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CURSO: DIREITO DISCIPLINA: HISTÓRIA DO DIREITO
APOSTILA DE HISTÓRIA DO DIREITO
DIREITO ROMANO
AVISO
O texto que segue é de cunho DIDÁTICO, sendo instrumento de apoio ao conteúdo e às
atividades realizadas em sala de aula. Em paralelo a este material didático, o aluno deve ler os
seguintes textos, disponibilizados na pasta de História do Direito:
- LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na história. São Paulo: Atlas, 2008, p. 28-47;
- JUSTINIANO I, Imperador do Oriente. Digesto de Justiniano, liber primus: introdução
ao direito romano. 3. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1999, p. 2343; e p. 57-65.
Proposta de diversão:
- Filmes: O gladiador, Ben-hur, Spartacus, A legião perdida, Alexandria. - Série de TV:
Roma.
- Livros: Júlio César (Shakespeare); Médico de Almas (Taylor Caldwell).
Introdução
O sistema jurídico romano é a origem dos sistemas jurídicos que fazem parte da família de
Civil Law. O direito romano tornou-se referência na história devido a sua forte estrutura lógica e
à constante aderência à realidade social.
Reconstruir a complexidade do sistema jurídico romano não é algo fácil, porque ele não
pode ser resumido à apenas uma realidade jurídica devido ao longo período de existência de
Roma como reino, república e império.
Cabe esclarecer que estudaremos nesta apostila de direito romano a história do direito
romano referente ao Império Romano do Ocidente (753 a.C. à 476 d.C.). A história do direito do
Império Romano do Oriente será abordada apenas no que se refere ao Imperador Justiniano e ao
Corpus Iuris Civilis.
O direito é chamado pelos romanos de ius. Tem-se a partir dele o ius publicum (direito
público) e o ius privatum (direito privado). O nome ius é derivado da palavra iustitia (justiça: arte
do bom e do equo) e gera outras palavras como iurisprudentes e iurisconsultus (juristas),
iurisprudentia (atividade dos juristas, pareceres, doutrina).
DIVISÃO POLÍTICO-TEMPORAL
Para melhor compreendermos o desenvolvimento da história de Roma e do Direito
romano, cabe evidenciar que o direito romano passou por modificações e adaptações no tempo.
Indico aqui três grandes divisões político-temporais que influenciaram o direito romano.
1) Reino/REALEZA: 753 ao 509 a.C.
2) República: 509 ao 27 a.C.
3) Império: 27 a.C. ao 476 d.C.
- Principado: 27 a.C. ao 285 d.C.
- Dominatio (monarquia absoluta): 285 d.C. ao 476 d.C.(queda do Império romano
do ocidente).
REINO
Varro (varrão) gramático e historiador romano atribui a fundação de Roma ao que seria
equivalente no calendário cristão ao ano 753 a.C.
Roma foi fundada no Latio, região da península itálica. Ver mapa da península itálica
durante o VIII a.C., abaixo.
A cidade de Roma é fundada de acordo com a vontade dos deuses (arte augural: colher e
interpretar os sinais por meio dos quais se manifestava a vontade divina, religião não revelada) e
por isso ocorreu dentro da concepção de Espaço (Palatino) e Tempo (753 a.C.), seguindo o ritual
etrusco de fundação da cidade: Mundus e Pomerium. Roma como civitas: cidade com cultura
própria, autônoma jurídica e politicamente.
Muitas são as dificuldades de conhecimento relativas à origem de Roma:
– Poucas fontes epigráficas (pedras, metais ou construções com escrita proveniente
daquele período);
– As fontes arqueológicas confirmam os principais dados da história contada pelos
romanos;
– Poucas fontes literárias que tratem do período mais antigo (séc. VIII-V a.C.).
ORIGEM E FORMAÇÃO DE ROMA
Roma é originária de diferentes populações. As fontes literárias atestam que Roma foi
composta inicialmente por população proveniente do Latio (cidades sabinas e albanas), e a
doutrina afirmam que ela também foi composta por população proveniente da Etrúria.
A origem latinade Roma éevidenciada pelos laços étnicos-culturais que a cidade mantinha
com as demais cidades daquela região. A presença etrusca éevidenciada na forma de organização
política e territorial da cidade, bem como em alguns de seus ritos.
A miscigenação das populações resultou numa cidade cultural e politicamente aberta às
pessoas vindas de outras comunidades: ver lenda do asilo do Capitólio.
As cidades do Latio tinham uma comunidade cultural que permitia o deslocamento dos
seus membros com a inclusão sócio-política através do domicílio. A primeira forma de cidadania
romana baseava-se no domicílio e na submissão da pessoa às normas romanas. O ponto de união
não era a raça, mas a cultura.
Os latinos cultuavam os mesmos deuses, realizavamos mesmos rituais, falavam o mesmo
idioma. Cabe evidenciar que idioma e religião são elementos culturais muito fortes e que
proporcionam a coesão social. Júpiter era a divindade central, garantidora da ordem e da justiça,
cultuada em todo o Latio.
A religião e aatividade sacerdotal tinham um forte papel jurídico, político e social.A classe
sacerdotal era composta principalmente por homens alfabetizados e que desempenhavam o
papel de primeiros juristas. Colégio das vestais: mulheres virgens escolhidas em tenra idade nas
famílias aristocráticas e instruídas para a atividade sacerdotal desde a infância.
A LENDA DA ORIGEM DE ROMA
A antropologia ensina que todo o mito contém um núcleo de “verdade”, ou seja, contém
uma mensagem a ser repassada ao ouvinte. Os mitos romanos refletem a cultura e a concepção
que os romanos tinham de si próprios e de sua história. Tratar da história do direito romano
implica colocar a visão dos romanos como ponto central. Para entendermos os romanos, temos
que ver o mundo por meio da cultura romana.
Repasso aqui alguns pontos do mito da fundação de Roma:
- Alba Lunga: Numitore deposto por Amúlio; Rea Sílvia e Marte: nascimento de
Rômulo e Remo;
- Exposição dos gêmeos no Rio Tibre: o mito da loba;
- Fundação de Roma: morte de Remo;
- A importância das mulheres: o “Rapto das sabinas”.
CARACTERÍSTICAS AS SOCIEDADE ROMANA DO VIII-VI A.C.
- família: base da sociedade;
- conjunto de famílias: normas de origem privada entre famílias;
- sociedade agrária e pastorícia;
- pouco comércio;
- poucos escravos;
- força de trabalho constituída em maioria por pessoas livres;
- terras públicas com posse cedida aos patrícios em base à capacidade de cultivo;
- direito baseado nos costumes, impostos pelas classes;
-dentro da cidade não se leva armas, cidade como lugar de convivência pacífica e
organizada.
- cidade dividida em três tribos: Ramnes, Tities e Luceres
Órgãos políticos:
- chefe (rex);
- um conselho de nobres - anciãos (senatus);
- uma assembleia: comício das cúrias (comitia curiata).
SOCIEDADE E DIREITO DE FAMÍLIA
Tratar da origem de Roma é tratar da origem de uma sociedade. A sociedade nasce das
relações entre as pessoas e tem como base a família. Após a consolidação das famílias e de suas
regras emdeterminado território, tem-se início às relações entre as famílias econsequentemente
às regras sociais inter familiares.
A família pode ser entendida em dois sentidos:
- família sentido estrito (pai, mãe, escravos e bens).
- família sentido amplo: gens (conjunto de famílias em sentido estrito,
interligadas por um ascendente masculino em comum já morto).
Família em sentido estrito é um grupo de pessoas livres submissas à potestas (poder) de
um pai de família, ou seja, o ascendente masculino vivo, inclui também a propriedade. A
organização é patriarcal. A família romana em sentido estrito é um evento de breve duração e
existe enquanto viver o pater familias.
Quando morre o pai de família, os seus descendentes diretos (filhos) tornam-se pessoas
com plenas capacidades jurídicas e pater familias. A família se divide em tantas outras famílias,
que fazem parte da gens.
Adgnatio: vínculo de parentesco que une os diferentes membros da gens (família em
sentido amplo).
O objetivo da família é a ordem e defesa de seus membros. A família é um organismo
político e é base da organização social. Pertença somente à família paterna – patriarcal.
PATRIA POTESTAS
A patria potestas é o domínio existente por parte do pai de família em relação aos demais
membros da família, poder símile àquele existente sobre as coisas. O pater decide sobre a vida e
a morte assimcomo pode impor ou vetar qualquer relação jurídica aos seus descendentes em
âmbito de direito privado (situação aliviada tramite pecúlio). Este poder inicialmente “absoluto”
no âmbito do direito privado, sobre os descendentes sempre foi muito atenuado pelo costume.
A patria potestas subdividia-se em três distintos poderes:
- poder diante dos filhos após a legitimatio ou após a
adoção, - manus diante das mulheres que entravam na
família, - dominica potestas em relação aos escravos.
A família romana encontra na patria potestas (poder do pater familias) o vínculo entre os
seus indivíduos e consequentemente a sua existência. É a potestas que define o grupo familiar.
Em direito público o filho de família é cidadão romano, e em razão de sexo e de idade, é
igualado ao pai e pode participar das assembleias e assumir magistraturas.
A potestas do pai de família nega aos seus descendentes toda a capacidade de possuir e
adquirir, igualando de certa forma os filhos aos escravos, na uniforme submissão ao pater
familias.
Os descendentes se distinguem dos escravos pela sua condição de homem livre e de
cidadão, tornando transitória a submissão doméstica.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
A) REX
Monarquia eletiva. Os reis eramescolhidos pelo senado e pela população. Numa Pompílio
foi aclamado rei pelo povo. Ele veio de outra cidade (comunhão cultural, cidadania baseada no
domicílio).
Os sete reis de Roma
- Rômulo (753-716 a.C.);
- Numa Pompílio (716-672 a.C.);
- Tulo Hostílio (672-640 a.C.);
- Anco Marcio (640-616 a.C.);
- Tarquínio Prisco (616-578 a.C.);
- Sérvio Túlio (578-534 a.C.);
- Tarquínio, o Soberbo (534-509 a.C.).
Competências do rei:
- propor leis à assembleia das cúrias ou das centúrias;
- guiar o exército;
- administrar a vida da comunidade;
- mediação entre homens e deuses (sacerdote);
- juiz.
B) SENADO
Senado: grupo de homens descendentes dos fundadores de Roma (patrícios). Senatus –
Senex. Durante a república este grupo será composto também por homens provenientes da
plebe.
Competências do senado:
- ratificação das deliberações das assembleias (auctoritas);
- interregnum: quando o rei morre é o senado, através de seus membros, que exerce
as competências régias; - consilium, conselho do rei.
C) ASSEMBLEIA DAS CÚRIAS
Assembleia das cúrias: mais antiga assembleia do povo, composta por 30 cúrias, divididas
em três tribos (Ramnes, Tities e Luceres/ 10 cúrias por tribo).
Competências da assembleia das cúrias:
- votar as leis propostas pelo rei;
- votar a guerra e a paz
- votar a adrogatio: permissão de adoção de um pater familias por outro (e
consequentemente de toda a família desse).
- aprovar a nomeação do rei;
- conceder ao novo rei o poder supremo (lex curiata de imperio);
Aspecto militar da assembleia das cúrias:
- Cada cúria oferecia uma centúria, ou seja, cem soldados de infantaria e dez
cavaleiros;
- Cadatribo tinha 10 cúrias,ou seja,cadatribo oferecia mil homens e cemcavaleiros;
- Resultado: o exército da cidade era composto por três mil soldados de infantaria e
trezentos cavaleiros.
- Neste período, a população total da cidade era de aproximadamente vinte mil
pessoas (16,5% alistada no exército).
- Honra em defender a cidade, cada um pagava as despesas para se armar.
DINASTIA TARQUÍNIA (616-509), ORIGEM ETRUSCA
A dinastia Tarquínia é composta pelos três últimos reis de Roma.
- Tarquínio Prisco (616-578 a.C.);
- Sérvio Túlio (578-534 a.C.);
- Tarquínio, o Soberbo (534-509 a.C.).
Eles sãode cultura etrusca e geramconsideráveis mudanças na sociedade romana. O papel
desempenhado pelo rei em sociedade passa a ser envolvido em simbolismo, é afastado da
população e é visto como uma tirania.
Durante a Dinastia Tarquínia, Roma passa por uma forte mudança político-social. O
sistema de produção não se limita mais àquele familiar, para uso doméstico. Reforça-se o
comércio e ocorre o crescimento populacional. O poder dos patrícios diminui e a plebe passa a
querer romper com hegemonia patrícia e o sistema de clientela (estabelecido entre plebe e
patríciado nas relações de produção).
Principal contribuição da dinastia Tarquínia:
– criação do censo (controle periódico da riqueza da população). Sérvio Túlio divide a
cidadania romana em base a riqueza: cinco classes votantes de acordo com a renda; a
renda influencia também na organização do exército.
– criação do Comício das centúrias (Sérvio Túlio: 587-534 a.C.)
1. caráter político e militar, que substituiu paulatinamente o comício das cúrias; 2.
composição em base à 193 centúrias (organização militar, que passa a ser unidade
votante)
3. com estrutura que dava mais poder aos que tinham mais dinheiro, em base ao
censo;
4. maior força política para o exército;
- ampliação do número de senadores: de 100 passa a ser 150.
- Senado perde a competência de ser conselho do rei.
- Rei sobrepõe-se fortemente aos demais órgãos de poder.
Se antes as cúrias forneciam centúrias, agora patrícios de um lado (cavalaria) e plebe de
outro (infantaria) vão se organizar em grupos diferentes que representam as centúrias. A
distribuição das unidades votantes não ocorre mais em base à gens e território (cúrias), mas em
base econômica.
Os patrícios enquanto classes censitárias mais altas vão ter maior representatividade.
Roma chega a ter 193 centúrias, mas estas não são chamadas cada ano para a guerra. Apenas 36
centúrias são chamadas por ano, o restante fica na reserva, ou seja, pode vir a ser chamado.
Na assembleia das centúrias, os cidadãos vão armados para comprovar de qual classe
fazem parte e a votação é feita fora dos muros da cidade de Roma, no Campo de Marte.
Competência do comício das centúrias
- eleição do rei
- votação das leis;
- decisão da guerra e da paz;
- processos políticos nos quais se decidia sobre a vida dos cidadãos.
Durante a dinastia tarquínia (etrusca) ocorrem as condições que levam à formação do
sistema republicano, devido ao distanciamento do rei em relação à população e a acentuação da
diferença de tratamento entre pobres e ricos, patrícios e plebeus.
O rei tornou-se um tirano (aquele que governa apenas para si),fato que levou à aprovação
no comício das centúrias da expulsão de Tarquínio, o Soberbo. O rei e asuafamíliaforam expulsos
entre os anos de 510 e 509 a.C.
Durante o reino desenvolve-se a jurisprudência pontifical: atividade jurídica exclusiva dos
sacerdotes. O colégio que desenvolveu a jurisprudência para o direito interno (civil) foi o colégio
dos pontífices (compilação/guarda do costume e do direito).
Ius civile Papirianum: leis emanadas pelos reis de Roma e compiladas por Sesto Papirio
para os pontífices durante o período real. A sistemática/organização na compilação das normas
era desenvolvida pelos sacerdotes romanos desde Numa Pompílio e reflete-se na Lei das XII
tábuas em base ao objeto a ser tutelado.
FONTES DE DIREITO NO PERÍODO DO REINO
O primeiro sistema jurídico romano é o ius quiritium (VIII-V), que regula prioritariamente
as relações entre as famílias, e pouco regula as relações dentro das famílias. O objetivo do
direito era assegurar a pacífica convivência entre as famílias na civitas. O ius quiritium é baseado
nas seguintes fontes:
- lei;
- costumes e mores maiorum;
- foedera (acordos entre os povos);
- jurisprudência pontifical/ interpretatio dos pontífices
O colégio dos pontífices era um colégio sacerdotal considerado o guardião do direito
romano e mantinha o testemunho escrito de leis e costumes romanos. Os pontífices são os
primeiros juristas romanos.
INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO PESSOA
No direito romano todo o ser humano é pessoa, ou seja, o escravo, a mulher, a criança,
o estrangeiroeocidadãotêmum papeljurídico. A origemda palavra pessoa, remonta à máscara
de teatro grego e transmite a concepção de “papel do ser humano no teatro do direito”.
No âmbito jurídico, a palavra pessoa implica originalmente a concepção do papel
(máscara) do homem no teatro do direito. O papel do homem no teatro do direito é variável de
acordo com a situação jurídica da pessoa (status personae) e implica o seu enquadramento a
partir de três ângulos diversos: o status libertatis, o status familiae, e o status civitatis.
- Status libertatis (situação jurídica da liberdade):
Dentro deste status o homem pode ser considerado como
- livre:
- ingênuo (nascido livre)
- liberto (nasce escravo, mas torna-se livre).
- escravo (servo).
O escravo é pessoa por ser humano, mas também é entendido como propriedade devido
ao seu status libertatis. O escravo que pertencesse a um romano e obtivesse a manumissão
(alforria), tornava-se não apenas livre, mas também cidadão romano.
- Status familiae:
- Pater familias;
- Filius familiae
- Status civitatis:
O status civitatis implica caracterizar o homem como cidadão, latino ou
peregrino/estrangeiro. Nestas situações parte-se sempre da concepção de homem livre.
O cidadão romano (civis) é entendido como parte do povo romano, unido a seus pares
pelo mesmo ius, gozando de certos direitos e incumbidos de certos deveres.
O status de latino apresenta peculiaridades que o colocam de forma intermediária entre
o cidadão e o peregrino, dispondo de prerrogativas não estendidas como a eleição de homens
latinos como reis romanos e a possibilidade de voto nas assembleias romanas, uma vez fixado o
domicílio em Roma. Trata-se quase de uma cidadania romana em potencial suscitando o debate
na doutrina sobre os latinos seremou não entendidos como estrangeiros, no sentido de estranhos
ou externos à cultura romana.
O peregrino equivale ao conceito hodierno de estrangeiro, tendo direitos e deveres
reduzidos em relação ao cidadão romano.
A tutela jurídica à pessoa inicia com a concepção. Embora o aborto não fosse proibido
legalmente, era repudiado moralmente pela sociedade. Na Roma antiga já havia a previsão de
alimentos gravídicos (alimentos prestados à criança durante a gravidez para o seu pleno
desenvolvimento), pois reconhecia-se a diferença entre a mãe e o bebê.
DIREITO PENAL ROMANO ARCAICO
A relação entre direito e religião expande-se por todos os aspectos do sistema jurídico
romano, ao ponto de ser chamado de sistema jurídico-religioso. O direito romano não é laico,
mas permeado de religiosidade.O ius (direito) é baseadoprincipalmente nos costumes, herdados
e construídos, dentro de Roma e nas leges regiae.
O direito penal também era muito influenciado por fatores religiosos. O crime ou delito
era considerado uma ofensa à divindade ou aos deuses em geral. Os deuses deveriam ser
acalmados, através de rituais e sacrifícios, para não se voltarem contra toda a comunidade.
Ao rei cabia estabelecer quais eramos delitos que ofendiam aos deuses e como acalmar a
ira divina. Geralmente o rei aplicava normas jurídico-religiosas consuetudinárias, limitando-se a
interpretá-las ou especificá-las, mas ele tambémpodia propor leis emassembleia (leis régias/ leis
do período real). As leis régias não nos chegaram integralmente, mas apenas através de citações
dos analistas, historiadores e eruditos posteriores.
Cito como exemplo algumas leis régias do período de Rômulo:
-o patrono e o cliente culpados por terem violado os seus deveres recíprocos seriam
consagrados à deusa Dite e poderiam ser mortos por qualquer um; -a mulher grávida
condenada à morte, seria executada apenas após o parto;
-o marido não podia vender a mulher, sob pena de ser oferecido aos deuses.
O sistema criminal no período arcaico é objetivo, não interessando, portanto, a intenção
do autor, mas apenas o ato cometido. O direito romano classificacomo crime aquele de natureza
publica, enquanto o delito é classificado como de natureza privada. Do período régio,
conhecemos apenas dois crimes (natureza pública): o perduellium e o parricidium.
- O perduellium seria a alta traição à cidade. Nesta definição eram enquadrados
essencialmente: a relutância ao serviço militar, a deserção (militar), a passagem ao
grupo inimigo em tempo de guerra ou qualquer tipo de atentado à ordem política
constituída.
- O parricidium ainda não é um crime bem delineado pelos estudiosos em direito
romano. As hipóteses mais prováveis estão no homicídio do próprio pai (pater), de
um outro paterfamilias (pai de família) ou de um senador (também chamado de
pater). A pena prevista para o parricidium era colocar o condenado dentro de um saco
com um animal, um galo ou uma serpente, e o lançar em água corrente (Rio Tibre).
Os crimes romanos, por serem de caráter público, eram considerados também uma ofensa
aos deuses. Nesse caso, se o crime não fosse expiado por meio de rituais e sacrifícios, os deuses
se vingariamdo autor do crime e de toda a comunidade. Por isso a sanção proposta ao crime não
é apenas uma sanção jurídica, mas é também uma sanção religiosa.
A concepção jurídico-religiosa era a seguinte: “tu deves te comportar de determinada
maneira, porque os deuses querem que seja assim. Se tu não te comportares assimos deuses se
vingaramde ti e de todos nós (membros do grupo)”. O “nós”implica emresponsabilidade coletiva
que obriga a família,gens e toda acomunidade a intervir, aplicando a responsabilidade individual,
e punir o transgressor para que a punição ou vingança dos deuses não recaia sobre todo o grupo.
REPÚBLICA: 509 – 27 a.C.
Em 509 ocorre a expulsão da dinastia Tarquínia e a formação da República em Roma. Com
a República modifica-se a forma de governo em Roma, deixando de lado os reis e instituindo dois
cônsules (magistrados = ocupantes de cargos públicos), eleitos anualmente, que passam a
governar a cidade.
Durante a República ocorre uma forte expansão romana (zona de dominação ou
influência) por meio de guerras e conquistas. Roma não impunha o seu direito, permitindo que
as comunidades anexadas e aliadas continuassema viver de acordo com o próprio direito.
CONSULADO
A República é o contrário da realeza, porque dispõe de dois magistrados (cônsules) eleitos
anualmente que governam a cidade em colegiado, um limitando o poder do outro, visando evitar
atirania. Os magistrados maiores (cônsul,pretor ecensor) eram eleitos por meio de leino comício
das centúrias e eram os únicos que podiam convocá-lo.
Os cônsules não respondiam pelos seus atos durante o período do cargo e tinham como
poderes: imperium e potestas.
Imperium: poder de exigir de cada cidadão a obediência, a supremacia que encontra o seu limite
apenas nos direitos essenciais do cidadão ou nas garantias dadas pela lei. Implica: -coercitio:
faculdade de prender e de punir o cidadão culpado; -iurisdictio: administrar a justiçanas questões
privadas.
-imperium militiae: comando do exército;
-imperium domi: poder de polícia no território da cidade;
-ius agendi cum populo et cum patribus: poder de convocar reuniões dos comícios e do
senado.
POTESTAS
Potestas: faculdade de expressar com a própria vontade aquela da comunidade, criando
direitos e obrigações (origem no poder do pater familias).
Os dois cônsules tinham poderes iguais e podiam exercitá-los salvo voto do outro. Na
prática, porém, eles acabaram dividindo as competências, cada um mantinha atividades
diferentes em base a um acordo.
O consulado é em origem reservado apenas aos patrícios, mas em 367 a.C. houve uma
grande revolta por parte da plebe, que conseguiu a sua participação na magistratura. Observou-
seentão que a partir dessadata os plebeus e patrícios passaramaocupar o consulado, cada grupo
representado por um cônsul.
