura
brasileira. Durante boa parte do sé-
culo XX, fomentado pela Livraria e
Editora Globo, houve aqui um nú-
mero considerável de autores de ex-
pressão nacional, e cito, apenas no
âmbito da prosa de ficção, J.
Simões Lopes Neto, ainda no sécu-
lo XIX, os fundamentais Dyonélio
Machado e Erico Verissimo, na pri-
meira metade do século XX, e
Moacyr Scliar, Tabajara Ruas, Luiz
Antonio Assis Brasil, Sergio Fara-
co, Caio Fernando Abreu e Luis
Fernando Verissimo, na segunda
metade, entre muitíssimos outros.
No século XXI, alimentados pelas
oficinas literárias, os gaúchos vêm
dominando o cenário nacional: Al-
tair Martins, Cíntia Moscovich,
Amílcar Bettega Barbosa, Luís Au-
gusto Fischer, Paulo Scott, Michel
Laub, Manoela Sawitski, Daniel Ga-
lera, Daniel Pellizzari, Carol Bensi-
mon, Monique Reveillion, Ana Ma-
riano, Luisa Geissler, Helena Ter-
ra... Para se ter uma ideia, fui convi-
dado a organizar uma antologia pa-
ra a Éditions Métailié, a ser publica-
da na França em 2015, e, dos 25 au-
tores que escolhi, seis são gaúchos
– o maior número dentre todos.
■ O Ecarta Musical reinicia ati-
vidades hoje, 18h, na Funda-
ção Ecarta (João Pessoa, 943),
com show da soprano Elisa
Machado e do acordeonista
Matheus Kleber. Eles exploram
a liberdade que a música de
câmara permite em suas inter-
pretações e mesclam o canto
lírico com um instrumento que,
no Brasil, é utilizado em mani-
festações artísticas populares.
A dobradinha desmistificar pos-
síveis entendimentos de que os
estilos são incompatíveis e
aproxima diferentes públicos à
música erudita. O programa é
composto por canções brasilei-
ras e francesas do século XX,
homenageando compositores
como Heitor Villa-Lobos, Cláu-
dio Santoro, Alberto Costa, Tom
Jobim, Gabriel Faurè, Jules
Massenet e Francis Poulenc.
■ Após apresentação na Capi-
tal o Jota Quest fecha o Cir-
cuito Verão Sesc de Esportes,
hoje, às 21h, com show ao ar
livre na Praça da Sociedade
Amigos da Praia de Torres,
em Torres. O repertório do
grupo mineiro contará com
canções do novo álbum
“Funky Funky Boom Boom”,
além de clássicas como “Na
Moral” e “Só Hoje”. O rock
clássico em diversas verten-
tes será a tônica do Graffiti
Bar (João Alfredo, 496), hoje,
às 22h, na Capital. Entre som
autoral e eclético e covers as
bandas Eletroacordes, Des-
troyers e Big Zen Voodoo
apresentam seus repertórios
em show curtos, com sorteio
de CDs, camisetas e livros.
Ingressos no local.
■ A Casa de Cultura Mario
Quintana (Andradas, 736) se-
dia hoje, às 16h, na Sala C2, o
2º Pandeiraço Popular – En-
contro Municipal de Pandei-
ros, que prestará homenagem
ao músico Giba Giba, falecido
na Capital em 3 de fevereiro
último, e que participou da
primeira edição do evento. A
coordenação é de Zé do Pan-
deiro e a realização do Festi-
val de Percussão de Porto Ale-
gre (PercPoA) e do Clube do
Pandeiro da Capital.
Às 19h, no Auditorium Tasso
Corrêa do Instituto de Artes
da Ufrgs (Senhor dos Passos,
248), será realizado o recital
do violonista e professor in-
glês Stanley Yates.
No programa da noite, esta-
rão as músicas de composito-
res como Antonio Vivaldi,
Fernando Sor, John Dowland,
Ernesto Cordero e Ferdinan-
do Carulli.
O erudito e
o popular
Rock’n’roll para
fechar o verão
O violonista e
o pandeiraço
“
‘Procuronoescritorasuavoz’ADRIANA VICHY / DIVULGAÇÃO / CP
O bom escritor é aquele
que, possuindo uma visão
de mundo particular,
consegue falar em nome
da coletividade.
Ruffato lança em maio um novo romance: ‘Flores Artificiais’
Em entrevista,
Luiz Ruffato fala
sobre supervisão
a autores, novo
livro e Frankfurt
LITERATURA