SECESSÃO DA PLEBE
Em 494-3 a.C. houve a primeira secessão da plebe, que retira-se da cidade e se estabelece
no Monte Sacro. Roma estava em meio à guerra latina (guerra de sobreposição dos romanos
sobre as demais cidades do Latio) e os patrícios tinham medo de perder a guerra, então foram
procurar pelos plebeus. Estabeleceram um acordo em que a plebe teria:
- um concilium plebis (assembleia composta apenas por membros da plebe, sem a
presença de patrícios);
- dois tribunos da plebe (eleitos na assembleia da plebe);
- plebiscitos (plebis scitum), ou seja, deliberações de normas válidas apenas para a plebe.
Em 287 a.C. através da Lex Hortensia o plebiscito (deliberação da plebe) passou a valer
para todo o povo romano.
TRIBUNO DA PLEBE
O tribuno da plebe não é um magistrado, por não desempenhar um cargo público (para
todo o povo). O tribuno desenvolve um cargo relativo apenas à plebe e pode ser entendido como
um representante da plebe junto às assembleias públicas, ao senado e aos cônsules.
Os poderes do tribuno da plebe são:
- Ius agendi cum plebe: convocação da assembleia da plebe;
- Ius coercitionis: poder exercitável diante de todos os cidadãos, consiste no poder de: -
multar;
- prender revoltosos;
- conduzir coativamente imputados de reatos de caráter político diante dos tribunais
populares;
- matar semo devido processo legal os inimigos do povo.
- direito de veto diante das propostas dos magistrados que fossemcontrárias ao interesse
do povo. Os tribunos tornaram-se órgão de proteção dos interesses plebeus contra os
abusos dos magistrados. Neste sentido, podemos dizer que ele tem um poder negativo,
de veto/proibição.
Os tribunos eram eleitos naassembleiadaplebe e nessaera votada também os plebiscitos.
Os magistrados eram eleitos no comício das centúrias.
Dictator, o ditador era um cargo de magistratura extraordinária, ou seja, não de uso
frequente que durava até seis meses em caso de guerra. Nesta situação, havia a suspensão das
magistraturas ordinárias e concentração de todos os poderes nas mãos do ditador, dando maior
rapidez e autoridade às decisões. O objetivo da ditadura é a sobrevivência de Roma nos
momentos de crise.
LEI DAS XII TÁBUAS
Após a queda da monarquia, Roma passou por um período de instabilidade política e
jurídica. Haviaa necessidadede consolidar arepública e buscava-sesegurançajurídica, as normas
emanadas durante a monarquia estavam em decadência e não supriam mais as necessidades
sociais. A plebe queria novas normas e mais direitos, como por exemplo, a permissão de
casamento entre patrícios e plebeus.
Por conta de tal fato, em 451 a.C. as magistraturas foram suspensas e o poder foi
conferido a dois colégios sucessivos de dez homens (decemviros) para organizarem o direito,
escrevendo as normas públicas e privadas que regiam a sociedade romana. Esses homens eram
os decemviros e receberam a função de governar Roma com poderes plenos (como ditadores)
durante um ano, enquanto redigiam as leis.
Por conta de tais fatos, em 451 a.C. os decemviros publicaram X tábuas com dispositivos
normativos que regulavam a vida social. As X tábuas, porém, não abarcavam ainda a totalidade
das normas necessárias para a convivência social, deixando a positivação do direito de forma
lacunosa. Por essa lacunosidade resolve-se manter o colégio dos decemviros mais um ano com o
objetivo de colocar por escrito mais normas. Fez-se assim em 450 a.C. duas novas tábuas,
resultando na Lei das XII tábuas.
A Lei das XII tábuas foi colocada por escrito em tábuas de bronze e expostas em praça
pública, no foro romano, para que todos tivessemacesso ao texto da lei (desconsiderando o forte
analfabetismo da época). A Lei das XII tábuas trata de temas de direito público e de direito
privado, pouco inovando e pouco atendendo as expectativas da plebe. Conforme os romanos, a
Lei das XII tábuas teria apenas colocado por escrito os costumes da época, consolidando o poder
patrício.
A organização do texto foi feita de acordo com o objeto tutelado, alternando entre temas
públicos e privados.
Mesmo com a publicação da lei das XII tábuas os decemviros queriam ficar no poder de
forma extraordinária, mas graças aodespotismo na pretensão de obtenção de uma jovem romana
como escrava (Virgínia) fez-se uma revolução em Roma, tirando este poder dos decemviros e
recolocando as magistraturas ordinárias (consulado e outros).
A lei das XII tábuas ficou exposta no foro romano até o ano de 390 a.C., ano em que foi
destruída no saque de Roma pelos gálios. Mesmo com a destruição das tábuas, continuou-se a
conhecer o texto da lei pelo arquivamento de cópias junto ao senado e ao colégio dos pontífices
e pelo conhecimento difuso das normas pela população. Cícero afirmou que a lei das XII tábuas
era ensinada às crianças nas escolas, emforma de versos.
É a partir da lei das XII tábuas que se desenvolve fortemente o ius civile, por meio de
debate na jurisprudência pontifical. A jurisprudência sacerdotal já existia antes da Lei das XII
tábuas, mas tornou-se ainda mais evidente e forte após a dita lei.
PRAETOR
Em 367 a.C.cria-seafigura do pretor urbano (praetor), enquanto magistrado. Inicialmente
o cônsul administrava a justiça, mas com as constantes guerras em que Roma se meteu, os
cônsules passaram a estar pouco tempo dentro da cidade e consequentemente tinham
dificuldades em administrá-la. O pretor recebe então a função de administrar a justiça, e na falta
dos cônsules ele administra a cidade.
O pretor é magistrado menor em relação à dos cônsules, possuindo imperium e potestas
“minor”, mas com limite de atuação. Tem iurisdictio e ius agendi cum populo. Por este motivo, na
ausência dos cônsules em Roma cabia ao pretor administrar a cidade.
O pretor era eleito pelo comício das centúrias e no ato da sua nomeação ele proclamava
da tribuna o edito pretório (decreto no qual anunciava as linhas diretivas em base às quais ele
administraria a justiça no exercício do cargo). Inicialmente o edito do pretor não o vinculava
efetivamente no exercício de suas atividades, mas com o passar do tempo, o edito passou a
vincular as atividades do pretor principalmente no que era concernente às lacunas do sistema
jurídico, tornando-se fonte do direito romano.
O pretor urbano recebia litígios que envolviam tanto romanos, quanto estrangeiros. O
crescente número de processos que envolviam estrangeiros gerou a necessidade de criação de
uma magistratura específica para administrar os litígios que os envolvessem. Em 242 a.C. criouse
então o cargo de pretor peregrino.
A partir de então, cabia ao pretor urbano administrar a justiça entre os cidadãos romanos,
aplicando o ius civile e o ius honorarium (conjunto de normas jurídicas originadas da consolidação
do edito e de algumas decisões do pretor); e cabia ao pretor peregrino a administração da justiça
nos casos que envolvessem estrangeiros ou romanos x estrangeiros, aplicando o ius gentium.
Comício das tribos: último comício criado, por volta do III a.C., assembleia de todo o povo
dividido em 35 tribos (4 urbanas e 31 rústicas) cada tribo expressando um voto, convocados pelo
cônsul ou pretor, tinham competência para:
- aprovação de provimentos legislativos (lex); -
nomeação dos magistrados menores.
SISTEMAS JURÍDICOS VIGENTES EM ROMA
Em Roma, a sociedade era organizada em base a três sistemas jurídicos, aplicados na
teoria e/ou na prática de acordo com o status civitatis.
- ius naturale: direito presente na natureza (entre os animais). Exemplo de
instituição do ius naturale: matrimônio com fim de procriação, tutela dos filhos, legítima
defesa. Este sistema era usado a nível teórico entre os juristas.
- ius civile: direito praticado dentro da cidade de Roma pelos seus cidadãos (cives).
Tipo de sistema jurídico usado para resolver litígios entre cidadãos.
- ius gentium: direito das gentes, normas e institutos jurídicos presentes nos
diferentes povos, ex.: escravidão, matrimônio, posse, propriedade, compra e venda.
Tipo de sistema jurídico usado para resolver as relações entre estrangeiros e entre
cidadão x estrangeiro.
Os três sistemas (ius naturale, ius civile e ius gentium) funcionam como círculos em
intercessão, onde um sistema pode conter normas ou institutos jurídicos também presentes nos
demais sistemas.1
1 Em paralelo aos três sistemas têm-se o ius honorarium, que não chega a ser um
sistema jurídico, mas um conjunto de normas restritas, originárias da
consolidação do edito e de algumas decisões do pretor.
FONTES DO DIREITO NO PERÍODO REPUBLICANO
- leis;
- costumes (mores maiorum);
- iurisprudentia/jurisprudência: pontifical (maior privilégio) e laica; - plebiscito;
- senatus-consultum (deliberações do senado dirigidas aos magistrados);
- ius honorarium (edito e decisões reiteradas do pretor) - foedera (tratados);
INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO MATRIMÔNIO
Segundo o ius naturale, o matrimônio é a união do macho e da fêmea (Dig. 1.1.1.3);
segundo o ius civile, é o ato jurídico que qualifica a união entre um homem e uma mulher, em
comunhão de vida, com o objetivo de constituir família.
O objetivo do matrimônio de acordo com o ius naturale e o ius civile é a procriação, ou
seja, ter filhos.
Características do matrimônio romano: -
monogamia;
- exogamia (casamento fora da família);
- affectio maritalis: “aceitação racional das partes”; não é o amor, trata-se da vontade
consciente de estar e permanecer casado.
Requisitos do matrimônio válido:
•Recíproca capacidade matrimonial:
- que estejam em idade púbere (cerca 12 e 14 anos), capacidade adquirida através de
uma inspeção no corpo nos futuros esposos;
- que sejamlivres; (emorigem deveriam ser ambos cidadãos romanos da mesma ordem,
mudança com a Lex Canuleia de 445 a.C.).
•que não sejamparte da mesma família, parentes de 2° grau e nem cunhados;
•consenso daquele que tem a potestas sobre os futuros cônjuges, assimcomo de todos os
ascendentes intermédios entre o pater familias e o esposo.
As consequências da validade do matrimônio:
•na legitimidade dos filhos. Se os pais são casados, a criança segue o status (cidadão ou não)
do pai; se os pais não são casados a criança segue o status da mãe. Esta regra é observada
em todo o mundo antigo;
•submissão à potestas do pater familias e ao status (cidadão ou peregrino) deste;
•expectativa de sucessão;
O matrimônio distingue-se em dois tipos, quanto à transmissão da manus (potestas sobre a
mulher): cum manu e sine manu
• matrimônio cummanu é o ato jurídico no qual a mulher saide suafamíliade origem e entra
em uma nova família, na condição de filha e com a particular função de dar descendência
legitima ao pater familias ou a um de seus descendentes. No matrimônio cum manu ocorre
a transferência da manus (poder) sobre a mulher para a família do marido. A mulher rompe
todos os vínculos com a sua família de origem e assume a situação de filha na nova família,
criando vínculos familiares e jurídicos com esta. Fim da expectativa de sucessão em relação
a sua família de origem.
Com a dinâmica da sociedade romana, melhora das condições econômicas e início da
liberalização dos costumes, durante a República, houve a adaptação do direito e se criou o
matrimônio sine manu (provável surgimento entre os séculos V-III a.C.), mantendo a mulher
protegida sob a potestas da sua família de origem, embora morasse com o marido.
No matrimônio sine manu (sema transferência da manus/poder sobre a mulher) a esposa
não rompe o vínculo com a sua família de origem. O matrimônio é temporário e mantém o
objetivo de procriação. A mulher neste tipo de matrimônio não se torna parte efetiva da família
de seu marido e não terá nenhum direito sobre seus filhos e nem expectativas de sucessão em
relação à família do marido. Com a morte do marido ela volta a habitar com a sua família de
origem.
DOTE
O dote não é uma pratica presente desde as origens do direito romano. Estesedesenvolve
com a mentalidade de cooperação dos cônjuges na vida econômica e moral da família. O dote
origina-se dentro do matrimônio cum manu. A mulher, então, privada da expectativa de sucessão
em relação a sua família de origem, passa a levar consigo alguns bens para a família do marido,
como forma de indenizá-la pela ausência na sucessão e de servir como contribuição para a vida
conjugal e despesas da esposa. Ao entrar na potestas do marido ou de seu pater familias,
automaticamente todos os bens desta eram transmitidos aquele.
No matrimônio sine manu o dote também pode ocorrer, mas como contribuição às
despesas da esposa, uma vez que sua expectativa de sucessão emrelação a sua família de origem
mantém-se intacta.
O dote na concepção romana não pode ser visto como um negócio jurídico, mas como
uma obrigação social ou como um fim econômico a ser perseguido por meio do matrimônio.
Manifesta-se na sociedade romana a tendência de restringir o uso do dote ao interesse da
mulher. Com a dissolução do matrimônio o marido ou pater familias daquele era obrigado a
devolver o dote à esposa. A restituição é imediata para coisas infungíveis (coisas que são
consideradas na sua específica individualidade) não estimadas e em três parcelas anuais no que
se trata de dinheiro e outras coisas fungíveis (bem móveis que podem ser substituídos por outros
da
mesma espécie, qualidade e quantidade – coisas que se contam, medem ou pesam e não
são consideradas em sua individualidade).
Caso o pater familias não o fizesse, era cabível a ação rei uxoriae para reaver os bens do
dote com a dissolução do matrimônio. A ação só pode ser proposta pela parte prejudicada (ex
esposa).
POSSE E PROPRIEDADE
Posse – situação de pertença de uma coisa a um sujeito; era caracterizada pela material
disponibilidade da coisa, a qual era acompanhada da vontade de ter para si (origem da
propriedade romana).
A propriedade é o senhorio do homem sobre a coisa, garantido pelo direito através da
exclusão de outro poder sobre a coisa. É o direito que faz com que a vontade do titular seja
decisiva em relação à coisa. Direito de usar, gozar, dispor (alienar, abandonar, destruir). A
propriedade romana é em específico voltada para a propriedade fundiária. Desta ideia de
absoluto sobre a coisa nascem os direitos reais enquanto relação do indivíduo com a coisa, no
sentido de trazer-lhe algum direito de agir. Reflete o poder do pater-familias principalmente no
seu caráter absoluto (sem limitações). Em origem o pater-familias era titular único do direito
sobre a sua casa e coisas. Ele era um pequeno soberano.
PASSAGEM POLÍTICA DA REPÚBLICA AO IMPÉRIO
Triunvirato: conceito
No século I a.C., entre 59 e 53 a.C., houve o primeiro Triunvirato Romano, formado por
Júlio César, Pompeo Magno e Marco Licínio Crasso. Tratava-se de um acordo informal de favores
entre os três fortes personagens da sociedade romana.
O segundo Triunvirato foi oficialmente reconhecido, sendo chamado de Triunviros para a
Organização do Povo. Este foi formado em 43 a.C. por Octaviano Augusto, Emílio Lépido e Marco
António, tendo estes o poder supremo por 5 Anos.
Júlio César, centralização do poder, ditador entre 48 e 44 a.C. Em 44 a.C. César Morre,
desde então Otaviano Augusto vai juntando poderes para tornar-se imperador/príncipe.
Império: 27 a.C. – 476 d.C.
Período Clássico, séculos II a.C. ao II d.C.
O período imperial é dividido em duas fases: -
Principado 27 a.C. – 285 d.C.;
- Dominatio 285 d.C. – 476 d.C.
Principado 27 a.C. – 285 d.C.
Opríncipe é o primeiro cidadão entre os senadores, qualificando o governo de Roma como
diarquia/dualidade: o príncipe e o senado.
Durante o I século a.C. ocorre já o esvaziamento das instituições republicanas, ao ponto
de Otaviano afirmar que quer restaurar as instituições republicanas. Na realidade durante todo o
principado acentua-se que as entidades republicanas vão sendo paulatinamente esvaziadas
durante o I d.C., ao ponto que as assembleias deixam de aprovar leis. O príncipe ganha poder e
em base a auctoritas passa a ter uma atividade normativa autônoma. A figura do príncipe passa
a ser regida por dois princípios basilares.
- O príncipe está acima da lei (princeps legibus solutus);
- As disposições normativas do príncipe tinham valor de lei (quod principi placuit, legis
habet vigorem).
A atividade normativa do príncipe chama-se de forma genérica constitutio (constituição)
e torna-se a principal fonte do direito, abarcando os tipos:
- edicta (normas de caráter geral e abstrato),
- mandata (instruções voltadas aos funcionários imperiais),
- rescripta (pareceres do imperador sobre pontos obscuros do direito),
- decreta (decisões do imperador quanto a casos específicos) e
- epistulae (instruções ou conselhos voltados a magistrados imperiais sobre
determinadas situações).
Durante o período clássico (séculos IIa.C. a IId.C.), o direito romano estabilizou-se por
conta da intervenção do príncipe e a jurisprudência sofreu com isso sendo diferenciada pelo
poder central (ius respondendi) e absorvida na mesma organização burocrática imperial que
lançou as bases para uma nova concepção de direito, que era cada vez menos fruto do povo e
cada vez mais ligada à figura do príncipe.
- Direito como vontade do príncipe;
- Norma como imposta por um poder legiferante.
Roma dominava uma vasta região da Europa e do norte da África, mas não impunha a
totalidade do seu direito aos peregrinos (estrangeiros).
Mapa do Império Romano em 117 d.C.: sob o Imperador Trajano
212 d.C. edito de Antonino Caracalla – todos os residentes no império romano tornam-se
cidadãos. A concessão da cidadania teve reflexos no que concerne o direito a ser aplicado nas
diferentes províncias. Enquanto até 212 d.C. cada um dos povos sujeitos aRoma tinha continuado
a viver, no que concerne às relações familiares e patrimoniais, de acordo com o seu próprio
direito; a partir da Constituição de Antonino Caracallatambémnessas relações passavaater vigor
o Direito romano. O direito romano passaaser imposto às pessoas de diferentes partes e culturas
do império romano. Entre o Direito romano e aquele dos outros povos as margens do mar
mediterrâneo existiam grandes diferenças. Nem mesmo a maior vontade de seguir o direito
romano teria sido suficiente para vencer a pressão do direito local. Delineou-se então desde o
século III d.C., entre o Direito romano e os outros Direitos uma espécie de resistência e de
adaptações. Os Direitos dos povos conquistados prevaleceram em muitos aspectos sobre o
Direito romano, gerando uma adaptação na aplicação desse de acordo com o Direito local. O
direito romano torna-se então “corrompido”, sendo flexibilizado na prática pelas diferentes
culturas (ver tema transversal sobre cidadania).
Problemas de sucessão ao trono do império: muitos eram filhos, pertenciam à mesma casa
imperial. Durante o século I d.C. criou-se a possibilidade que o príncipe adotasse aquele que ele
escolheu para a sua sucessão.
Dinastias: Giulio-Claudia; Flavia; Antonino; Severo.
DOMINATIO
O principado vai até 285 a.C., quando sobe ao poder Diocleciano(285-305 d.C.) e inicia a
dominatio, espécie de monarquia absoluta, onde a eleição do imperador ocorre através da
pressão do exército. Sob Diocleciano o Império romano (dominava todo o mediterrâneo e a maior
parte do mundo conhecido) foi dividido em: Império romano do ocidente (instável, cai em 476
d.C.) e o Império romano do oriente (estável, cai em 1452/3). Os dois impérios interligados
possuíam cada um Augusto (imperador) e um César (vice-imperador).
297 d.C. Tetrarchia: divisão do império romano entre dois imperadores (augustos, com pares
poderes), auxiliados por dois Césares: Diocleciano - Costanzo e Maximiano – Galério.
297 d.C. Divinização do imperador.
O objetivo da divisão e criação de dois imperadores com “vice” era evitar a instabilidade
que ocorria quando da morte do imperador sem deixar sucessor. Os dois imperadores
trabalhariam em sincronia sendo, porém, os decretos de um imperador valiam apenas na parte
em que aquele administrava, devendo ser ratificados pelo outro para que vale-se nas duas partes
do império.
313 d.C. edito de tolerância de Constantino – edito de tolerância religioso. A partir de então
Constantino começa a apoiar ao cristianismo, subvencionando-o com terrenos e dinheiro para a
construção de igrejas. Concílio de Nicéia em 325 d.C., definição dos textos bíblicos. Batismo.
390 d.C. Edito de Tessalônia: imperador Teodósio torna o cristianismo religião oficial do império.
Durante a dominatio observam-se os primeiros esforços de codificação, com obras
privadas usadas para a o aprendizado do direito. Caráter pedagógico da codificação. Diferenciar
Codex de Liber.
Códigos privados são coletas de constituições imperiais feitas no império romano do
oriente. Os primeiros códigos são coletâneas feitas por privados.
- Codex Gregorianus, 291 d.C. (com constituições de 196 d.C. à 291 d.C.); -
Codex Hermognianus, 295 d.C.
Códigos públicos/oficiais:
- Codex Theodosianus, 438 d.C.: influenciou a legislação dos reinos bárbaros
como a dos Visigodos (oeste da França e Espanha por meio da Lex romana
visigothorum – breviário de Alarico, 506 d.C.) e dos Longobardos (Edictum
longobardorum – Rei Rotário 634 d.C.).
FONTES DO DIREITO NO PERÍODO IMPERIAL
As constituições imperiais tornam-se a principal fonte do direito. Odireito romano clássico
contrapõe-se ao um direito vivo, usado pela população. Torna-se um direito imposto por Roma a
todas as demais partes do império.
Com o Império ocorre uma expansão das fontes do ius civile. Têm-se então as leis, os plebiscitos,
os senatus consultum, o edito dos magistrados, os decretos do príncipe e a jurisprudência. Os
costumes embora sejamelementos basilares nacultura romana, sãocolocados em segundo plano
diante dos elementos citados.
TEMAS TRANSVERSAIS DE DIREITO ROMANO: 1. CIDADANIA; 2. JURISPRUDÊNCIA; 3. TORTURA
Civis, hostis ac peregrinus.
Representações da condição do homem livre na ordem jurídica da Roma antiga
Arno Dal Ri Jr. *
; Luciene Dal Ri **
Cum igitur hominum causa omne ius constitutum sit (...)
Herm. dig. 1.5.2
* Doutor em Direito Internacional pela Universidade Luigi Bocconi de Milão, com pósdoutorado pela Université Paris
I (Panthéon-Sorbonne). Mestre em Direito e Política da União Européia pela Universidade de Pádua. Professor de
Teoria e História do Direito
Internacional nos cursos de graduação e de pós-graduação stricto sensu em Direito na Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Endereço: Avenida Luiz Boiteux Piazza, 4410, casa 35, cond. Blascke, Ponta das Canas,
Florianópolis – SC. Cep: 88.056000.E-mail: arno@ccj.ufsc.br.
* * Doutora em Direito Civil-romanístico pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestre em Estudos
Medievais pela Pontificia Università Antonianum. Professora de História do Direito no curso de graduação em
Direito e no programa de pós-graduação stricto sensu, Mestrado e Doutorado, em Ciência Jurídica na Universidade
do Vale do Itajaí (UNIVALI). Endereço: Rua XV de Novembro, 100,apto. 93. Itajaí – SC. Cep. 88301-420.
Telefone 47 33441084/47 96654806.E-mail: luciene.dalri@univali.br.
1. Introdução
Entre os mais significativos jurisconsultos de seu tempo, Hermogeniano afirmava que “o
direito é constituído por causa dos homens”. Forte no seu conteúdo, a frase contempla no direito
o fenômeno regulador das relações sociais, das relações entre homens. A condição do ser humano
no universo jurídico da Roma Antiga, ou seja, o status personae, manifesta-se como a forma de
enquadramento normativo dos vários tipos de sujeitos que se abrigariam sob a expressão
“Pessoa”.2
Rico nas suas nuances, o status personae pode ser analisado a partir de três ângulos
diversos: o status libertatis, o status familiae, e o status civitatis. O enquadramento em cada
situação jurídica reflete-se nas suas próprias variáveis. Com isso, pode-se notar a existência de
uma concepção imersa em um sistema jurídico, onde todos os elementos estão interligados.
Dentre as situações jurídicas da pessoa, o status que sofreu maior variação de suas normas
no tempo foi o status civitatis. Assim se deu em razão deste último ter sido um dos principais
instrumentos jurídicos utilizados por Roma nas suas relações com o interior e com o exterior do
povo romano, definindo quem é cidadão, e consequentemente, quem não é. Observa-se porém
que a abertura de Roma ao estrangeiro foi profundamente modificada entre o período final do
reino e a metade do período republicano, enrijecendo a política de abertura ao estrangeiro e de
concessão da cidadania, sem para tanto alterar o processo de expansão de Roma e de aumento
da civitas, concebida como potencialmente universal.
A mudança de parâmetros na relação com o estrangeiro e o enrijecimento na política de
concessão da cidadania são os temas desta contribuição, que investiga as causas externas e as
consequências internas de tais fatos.
Para a compreensão dos institutos relativos ao status civitatis e, consequentemente, à
participação na civitas, será utilizada uma abordagem das fontes romanas jurídicas e literárias.
Dar-se-á, ainda, ênfase à terminologia utilizada, tomando em consideração o fértil debate da
doutrina sobre o tema. Para uma melhordelimitaçãodo civis,aborda-se também, emcontraponto
à cidadania, a condição de “não romano” que abrange tanto o status jurídico de latinus, quanto
o status jurídico de peregrinus.
2. Primeira construção da “Cidadania”
A Roma antiga apresenta nos conceitos de Quiris e de civis, ligados intimamente à noção
de status civitatis e de civitas – enquanto elementos que vinculam o ser humano como tal a uma
2 Sobre a identificação entre homem e pessoa no direito romano, particularmente em Gaio,ver LUBRANO, 2002, p.
191 s.
determinada ordem jurídica –, delineamentos que conduzem a uma “ideia de cidadania”. Deste
modo, portanto, o Quiris, e posteriormente o civis, seriam entendidos como partes do povo
romano, unidos pelo mesmo ius, gozando de certos direitos e incumbidos de certos deveres. Tudo
isso por, justamente, serem considerados parte do povo romano.
O uso linguístico mais antigo para identificar a “pessoa parte” do populus Romanus Quirites
ganha abrigo na expressão Quiris. A este se aplicava o ius Quiritium, enquanto particular esfera
do ius concernente à cidadania.3
A origem e a aplicação dos termos remetem ao período arcaico4
.
O significado e a origem do termo Quiris são incertos, embora seja pacífico na doutrina a
sua concepção como cidadão e antecedente histórico de civis. As passagens que tratam o termo
Quiris denotam-no como pessoa que participa do populus Romanus Quirites na sua
universalidade, refletindo a parte e o todo.
A concepção de civis deve ser trabalhada em conjunto com a concepção de civitas, visto a
origem e a intrínseca ligação existente entre os termos. A civitas era inicialmente a qualidade
própria do cidadão, desenvolvendo posteriormente o significado de conjunto de cidadãos5
. Fruto
deste fenômeno, a construção da cidadania enquanto instituto jurídico da Roma antiga não é
delineada apenas como uma ligação entre partes da comunidade, formando-a, mas é vinculada a
um espaço geográfico de exercício de tais direitos. Será o território da cidade, o interior do
pomerium, a dar concretude, materialidade, a este espaço. Por este motivo, a concepção de
cidadania no universo jurídico romano é intimamenteligada a um direito do cidadão da cidade.6
a)
A pertença à gens
3 O conceito ius Quiritium será utilizado mesmo em fontes de idade imperial para indicar o direito de cidadania
romana,e em particularaqueleconcedido aoslatinos,enquanto no caso da concessão aos peregrinoso termo mais
usado era de civitas romana. CATALANO, 1974,p. 146: «Ius Quiritium e civitas Romana sono espressioni, riferentisi
allo status di „cittadino‟ romano, cioè di parte del populus Romanus Quirites, le quali hanno origini storiche diverse.
La prima espressione è certamente più antica (come Quiris è anteriore a civis) e risponde a una concezione di populus
più concreta, in cui prevale l‟aspetto della pluralità dei Quirites; la seconda, pur sempre concepita come ius omnium
risente in qualche modo del processo di astrazione subito da populus in connessione al decadere dell‟importanza
politica e sociale dei comitia».
4 O período arcaido pode ser definido, segundo Orestano (1967, p. 40), como o período que compreende a data
tradicional da fundação deRoma e a Lei das XII tábuas.
5 Dentro de uma análise semântica, Crifò (2004, p. 26 s.) teoriza que a passagem do significado de civitas como
cidadão parao significado deconjunto decidadãoseposteriormentecidaderefletea lógica deconstrução deRoma.
A civitas romana é então concebida como uma organização social baseada na estrutura patriarcal-gentilícia
religiosa,feita a partir do cidadão epara o cidadão.Ver CRIFÒ1,2004, p. 24.
6 A afirmação de Crifò (2004, p. 28) sobre o vínculo entre o instituto de cidadadania e o território romano é
contraposta à de Gaudemet (2002, p. 180) “La citoyenneté dans la Rome classique n'implique aucune référence à
une donnée territoriale”.Cabe delinear, no confronto entre os dois autores, a ligação entre cidadania eterritório
Desde as primeiras fases do período arcaico, um dos elementos de maisforte caracterização
do civis romano encontra-se no fato de se pertencer ou não a uma gens romana. Consideradas
organismos anteriores e constituidores da civitas, a gens e a família assumiam a condição de
pressupostos políticos e sociais de Roma.
O pressuposto de liberdade e de vínculo com Roma, concretizado no fato de pertencer a
uma gens, pode ser observado desde o período mais remoto da cidade. Este é transmitido através
do nascimento, como delineia o jurista romano Gaio, na sua obra Institutiones. É muito claro na
exposição de Gaio que o sistema jurídico romano era baseado no critério ius sanguinis para a
concessão da cidadania, estendendo-a também por adoção, por manumissão (concessão da
liberdade ao escravo) e concessão individual ou coletiva.
b) A pertença ao populus
As diferentes interpretações dadas às fontes e ao termo populus em relação às suas partes
(os cidadãos) e à constituição romana, com as suas conseqüências, fazem com que o estudo do
tema torne-se bastante complexo. As doutrinas alemãs e italianas, neste âmbito, forneceram
contribuições fundamentais para o debate, apresentando contrastes e intersecções, em muito
fruto de uma forte influência filosófica e política.
Mesmocom tantas interpretações a concepçãodo termo populus, em relaçãoà sua origem
filológica poplus-, encontra-se pacificada na doutrina sendo considerada como “multidão”,
também relativa a um “insieme di armati”.7
Deixando de lado a concepção política de povo, opta-
se em centrar o debate no que concerne à composição e às prerrogativas do povo em assembléia,
elementosque ainda são fonte de inumeras controvérsias doutrináriais, estas últimas surgidas em
teorias que se delineiam a partir do século XIX.
para o exercício de alguns direitos como o ius suffragii e a provocatio ad populum (até o início do II a.C.), pondera-
se, porém, que concessão da cidadaniaromana não encontra limites emorigem e território,podendo ser adquirida
por qualquer homem. Ver a propósito da concepção espacial romana:CATALANO, 1978, p. 479 ss.
7 A origem indoeuropeia do termo é encontrada também junto aos Umbros através do termo poplo-, sobre a
definição latina de poplus e aquela umbra de poplo-, teuta/tota-, ver: CATALANO, 1965, p. 486, nt. 144ª;
CATALANO, 1974, p. 108 e ss.especialmente p. 114, que indica DEVOTO, 1954, p. 29 s. Diversamente, COLI, 1958,
p. 79 ss.;DE FRANCISCI, 1959, p. 736.
A composição do povo, no período arcaico, é apresentada pela doutrina através de duas
correntes:
a) a primeira delas limitando a concepção de povo ao conjunto de pessoas que teria
a cidadania, concedida somente ao elemento gentilício. Nesse sentido, o povo reunido em
assembléia mantém o caráter gentilício da mesma, como acontece nas teorias propostas por
Mommsen8
e por De Martino (1973, I, p. 89 ss.)9
;
b) a segunda, afirmando a ausência em época mais antiga do exclusivismo da
cidadania como elemento de composição do povo, como manifesta Bellini (1961, p. 226 e ss.).10
Com uma orientação diferente, mas sempre voluntarista, Catalano (2003, p. 101), afirma a
composição do populus por homens, que vivem de acordo com o direito romano.11
Nesse sentido,
também manifesta-se Amirante ao afirmar que a aplicação do conceito de cives expande-se aos
latinos, devido à comunhão de direito e religião.12
A hipótese sustentada por Mommsen (MOMMSEN, 1887, III, p. 5 ss.) e por De Martino (DE
MARTINO, 1973, I, p. 79 e 106 ss.), afirmando a fundação da cidade com a divisão da população
em duas categorias (plebéia e patrícia), sendo a plebe excluída da cidadania por não pertencer à
federação originária das gentes não encontra respaldo nas fontes que tratam do período régio. O
próprio De Martino (1973, I, p. 106 ss.) reconhece que a sua proposta de estrutura federativa é
incompatível com a tradição da fundação de Roma.
8 MOMMSEN, 1887,III,p. 03: “so dass die Bürgerschaft im rechtlichen Sinn gebildet wird durch die Gesammtheit der
zur Zeit vorhandenen freien Geschlechtsgenossen, der quirites, später cives”. O povo demonstra-se nessa
interpretação como soberano e investe o rei no seu poder, assimilável a uma magistratura únicaevitalícia.Aplebe
passou a participar ativamentedas decisões tomadas emassembléia somentecom a reforma serviana. Ver: CARLE,
1888,p. 180; ss.COSTA, 1906,p. 49.
9 DE MARTINO, 1973,I, p. 89 ss.: “Entrambi i organi di questa primitiva comunità di villaggio erano esclusivamente
patrizi, il che significa che il popolo era costituito ancora soltanto da coloro che appartenevano ai grandi gruppi
gentilizi”.
10 A interpretação de Bellini identifica-secom alguns aspectos daquela de Jhering, que partindo da tradição relativa
à origem de Roma entende o povo romano como formado por homens provenientes de diferentes origens.
JHERING, 1880, I, p. 94 ss.
11 Como conseqüência dessa concepção o direito romano não éfeito para os cidadãos romanos,mas paraos homens,
evidenciando o seu universalismo.Em contrapartida constata o autor uma forte política deconcessão da cidadania
que concebe o “ser romano” através do viver de acordo com os costumes e a cultura romana,ver Cic. rep. 1,39 e
Alf. dig. 5,1,76.
12 Luigi Amirante (1991,p. 109 ss.) baseando-seno relato de Lívio e Strabão analisaa aceitação deestrangeiros como
reis de Roma e conclui que: “Non potrebbe essere più
Nesse sentido, Plutarco, Floro, Lactancio, Eutropio, Agostinho e Columela, ao tratarem da
fundação da cidade e da formação do povo romano, prescindem do elemento gentílico e não
tratam de cidadania.13
O conceito de povo vem então proposto como “una 'multitudine' avente certe
caratteristiche. Non si tratta di una cosa 'personificata', quale lo 'Stato'” (CATALANO, 2003, p.
101). O “povo” passa a ser apresentado como algo concreto, permitindo uma abstração somente
enquanto unidade, ou seja, conjunto de homens. Não se condiciona pelo elemento gentilício,
enquanto portador de cidadania, mas fundamenta-se no voluntarismo da multidão e,
conseqüentemente, dos homens em viver de acordo com o direito romano14
.
O termo “multidão” denota o reconhecimento de todos os seres humanos (homens e
mulheres) como parte do populus. Tal fato somado à abertura da comunidade dentro da Liga
latina ainda em tardo período régio demonstra independência em relação a um conceito
exclusivista ou étnico de cidadania. Essa, em período arcaico, era baseada em uma concepção
universalista ou voluntarista, que reconhecia aos habitantes de Roma, independente de suas
chiaro che qui peregrinus sta ad indicare colui che non è latino, che appartiene ad altro diritto e ad altri culti. E per
converso come cives 'concittadini', coloro che hanno in comune diritti e religione”.
13 Plutarco (Rom. 9,3), Floro (Epit. 1,1,9), Lactancio (inst. 2,6), Eutropio (Brev. 2,1), Agostinho
(civ. 1,34) e Columela (r.r. 1 praef. 18). De forma pouco clara Dionísio de Halicarnasso (2,9,2) afirma que Rômulo
confiou os plebeus aos patrícios, não identificando a composição das duas categorias. Sobre cidadania romana, ver
CRIFÒ, 1960,p. 1 ss.; CRIFÒ, 2003, p. 23 ss. Sobre Asilo: CRIFÒ, 1958, p. 191 ss.
14 Sêneca (ira, 2,31,7) transcende à cidadania através do universalismo, ao tratar da pátria em base a concepção de
pertença a uma “cidade” ainda maior : “Nefas est nocere patriae; ergo ciui quoque, nam hic pars patriae est —
sanctae partes sunt, si uniuersum uenerabile est; ergo et homini, nam hic in maiore tibi urbe ciuis est. Quid si nocere
uelint manus pedibus, manibus oculi? Vt omnia inter se membra consentiunt quia singula seruari totius interest, ita
homines singulis parcent quia ad coetum geniti sunt, salua autem esse societas nisi custodia et amore partium non
potest”. Nesse sentido, o jurista Alfeno (dig. 5,1,76), compara o povo a um corpo, que pela sua espécie defini-se
como tal, independente da mudança das suas partes.
origens, a possibilidade de fazer parte do direito romano.15
Nesse sentido, Bellini16
afirma que
havia originariamente uma relação de igualdade entre as comunidades, permitindo um contínuo
intercâmbio dos seus elementos constitutivos.
Tal teoria implica na ausência em época mais antiga de uma imposição racial no que
concerne a cidadania. Ser cidadão “implique la volonté politique qui fait d'un homme un quirite,
c'est-à-direle rend partie du populus Romanus Quirites”(CATALANO, 1982, p. XXII; 2003, p. 101)13
.
13 Ver Cic.rep. 1,39 e Alf. dig. 5,1,76.
É, consequentemente, viver de acordo com o direito romano. Com isso, Roma passa a valorizar,
então, uma forte política de concessão da cidadania baseada no viver de acordo com o direito e a
cultura romana.14
Os princípios de civitas augescens e civitas amplianda estariam presentes no universalismo
romano – para a concessão da cidadania –, através do instituto de asilo de Rômulo no Capitólio15
,
manifestando-se também na manumissio dos escravos, bem como no fato de a plebe ser vista,
15 Essa mesma concepção universalista, embora com novos instrumentos, se fará presente em 212 d.C. com o edito
de Antonino Caracala, que expande a cidadania, salvo exceções, a todos os habitantes do império.
16 BELLINI, 1961, p. 226:“Nell’assenza per l’epoca più antica di un esclusivismo cittadino (che solo lentamente si verrà
maturando), le comunità tribali si trovano su un piede di parità, che permette un continuo interscambio dei loro
elementi. Dei re di Roma, escludendo i mitici fondatori Albani, Tullo è di Medulia, Numa e Anco di Cures. Assumendo
che sotto i fatti storici si nasconda un fondamento storico, può supporsi che cosi si localizzassero nell'oppidum
romano capi di formazione più vaste, comprensive delle località di origine, ovvero che il sentimento comunitario
rendesse facile l'interscambio degli elementi dirigenti: probabilmente le due cose allo stesso tempo, in una realtà
che può suporsi fluida e non definita. (...) sotto questo punto di vista il Ius Latii dell’epoca storica non sarebbe la
condizionata elimitata estensione alle comunità sociae dei diritti della civitas, ma èil sopravvivere di un’eguaglianza
sociale che, al sovvraporsi della organizzazione cittadina e nel processo di giuridicizzazione del costume, permane
sotto la forma di un privilegio concesso dalla città egemone”. O autor indica como trabalho anterior com a mesma
concepção: SHERWIN WHITE, 1939, p. 10. Concordando com Bellini sobre a fluidez do “stato di cittadinanza”
SERRAO, 2006, p. 204. Em contraposição, Ellul entende que a igualdade ocorre somente entre as cidades latinas
desde o inicio por conta da origem religiosa em comum. Os latinos, provenientes de Alba terminam por ter
instituições próximas e que os permite de usar um direito comum. ELLUL, 1999,p. 232.
enquanto conjunto de homens não ligado a nenhuma gens, também como civese, portanto, como
partes do povo (CATALANO, 2007; 1974, p. 116 ss.; 1982, p. XXII s.). Tal fenômeno faz com que o
elemento voluntarista, presente a partir da fundação de Roma – voltado sobretudo a construção
de um povo constituído pelo conjunto de cidadãos –, conduza a uma concepção universalista de
cidadania que, por sua vez, gera uma concepção universalista do direito romano, feito não
somente para os cidadãos romanos, mas para os homens.
Essa concepção sofreu modificações a partir do final do reino e metade da república. Neste
período o reconhecimento de igualdade entre os elementos das comunidades passou a ocorrer
apenas entre latinos e revestindo-se daquilo que se tornaria o ius latii. Tem-se dessa forma uma
14 Nesse sentido, também se manifesta Amirante ao afirmar que a aplicação do conceito de cives expande-se aos
latinos, devido à comunhão de direito e religião. Amirante (1991, p. 109 ss.) baseando-se no relato de Lívio e
Strabão analisa a aceitação de estrangeiros como reis de Roma e conclui que: “Non potrebbe essere più chiaro che
qui peregrinus sta ad indicare colui che non è latino, che appartiene ad altro diritto e ad altri culti. E per converso
come cives 'concittadini', coloro che hanno in comune diritti e religione”.
15 Liv. 1, 8, 4. O “asilo no Capitólio”foi criado por Rômulo para a concessão da cidadaniaà pessoas estrangeiras,em
geral banidas ou fugidas das cidades vizinhas,evisava aumentar a população deRoma.
nova concepção de civitas, com a consolidação da unidade composta pelas partes.16
Mesmo com
essa limitação, permanecem indícios da abertura originária do sistema romano através da Lei das
XII tábuas denotando a participação do estrangeiro ao ius. 17
3. As guerras de expansão romana e o enrijecimento da assimilação do estrangeiro
Uma análise exaustiva do conceito de cidadania em Roma deve levar em conta, ainda, o
seu contrapondo conceitual, ou seja, o status de quem não era cidadão romano. O termo mais
antigo usado para indicar o estrangeiro era hostis. Na sua origem, este conceito não apresentava
conotação negativa, tratando apenas da constatação da não pertença de alguém à comunidade
romana.18
Pesquisas recentes19
têm evidenciado a existência de diferentes teses no que concerne à
tutela jurídica prestada ao estrangeiro no âmbito do ordenamento romano. Por primeiro tem-se
a tese da hostilidade natural, que remonta a Mommsen, asseverando que em época primitiva
estivesseemvigor o princípio da ausênciade direito do estrangeiro fora dos limites da suacidade.
Tal princípio somente sofreria uma flexibilização através do instituto de hospitium privado. Em
posição contrária, autores como Frezza rejeitama tese de hostilidade natural, mas entendem que
havia restrições aos estrangeiros antes do III a.C. Uma terceira posição, ainda, representada por
Heuss, afirma a existência de um comércio internacional também na ausência de tratados. Nessa
direção, afirma também De Martino, ou seja,de que tendo por basea fides, o estrangeiro poderia
ser juridicamente tutelado. Em relação ao período mais antigo, tendo por base pesquisas sobre o
ius fetiale, não haveria para os romanos a impossibilidade de que os estrangeiros, mesmo não
16 Assim a ideologia de uma comunidade unitária encontra suas raízes no mundo etrusco, sendo posteriormente
transmitida para Roma.SERRAO, 1975,p. 19; NOCERA, 1992,p. 14. Tondo afirma que populus e plebs apresentam-
se então como aspecto militar esocial do mesmo elemento constitucional (TONDO,1981,I, p. 83 ss.esp. 86). Povo
e senado apresentam-seentão como elementos fundamentais para o enquadramento da população romana.Com
diferente leitura sobre a expressão populus plebes que: CATALANO, 1974a, p. 682: “populus plebesque indica il
crescente potere della parte plebea, populus plebesve la raggiunta parificazione sul piano del potere normativo e
cioè l'assimilazione della ‘parte’ nel ‘tutto’”. A teoria afirmada por Tondo remonta de certa forma àquela de
Niebuhr, que interpreta a expressão populus Romanus Quirites com idêntico significado de populus plebes que
Romana. Como manifesta Catalano (populus Romanus Quirites, p. 24) o Niebuhr usa «Volk» seja para indicar a
plebs, seja para indicara multidão.NIEBUHR, 1811,I, p. 373 ss.
17 Gell. noct. att. 20,1,47 (FIRA, tab. III,5); “tratados” que limitavamo comércio (como aquele de Cartago) e Festus,
Status dies p. 314 L. Sobre o assunto ver: CATALANO, 1965,p. 66 ss;Id. 1974, p. 140 ss.
18 Ver ERNOUT, et MEILLET, 1, p. 301; BENVENISTE, 1969,I, p. 93.
19 CATALANO, 1965, p. 53 ss.
ligados à Roma por tratados, fossemsujeitos de atos solenes e de relações consideradas pelo ius
(CATALANO, 1965, p. 65).
Neste período, formado pela comunidade gentilícia até a consolidação da civitas,
entendese que provavelmente não houve uma clara distinção do ponto de vista jurídico entre
cidadão e estrangeiro, sendo possível que este último viesse a fazer parte ao ius. Assim sendo, o
ius romano, baseado na sua natureza universalista, abarcaria tanto cidadãos, quanto
estrangeiros, dentro de uma maior ou menor tutela, de acordo com a existência ou não de
particulares foedus. 20
Esta concepção jurídica de direitos do estrangeiro pode, ainda, ser
encontrada na Lei das XII tábuas21
, assim como encontra-se nos escritos de Gélio (noct. att.
16,4,4.) e de Festo (v. Status dies <cum hoste> p. 414-416 L.).
Nell'epoca più antica lo straniero in generale era indicato con hostis,
mentre il “nemico” era perduellis. Solo in un secondo momento lo
straniero verrà designato comeperegrinus e si affermerà l'usodi hostis nel
senso di “nemico”, ossia di indivíduo appartenente ad un stato di guerra
con Roma. (SERRAO, 2006, p. 344)
A abertura de Roma ao estrangeiro, fruto da cultura universalista também presente no ius
– e que facilitava a concessão da cidadania Romana –, foi indicada por Lívio através do Asilo no
Capitólio (Liv. 1,8,4) e da própria formação da cidade. Esta mesma, contudo, provavelmente foi
modificada entre o final do reino e a metade da república. Observa-se tal fato devido a mudança
no significado do termo hostis. Esse, inicialmente significava “estrangeiro”, passando com o
tempo a adquirir outro significado, ou seja, aquele de “inimigo”.
Segundo De Martino (1973, p. 20.), uma hipótese relativa a esta mudança é o longo
período de guerras de expansão nas quais Roma esteve envolvida. Este provavelmente acabou
por desencadear um processo que conduziu a um rompimento com a abertura romana ao
estrangeiro, afetando, consequentemente, a política flexível de concessão da cidadania. A
mudança é atribuída ao período posterior à emanação das XII tábuas, provavelmente nos anos
20 Ver sobreo tema o foedus Cassianum entre romanos e latinos em493 a.C. e os dois tratdos de Roma com Cartago
em 509 a.C. e 348 a.C. De forma contrária, Capogrossi Colognesi entende que o forte interesse das partes no
Tratado de Cartago em prover a tutela dos seus cidadãos que venham a encontra -se no âmbito de influência da
contraparte, “mostra tuttavia che solo un apposito accordo internazionalepoteva vincolaregl i ordinamentistatali
dell'epoca a fornireuna adeguata protezione giuridicaagli stranieri”.COLOGNESI, 2004,p. 79.
21 Ver Tab. I,5; II,2:VI,4.
das guerras de expansão na Itália,evidenciando a impossibilidadede especificarcomo e por quais
causas tal fenômeno ocorreu.22
O gênero “não cidadão” demonstra-se, portanto, constituído por diferentes espécies que
iam do estrangeiro que não pertencia a um povo em guerra com Roma e que não era ligado à
Roma por um particular tratado ou vínculo étnico, ao estrangeiro ligado a Roma pelos foedera;
aos grupos que por circunstâncias e motivos diferentes tinham encontrado asilo na cidade, aos
habitantes das cidades latinas ligadas à Roma por tratados e por vínculos étnicos, aos quais era
reservada uma posição privilegiada, visto que constituíam um status intermediário entre cives e
peregrini, com subdivisões no que refere-se ao exercício de direitos (SERRAO, 2006, p. 347).23
Esse mosaico de relações pode ser mais facilmente compreendido se partirmos da
constatação de que no período republicano a distinção do status jurídico das pessoas emrelação
ao povo romano era de três tipos: cives Romani, ou seja, todos aqueles reconhecidos como
cidadãos romanos; latini, habitantes das cidades latinas que faziam parte do foedus latinum;
peregrini, estrangeiros e consequentemente pessoas que não fossem cives ou latini (CERAMI;
CORBINO, 1996, p. 104).
Por conta desta mudança em relação ao estrangeiro, é possível observar a modificação
dos requisitos para a concessão da cidadania romana, passando a ser regulada da seguinte forma
: a) por nascimento:
- de um casamento válido, sendo o pai cidadão romano no momento da concepção,
mesmo que a mãe não seja cidadã24
;
22 Sobre a mudança de significado do termo hostis ver: BENVENISTE, 1969,p. 93.
23 Várias eram as distinções quanto aos peregrinos no que refere-se às limitações ao exercício de direitos. Aos
possuidores demelhores condições era reconhecido o direito ao commercium e ao connubium com os romanos e
com os latinos,assimcomo o direito ao testamenti factio, ou seja,de ser nomeado herdeiro de testamento de um
cidadão romano. Por serem considerados para todos os efeitos estrangeiros, em sua grande maioria os peregrini
não estavamsujeitos ao direito romano,mas simao ius gentiumaplicado pelo pretor peregrino.Ver STADTMÜLLER,
1951,p. 34.
24 “O que temos falado a respeito do fato que aqueleque nascede uma cidadã Romana e de um peregrinus, entre os
quais não existe matrimônio, nasce peregrinus, é estabelecido pela Lei Mincia. Esta dispõem, também, que este
segue a condição do genitor mais desavantajado. A mesma lei, de fato, dispõe que, quando, ao contrário, um
peregrinus tenha pego como esposa uma cidadã Romana com a qual não existia matrimônio,aqueleque nasce de
uma tal união seja peregrinus. A Lei Mincia é particularmente oportuna neste caso:na ausência desta lei, de fato,
seria indevido derivar um outro status. Já o que nasce daqueles entre os quais não existe matrimônio aquista o
status da mãe, segundo o direito das gentes. Mas,é supérflua aquela parte da lei onde vem estabelecido que, de
- de mãe romana, fora de uma casamento válido. Se a criança não nasceu de um
casamento válido, de acordo com o direito romano, ela segue a condição jurídica
da mãe25
;
- ao filho de peregrinos, se antes do nascimento, seja estada concedida a cidadania,
seja a ambos os genitores, seja somente ao pai, se a mãe tenha obtido ao menos o
connubium, condição necessária para o matrimônio legítimo.
b) Após o nascimento:
- por concessão individual e estritamente pessoal;
- por concessão coletiva;
- por consequência automática do verificar-se de certas condições como, por
exemplo, o domicílio em Roma de um Latino; -
por manumissão por parte do dominus.
O aumento do campo de regulação das normas voltadas à concessão da cidadania reflete
não apenas o enrijecimento da relação com o estrangeiro, assimcomo a maior preocupação no
que se refere aos direitos concernentes à cidadania, levando até mesmo à guerra de Roma com
seus aliados.
4. A liberdade como pressuposto da cidadania
A liberdade para os romanos é uma condição presente desde o direito natural, sendo
considerada como um pressuposto da cidadania. Um homem livre pode não ser cidadão, mas
todo cidadão é obrigatoriamente um homem livre. A origem da palavra libertas testemunharia
um cidadão Romano e de uma peregrinus, nasce um peregrinus. Este, de fato, seria peregrinus segundo o direito
das gentes também na ausência detal lei. Isto valesomente para as nações eas gentes estrangeiras,mas também
para quantos são chamados Latini, que tinham próprios povos e próprias cidades e eram contados entre os
peregrini. Pelo mesmo motivo, ao contrário, nasce um cidadão Romano de um Latino e de uma cidadã Romana,
seja o matrimônio contraído em base a Lei Elia Senzia seja de outro modo. Mas, alguns tiveram que, de um
matrimônio contraído em base a Lei Elia Senzia, nascesse um Latino, já que se considerava que, neste caso, o
matrimônio entre eles fosse concedido pelas Leis Elia Senzia e Iunia e que, sempre, o matrimônio faz com que
aqueleque nascesiga o status do pai.Quando,ao invés,o matrimônio tenha sido contraído de outro modo, aquele
que nasce,segundo o direito das gentes, segue o status da mãe, e é, por tanto, cidadão Romano. Mas, segundo o
direito vigente em base a um senatoconsulto emanado por proposta do divo Adriano, aquele que nasce de um
Latino e de uma cidadã Romana é de qualquer modo cidadão Romano”. Gai. inst. 1, 78-80.
25 Conforme nos lembra Giuliano Crifò (2004,p.33), nos casos em que o filho segue a condição da mãe: “è cittadino
se la madre è cittadina al momento del parto, non lo è se la madre lo era in gravidanza, ma ha cessato di esserlo al
momento del parto, nè lo sarà, alla fine della repubblica, se nasce da una cittadina e da un Latino o peregrino (Lex
Minicia)”.
está ligação. Conforme Crifó (1984, p. 22), liber significa “aquele que pertence à estirpe”, e
libertas, enquanto condição de livre, deveria indicar o complexo das faculdades que a estirpe
reconhece ao seu componente. A liberdade no âmbito da cidadania se reveste de um significado
jurídico e político. O significadopolítico estána sua ligaçãocoma civitas e a participação ao poder
político, implicando a liberdade do povo romano na suatotalidade diante de uma ameaçaexterna
ou interna. A liberdade não política,por suavez, seriaestabelecidapelo direito enecessariamente
limitada, correspondendo à ideia de autonomia grega. Trata-se da liberdade garantida pelo
direito como consequência de ser cidadão romano. A civitas romana, como é possível constatar,
encontra-se intrinsecamente ligada à noção de liberdade, garantindo através do ius a sua
conservação aos cidadãos e aos povos submissos à Roma. A civitas romana representa, portanto,
um conjunto de homens livres.
Dentre as liberdades de direito, são garantidas ao cidadão o direito a contrair matrimônio
válido com pessoa romana ou latina, o direito à tutela aos atos de comércio e o direito ao voto. A
liberdade gerava ao romano e ao estrangeiro o direito de não ser submetido a todo e qualquer
tipo de tortura. De acordo com o sistema jurídico romano, o homem livre não pode ser flagelado,
mas apenas receber chibatadas.
Os aspectos político e jurídico da liberdade romana não implicariam, porém, emuma ideia
de igualdade. Como delineado por Giuliano Crifò (1984, p. 22),
Roma dá alla libertà una estensione ed un contenuto giuridico diversi,
secondo la classe sociale e la categoria a cui appartengono gli individui,
classe e categoria per le quali é d'altronde assicurata una larga mobilità.
A diferente extensão de direitos reflete-se no fato de que as pessoas pertencentes à plebe
possuem um conjunto de direitos menor do que aqueles pertencentes ao patriciado. A diferença
no conteúdo reflete-se na diversa graduação de valor atribuído ao voto de cada cidadão. Desta
forma, todos tinham direito a voto, mas a efetiva participação ao poder público era diferenciada,
tendo as classes mais elevadas a maioria dos votos e, consequentemente, um poder muito maior.
Tal distinção na participação política, embora marcante, não é constatável desde a fundação da
cidade, mas instaurada apenas com a dinastia Tarquinia, pelo rei Sérvio Túlio e mantida durante
toda a república, tendo suas bases em fatores vinculantes como a economia, o nascimento e a
carreira (Liv. 1,43,10).
5. Direitos e obrigações do cidadãoromano
O vínculo fundante entre cidadania e liberdade pode ser materialmente constatado no caso
de escravos fugitivos de outras cidades que pediam asilo no capitólio. Devido a este instituto os
escravos asilados recebiam, junto com a cidadania, o status de homem livre. O mesmo se dava
nos casos de manumissio, em que o ser humano recebia, junto com a liberdade, a cidadania.
As prerrogativas de ser cidadão implicam liberdade política e liberdade de direito,
denotando a importância da instituição de cidadania, bemcomo evidenciando o interesse gerado
por essadurante toda ahistória de Roma. Como delineiaCrifò (2004, p. 34)26
, quem é reconhecido
como cidadão pode tornar-se chefe de família, sendo titular da patria potestas, da manus sobre
as mulheres e do dominium sobre coisas e escravos. Como cidadão e pater familias, o pode
manumitir escravos, instituir culto privado, oferecer proteção e assistência a estrangeiros e
concidadãos, realizar negócios jurídicos inter vivos, instituir e ser instituído herdeiro em um
testamento, suceder ab intestato, arrogar, adotar, emancipar, ser tutor. Pode agir
processualmente, votar nas assembleias populares e, consequentemente, participar às decisões
sobre a paz e sobre a guerra, sobre concessões ou não da liberdade, sobre eleições de
magistrados, sobre o exército, tributos, vida dos compatriotas, honras, triunfos. Pode exercitar
ações populares, ser juízes nos processos civis e jurado naqueles criminais, ser eleito magistrado,
exercitar o ius militiae, fazer parte dos colégios sacerdotais, colher auspícios, fundar uma tumba,
exercitar o ius provocationis, subtrair-se através do exilium à pena capital.
A cidadania romana em seu aspecto jurídico permitiu a afirmação de instrumentos para
proteger o cidadão romano das arbitrariedades dos magistrados, limitando fortemente o
exercício do poder da magistratura diante dos membros dacomunidade. Um desses instrumentos
é a provocatio ad populum (também conhecida como ius provocationis) (GROSSO, 1997, p. 135)27
.
A provocatio é instituto jurídico típico do período republicano e consistia na apelação ao povo,
objetivando impedir a execução de uma condenação penal emanada por magistrado. Durante o
império, a provocatio protegia o cidadão também da fustigação, da tortura e da reclusão.28
Tal
26 Em linha levemente diversa GAUDEMET, 2002,p. 183.
27 As normas que regulam este status privilegiado eram previstas em diversas leis romanas, entre elas, as mais
importantes eram a Lex Valeria Horatia de provocatione e as Leges Porciae de provocatione. ROTONDI, 1962, p.
235 e 268.
28 Uma das Leges Porciae de provocatione proibiu a fustigação ao cidadão,e a Lex Iulia de vi publica et privata, em
17 a.C., que proíbe o uso da tortura aos cidadãos. A apuração de crimen lesa maiestatis (crime por atentar contra
a majestade do imperador ou do império romano) será, porém, uma exceção a esta lei.
instituto foi inicialmente proposto com previsão de uso restrito aos limites da cidade de Roma.
Apenas a partir de uma das Leges Porciae de provocatione, no início do século II a.C., passou a ser
permitido o uso da provocatio fora dos limites da cidade de Roma (ROTONDI, 1962, p. 268).
A utilização deste instituto vem apresentada com muita clareza pela história do cidadão
romano Saulo de Tarso, mais conhecido no Ocidente como São Paulo. Em alguns versículos do
livro “Atos dos Apóstolos”, Lucas conta como, em várias ocasiões, São Paulo – que mesmo sendo
grego de nascimento era portador da cidadania romana –, conseguiu impor a sua condição
jurídica nas adversidades diante a qual se viu na sua pregação29
. O grito civis romanus sum, tantas
vezes utilizado por São Paulo nestas situações, é a afirmação de um direito perante a autoridade
romana, materializado em um forte sistema de garantias jurisdicionais e de proteção do
cidadão30
.
29 Atos dos Apóstolos, 16, 35-37:“Assim que amanheceu os estrategos mandaramos litores dizer ao carcereiro:põe
esses homens em liberdade.O carcereiro transmitiu a Paulo aquelas palavras:os estrategos mandaram dizer que
vos pusesseem liberdade.Sai,pois,eides-vos em paz. Mas Paulo disseaos litores:Açoitaram-nos empúblico,sem
julgamento, a nós que somos cidadãosromanos,meteram-nos na prisão,eagora manda-nos sair àsescondidas! –
Não esta bem! Venham eles próprios conduzir-noslá parafora”. Atos dos Apóstolos, 22, 25-29: “Mas, quando iam
amarrá-lo para ser açoitado, Paulo disse ao centurião de serviço: Tendes autoridade para açoitar um cidadão
romano, que nem sequer foi julgado? Ouvindo isso, o centurião correu a avisar o tribuno: Que vais fazer? - disse
ele - essehomem é cidadão romano!O tribuno foi ter com Paulo e perguntou-lhe: Dize-me, tu és cidadão romano?
Sou, respondeu ele. O tribuno continuou:eu adquiri por muito dinheiro,essedireito decidadania.Paulo retorquiu:
Pois eu já nasci com esse direito. Os que o iam interrogar retiraram-se imediatamente e o tribuno ficou cheio de
medo ao saber que tinha mandado prender e agrilhoar um romano.” Atos dos Apóstolos, 25, 9-12: “Mas, como
desejava capitar as boas graças dos judeus,Festo respondeu: queres subir a Jerusalémpara lá seres julgado sobre
este assunto,na minha presença? Paulo replicou:Estou perante o tribunal deCésar.Devo ser julgado aqui.Não fiz
mal nenhum aos judeus, como sabes perfeitamente. Mas, se, de fato, sou culpado, se cometi algum crime que
mereça a morte, não recuso morrer. Se, porém, não ha fundamento nas acusações dessa gente contra mim,
ninguém tem o direito de me entregar a eles. Apelo para César!Então, depois de conferenciar comseu o conselho,
Festo respondeu: Apelaste para César,irás a César”.
30 Um outro episódio significativo,nesteâmbito,é o citado por Cícero na obra In Verrem secundae liber V (62, 16163,
163; 65,167-65,168): “Quando de repente ordena que o homem seja arrastado da prisão para o meio da praça,seja
despido e amarrado eque sejampreparados os azorragues.Aquele pobre coitado clamava dizendo que era cidadão
romano, municípe de Compsa; que tinha servido no exército com Lucius Raecius, destacadíssimo membro da
cavalaria romana, o qual exercia o comércio em Palermo, e que tudo isso Verre poderia muito bem saber (...); em
seguida ordenou que o homem fosseaçoitado comextremo rigor.Um cidadão romano,senhores juízes,era açoitado
no meio da praça de Messina e, no entanto, nenhuma outra voz se podia ouvir, a não ser a daquele coitado que,
entre golpes dos açoites,dizia:“Sou um cidadão romano!”.Evocando assi ma sua condição decidadão,julgava estar
evitando os golpes de açoitee afastando desi a tortura.Isto não somente não ocorreu – para que a força dos golpes
fossesustada –mas ainda,quanto mais imploravaequanto mais invocava o título decidadão,a cruz,a cruz,digo era
preparada para aquele infeliz, aquele coitado que jamais vira tal suplício! Oh doce nome da liberdade! Oh exímio
privilégio dos nossos cidadãos! Oh Lei Pórcia e Lei de Sempronius! Oh poder dos tribunos tão profundamente
desejado e finalmente conferido ao povo romano! É por caso,pois,a supressão detodas estas garantias queleva o
cidadão romano,em uma das Províncias romanas,emuma cidadela deconfederados,a ser amarrado eentregue aos
golpes de açoite em praça pública por aqueleque,através do benefício do povo romano era revestido das mais altas
Uma garantia jurisdicional forte também era constituída pelo postliminium, ou seja, o
direito do cidadão romano capturado pelo inimigo ou ilegalmente reduzido à escravidão reaver
sua condição jurídica como antes da captura ou da escravidão, a partir do ingresso no território
romano.35
O postliminium atua sobre todos os vínculos jurídicos do cidadão, menos sobre o
matrimônio, considerado como comunhão de vida e baseado na convivência material e na
affectio maritalis.
Como é de se esperar, a cidadanianão implicava apenas direitos, mas também obrigações.
O cidadão romano tinha basicamente duas obrigações em relação ao Estado: o pagamento dos
tributos e a prestação de serviço militar (GAUDEMET, 2002, p. 182). O serviço militar, que por
muito tempo foi considerado uma honra e um privilégio, começou a entrar em desuso no final do
período da república, quando grande parte dos alistados não eram mais romanos. Tratava-se
sobretudo de pessoas de diferentes origens que buscavam a cidadania romana ou simplesmente
apossibilidadede receber um soldo de Roma. Dequalquer forma, por longo tempo entre os povos
honras? (...) Tu ousastes mandar crucificaralguémque dizia ser cidadão romano? (...) Homens de baixa condição,de
humildes origens vão pelo mar, se dirigem a países nunca vistos antes, onde nem podem ser conhecidos aos
habitantes do lugar onde chegam nem encontrar quem se tutele a identidadedeles. Não obstante tudo, confiantes
exclusivamentena prerrogativa deles de cidadãos romanos,pensamqueestarão seguros (...) tem a esperança ainda
de encontrar neste título uma válida proteção emqualquer país quecheguem. Tira esta esperança,tira esta proteção
aos cidadãos romanos,anula aindao socorro inerente nas palavras“sou um cidadão romano!”, autoriza um pretor
ou quem for que seja a infligir impunemente o suplício que mais lhe agrada a dano de alguém que se proclama
cidadão romano, com o pretexto de não conhecer a sua identidade: com uma desculpa como esta terás
imediatamente impedido aos cidadãos romanos o acesso a todas as nossasprovíncias,a todos os reinos,a todos os
Estados livres, a toda a terra, sempre amplamente acessíveis aos nossos compatriotas”. 35 Ver sobre o assunto
GAUDEMET, 2002, p. 186; CURSI, Maria Floriana. La struttura del “postliminium” nella repubblica e nel principato.
Napoli:Jovene, 1996.
conquistados continuou viva a ideia de que servir no exército romano ainda seria uma grande
honra, motivo de ascensão social e de status (GAUDEMET, 2002, p. 184)31
.
Nesta lógica movida pela busca da honra e da ascensão social, os cidadãos deveriam
constantemente demonstrar possuir alguns atributos que caracterizariam o vínculo com a pátria
romana, tais como coragem, respeito aos deuses, lealdade e fidelidade. Estes contextualizavam-
secomo valores máximos, sendo exaltados pelos filósofos ejuristas romanos. Entre esses últimos,
destaca-se a figura de Marco Tulio Cícero (off. 1,57)32
, quando afirmava que
Quando o espírito percorre todas as sociedades humanas, não encontra
nada mais empolgante que as relações entre nós e a Pátria. Temos amor
por nossos pais, por nossos filhos, pelo próximo, por nossos amigos; mas
só a Pátria enfeixa todos os amores. Qual o homem de bem que vacilaria
em morrer por ela, se algo pudesse servir com essa morte?. 33
O sistema jurídico romano previa a perda da cidadania, indiretamente, em duas situações:
capitis deminutio maximaemedia. A primeira hipótese ocorria no casodo cidadão romano perder
a suacapacidadenas três situações jurídicas que envolvem a pessoa,ou seja:liberdade, cidadania
e família. Neste caso, a pessoa era reduzida à escravidão34
. A segunda hipótese se originava do
31 Segundo Claude Nicolet, na concepção romana os filhos dos ricos seriam sempre os melhores soldados, já que
estes teriam um maior interesseem defender a cidadee os benefícios que a classepossuía.NICOLET, 1999,p. 117.
32 Marco Tulio Cícero nasceu em Arpino em 106 a. C. e morreu em 43 a. C. de família nobre, desenvolveu intensa
atividadeseja no campo político (obteve através do favorecimento da classepatríciaa nomeação a cônsul,contra
o adversário Lucio Sergio Catilina),seja no campo judiciário (foi certamente o melhor advogado de Roma). Como
cônsul, desmascarou, com as suas Catilinárias, a conjuração que Catilina, líder do partido popular, estava
conspirando contra o regime repúblicano. Retirou-se da vida política durante a ditadura de César, sendo deste
período a maior parte das suas obrasderetórica ede filosofia.Voltou a seocupar de políti ca após o assassinato de
Cesar,sendo a favor de Otaviano econtra Marco Antonio, contra quem lançou uma sériede violentos ataques.
33 Cic.off. 1,57: “Sed cum omnia ratione animoque lustraris, omnium societatum nulla est gravior, nulla carior quam
ea, quae cum re publica est uni cuique nostrum. Cari sunt parentes, cari liberi, propinqui, familiares, sed omnes
omnium caritates patria una complexa est, pro qua quis bonus dubitet mortem oppetere, si ei sit profuturus? Quo
est detestabilior istorum immanitas, qui lacerarunt omni scelere patriam et in ea funditus delenda occupati et sunt
et fuerunt”.
34 Paul. dig. 4.5.11: “Capitis deminutionis tria genera sunt, maxima media minima: tria enim sunt quae habemus,
libertatem civitatem familiam. Igitur cum omnia haec amittimus, hoc est libertatem et civitatem et familiam,
maximam esse capitis deminutionem: cum vero amittimus civitatem, libertatem retinemus, mediam esse capitis
deminutionem: cum et libertas et civitas retinetur, familia tantum mutatur, minimam esse capitis deminutionem
constat”. Segundo Jean Gaudemet (2002, p. 183), uma vez retornado a Roma, o cidadão poderia readquirir a
situação jurídica como antes de ser feito prisioneiro através do instituto do postliminium. Para, por esta, ser
beneficiado,era necessário:a) queRoma não reconhecessea condição deescravo que lhefora atribuída,coisaque
somente aconteceria se a pessoa tivesse sido aprisionada e feito escravo pelo inimigo (eram automaticamente
excluídos os vendidos como escravos para o pagamento de dívidas);b) que no ato da prisão estenão tivesse ainda
capitulado;c) que este tivesse efetivamente retornado ao território romano, sem a intenção de retornar ao povo
estrangeiro.
fato do direito romano não admitir que um cidadão de Roma viesse a adquirir a cidadania de
outro povo, acarretando a imediata perda da cidadania, mas mantendo sua liberdade35
40.
As prerrogativas da cidadania romana são amplas e implicam diretamente na atividade
política, visto que apenas o cidadão pode votar nas assembleias populares e, consequentemente,
decidir o futuro de Roma. Estas mesmas prerrogativas, e suas consequências,acabaramtornando
inviável a abertura na concessão da cidadania aos não cidadãos em períodos de guerras, levando
a ponderação de vários fatores e ao enrijecimento na assimilação de pessoas externas à
comunidade.
Considerações Finais
A cidadania romana é caracterizada em toda a existência de Roma pela liberdade 36
,
ganhando diferentes aspectos e desdobramentos com as transformações sociais e políticas
vivenciadas por aquela realidade. A cidadania garantia a manutenção do status naturale do
cidadão e trazia em si o valor de participação política à comunidade. Esta última, inicialmente foi
universal em âmbito masculino, com igualdade de valor dos votos, sendo posteriormente
modificada durante aDinastiaTarquínia por Sérvio Túlio, quando estabeleceuvalor diferente para
o voto da cada cidadão de acordo com fatores como economia, nascimento e carreira.
A extensão da civitas através da concessão da cidadania romana ocorre tendo por base ao
princípio da civitas augescens e da civitas amplianda.37
A concepção de expansão da cidadania é
presente, desde a origem da cidade, no asilo aos estrangeiros criado por Rômulo no Capitólio.
Durante a república continua-se a sentir a concepção de expansão da cidade por meio das
conquistas de povos e cidades, bem como, a ampliação da civitas aos povos itálicos e à Gália
Transpadana.
35 Recorda Gaudemet (2002,p. 184) que o De Visscher (1954,p. 36-62) faz notar que o mesmo não acontecia como
estrangeiro que viesse a receber a cidadania romana. Uma antiga tradição permitia a este adquiri -la sem ter de
renunciar a cidadaniadeorigem.
36 Vai nesta direção CONSTANT, 1819, disponível em: http://www.panarchy.org/constant/liberte.1819.html ,
consultado em 09/05/2012; também Hanna Arendt, ao afirmar que “(...) tanto na Antiguidade grega como na
romana, a liberdade era um conceito exclusivamente político, a quintessência, na verdade da cidade-estado e da
cidadania”.ARENDT, 2003,p. 205.
37 Sobre civitas augescens ver Pomp. dig. 1,2,2,7; e sobrecivitas amplianda ver Iust.cod. 7,15,2.
A gradual expansão da cidadania romana resultou no paulatino enfraquecimento da
distinção entre civis, Latinus e peregrinus, refletindo o universalismo romano através da abertura
em relação ao externo e consolidando o universalismo romano por meio do ius.
Referências
AMIRANTE, Luigi. Una storia giuridica di Roma. Napoli: Jovene, 1991.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003.
BELLINI, Vincenzo. Sulla genesi e la struttura delle leghe nell’Italia arcaica. RIDHA série, VIII, III,
1961.
BENVENISTE, Émile. Le vocabulaire des institutions indo-européennes, l. Économie, parenté,
société. Paris: Minuit, 1969.
CARLE, Giuseppe. Le origini del diritto romano. Torino: F.lli Bocca, 1888.
CATALANO, Pierangelo. Contributi allo studio del diritto augurale. Torino: Giappichelli, 1960.
CATALANO, Pierangelo. Linee del sistema sovrannazionale romano. Torino: Giappichelli, 1965.
CATALANO, Pierangelo. Populus Romanus Quirites. Torino, 1974.
CATALANO, Pierangelo. La divisione del potere in Roma (A proposito di Polibio e Catone). Studi in
onore di Giuseppe Grosso VI. Torino, 1974a.
CATALANO, Pierangelo. Aspetti spaziali del sistema giuridico-religioso romano. Mundus,
templum, urbs, ager, Latium, Italia. Aufstieg und Niedergang der Rômischen welt, II, Principat
16.1, 1978.
CATALANO, Pierangelo. Seduta preliminare. Seminari Internazionali di Studi Storici “Da Roma alla
Terza Roma” (La nozione di “romano” tra cittadinanza e universalità), Ed. Scientifiche Italiane,
1982.
CATALANO, Pierangelo. Alcuni concetti e principi giuridici romani secondo Giorgio La Pira. Il ruolo
della buona fede oggettiva nell'esperienza giuridica storica e contemporanea. Padova, 2003.
CATALANO, Pierangelo. Promemoria. XXVII Seminario Internazionale di Studi Storici “Da Roma
alla terza Roma”. Roma, 2007.
CERAMI, Pietro et CORBINO, Alessandro. Storia del Diritto Romano. Messina: Rubettino, 1996.
COLI, Ugo. Il diritto pubblico degli Umbri e le tavole Eugubine. Milano: Giuffrè, 1958.
COLOGNESI, Luigi Caprogrossi. Lezioni di storia del diritto romano. Monarchia e Repubblica.
Napoli: Jovene editore, 2004.
CONSTANT, Benjamin. De la liberté des anciens comparée à celle des modernes. Discours
prononcé à l'Athénée royal de Paris, 1819.
COSENTINI, Cristoforo. Studi sui liberti, I. Catania, 1948.
COSENTINI, Cristoforo. A proposito di una recente ipotesi sull'origine delle forme civili di
manumissione, in Annali Seminario Giur. Univ. Catania, II (1948).
COSENTINI, Cristoforo. Ancora sull'origine e l'efficacia delle forme civili di manumissione.
Miscellanea romanistica, Catania, 1956.
COSENTINI, Cristoforo. Liberti (diritto romano). NNDI IX. Torino, 1957.
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História do Direito Romano: Reino, República e Império

  • 1. CURSO: DIREITO DISCIPLINA: HISTÓRIA DO DIREITO APOSTILA DE HISTÓRIA DO DIREITO DIREITO ROMANO AVISO O texto que segue é de cunho DIDÁTICO, sendo instrumento de apoio ao conteúdo e às atividades realizadas em sala de aula. Em paralelo a este material didático, o aluno deve ler os seguintes textos, disponibilizados na pasta de História do Direito: - LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na história. São Paulo: Atlas, 2008, p. 28-47; - JUSTINIANO I, Imperador do Oriente. Digesto de Justiniano, liber primus: introdução ao direito romano. 3. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1999, p. 2343; e p. 57-65. Proposta de diversão: - Filmes: O gladiador, Ben-hur, Spartacus, A legião perdida, Alexandria. - Série de TV: Roma. - Livros: Júlio César (Shakespeare); Médico de Almas (Taylor Caldwell). Introdução O sistema jurídico romano é a origem dos sistemas jurídicos que fazem parte da família de Civil Law. O direito romano tornou-se referência na história devido a sua forte estrutura lógica e à constante aderência à realidade social. Reconstruir a complexidade do sistema jurídico romano não é algo fácil, porque ele não pode ser resumido à apenas uma realidade jurídica devido ao longo período de existência de Roma como reino, república e império. Cabe esclarecer que estudaremos nesta apostila de direito romano a história do direito romano referente ao Império Romano do Ocidente (753 a.C. à 476 d.C.). A história do direito do Império Romano do Oriente será abordada apenas no que se refere ao Imperador Justiniano e ao Corpus Iuris Civilis. O direito é chamado pelos romanos de ius. Tem-se a partir dele o ius publicum (direito público) e o ius privatum (direito privado). O nome ius é derivado da palavra iustitia (justiça: arte do bom e do equo) e gera outras palavras como iurisprudentes e iurisconsultus (juristas), iurisprudentia (atividade dos juristas, pareceres, doutrina). DIVISÃO POLÍTICO-TEMPORAL Para melhor compreendermos o desenvolvimento da história de Roma e do Direito romano, cabe evidenciar que o direito romano passou por modificações e adaptações no tempo. Indico aqui três grandes divisões político-temporais que influenciaram o direito romano. 1) Reino/REALEZA: 753 ao 509 a.C. 2) República: 509 ao 27 a.C. 3) Império: 27 a.C. ao 476 d.C. - Principado: 27 a.C. ao 285 d.C. - Dominatio (monarquia absoluta): 285 d.C. ao 476 d.C.(queda do Império romano do ocidente).
  • 2. REINO Varro (varrão) gramático e historiador romano atribui a fundação de Roma ao que seria equivalente no calendário cristão ao ano 753 a.C. Roma foi fundada no Latio, região da península itálica. Ver mapa da península itálica durante o VIII a.C., abaixo. A cidade de Roma é fundada de acordo com a vontade dos deuses (arte augural: colher e interpretar os sinais por meio dos quais se manifestava a vontade divina, religião não revelada) e por isso ocorreu dentro da concepção de Espaço (Palatino) e Tempo (753 a.C.), seguindo o ritual etrusco de fundação da cidade: Mundus e Pomerium. Roma como civitas: cidade com cultura própria, autônoma jurídica e politicamente. Muitas são as dificuldades de conhecimento relativas à origem de Roma: – Poucas fontes epigráficas (pedras, metais ou construções com escrita proveniente daquele período); – As fontes arqueológicas confirmam os principais dados da história contada pelos romanos; – Poucas fontes literárias que tratem do período mais antigo (séc. VIII-V a.C.). ORIGEM E FORMAÇÃO DE ROMA Roma é originária de diferentes populações. As fontes literárias atestam que Roma foi composta inicialmente por população proveniente do Latio (cidades sabinas e albanas), e a doutrina afirmam que ela também foi composta por população proveniente da Etrúria. A origem latinade Roma éevidenciada pelos laços étnicos-culturais que a cidade mantinha com as demais cidades daquela região. A presença etrusca éevidenciada na forma de organização política e territorial da cidade, bem como em alguns de seus ritos.
  • 3. A miscigenação das populações resultou numa cidade cultural e politicamente aberta às pessoas vindas de outras comunidades: ver lenda do asilo do Capitólio. As cidades do Latio tinham uma comunidade cultural que permitia o deslocamento dos seus membros com a inclusão sócio-política através do domicílio. A primeira forma de cidadania romana baseava-se no domicílio e na submissão da pessoa às normas romanas. O ponto de união não era a raça, mas a cultura. Os latinos cultuavam os mesmos deuses, realizavamos mesmos rituais, falavam o mesmo idioma. Cabe evidenciar que idioma e religião são elementos culturais muito fortes e que proporcionam a coesão social. Júpiter era a divindade central, garantidora da ordem e da justiça, cultuada em todo o Latio. A religião e aatividade sacerdotal tinham um forte papel jurídico, político e social.A classe sacerdotal era composta principalmente por homens alfabetizados e que desempenhavam o papel de primeiros juristas. Colégio das vestais: mulheres virgens escolhidas em tenra idade nas famílias aristocráticas e instruídas para a atividade sacerdotal desde a infância. A LENDA DA ORIGEM DE ROMA A antropologia ensina que todo o mito contém um núcleo de “verdade”, ou seja, contém uma mensagem a ser repassada ao ouvinte. Os mitos romanos refletem a cultura e a concepção que os romanos tinham de si próprios e de sua história. Tratar da história do direito romano implica colocar a visão dos romanos como ponto central. Para entendermos os romanos, temos que ver o mundo por meio da cultura romana. Repasso aqui alguns pontos do mito da fundação de Roma: - Alba Lunga: Numitore deposto por Amúlio; Rea Sílvia e Marte: nascimento de Rômulo e Remo; - Exposição dos gêmeos no Rio Tibre: o mito da loba; - Fundação de Roma: morte de Remo; - A importância das mulheres: o “Rapto das sabinas”. CARACTERÍSTICAS AS SOCIEDADE ROMANA DO VIII-VI A.C. - família: base da sociedade; - conjunto de famílias: normas de origem privada entre famílias; - sociedade agrária e pastorícia; - pouco comércio; - poucos escravos; - força de trabalho constituída em maioria por pessoas livres; - terras públicas com posse cedida aos patrícios em base à capacidade de cultivo; - direito baseado nos costumes, impostos pelas classes; -dentro da cidade não se leva armas, cidade como lugar de convivência pacífica e organizada. - cidade dividida em três tribos: Ramnes, Tities e Luceres Órgãos políticos: - chefe (rex); - um conselho de nobres - anciãos (senatus); - uma assembleia: comício das cúrias (comitia curiata).
  • 4. SOCIEDADE E DIREITO DE FAMÍLIA Tratar da origem de Roma é tratar da origem de uma sociedade. A sociedade nasce das relações entre as pessoas e tem como base a família. Após a consolidação das famílias e de suas regras emdeterminado território, tem-se início às relações entre as famílias econsequentemente às regras sociais inter familiares. A família pode ser entendida em dois sentidos: - família sentido estrito (pai, mãe, escravos e bens). - família sentido amplo: gens (conjunto de famílias em sentido estrito, interligadas por um ascendente masculino em comum já morto). Família em sentido estrito é um grupo de pessoas livres submissas à potestas (poder) de um pai de família, ou seja, o ascendente masculino vivo, inclui também a propriedade. A organização é patriarcal. A família romana em sentido estrito é um evento de breve duração e existe enquanto viver o pater familias. Quando morre o pai de família, os seus descendentes diretos (filhos) tornam-se pessoas com plenas capacidades jurídicas e pater familias. A família se divide em tantas outras famílias, que fazem parte da gens. Adgnatio: vínculo de parentesco que une os diferentes membros da gens (família em sentido amplo). O objetivo da família é a ordem e defesa de seus membros. A família é um organismo político e é base da organização social. Pertença somente à família paterna – patriarcal. PATRIA POTESTAS A patria potestas é o domínio existente por parte do pai de família em relação aos demais membros da família, poder símile àquele existente sobre as coisas. O pater decide sobre a vida e a morte assimcomo pode impor ou vetar qualquer relação jurídica aos seus descendentes em âmbito de direito privado (situação aliviada tramite pecúlio). Este poder inicialmente “absoluto” no âmbito do direito privado, sobre os descendentes sempre foi muito atenuado pelo costume. A patria potestas subdividia-se em três distintos poderes: - poder diante dos filhos após a legitimatio ou após a adoção, - manus diante das mulheres que entravam na família, - dominica potestas em relação aos escravos. A família romana encontra na patria potestas (poder do pater familias) o vínculo entre os seus indivíduos e consequentemente a sua existência. É a potestas que define o grupo familiar. Em direito público o filho de família é cidadão romano, e em razão de sexo e de idade, é igualado ao pai e pode participar das assembleias e assumir magistraturas. A potestas do pai de família nega aos seus descendentes toda a capacidade de possuir e adquirir, igualando de certa forma os filhos aos escravos, na uniforme submissão ao pater familias. Os descendentes se distinguem dos escravos pela sua condição de homem livre e de cidadão, tornando transitória a submissão doméstica. ORGANIZAÇÃO POLÍTICA A) REX Monarquia eletiva. Os reis eramescolhidos pelo senado e pela população. Numa Pompílio foi aclamado rei pelo povo. Ele veio de outra cidade (comunhão cultural, cidadania baseada no domicílio).
  • 5. Os sete reis de Roma - Rômulo (753-716 a.C.); - Numa Pompílio (716-672 a.C.); - Tulo Hostílio (672-640 a.C.); - Anco Marcio (640-616 a.C.); - Tarquínio Prisco (616-578 a.C.); - Sérvio Túlio (578-534 a.C.); - Tarquínio, o Soberbo (534-509 a.C.). Competências do rei: - propor leis à assembleia das cúrias ou das centúrias; - guiar o exército; - administrar a vida da comunidade; - mediação entre homens e deuses (sacerdote); - juiz. B) SENADO Senado: grupo de homens descendentes dos fundadores de Roma (patrícios). Senatus – Senex. Durante a república este grupo será composto também por homens provenientes da plebe. Competências do senado: - ratificação das deliberações das assembleias (auctoritas); - interregnum: quando o rei morre é o senado, através de seus membros, que exerce as competências régias; - consilium, conselho do rei. C) ASSEMBLEIA DAS CÚRIAS Assembleia das cúrias: mais antiga assembleia do povo, composta por 30 cúrias, divididas em três tribos (Ramnes, Tities e Luceres/ 10 cúrias por tribo). Competências da assembleia das cúrias: - votar as leis propostas pelo rei; - votar a guerra e a paz - votar a adrogatio: permissão de adoção de um pater familias por outro (e consequentemente de toda a família desse). - aprovar a nomeação do rei; - conceder ao novo rei o poder supremo (lex curiata de imperio); Aspecto militar da assembleia das cúrias: - Cada cúria oferecia uma centúria, ou seja, cem soldados de infantaria e dez cavaleiros; - Cadatribo tinha 10 cúrias,ou seja,cadatribo oferecia mil homens e cemcavaleiros; - Resultado: o exército da cidade era composto por três mil soldados de infantaria e trezentos cavaleiros.
  • 6. - Neste período, a população total da cidade era de aproximadamente vinte mil pessoas (16,5% alistada no exército). - Honra em defender a cidade, cada um pagava as despesas para se armar. DINASTIA TARQUÍNIA (616-509), ORIGEM ETRUSCA A dinastia Tarquínia é composta pelos três últimos reis de Roma. - Tarquínio Prisco (616-578 a.C.); - Sérvio Túlio (578-534 a.C.); - Tarquínio, o Soberbo (534-509 a.C.). Eles sãode cultura etrusca e geramconsideráveis mudanças na sociedade romana. O papel desempenhado pelo rei em sociedade passa a ser envolvido em simbolismo, é afastado da população e é visto como uma tirania. Durante a Dinastia Tarquínia, Roma passa por uma forte mudança político-social. O sistema de produção não se limita mais àquele familiar, para uso doméstico. Reforça-se o comércio e ocorre o crescimento populacional. O poder dos patrícios diminui e a plebe passa a querer romper com hegemonia patrícia e o sistema de clientela (estabelecido entre plebe e patríciado nas relações de produção). Principal contribuição da dinastia Tarquínia: – criação do censo (controle periódico da riqueza da população). Sérvio Túlio divide a cidadania romana em base a riqueza: cinco classes votantes de acordo com a renda; a renda influencia também na organização do exército. – criação do Comício das centúrias (Sérvio Túlio: 587-534 a.C.) 1. caráter político e militar, que substituiu paulatinamente o comício das cúrias; 2. composição em base à 193 centúrias (organização militar, que passa a ser unidade votante) 3. com estrutura que dava mais poder aos que tinham mais dinheiro, em base ao censo; 4. maior força política para o exército; - ampliação do número de senadores: de 100 passa a ser 150. - Senado perde a competência de ser conselho do rei. - Rei sobrepõe-se fortemente aos demais órgãos de poder. Se antes as cúrias forneciam centúrias, agora patrícios de um lado (cavalaria) e plebe de outro (infantaria) vão se organizar em grupos diferentes que representam as centúrias. A distribuição das unidades votantes não ocorre mais em base à gens e território (cúrias), mas em base econômica. Os patrícios enquanto classes censitárias mais altas vão ter maior representatividade. Roma chega a ter 193 centúrias, mas estas não são chamadas cada ano para a guerra. Apenas 36 centúrias são chamadas por ano, o restante fica na reserva, ou seja, pode vir a ser chamado. Na assembleia das centúrias, os cidadãos vão armados para comprovar de qual classe fazem parte e a votação é feita fora dos muros da cidade de Roma, no Campo de Marte. Competência do comício das centúrias - eleição do rei - votação das leis;
  • 7. - decisão da guerra e da paz; - processos políticos nos quais se decidia sobre a vida dos cidadãos. Durante a dinastia tarquínia (etrusca) ocorrem as condições que levam à formação do sistema republicano, devido ao distanciamento do rei em relação à população e a acentuação da diferença de tratamento entre pobres e ricos, patrícios e plebeus. O rei tornou-se um tirano (aquele que governa apenas para si),fato que levou à aprovação no comício das centúrias da expulsão de Tarquínio, o Soberbo. O rei e asuafamíliaforam expulsos entre os anos de 510 e 509 a.C. Durante o reino desenvolve-se a jurisprudência pontifical: atividade jurídica exclusiva dos sacerdotes. O colégio que desenvolveu a jurisprudência para o direito interno (civil) foi o colégio dos pontífices (compilação/guarda do costume e do direito). Ius civile Papirianum: leis emanadas pelos reis de Roma e compiladas por Sesto Papirio para os pontífices durante o período real. A sistemática/organização na compilação das normas era desenvolvida pelos sacerdotes romanos desde Numa Pompílio e reflete-se na Lei das XII tábuas em base ao objeto a ser tutelado. FONTES DE DIREITO NO PERÍODO DO REINO O primeiro sistema jurídico romano é o ius quiritium (VIII-V), que regula prioritariamente as relações entre as famílias, e pouco regula as relações dentro das famílias. O objetivo do direito era assegurar a pacífica convivência entre as famílias na civitas. O ius quiritium é baseado nas seguintes fontes: - lei; - costumes e mores maiorum; - foedera (acordos entre os povos); - jurisprudência pontifical/ interpretatio dos pontífices O colégio dos pontífices era um colégio sacerdotal considerado o guardião do direito romano e mantinha o testemunho escrito de leis e costumes romanos. Os pontífices são os primeiros juristas romanos. INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO PESSOA No direito romano todo o ser humano é pessoa, ou seja, o escravo, a mulher, a criança, o estrangeiroeocidadãotêmum papeljurídico. A origemda palavra pessoa, remonta à máscara de teatro grego e transmite a concepção de “papel do ser humano no teatro do direito”. No âmbito jurídico, a palavra pessoa implica originalmente a concepção do papel (máscara) do homem no teatro do direito. O papel do homem no teatro do direito é variável de acordo com a situação jurídica da pessoa (status personae) e implica o seu enquadramento a partir de três ângulos diversos: o status libertatis, o status familiae, e o status civitatis. - Status libertatis (situação jurídica da liberdade): Dentro deste status o homem pode ser considerado como - livre: - ingênuo (nascido livre) - liberto (nasce escravo, mas torna-se livre). - escravo (servo).
  • 8. O escravo é pessoa por ser humano, mas também é entendido como propriedade devido ao seu status libertatis. O escravo que pertencesse a um romano e obtivesse a manumissão (alforria), tornava-se não apenas livre, mas também cidadão romano. - Status familiae: - Pater familias; - Filius familiae - Status civitatis: O status civitatis implica caracterizar o homem como cidadão, latino ou peregrino/estrangeiro. Nestas situações parte-se sempre da concepção de homem livre. O cidadão romano (civis) é entendido como parte do povo romano, unido a seus pares pelo mesmo ius, gozando de certos direitos e incumbidos de certos deveres. O status de latino apresenta peculiaridades que o colocam de forma intermediária entre o cidadão e o peregrino, dispondo de prerrogativas não estendidas como a eleição de homens latinos como reis romanos e a possibilidade de voto nas assembleias romanas, uma vez fixado o domicílio em Roma. Trata-se quase de uma cidadania romana em potencial suscitando o debate na doutrina sobre os latinos seremou não entendidos como estrangeiros, no sentido de estranhos ou externos à cultura romana. O peregrino equivale ao conceito hodierno de estrangeiro, tendo direitos e deveres reduzidos em relação ao cidadão romano. A tutela jurídica à pessoa inicia com a concepção. Embora o aborto não fosse proibido legalmente, era repudiado moralmente pela sociedade. Na Roma antiga já havia a previsão de alimentos gravídicos (alimentos prestados à criança durante a gravidez para o seu pleno desenvolvimento), pois reconhecia-se a diferença entre a mãe e o bebê. DIREITO PENAL ROMANO ARCAICO A relação entre direito e religião expande-se por todos os aspectos do sistema jurídico romano, ao ponto de ser chamado de sistema jurídico-religioso. O direito romano não é laico, mas permeado de religiosidade.O ius (direito) é baseadoprincipalmente nos costumes, herdados e construídos, dentro de Roma e nas leges regiae. O direito penal também era muito influenciado por fatores religiosos. O crime ou delito era considerado uma ofensa à divindade ou aos deuses em geral. Os deuses deveriam ser acalmados, através de rituais e sacrifícios, para não se voltarem contra toda a comunidade. Ao rei cabia estabelecer quais eramos delitos que ofendiam aos deuses e como acalmar a ira divina. Geralmente o rei aplicava normas jurídico-religiosas consuetudinárias, limitando-se a interpretá-las ou especificá-las, mas ele tambémpodia propor leis emassembleia (leis régias/ leis do período real). As leis régias não nos chegaram integralmente, mas apenas através de citações dos analistas, historiadores e eruditos posteriores. Cito como exemplo algumas leis régias do período de Rômulo: -o patrono e o cliente culpados por terem violado os seus deveres recíprocos seriam consagrados à deusa Dite e poderiam ser mortos por qualquer um; -a mulher grávida condenada à morte, seria executada apenas após o parto; -o marido não podia vender a mulher, sob pena de ser oferecido aos deuses.
  • 9. O sistema criminal no período arcaico é objetivo, não interessando, portanto, a intenção do autor, mas apenas o ato cometido. O direito romano classificacomo crime aquele de natureza publica, enquanto o delito é classificado como de natureza privada. Do período régio, conhecemos apenas dois crimes (natureza pública): o perduellium e o parricidium. - O perduellium seria a alta traição à cidade. Nesta definição eram enquadrados essencialmente: a relutância ao serviço militar, a deserção (militar), a passagem ao grupo inimigo em tempo de guerra ou qualquer tipo de atentado à ordem política constituída. - O parricidium ainda não é um crime bem delineado pelos estudiosos em direito romano. As hipóteses mais prováveis estão no homicídio do próprio pai (pater), de um outro paterfamilias (pai de família) ou de um senador (também chamado de pater). A pena prevista para o parricidium era colocar o condenado dentro de um saco com um animal, um galo ou uma serpente, e o lançar em água corrente (Rio Tibre). Os crimes romanos, por serem de caráter público, eram considerados também uma ofensa aos deuses. Nesse caso, se o crime não fosse expiado por meio de rituais e sacrifícios, os deuses se vingariamdo autor do crime e de toda a comunidade. Por isso a sanção proposta ao crime não é apenas uma sanção jurídica, mas é também uma sanção religiosa. A concepção jurídico-religiosa era a seguinte: “tu deves te comportar de determinada maneira, porque os deuses querem que seja assim. Se tu não te comportares assimos deuses se vingaramde ti e de todos nós (membros do grupo)”. O “nós”implica emresponsabilidade coletiva que obriga a família,gens e toda acomunidade a intervir, aplicando a responsabilidade individual, e punir o transgressor para que a punição ou vingança dos deuses não recaia sobre todo o grupo. REPÚBLICA: 509 – 27 a.C. Em 509 ocorre a expulsão da dinastia Tarquínia e a formação da República em Roma. Com a República modifica-se a forma de governo em Roma, deixando de lado os reis e instituindo dois cônsules (magistrados = ocupantes de cargos públicos), eleitos anualmente, que passam a governar a cidade. Durante a República ocorre uma forte expansão romana (zona de dominação ou influência) por meio de guerras e conquistas. Roma não impunha o seu direito, permitindo que as comunidades anexadas e aliadas continuassema viver de acordo com o próprio direito. CONSULADO A República é o contrário da realeza, porque dispõe de dois magistrados (cônsules) eleitos anualmente que governam a cidade em colegiado, um limitando o poder do outro, visando evitar atirania. Os magistrados maiores (cônsul,pretor ecensor) eram eleitos por meio de leino comício das centúrias e eram os únicos que podiam convocá-lo. Os cônsules não respondiam pelos seus atos durante o período do cargo e tinham como poderes: imperium e potestas. Imperium: poder de exigir de cada cidadão a obediência, a supremacia que encontra o seu limite apenas nos direitos essenciais do cidadão ou nas garantias dadas pela lei. Implica: -coercitio: faculdade de prender e de punir o cidadão culpado; -iurisdictio: administrar a justiçanas questões privadas. -imperium militiae: comando do exército;
  • 10. -imperium domi: poder de polícia no território da cidade; -ius agendi cum populo et cum patribus: poder de convocar reuniões dos comícios e do senado. POTESTAS Potestas: faculdade de expressar com a própria vontade aquela da comunidade, criando direitos e obrigações (origem no poder do pater familias). Os dois cônsules tinham poderes iguais e podiam exercitá-los salvo voto do outro. Na prática, porém, eles acabaram dividindo as competências, cada um mantinha atividades diferentes em base a um acordo. O consulado é em origem reservado apenas aos patrícios, mas em 367 a.C. houve uma grande revolta por parte da plebe, que conseguiu a sua participação na magistratura. Observou- seentão que a partir dessadata os plebeus e patrícios passaramaocupar o consulado, cada grupo representado por um cônsul. SECESSÃO DA PLEBE Em 494-3 a.C. houve a primeira secessão da plebe, que retira-se da cidade e se estabelece no Monte Sacro. Roma estava em meio à guerra latina (guerra de sobreposição dos romanos sobre as demais cidades do Latio) e os patrícios tinham medo de perder a guerra, então foram procurar pelos plebeus. Estabeleceram um acordo em que a plebe teria: - um concilium plebis (assembleia composta apenas por membros da plebe, sem a presença de patrícios); - dois tribunos da plebe (eleitos na assembleia da plebe); - plebiscitos (plebis scitum), ou seja, deliberações de normas válidas apenas para a plebe. Em 287 a.C. através da Lex Hortensia o plebiscito (deliberação da plebe) passou a valer para todo o povo romano. TRIBUNO DA PLEBE O tribuno da plebe não é um magistrado, por não desempenhar um cargo público (para todo o povo). O tribuno desenvolve um cargo relativo apenas à plebe e pode ser entendido como um representante da plebe junto às assembleias públicas, ao senado e aos cônsules. Os poderes do tribuno da plebe são: - Ius agendi cum plebe: convocação da assembleia da plebe; - Ius coercitionis: poder exercitável diante de todos os cidadãos, consiste no poder de: - multar; - prender revoltosos; - conduzir coativamente imputados de reatos de caráter político diante dos tribunais populares; - matar semo devido processo legal os inimigos do povo. - direito de veto diante das propostas dos magistrados que fossemcontrárias ao interesse do povo. Os tribunos tornaram-se órgão de proteção dos interesses plebeus contra os abusos dos magistrados. Neste sentido, podemos dizer que ele tem um poder negativo, de veto/proibição. Os tribunos eram eleitos naassembleiadaplebe e nessaera votada também os plebiscitos. Os magistrados eram eleitos no comício das centúrias.
  • 11. Dictator, o ditador era um cargo de magistratura extraordinária, ou seja, não de uso frequente que durava até seis meses em caso de guerra. Nesta situação, havia a suspensão das magistraturas ordinárias e concentração de todos os poderes nas mãos do ditador, dando maior rapidez e autoridade às decisões. O objetivo da ditadura é a sobrevivência de Roma nos momentos de crise. LEI DAS XII TÁBUAS Após a queda da monarquia, Roma passou por um período de instabilidade política e jurídica. Haviaa necessidadede consolidar arepública e buscava-sesegurançajurídica, as normas emanadas durante a monarquia estavam em decadência e não supriam mais as necessidades sociais. A plebe queria novas normas e mais direitos, como por exemplo, a permissão de casamento entre patrícios e plebeus. Por conta de tal fato, em 451 a.C. as magistraturas foram suspensas e o poder foi conferido a dois colégios sucessivos de dez homens (decemviros) para organizarem o direito, escrevendo as normas públicas e privadas que regiam a sociedade romana. Esses homens eram os decemviros e receberam a função de governar Roma com poderes plenos (como ditadores) durante um ano, enquanto redigiam as leis. Por conta de tais fatos, em 451 a.C. os decemviros publicaram X tábuas com dispositivos normativos que regulavam a vida social. As X tábuas, porém, não abarcavam ainda a totalidade das normas necessárias para a convivência social, deixando a positivação do direito de forma lacunosa. Por essa lacunosidade resolve-se manter o colégio dos decemviros mais um ano com o objetivo de colocar por escrito mais normas. Fez-se assim em 450 a.C. duas novas tábuas, resultando na Lei das XII tábuas. A Lei das XII tábuas foi colocada por escrito em tábuas de bronze e expostas em praça pública, no foro romano, para que todos tivessemacesso ao texto da lei (desconsiderando o forte analfabetismo da época). A Lei das XII tábuas trata de temas de direito público e de direito privado, pouco inovando e pouco atendendo as expectativas da plebe. Conforme os romanos, a Lei das XII tábuas teria apenas colocado por escrito os costumes da época, consolidando o poder patrício. A organização do texto foi feita de acordo com o objeto tutelado, alternando entre temas públicos e privados. Mesmo com a publicação da lei das XII tábuas os decemviros queriam ficar no poder de forma extraordinária, mas graças aodespotismo na pretensão de obtenção de uma jovem romana como escrava (Virgínia) fez-se uma revolução em Roma, tirando este poder dos decemviros e recolocando as magistraturas ordinárias (consulado e outros). A lei das XII tábuas ficou exposta no foro romano até o ano de 390 a.C., ano em que foi destruída no saque de Roma pelos gálios. Mesmo com a destruição das tábuas, continuou-se a conhecer o texto da lei pelo arquivamento de cópias junto ao senado e ao colégio dos pontífices e pelo conhecimento difuso das normas pela população. Cícero afirmou que a lei das XII tábuas era ensinada às crianças nas escolas, emforma de versos. É a partir da lei das XII tábuas que se desenvolve fortemente o ius civile, por meio de debate na jurisprudência pontifical. A jurisprudência sacerdotal já existia antes da Lei das XII tábuas, mas tornou-se ainda mais evidente e forte após a dita lei. PRAETOR Em 367 a.C.cria-seafigura do pretor urbano (praetor), enquanto magistrado. Inicialmente o cônsul administrava a justiça, mas com as constantes guerras em que Roma se meteu, os
  • 12. cônsules passaram a estar pouco tempo dentro da cidade e consequentemente tinham dificuldades em administrá-la. O pretor recebe então a função de administrar a justiça, e na falta dos cônsules ele administra a cidade. O pretor é magistrado menor em relação à dos cônsules, possuindo imperium e potestas “minor”, mas com limite de atuação. Tem iurisdictio e ius agendi cum populo. Por este motivo, na ausência dos cônsules em Roma cabia ao pretor administrar a cidade. O pretor era eleito pelo comício das centúrias e no ato da sua nomeação ele proclamava da tribuna o edito pretório (decreto no qual anunciava as linhas diretivas em base às quais ele administraria a justiça no exercício do cargo). Inicialmente o edito do pretor não o vinculava efetivamente no exercício de suas atividades, mas com o passar do tempo, o edito passou a vincular as atividades do pretor principalmente no que era concernente às lacunas do sistema jurídico, tornando-se fonte do direito romano. O pretor urbano recebia litígios que envolviam tanto romanos, quanto estrangeiros. O crescente número de processos que envolviam estrangeiros gerou a necessidade de criação de uma magistratura específica para administrar os litígios que os envolvessem. Em 242 a.C. criouse então o cargo de pretor peregrino. A partir de então, cabia ao pretor urbano administrar a justiça entre os cidadãos romanos, aplicando o ius civile e o ius honorarium (conjunto de normas jurídicas originadas da consolidação do edito e de algumas decisões do pretor); e cabia ao pretor peregrino a administração da justiça nos casos que envolvessem estrangeiros ou romanos x estrangeiros, aplicando o ius gentium. Comício das tribos: último comício criado, por volta do III a.C., assembleia de todo o povo dividido em 35 tribos (4 urbanas e 31 rústicas) cada tribo expressando um voto, convocados pelo cônsul ou pretor, tinham competência para: - aprovação de provimentos legislativos (lex); - nomeação dos magistrados menores. SISTEMAS JURÍDICOS VIGENTES EM ROMA Em Roma, a sociedade era organizada em base a três sistemas jurídicos, aplicados na teoria e/ou na prática de acordo com o status civitatis. - ius naturale: direito presente na natureza (entre os animais). Exemplo de instituição do ius naturale: matrimônio com fim de procriação, tutela dos filhos, legítima defesa. Este sistema era usado a nível teórico entre os juristas. - ius civile: direito praticado dentro da cidade de Roma pelos seus cidadãos (cives). Tipo de sistema jurídico usado para resolver litígios entre cidadãos. - ius gentium: direito das gentes, normas e institutos jurídicos presentes nos diferentes povos, ex.: escravidão, matrimônio, posse, propriedade, compra e venda. Tipo de sistema jurídico usado para resolver as relações entre estrangeiros e entre cidadão x estrangeiro. Os três sistemas (ius naturale, ius civile e ius gentium) funcionam como círculos em intercessão, onde um sistema pode conter normas ou institutos jurídicos também presentes nos demais sistemas.1 1 Em paralelo aos três sistemas têm-se o ius honorarium, que não chega a ser um sistema jurídico, mas um conjunto de normas restritas, originárias da consolidação do edito e de algumas decisões do pretor.
  • 13. FONTES DO DIREITO NO PERÍODO REPUBLICANO - leis; - costumes (mores maiorum); - iurisprudentia/jurisprudência: pontifical (maior privilégio) e laica; - plebiscito; - senatus-consultum (deliberações do senado dirigidas aos magistrados); - ius honorarium (edito e decisões reiteradas do pretor) - foedera (tratados); INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO MATRIMÔNIO Segundo o ius naturale, o matrimônio é a união do macho e da fêmea (Dig. 1.1.1.3); segundo o ius civile, é o ato jurídico que qualifica a união entre um homem e uma mulher, em comunhão de vida, com o objetivo de constituir família. O objetivo do matrimônio de acordo com o ius naturale e o ius civile é a procriação, ou seja, ter filhos. Características do matrimônio romano: - monogamia; - exogamia (casamento fora da família); - affectio maritalis: “aceitação racional das partes”; não é o amor, trata-se da vontade consciente de estar e permanecer casado. Requisitos do matrimônio válido: •Recíproca capacidade matrimonial: - que estejam em idade púbere (cerca 12 e 14 anos), capacidade adquirida através de uma inspeção no corpo nos futuros esposos; - que sejamlivres; (emorigem deveriam ser ambos cidadãos romanos da mesma ordem, mudança com a Lex Canuleia de 445 a.C.). •que não sejamparte da mesma família, parentes de 2° grau e nem cunhados;
  • 14. •consenso daquele que tem a potestas sobre os futuros cônjuges, assimcomo de todos os ascendentes intermédios entre o pater familias e o esposo. As consequências da validade do matrimônio: •na legitimidade dos filhos. Se os pais são casados, a criança segue o status (cidadão ou não) do pai; se os pais não são casados a criança segue o status da mãe. Esta regra é observada em todo o mundo antigo; •submissão à potestas do pater familias e ao status (cidadão ou peregrino) deste; •expectativa de sucessão; O matrimônio distingue-se em dois tipos, quanto à transmissão da manus (potestas sobre a mulher): cum manu e sine manu • matrimônio cummanu é o ato jurídico no qual a mulher saide suafamíliade origem e entra em uma nova família, na condição de filha e com a particular função de dar descendência legitima ao pater familias ou a um de seus descendentes. No matrimônio cum manu ocorre a transferência da manus (poder) sobre a mulher para a família do marido. A mulher rompe todos os vínculos com a sua família de origem e assume a situação de filha na nova família, criando vínculos familiares e jurídicos com esta. Fim da expectativa de sucessão em relação a sua família de origem. Com a dinâmica da sociedade romana, melhora das condições econômicas e início da liberalização dos costumes, durante a República, houve a adaptação do direito e se criou o matrimônio sine manu (provável surgimento entre os séculos V-III a.C.), mantendo a mulher protegida sob a potestas da sua família de origem, embora morasse com o marido. No matrimônio sine manu (sema transferência da manus/poder sobre a mulher) a esposa não rompe o vínculo com a sua família de origem. O matrimônio é temporário e mantém o objetivo de procriação. A mulher neste tipo de matrimônio não se torna parte efetiva da família de seu marido e não terá nenhum direito sobre seus filhos e nem expectativas de sucessão em relação à família do marido. Com a morte do marido ela volta a habitar com a sua família de origem. DOTE O dote não é uma pratica presente desde as origens do direito romano. Estesedesenvolve com a mentalidade de cooperação dos cônjuges na vida econômica e moral da família. O dote origina-se dentro do matrimônio cum manu. A mulher, então, privada da expectativa de sucessão em relação a sua família de origem, passa a levar consigo alguns bens para a família do marido, como forma de indenizá-la pela ausência na sucessão e de servir como contribuição para a vida conjugal e despesas da esposa. Ao entrar na potestas do marido ou de seu pater familias, automaticamente todos os bens desta eram transmitidos aquele. No matrimônio sine manu o dote também pode ocorrer, mas como contribuição às despesas da esposa, uma vez que sua expectativa de sucessão emrelação a sua família de origem mantém-se intacta. O dote na concepção romana não pode ser visto como um negócio jurídico, mas como uma obrigação social ou como um fim econômico a ser perseguido por meio do matrimônio. Manifesta-se na sociedade romana a tendência de restringir o uso do dote ao interesse da mulher. Com a dissolução do matrimônio o marido ou pater familias daquele era obrigado a devolver o dote à esposa. A restituição é imediata para coisas infungíveis (coisas que são
  • 15. consideradas na sua específica individualidade) não estimadas e em três parcelas anuais no que se trata de dinheiro e outras coisas fungíveis (bem móveis que podem ser substituídos por outros da
  • 16. mesma espécie, qualidade e quantidade – coisas que se contam, medem ou pesam e não são consideradas em sua individualidade). Caso o pater familias não o fizesse, era cabível a ação rei uxoriae para reaver os bens do dote com a dissolução do matrimônio. A ação só pode ser proposta pela parte prejudicada (ex esposa). POSSE E PROPRIEDADE Posse – situação de pertença de uma coisa a um sujeito; era caracterizada pela material disponibilidade da coisa, a qual era acompanhada da vontade de ter para si (origem da propriedade romana). A propriedade é o senhorio do homem sobre a coisa, garantido pelo direito através da exclusão de outro poder sobre a coisa. É o direito que faz com que a vontade do titular seja decisiva em relação à coisa. Direito de usar, gozar, dispor (alienar, abandonar, destruir). A propriedade romana é em específico voltada para a propriedade fundiária. Desta ideia de absoluto sobre a coisa nascem os direitos reais enquanto relação do indivíduo com a coisa, no sentido de trazer-lhe algum direito de agir. Reflete o poder do pater-familias principalmente no seu caráter absoluto (sem limitações). Em origem o pater-familias era titular único do direito sobre a sua casa e coisas. Ele era um pequeno soberano. PASSAGEM POLÍTICA DA REPÚBLICA AO IMPÉRIO Triunvirato: conceito No século I a.C., entre 59 e 53 a.C., houve o primeiro Triunvirato Romano, formado por Júlio César, Pompeo Magno e Marco Licínio Crasso. Tratava-se de um acordo informal de favores entre os três fortes personagens da sociedade romana. O segundo Triunvirato foi oficialmente reconhecido, sendo chamado de Triunviros para a Organização do Povo. Este foi formado em 43 a.C. por Octaviano Augusto, Emílio Lépido e Marco António, tendo estes o poder supremo por 5 Anos. Júlio César, centralização do poder, ditador entre 48 e 44 a.C. Em 44 a.C. César Morre, desde então Otaviano Augusto vai juntando poderes para tornar-se imperador/príncipe. Império: 27 a.C. – 476 d.C. Período Clássico, séculos II a.C. ao II d.C. O período imperial é dividido em duas fases: - Principado 27 a.C. – 285 d.C.; - Dominatio 285 d.C. – 476 d.C. Principado 27 a.C. – 285 d.C. Opríncipe é o primeiro cidadão entre os senadores, qualificando o governo de Roma como diarquia/dualidade: o príncipe e o senado. Durante o I século a.C. ocorre já o esvaziamento das instituições republicanas, ao ponto de Otaviano afirmar que quer restaurar as instituições republicanas. Na realidade durante todo o principado acentua-se que as entidades republicanas vão sendo paulatinamente esvaziadas durante o I d.C., ao ponto que as assembleias deixam de aprovar leis. O príncipe ganha poder e em base a auctoritas passa a ter uma atividade normativa autônoma. A figura do príncipe passa a ser regida por dois princípios basilares. - O príncipe está acima da lei (princeps legibus solutus);
  • 17. - As disposições normativas do príncipe tinham valor de lei (quod principi placuit, legis habet vigorem). A atividade normativa do príncipe chama-se de forma genérica constitutio (constituição) e torna-se a principal fonte do direito, abarcando os tipos: - edicta (normas de caráter geral e abstrato), - mandata (instruções voltadas aos funcionários imperiais), - rescripta (pareceres do imperador sobre pontos obscuros do direito), - decreta (decisões do imperador quanto a casos específicos) e - epistulae (instruções ou conselhos voltados a magistrados imperiais sobre determinadas situações). Durante o período clássico (séculos IIa.C. a IId.C.), o direito romano estabilizou-se por conta da intervenção do príncipe e a jurisprudência sofreu com isso sendo diferenciada pelo poder central (ius respondendi) e absorvida na mesma organização burocrática imperial que lançou as bases para uma nova concepção de direito, que era cada vez menos fruto do povo e cada vez mais ligada à figura do príncipe. - Direito como vontade do príncipe; - Norma como imposta por um poder legiferante. Roma dominava uma vasta região da Europa e do norte da África, mas não impunha a totalidade do seu direito aos peregrinos (estrangeiros). Mapa do Império Romano em 117 d.C.: sob o Imperador Trajano
  • 18. 212 d.C. edito de Antonino Caracalla – todos os residentes no império romano tornam-se cidadãos. A concessão da cidadania teve reflexos no que concerne o direito a ser aplicado nas diferentes províncias. Enquanto até 212 d.C. cada um dos povos sujeitos aRoma tinha continuado a viver, no que concerne às relações familiares e patrimoniais, de acordo com o seu próprio direito; a partir da Constituição de Antonino Caracallatambémnessas relações passavaater vigor o Direito romano. O direito romano passaaser imposto às pessoas de diferentes partes e culturas do império romano. Entre o Direito romano e aquele dos outros povos as margens do mar mediterrâneo existiam grandes diferenças. Nem mesmo a maior vontade de seguir o direito romano teria sido suficiente para vencer a pressão do direito local. Delineou-se então desde o século III d.C., entre o Direito romano e os outros Direitos uma espécie de resistência e de adaptações. Os Direitos dos povos conquistados prevaleceram em muitos aspectos sobre o Direito romano, gerando uma adaptação na aplicação desse de acordo com o Direito local. O direito romano torna-se então “corrompido”, sendo flexibilizado na prática pelas diferentes culturas (ver tema transversal sobre cidadania). Problemas de sucessão ao trono do império: muitos eram filhos, pertenciam à mesma casa imperial. Durante o século I d.C. criou-se a possibilidade que o príncipe adotasse aquele que ele escolheu para a sua sucessão. Dinastias: Giulio-Claudia; Flavia; Antonino; Severo. DOMINATIO O principado vai até 285 a.C., quando sobe ao poder Diocleciano(285-305 d.C.) e inicia a dominatio, espécie de monarquia absoluta, onde a eleição do imperador ocorre através da pressão do exército. Sob Diocleciano o Império romano (dominava todo o mediterrâneo e a maior parte do mundo conhecido) foi dividido em: Império romano do ocidente (instável, cai em 476 d.C.) e o Império romano do oriente (estável, cai em 1452/3). Os dois impérios interligados possuíam cada um Augusto (imperador) e um César (vice-imperador). 297 d.C. Tetrarchia: divisão do império romano entre dois imperadores (augustos, com pares poderes), auxiliados por dois Césares: Diocleciano - Costanzo e Maximiano – Galério. 297 d.C. Divinização do imperador. O objetivo da divisão e criação de dois imperadores com “vice” era evitar a instabilidade que ocorria quando da morte do imperador sem deixar sucessor. Os dois imperadores trabalhariam em sincronia sendo, porém, os decretos de um imperador valiam apenas na parte em que aquele administrava, devendo ser ratificados pelo outro para que vale-se nas duas partes do império.
  • 19. 313 d.C. edito de tolerância de Constantino – edito de tolerância religioso. A partir de então Constantino começa a apoiar ao cristianismo, subvencionando-o com terrenos e dinheiro para a construção de igrejas. Concílio de Nicéia em 325 d.C., definição dos textos bíblicos. Batismo. 390 d.C. Edito de Tessalônia: imperador Teodósio torna o cristianismo religião oficial do império. Durante a dominatio observam-se os primeiros esforços de codificação, com obras privadas usadas para a o aprendizado do direito. Caráter pedagógico da codificação. Diferenciar Codex de Liber. Códigos privados são coletas de constituições imperiais feitas no império romano do oriente. Os primeiros códigos são coletâneas feitas por privados. - Codex Gregorianus, 291 d.C. (com constituições de 196 d.C. à 291 d.C.); - Codex Hermognianus, 295 d.C. Códigos públicos/oficiais: - Codex Theodosianus, 438 d.C.: influenciou a legislação dos reinos bárbaros como a dos Visigodos (oeste da França e Espanha por meio da Lex romana visigothorum – breviário de Alarico, 506 d.C.) e dos Longobardos (Edictum longobardorum – Rei Rotário 634 d.C.). FONTES DO DIREITO NO PERÍODO IMPERIAL As constituições imperiais tornam-se a principal fonte do direito. Odireito romano clássico contrapõe-se ao um direito vivo, usado pela população. Torna-se um direito imposto por Roma a todas as demais partes do império.
  • 20. Com o Império ocorre uma expansão das fontes do ius civile. Têm-se então as leis, os plebiscitos, os senatus consultum, o edito dos magistrados, os decretos do príncipe e a jurisprudência. Os costumes embora sejamelementos basilares nacultura romana, sãocolocados em segundo plano diante dos elementos citados. TEMAS TRANSVERSAIS DE DIREITO ROMANO: 1. CIDADANIA; 2. JURISPRUDÊNCIA; 3. TORTURA Civis, hostis ac peregrinus. Representações da condição do homem livre na ordem jurídica da Roma antiga Arno Dal Ri Jr. * ; Luciene Dal Ri ** Cum igitur hominum causa omne ius constitutum sit (...) Herm. dig. 1.5.2 * Doutor em Direito Internacional pela Universidade Luigi Bocconi de Milão, com pósdoutorado pela Université Paris I (Panthéon-Sorbonne). Mestre em Direito e Política da União Européia pela Universidade de Pádua. Professor de Teoria e História do Direito Internacional nos cursos de graduação e de pós-graduação stricto sensu em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Endereço: Avenida Luiz Boiteux Piazza, 4410, casa 35, cond. Blascke, Ponta das Canas, Florianópolis – SC. Cep: 88.056000.E-mail: arno@ccj.ufsc.br. * * Doutora em Direito Civil-romanístico pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestre em Estudos Medievais pela Pontificia Università Antonianum. Professora de História do Direito no curso de graduação em Direito e no programa de pós-graduação stricto sensu, Mestrado e Doutorado, em Ciência Jurídica na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Endereço: Rua XV de Novembro, 100,apto. 93. Itajaí – SC. Cep. 88301-420. Telefone 47 33441084/47 96654806.E-mail: luciene.dalri@univali.br. 1. Introdução Entre os mais significativos jurisconsultos de seu tempo, Hermogeniano afirmava que “o direito é constituído por causa dos homens”. Forte no seu conteúdo, a frase contempla no direito
  • 21. o fenômeno regulador das relações sociais, das relações entre homens. A condição do ser humano no universo jurídico da Roma Antiga, ou seja, o status personae, manifesta-se como a forma de enquadramento normativo dos vários tipos de sujeitos que se abrigariam sob a expressão “Pessoa”.2 Rico nas suas nuances, o status personae pode ser analisado a partir de três ângulos diversos: o status libertatis, o status familiae, e o status civitatis. O enquadramento em cada situação jurídica reflete-se nas suas próprias variáveis. Com isso, pode-se notar a existência de uma concepção imersa em um sistema jurídico, onde todos os elementos estão interligados. Dentre as situações jurídicas da pessoa, o status que sofreu maior variação de suas normas no tempo foi o status civitatis. Assim se deu em razão deste último ter sido um dos principais instrumentos jurídicos utilizados por Roma nas suas relações com o interior e com o exterior do povo romano, definindo quem é cidadão, e consequentemente, quem não é. Observa-se porém que a abertura de Roma ao estrangeiro foi profundamente modificada entre o período final do reino e a metade do período republicano, enrijecendo a política de abertura ao estrangeiro e de concessão da cidadania, sem para tanto alterar o processo de expansão de Roma e de aumento da civitas, concebida como potencialmente universal. A mudança de parâmetros na relação com o estrangeiro e o enrijecimento na política de concessão da cidadania são os temas desta contribuição, que investiga as causas externas e as consequências internas de tais fatos. Para a compreensão dos institutos relativos ao status civitatis e, consequentemente, à participação na civitas, será utilizada uma abordagem das fontes romanas jurídicas e literárias. Dar-se-á, ainda, ênfase à terminologia utilizada, tomando em consideração o fértil debate da doutrina sobre o tema. Para uma melhordelimitaçãodo civis,aborda-se também, emcontraponto à cidadania, a condição de “não romano” que abrange tanto o status jurídico de latinus, quanto o status jurídico de peregrinus. 2. Primeira construção da “Cidadania” A Roma antiga apresenta nos conceitos de Quiris e de civis, ligados intimamente à noção de status civitatis e de civitas – enquanto elementos que vinculam o ser humano como tal a uma 2 Sobre a identificação entre homem e pessoa no direito romano, particularmente em Gaio,ver LUBRANO, 2002, p. 191 s.
  • 22. determinada ordem jurídica –, delineamentos que conduzem a uma “ideia de cidadania”. Deste modo, portanto, o Quiris, e posteriormente o civis, seriam entendidos como partes do povo romano, unidos pelo mesmo ius, gozando de certos direitos e incumbidos de certos deveres. Tudo isso por, justamente, serem considerados parte do povo romano. O uso linguístico mais antigo para identificar a “pessoa parte” do populus Romanus Quirites ganha abrigo na expressão Quiris. A este se aplicava o ius Quiritium, enquanto particular esfera do ius concernente à cidadania.3 A origem e a aplicação dos termos remetem ao período arcaico4 . O significado e a origem do termo Quiris são incertos, embora seja pacífico na doutrina a sua concepção como cidadão e antecedente histórico de civis. As passagens que tratam o termo Quiris denotam-no como pessoa que participa do populus Romanus Quirites na sua universalidade, refletindo a parte e o todo. A concepção de civis deve ser trabalhada em conjunto com a concepção de civitas, visto a origem e a intrínseca ligação existente entre os termos. A civitas era inicialmente a qualidade própria do cidadão, desenvolvendo posteriormente o significado de conjunto de cidadãos5 . Fruto deste fenômeno, a construção da cidadania enquanto instituto jurídico da Roma antiga não é delineada apenas como uma ligação entre partes da comunidade, formando-a, mas é vinculada a um espaço geográfico de exercício de tais direitos. Será o território da cidade, o interior do pomerium, a dar concretude, materialidade, a este espaço. Por este motivo, a concepção de cidadania no universo jurídico romano é intimamenteligada a um direito do cidadão da cidade.6 a) A pertença à gens 3 O conceito ius Quiritium será utilizado mesmo em fontes de idade imperial para indicar o direito de cidadania romana,e em particularaqueleconcedido aoslatinos,enquanto no caso da concessão aos peregrinoso termo mais usado era de civitas romana. CATALANO, 1974,p. 146: «Ius Quiritium e civitas Romana sono espressioni, riferentisi allo status di „cittadino‟ romano, cioè di parte del populus Romanus Quirites, le quali hanno origini storiche diverse. La prima espressione è certamente più antica (come Quiris è anteriore a civis) e risponde a una concezione di populus più concreta, in cui prevale l‟aspetto della pluralità dei Quirites; la seconda, pur sempre concepita come ius omnium risente in qualche modo del processo di astrazione subito da populus in connessione al decadere dell‟importanza politica e sociale dei comitia». 4 O período arcaido pode ser definido, segundo Orestano (1967, p. 40), como o período que compreende a data tradicional da fundação deRoma e a Lei das XII tábuas. 5 Dentro de uma análise semântica, Crifò (2004, p. 26 s.) teoriza que a passagem do significado de civitas como cidadão parao significado deconjunto decidadãoseposteriormentecidaderefletea lógica deconstrução deRoma. A civitas romana é então concebida como uma organização social baseada na estrutura patriarcal-gentilícia religiosa,feita a partir do cidadão epara o cidadão.Ver CRIFÒ1,2004, p. 24. 6 A afirmação de Crifò (2004, p. 28) sobre o vínculo entre o instituto de cidadadania e o território romano é contraposta à de Gaudemet (2002, p. 180) “La citoyenneté dans la Rome classique n'implique aucune référence à une donnée territoriale”.Cabe delinear, no confronto entre os dois autores, a ligação entre cidadania eterritório
  • 23. Desde as primeiras fases do período arcaico, um dos elementos de maisforte caracterização do civis romano encontra-se no fato de se pertencer ou não a uma gens romana. Consideradas organismos anteriores e constituidores da civitas, a gens e a família assumiam a condição de pressupostos políticos e sociais de Roma. O pressuposto de liberdade e de vínculo com Roma, concretizado no fato de pertencer a uma gens, pode ser observado desde o período mais remoto da cidade. Este é transmitido através do nascimento, como delineia o jurista romano Gaio, na sua obra Institutiones. É muito claro na exposição de Gaio que o sistema jurídico romano era baseado no critério ius sanguinis para a concessão da cidadania, estendendo-a também por adoção, por manumissão (concessão da liberdade ao escravo) e concessão individual ou coletiva. b) A pertença ao populus As diferentes interpretações dadas às fontes e ao termo populus em relação às suas partes (os cidadãos) e à constituição romana, com as suas conseqüências, fazem com que o estudo do tema torne-se bastante complexo. As doutrinas alemãs e italianas, neste âmbito, forneceram contribuições fundamentais para o debate, apresentando contrastes e intersecções, em muito fruto de uma forte influência filosófica e política. Mesmocom tantas interpretações a concepçãodo termo populus, em relaçãoà sua origem filológica poplus-, encontra-se pacificada na doutrina sendo considerada como “multidão”, também relativa a um “insieme di armati”.7 Deixando de lado a concepção política de povo, opta- se em centrar o debate no que concerne à composição e às prerrogativas do povo em assembléia, elementosque ainda são fonte de inumeras controvérsias doutrináriais, estas últimas surgidas em teorias que se delineiam a partir do século XIX. para o exercício de alguns direitos como o ius suffragii e a provocatio ad populum (até o início do II a.C.), pondera- se, porém, que concessão da cidadaniaromana não encontra limites emorigem e território,podendo ser adquirida por qualquer homem. Ver a propósito da concepção espacial romana:CATALANO, 1978, p. 479 ss. 7 A origem indoeuropeia do termo é encontrada também junto aos Umbros através do termo poplo-, sobre a definição latina de poplus e aquela umbra de poplo-, teuta/tota-, ver: CATALANO, 1965, p. 486, nt. 144ª; CATALANO, 1974, p. 108 e ss.especialmente p. 114, que indica DEVOTO, 1954, p. 29 s. Diversamente, COLI, 1958, p. 79 ss.;DE FRANCISCI, 1959, p. 736.
  • 24. A composição do povo, no período arcaico, é apresentada pela doutrina através de duas correntes: a) a primeira delas limitando a concepção de povo ao conjunto de pessoas que teria a cidadania, concedida somente ao elemento gentilício. Nesse sentido, o povo reunido em assembléia mantém o caráter gentilício da mesma, como acontece nas teorias propostas por Mommsen8 e por De Martino (1973, I, p. 89 ss.)9 ; b) a segunda, afirmando a ausência em época mais antiga do exclusivismo da cidadania como elemento de composição do povo, como manifesta Bellini (1961, p. 226 e ss.).10 Com uma orientação diferente, mas sempre voluntarista, Catalano (2003, p. 101), afirma a composição do populus por homens, que vivem de acordo com o direito romano.11 Nesse sentido, também manifesta-se Amirante ao afirmar que a aplicação do conceito de cives expande-se aos latinos, devido à comunhão de direito e religião.12 A hipótese sustentada por Mommsen (MOMMSEN, 1887, III, p. 5 ss.) e por De Martino (DE MARTINO, 1973, I, p. 79 e 106 ss.), afirmando a fundação da cidade com a divisão da população em duas categorias (plebéia e patrícia), sendo a plebe excluída da cidadania por não pertencer à federação originária das gentes não encontra respaldo nas fontes que tratam do período régio. O próprio De Martino (1973, I, p. 106 ss.) reconhece que a sua proposta de estrutura federativa é incompatível com a tradição da fundação de Roma. 8 MOMMSEN, 1887,III,p. 03: “so dass die Bürgerschaft im rechtlichen Sinn gebildet wird durch die Gesammtheit der zur Zeit vorhandenen freien Geschlechtsgenossen, der quirites, später cives”. O povo demonstra-se nessa interpretação como soberano e investe o rei no seu poder, assimilável a uma magistratura únicaevitalícia.Aplebe passou a participar ativamentedas decisões tomadas emassembléia somentecom a reforma serviana. Ver: CARLE, 1888,p. 180; ss.COSTA, 1906,p. 49. 9 DE MARTINO, 1973,I, p. 89 ss.: “Entrambi i organi di questa primitiva comunità di villaggio erano esclusivamente patrizi, il che significa che il popolo era costituito ancora soltanto da coloro che appartenevano ai grandi gruppi gentilizi”. 10 A interpretação de Bellini identifica-secom alguns aspectos daquela de Jhering, que partindo da tradição relativa à origem de Roma entende o povo romano como formado por homens provenientes de diferentes origens. JHERING, 1880, I, p. 94 ss. 11 Como conseqüência dessa concepção o direito romano não éfeito para os cidadãos romanos,mas paraos homens, evidenciando o seu universalismo.Em contrapartida constata o autor uma forte política deconcessão da cidadania que concebe o “ser romano” através do viver de acordo com os costumes e a cultura romana,ver Cic. rep. 1,39 e Alf. dig. 5,1,76. 12 Luigi Amirante (1991,p. 109 ss.) baseando-seno relato de Lívio e Strabão analisaa aceitação deestrangeiros como reis de Roma e conclui que: “Non potrebbe essere più
  • 25. Nesse sentido, Plutarco, Floro, Lactancio, Eutropio, Agostinho e Columela, ao tratarem da fundação da cidade e da formação do povo romano, prescindem do elemento gentílico e não tratam de cidadania.13 O conceito de povo vem então proposto como “una 'multitudine' avente certe caratteristiche. Non si tratta di una cosa 'personificata', quale lo 'Stato'” (CATALANO, 2003, p. 101). O “povo” passa a ser apresentado como algo concreto, permitindo uma abstração somente enquanto unidade, ou seja, conjunto de homens. Não se condiciona pelo elemento gentilício, enquanto portador de cidadania, mas fundamenta-se no voluntarismo da multidão e, conseqüentemente, dos homens em viver de acordo com o direito romano14 . O termo “multidão” denota o reconhecimento de todos os seres humanos (homens e mulheres) como parte do populus. Tal fato somado à abertura da comunidade dentro da Liga latina ainda em tardo período régio demonstra independência em relação a um conceito exclusivista ou étnico de cidadania. Essa, em período arcaico, era baseada em uma concepção universalista ou voluntarista, que reconhecia aos habitantes de Roma, independente de suas chiaro che qui peregrinus sta ad indicare colui che non è latino, che appartiene ad altro diritto e ad altri culti. E per converso come cives 'concittadini', coloro che hanno in comune diritti e religione”. 13 Plutarco (Rom. 9,3), Floro (Epit. 1,1,9), Lactancio (inst. 2,6), Eutropio (Brev. 2,1), Agostinho (civ. 1,34) e Columela (r.r. 1 praef. 18). De forma pouco clara Dionísio de Halicarnasso (2,9,2) afirma que Rômulo confiou os plebeus aos patrícios, não identificando a composição das duas categorias. Sobre cidadania romana, ver CRIFÒ, 1960,p. 1 ss.; CRIFÒ, 2003, p. 23 ss. Sobre Asilo: CRIFÒ, 1958, p. 191 ss. 14 Sêneca (ira, 2,31,7) transcende à cidadania através do universalismo, ao tratar da pátria em base a concepção de pertença a uma “cidade” ainda maior : “Nefas est nocere patriae; ergo ciui quoque, nam hic pars patriae est — sanctae partes sunt, si uniuersum uenerabile est; ergo et homini, nam hic in maiore tibi urbe ciuis est. Quid si nocere uelint manus pedibus, manibus oculi? Vt omnia inter se membra consentiunt quia singula seruari totius interest, ita homines singulis parcent quia ad coetum geniti sunt, salua autem esse societas nisi custodia et amore partium non potest”. Nesse sentido, o jurista Alfeno (dig. 5,1,76), compara o povo a um corpo, que pela sua espécie defini-se como tal, independente da mudança das suas partes. origens, a possibilidade de fazer parte do direito romano.15 Nesse sentido, Bellini16 afirma que havia originariamente uma relação de igualdade entre as comunidades, permitindo um contínuo intercâmbio dos seus elementos constitutivos. Tal teoria implica na ausência em época mais antiga de uma imposição racial no que concerne a cidadania. Ser cidadão “implique la volonté politique qui fait d'un homme un quirite, c'est-à-direle rend partie du populus Romanus Quirites”(CATALANO, 1982, p. XXII; 2003, p. 101)13 . 13 Ver Cic.rep. 1,39 e Alf. dig. 5,1,76.
  • 26. É, consequentemente, viver de acordo com o direito romano. Com isso, Roma passa a valorizar, então, uma forte política de concessão da cidadania baseada no viver de acordo com o direito e a cultura romana.14 Os princípios de civitas augescens e civitas amplianda estariam presentes no universalismo romano – para a concessão da cidadania –, através do instituto de asilo de Rômulo no Capitólio15 , manifestando-se também na manumissio dos escravos, bem como no fato de a plebe ser vista, 15 Essa mesma concepção universalista, embora com novos instrumentos, se fará presente em 212 d.C. com o edito de Antonino Caracala, que expande a cidadania, salvo exceções, a todos os habitantes do império. 16 BELLINI, 1961, p. 226:“Nell’assenza per l’epoca più antica di un esclusivismo cittadino (che solo lentamente si verrà maturando), le comunità tribali si trovano su un piede di parità, che permette un continuo interscambio dei loro elementi. Dei re di Roma, escludendo i mitici fondatori Albani, Tullo è di Medulia, Numa e Anco di Cures. Assumendo che sotto i fatti storici si nasconda un fondamento storico, può supporsi che cosi si localizzassero nell'oppidum romano capi di formazione più vaste, comprensive delle località di origine, ovvero che il sentimento comunitario rendesse facile l'interscambio degli elementi dirigenti: probabilmente le due cose allo stesso tempo, in una realtà che può suporsi fluida e non definita. (...) sotto questo punto di vista il Ius Latii dell’epoca storica non sarebbe la condizionata elimitata estensione alle comunità sociae dei diritti della civitas, ma èil sopravvivere di un’eguaglianza sociale che, al sovvraporsi della organizzazione cittadina e nel processo di giuridicizzazione del costume, permane sotto la forma di un privilegio concesso dalla città egemone”. O autor indica como trabalho anterior com a mesma concepção: SHERWIN WHITE, 1939, p. 10. Concordando com Bellini sobre a fluidez do “stato di cittadinanza” SERRAO, 2006, p. 204. Em contraposição, Ellul entende que a igualdade ocorre somente entre as cidades latinas desde o inicio por conta da origem religiosa em comum. Os latinos, provenientes de Alba terminam por ter instituições próximas e que os permite de usar um direito comum. ELLUL, 1999,p. 232. enquanto conjunto de homens não ligado a nenhuma gens, também como civese, portanto, como partes do povo (CATALANO, 2007; 1974, p. 116 ss.; 1982, p. XXII s.). Tal fenômeno faz com que o elemento voluntarista, presente a partir da fundação de Roma – voltado sobretudo a construção de um povo constituído pelo conjunto de cidadãos –, conduza a uma concepção universalista de cidadania que, por sua vez, gera uma concepção universalista do direito romano, feito não somente para os cidadãos romanos, mas para os homens. Essa concepção sofreu modificações a partir do final do reino e metade da república. Neste período o reconhecimento de igualdade entre os elementos das comunidades passou a ocorrer apenas entre latinos e revestindo-se daquilo que se tornaria o ius latii. Tem-se dessa forma uma 14 Nesse sentido, também se manifesta Amirante ao afirmar que a aplicação do conceito de cives expande-se aos latinos, devido à comunhão de direito e religião. Amirante (1991, p. 109 ss.) baseando-se no relato de Lívio e Strabão analisa a aceitação de estrangeiros como reis de Roma e conclui que: “Non potrebbe essere più chiaro che qui peregrinus sta ad indicare colui che non è latino, che appartiene ad altro diritto e ad altri culti. E per converso come cives 'concittadini', coloro che hanno in comune diritti e religione”. 15 Liv. 1, 8, 4. O “asilo no Capitólio”foi criado por Rômulo para a concessão da cidadaniaà pessoas estrangeiras,em geral banidas ou fugidas das cidades vizinhas,evisava aumentar a população deRoma.
  • 27. nova concepção de civitas, com a consolidação da unidade composta pelas partes.16 Mesmo com essa limitação, permanecem indícios da abertura originária do sistema romano através da Lei das XII tábuas denotando a participação do estrangeiro ao ius. 17 3. As guerras de expansão romana e o enrijecimento da assimilação do estrangeiro Uma análise exaustiva do conceito de cidadania em Roma deve levar em conta, ainda, o seu contrapondo conceitual, ou seja, o status de quem não era cidadão romano. O termo mais antigo usado para indicar o estrangeiro era hostis. Na sua origem, este conceito não apresentava conotação negativa, tratando apenas da constatação da não pertença de alguém à comunidade romana.18 Pesquisas recentes19 têm evidenciado a existência de diferentes teses no que concerne à tutela jurídica prestada ao estrangeiro no âmbito do ordenamento romano. Por primeiro tem-se a tese da hostilidade natural, que remonta a Mommsen, asseverando que em época primitiva estivesseemvigor o princípio da ausênciade direito do estrangeiro fora dos limites da suacidade. Tal princípio somente sofreria uma flexibilização através do instituto de hospitium privado. Em posição contrária, autores como Frezza rejeitama tese de hostilidade natural, mas entendem que havia restrições aos estrangeiros antes do III a.C. Uma terceira posição, ainda, representada por Heuss, afirma a existência de um comércio internacional também na ausência de tratados. Nessa direção, afirma também De Martino, ou seja,de que tendo por basea fides, o estrangeiro poderia ser juridicamente tutelado. Em relação ao período mais antigo, tendo por base pesquisas sobre o ius fetiale, não haveria para os romanos a impossibilidade de que os estrangeiros, mesmo não 16 Assim a ideologia de uma comunidade unitária encontra suas raízes no mundo etrusco, sendo posteriormente transmitida para Roma.SERRAO, 1975,p. 19; NOCERA, 1992,p. 14. Tondo afirma que populus e plebs apresentam- se então como aspecto militar esocial do mesmo elemento constitucional (TONDO,1981,I, p. 83 ss.esp. 86). Povo e senado apresentam-seentão como elementos fundamentais para o enquadramento da população romana.Com diferente leitura sobre a expressão populus plebes que: CATALANO, 1974a, p. 682: “populus plebesque indica il crescente potere della parte plebea, populus plebesve la raggiunta parificazione sul piano del potere normativo e cioè l'assimilazione della ‘parte’ nel ‘tutto’”. A teoria afirmada por Tondo remonta de certa forma àquela de Niebuhr, que interpreta a expressão populus Romanus Quirites com idêntico significado de populus plebes que Romana. Como manifesta Catalano (populus Romanus Quirites, p. 24) o Niebuhr usa «Volk» seja para indicar a plebs, seja para indicara multidão.NIEBUHR, 1811,I, p. 373 ss. 17 Gell. noct. att. 20,1,47 (FIRA, tab. III,5); “tratados” que limitavamo comércio (como aquele de Cartago) e Festus, Status dies p. 314 L. Sobre o assunto ver: CATALANO, 1965,p. 66 ss;Id. 1974, p. 140 ss. 18 Ver ERNOUT, et MEILLET, 1, p. 301; BENVENISTE, 1969,I, p. 93. 19 CATALANO, 1965, p. 53 ss.
  • 28. ligados à Roma por tratados, fossemsujeitos de atos solenes e de relações consideradas pelo ius (CATALANO, 1965, p. 65). Neste período, formado pela comunidade gentilícia até a consolidação da civitas, entendese que provavelmente não houve uma clara distinção do ponto de vista jurídico entre cidadão e estrangeiro, sendo possível que este último viesse a fazer parte ao ius. Assim sendo, o ius romano, baseado na sua natureza universalista, abarcaria tanto cidadãos, quanto estrangeiros, dentro de uma maior ou menor tutela, de acordo com a existência ou não de particulares foedus. 20 Esta concepção jurídica de direitos do estrangeiro pode, ainda, ser encontrada na Lei das XII tábuas21 , assim como encontra-se nos escritos de Gélio (noct. att. 16,4,4.) e de Festo (v. Status dies <cum hoste> p. 414-416 L.). Nell'epoca più antica lo straniero in generale era indicato con hostis, mentre il “nemico” era perduellis. Solo in un secondo momento lo straniero verrà designato comeperegrinus e si affermerà l'usodi hostis nel senso di “nemico”, ossia di indivíduo appartenente ad un stato di guerra con Roma. (SERRAO, 2006, p. 344) A abertura de Roma ao estrangeiro, fruto da cultura universalista também presente no ius – e que facilitava a concessão da cidadania Romana –, foi indicada por Lívio através do Asilo no Capitólio (Liv. 1,8,4) e da própria formação da cidade. Esta mesma, contudo, provavelmente foi modificada entre o final do reino e a metade da república. Observa-se tal fato devido a mudança no significado do termo hostis. Esse, inicialmente significava “estrangeiro”, passando com o tempo a adquirir outro significado, ou seja, aquele de “inimigo”. Segundo De Martino (1973, p. 20.), uma hipótese relativa a esta mudança é o longo período de guerras de expansão nas quais Roma esteve envolvida. Este provavelmente acabou por desencadear um processo que conduziu a um rompimento com a abertura romana ao estrangeiro, afetando, consequentemente, a política flexível de concessão da cidadania. A mudança é atribuída ao período posterior à emanação das XII tábuas, provavelmente nos anos 20 Ver sobreo tema o foedus Cassianum entre romanos e latinos em493 a.C. e os dois tratdos de Roma com Cartago em 509 a.C. e 348 a.C. De forma contrária, Capogrossi Colognesi entende que o forte interesse das partes no Tratado de Cartago em prover a tutela dos seus cidadãos que venham a encontra -se no âmbito de influência da contraparte, “mostra tuttavia che solo un apposito accordo internazionalepoteva vincolaregl i ordinamentistatali dell'epoca a fornireuna adeguata protezione giuridicaagli stranieri”.COLOGNESI, 2004,p. 79. 21 Ver Tab. I,5; II,2:VI,4.
  • 29. das guerras de expansão na Itália,evidenciando a impossibilidadede especificarcomo e por quais causas tal fenômeno ocorreu.22 O gênero “não cidadão” demonstra-se, portanto, constituído por diferentes espécies que iam do estrangeiro que não pertencia a um povo em guerra com Roma e que não era ligado à Roma por um particular tratado ou vínculo étnico, ao estrangeiro ligado a Roma pelos foedera; aos grupos que por circunstâncias e motivos diferentes tinham encontrado asilo na cidade, aos habitantes das cidades latinas ligadas à Roma por tratados e por vínculos étnicos, aos quais era reservada uma posição privilegiada, visto que constituíam um status intermediário entre cives e peregrini, com subdivisões no que refere-se ao exercício de direitos (SERRAO, 2006, p. 347).23 Esse mosaico de relações pode ser mais facilmente compreendido se partirmos da constatação de que no período republicano a distinção do status jurídico das pessoas emrelação ao povo romano era de três tipos: cives Romani, ou seja, todos aqueles reconhecidos como cidadãos romanos; latini, habitantes das cidades latinas que faziam parte do foedus latinum; peregrini, estrangeiros e consequentemente pessoas que não fossem cives ou latini (CERAMI; CORBINO, 1996, p. 104). Por conta desta mudança em relação ao estrangeiro, é possível observar a modificação dos requisitos para a concessão da cidadania romana, passando a ser regulada da seguinte forma : a) por nascimento: - de um casamento válido, sendo o pai cidadão romano no momento da concepção, mesmo que a mãe não seja cidadã24 ; 22 Sobre a mudança de significado do termo hostis ver: BENVENISTE, 1969,p. 93. 23 Várias eram as distinções quanto aos peregrinos no que refere-se às limitações ao exercício de direitos. Aos possuidores demelhores condições era reconhecido o direito ao commercium e ao connubium com os romanos e com os latinos,assimcomo o direito ao testamenti factio, ou seja,de ser nomeado herdeiro de testamento de um cidadão romano. Por serem considerados para todos os efeitos estrangeiros, em sua grande maioria os peregrini não estavamsujeitos ao direito romano,mas simao ius gentiumaplicado pelo pretor peregrino.Ver STADTMÜLLER, 1951,p. 34. 24 “O que temos falado a respeito do fato que aqueleque nascede uma cidadã Romana e de um peregrinus, entre os quais não existe matrimônio, nasce peregrinus, é estabelecido pela Lei Mincia. Esta dispõem, também, que este segue a condição do genitor mais desavantajado. A mesma lei, de fato, dispõe que, quando, ao contrário, um peregrinus tenha pego como esposa uma cidadã Romana com a qual não existia matrimônio,aqueleque nasce de uma tal união seja peregrinus. A Lei Mincia é particularmente oportuna neste caso:na ausência desta lei, de fato, seria indevido derivar um outro status. Já o que nasce daqueles entre os quais não existe matrimônio aquista o status da mãe, segundo o direito das gentes. Mas,é supérflua aquela parte da lei onde vem estabelecido que, de
  • 30. - de mãe romana, fora de uma casamento válido. Se a criança não nasceu de um casamento válido, de acordo com o direito romano, ela segue a condição jurídica da mãe25 ; - ao filho de peregrinos, se antes do nascimento, seja estada concedida a cidadania, seja a ambos os genitores, seja somente ao pai, se a mãe tenha obtido ao menos o connubium, condição necessária para o matrimônio legítimo. b) Após o nascimento: - por concessão individual e estritamente pessoal; - por concessão coletiva; - por consequência automática do verificar-se de certas condições como, por exemplo, o domicílio em Roma de um Latino; - por manumissão por parte do dominus. O aumento do campo de regulação das normas voltadas à concessão da cidadania reflete não apenas o enrijecimento da relação com o estrangeiro, assimcomo a maior preocupação no que se refere aos direitos concernentes à cidadania, levando até mesmo à guerra de Roma com seus aliados. 4. A liberdade como pressuposto da cidadania A liberdade para os romanos é uma condição presente desde o direito natural, sendo considerada como um pressuposto da cidadania. Um homem livre pode não ser cidadão, mas todo cidadão é obrigatoriamente um homem livre. A origem da palavra libertas testemunharia um cidadão Romano e de uma peregrinus, nasce um peregrinus. Este, de fato, seria peregrinus segundo o direito das gentes também na ausência detal lei. Isto valesomente para as nações eas gentes estrangeiras,mas também para quantos são chamados Latini, que tinham próprios povos e próprias cidades e eram contados entre os peregrini. Pelo mesmo motivo, ao contrário, nasce um cidadão Romano de um Latino e de uma cidadã Romana, seja o matrimônio contraído em base a Lei Elia Senzia seja de outro modo. Mas, alguns tiveram que, de um matrimônio contraído em base a Lei Elia Senzia, nascesse um Latino, já que se considerava que, neste caso, o matrimônio entre eles fosse concedido pelas Leis Elia Senzia e Iunia e que, sempre, o matrimônio faz com que aqueleque nascesiga o status do pai.Quando,ao invés,o matrimônio tenha sido contraído de outro modo, aquele que nasce,segundo o direito das gentes, segue o status da mãe, e é, por tanto, cidadão Romano. Mas, segundo o direito vigente em base a um senatoconsulto emanado por proposta do divo Adriano, aquele que nasce de um Latino e de uma cidadã Romana é de qualquer modo cidadão Romano”. Gai. inst. 1, 78-80. 25 Conforme nos lembra Giuliano Crifò (2004,p.33), nos casos em que o filho segue a condição da mãe: “è cittadino se la madre è cittadina al momento del parto, non lo è se la madre lo era in gravidanza, ma ha cessato di esserlo al momento del parto, nè lo sarà, alla fine della repubblica, se nasce da una cittadina e da un Latino o peregrino (Lex Minicia)”.
  • 31. está ligação. Conforme Crifó (1984, p. 22), liber significa “aquele que pertence à estirpe”, e libertas, enquanto condição de livre, deveria indicar o complexo das faculdades que a estirpe reconhece ao seu componente. A liberdade no âmbito da cidadania se reveste de um significado jurídico e político. O significadopolítico estána sua ligaçãocoma civitas e a participação ao poder político, implicando a liberdade do povo romano na suatotalidade diante de uma ameaçaexterna ou interna. A liberdade não política,por suavez, seriaestabelecidapelo direito enecessariamente limitada, correspondendo à ideia de autonomia grega. Trata-se da liberdade garantida pelo direito como consequência de ser cidadão romano. A civitas romana, como é possível constatar, encontra-se intrinsecamente ligada à noção de liberdade, garantindo através do ius a sua conservação aos cidadãos e aos povos submissos à Roma. A civitas romana representa, portanto, um conjunto de homens livres. Dentre as liberdades de direito, são garantidas ao cidadão o direito a contrair matrimônio válido com pessoa romana ou latina, o direito à tutela aos atos de comércio e o direito ao voto. A liberdade gerava ao romano e ao estrangeiro o direito de não ser submetido a todo e qualquer tipo de tortura. De acordo com o sistema jurídico romano, o homem livre não pode ser flagelado, mas apenas receber chibatadas. Os aspectos político e jurídico da liberdade romana não implicariam, porém, emuma ideia de igualdade. Como delineado por Giuliano Crifò (1984, p. 22), Roma dá alla libertà una estensione ed un contenuto giuridico diversi, secondo la classe sociale e la categoria a cui appartengono gli individui, classe e categoria per le quali é d'altronde assicurata una larga mobilità. A diferente extensão de direitos reflete-se no fato de que as pessoas pertencentes à plebe possuem um conjunto de direitos menor do que aqueles pertencentes ao patriciado. A diferença no conteúdo reflete-se na diversa graduação de valor atribuído ao voto de cada cidadão. Desta forma, todos tinham direito a voto, mas a efetiva participação ao poder público era diferenciada, tendo as classes mais elevadas a maioria dos votos e, consequentemente, um poder muito maior. Tal distinção na participação política, embora marcante, não é constatável desde a fundação da cidade, mas instaurada apenas com a dinastia Tarquinia, pelo rei Sérvio Túlio e mantida durante toda a república, tendo suas bases em fatores vinculantes como a economia, o nascimento e a carreira (Liv. 1,43,10).
  • 32. 5. Direitos e obrigações do cidadãoromano O vínculo fundante entre cidadania e liberdade pode ser materialmente constatado no caso de escravos fugitivos de outras cidades que pediam asilo no capitólio. Devido a este instituto os escravos asilados recebiam, junto com a cidadania, o status de homem livre. O mesmo se dava nos casos de manumissio, em que o ser humano recebia, junto com a liberdade, a cidadania. As prerrogativas de ser cidadão implicam liberdade política e liberdade de direito, denotando a importância da instituição de cidadania, bemcomo evidenciando o interesse gerado por essadurante toda ahistória de Roma. Como delineiaCrifò (2004, p. 34)26 , quem é reconhecido como cidadão pode tornar-se chefe de família, sendo titular da patria potestas, da manus sobre as mulheres e do dominium sobre coisas e escravos. Como cidadão e pater familias, o pode manumitir escravos, instituir culto privado, oferecer proteção e assistência a estrangeiros e concidadãos, realizar negócios jurídicos inter vivos, instituir e ser instituído herdeiro em um testamento, suceder ab intestato, arrogar, adotar, emancipar, ser tutor. Pode agir processualmente, votar nas assembleias populares e, consequentemente, participar às decisões sobre a paz e sobre a guerra, sobre concessões ou não da liberdade, sobre eleições de magistrados, sobre o exército, tributos, vida dos compatriotas, honras, triunfos. Pode exercitar ações populares, ser juízes nos processos civis e jurado naqueles criminais, ser eleito magistrado, exercitar o ius militiae, fazer parte dos colégios sacerdotais, colher auspícios, fundar uma tumba, exercitar o ius provocationis, subtrair-se através do exilium à pena capital. A cidadania romana em seu aspecto jurídico permitiu a afirmação de instrumentos para proteger o cidadão romano das arbitrariedades dos magistrados, limitando fortemente o exercício do poder da magistratura diante dos membros dacomunidade. Um desses instrumentos é a provocatio ad populum (também conhecida como ius provocationis) (GROSSO, 1997, p. 135)27 . A provocatio é instituto jurídico típico do período republicano e consistia na apelação ao povo, objetivando impedir a execução de uma condenação penal emanada por magistrado. Durante o império, a provocatio protegia o cidadão também da fustigação, da tortura e da reclusão.28 Tal 26 Em linha levemente diversa GAUDEMET, 2002,p. 183. 27 As normas que regulam este status privilegiado eram previstas em diversas leis romanas, entre elas, as mais importantes eram a Lex Valeria Horatia de provocatione e as Leges Porciae de provocatione. ROTONDI, 1962, p. 235 e 268. 28 Uma das Leges Porciae de provocatione proibiu a fustigação ao cidadão,e a Lex Iulia de vi publica et privata, em 17 a.C., que proíbe o uso da tortura aos cidadãos. A apuração de crimen lesa maiestatis (crime por atentar contra a majestade do imperador ou do império romano) será, porém, uma exceção a esta lei.
  • 33. instituto foi inicialmente proposto com previsão de uso restrito aos limites da cidade de Roma. Apenas a partir de uma das Leges Porciae de provocatione, no início do século II a.C., passou a ser permitido o uso da provocatio fora dos limites da cidade de Roma (ROTONDI, 1962, p. 268). A utilização deste instituto vem apresentada com muita clareza pela história do cidadão romano Saulo de Tarso, mais conhecido no Ocidente como São Paulo. Em alguns versículos do livro “Atos dos Apóstolos”, Lucas conta como, em várias ocasiões, São Paulo – que mesmo sendo grego de nascimento era portador da cidadania romana –, conseguiu impor a sua condição jurídica nas adversidades diante a qual se viu na sua pregação29 . O grito civis romanus sum, tantas vezes utilizado por São Paulo nestas situações, é a afirmação de um direito perante a autoridade romana, materializado em um forte sistema de garantias jurisdicionais e de proteção do cidadão30 . 29 Atos dos Apóstolos, 16, 35-37:“Assim que amanheceu os estrategos mandaramos litores dizer ao carcereiro:põe esses homens em liberdade.O carcereiro transmitiu a Paulo aquelas palavras:os estrategos mandaram dizer que vos pusesseem liberdade.Sai,pois,eides-vos em paz. Mas Paulo disseaos litores:Açoitaram-nos empúblico,sem julgamento, a nós que somos cidadãosromanos,meteram-nos na prisão,eagora manda-nos sair àsescondidas! – Não esta bem! Venham eles próprios conduzir-noslá parafora”. Atos dos Apóstolos, 22, 25-29: “Mas, quando iam amarrá-lo para ser açoitado, Paulo disse ao centurião de serviço: Tendes autoridade para açoitar um cidadão romano, que nem sequer foi julgado? Ouvindo isso, o centurião correu a avisar o tribuno: Que vais fazer? - disse ele - essehomem é cidadão romano!O tribuno foi ter com Paulo e perguntou-lhe: Dize-me, tu és cidadão romano? Sou, respondeu ele. O tribuno continuou:eu adquiri por muito dinheiro,essedireito decidadania.Paulo retorquiu: Pois eu já nasci com esse direito. Os que o iam interrogar retiraram-se imediatamente e o tribuno ficou cheio de medo ao saber que tinha mandado prender e agrilhoar um romano.” Atos dos Apóstolos, 25, 9-12: “Mas, como desejava capitar as boas graças dos judeus,Festo respondeu: queres subir a Jerusalémpara lá seres julgado sobre este assunto,na minha presença? Paulo replicou:Estou perante o tribunal deCésar.Devo ser julgado aqui.Não fiz mal nenhum aos judeus, como sabes perfeitamente. Mas, se, de fato, sou culpado, se cometi algum crime que mereça a morte, não recuso morrer. Se, porém, não ha fundamento nas acusações dessa gente contra mim, ninguém tem o direito de me entregar a eles. Apelo para César!Então, depois de conferenciar comseu o conselho, Festo respondeu: Apelaste para César,irás a César”. 30 Um outro episódio significativo,nesteâmbito,é o citado por Cícero na obra In Verrem secundae liber V (62, 16163, 163; 65,167-65,168): “Quando de repente ordena que o homem seja arrastado da prisão para o meio da praça,seja despido e amarrado eque sejampreparados os azorragues.Aquele pobre coitado clamava dizendo que era cidadão romano, municípe de Compsa; que tinha servido no exército com Lucius Raecius, destacadíssimo membro da cavalaria romana, o qual exercia o comércio em Palermo, e que tudo isso Verre poderia muito bem saber (...); em seguida ordenou que o homem fosseaçoitado comextremo rigor.Um cidadão romano,senhores juízes,era açoitado no meio da praça de Messina e, no entanto, nenhuma outra voz se podia ouvir, a não ser a daquele coitado que, entre golpes dos açoites,dizia:“Sou um cidadão romano!”.Evocando assi ma sua condição decidadão,julgava estar evitando os golpes de açoitee afastando desi a tortura.Isto não somente não ocorreu – para que a força dos golpes fossesustada –mas ainda,quanto mais imploravaequanto mais invocava o título decidadão,a cruz,a cruz,digo era preparada para aquele infeliz, aquele coitado que jamais vira tal suplício! Oh doce nome da liberdade! Oh exímio privilégio dos nossos cidadãos! Oh Lei Pórcia e Lei de Sempronius! Oh poder dos tribunos tão profundamente desejado e finalmente conferido ao povo romano! É por caso,pois,a supressão detodas estas garantias queleva o cidadão romano,em uma das Províncias romanas,emuma cidadela deconfederados,a ser amarrado eentregue aos golpes de açoite em praça pública por aqueleque,através do benefício do povo romano era revestido das mais altas
  • 34. Uma garantia jurisdicional forte também era constituída pelo postliminium, ou seja, o direito do cidadão romano capturado pelo inimigo ou ilegalmente reduzido à escravidão reaver sua condição jurídica como antes da captura ou da escravidão, a partir do ingresso no território romano.35 O postliminium atua sobre todos os vínculos jurídicos do cidadão, menos sobre o matrimônio, considerado como comunhão de vida e baseado na convivência material e na affectio maritalis. Como é de se esperar, a cidadanianão implicava apenas direitos, mas também obrigações. O cidadão romano tinha basicamente duas obrigações em relação ao Estado: o pagamento dos tributos e a prestação de serviço militar (GAUDEMET, 2002, p. 182). O serviço militar, que por muito tempo foi considerado uma honra e um privilégio, começou a entrar em desuso no final do período da república, quando grande parte dos alistados não eram mais romanos. Tratava-se sobretudo de pessoas de diferentes origens que buscavam a cidadania romana ou simplesmente apossibilidadede receber um soldo de Roma. Dequalquer forma, por longo tempo entre os povos honras? (...) Tu ousastes mandar crucificaralguémque dizia ser cidadão romano? (...) Homens de baixa condição,de humildes origens vão pelo mar, se dirigem a países nunca vistos antes, onde nem podem ser conhecidos aos habitantes do lugar onde chegam nem encontrar quem se tutele a identidadedeles. Não obstante tudo, confiantes exclusivamentena prerrogativa deles de cidadãos romanos,pensamqueestarão seguros (...) tem a esperança ainda de encontrar neste título uma válida proteção emqualquer país quecheguem. Tira esta esperança,tira esta proteção aos cidadãos romanos,anula aindao socorro inerente nas palavras“sou um cidadão romano!”, autoriza um pretor ou quem for que seja a infligir impunemente o suplício que mais lhe agrada a dano de alguém que se proclama cidadão romano, com o pretexto de não conhecer a sua identidade: com uma desculpa como esta terás imediatamente impedido aos cidadãos romanos o acesso a todas as nossasprovíncias,a todos os reinos,a todos os Estados livres, a toda a terra, sempre amplamente acessíveis aos nossos compatriotas”. 35 Ver sobre o assunto GAUDEMET, 2002, p. 186; CURSI, Maria Floriana. La struttura del “postliminium” nella repubblica e nel principato. Napoli:Jovene, 1996.
  • 35. conquistados continuou viva a ideia de que servir no exército romano ainda seria uma grande honra, motivo de ascensão social e de status (GAUDEMET, 2002, p. 184)31 . Nesta lógica movida pela busca da honra e da ascensão social, os cidadãos deveriam constantemente demonstrar possuir alguns atributos que caracterizariam o vínculo com a pátria romana, tais como coragem, respeito aos deuses, lealdade e fidelidade. Estes contextualizavam- secomo valores máximos, sendo exaltados pelos filósofos ejuristas romanos. Entre esses últimos, destaca-se a figura de Marco Tulio Cícero (off. 1,57)32 , quando afirmava que Quando o espírito percorre todas as sociedades humanas, não encontra nada mais empolgante que as relações entre nós e a Pátria. Temos amor por nossos pais, por nossos filhos, pelo próximo, por nossos amigos; mas só a Pátria enfeixa todos os amores. Qual o homem de bem que vacilaria em morrer por ela, se algo pudesse servir com essa morte?. 33 O sistema jurídico romano previa a perda da cidadania, indiretamente, em duas situações: capitis deminutio maximaemedia. A primeira hipótese ocorria no casodo cidadão romano perder a suacapacidadenas três situações jurídicas que envolvem a pessoa,ou seja:liberdade, cidadania e família. Neste caso, a pessoa era reduzida à escravidão34 . A segunda hipótese se originava do 31 Segundo Claude Nicolet, na concepção romana os filhos dos ricos seriam sempre os melhores soldados, já que estes teriam um maior interesseem defender a cidadee os benefícios que a classepossuía.NICOLET, 1999,p. 117. 32 Marco Tulio Cícero nasceu em Arpino em 106 a. C. e morreu em 43 a. C. de família nobre, desenvolveu intensa atividadeseja no campo político (obteve através do favorecimento da classepatríciaa nomeação a cônsul,contra o adversário Lucio Sergio Catilina),seja no campo judiciário (foi certamente o melhor advogado de Roma). Como cônsul, desmascarou, com as suas Catilinárias, a conjuração que Catilina, líder do partido popular, estava conspirando contra o regime repúblicano. Retirou-se da vida política durante a ditadura de César, sendo deste período a maior parte das suas obrasderetórica ede filosofia.Voltou a seocupar de políti ca após o assassinato de Cesar,sendo a favor de Otaviano econtra Marco Antonio, contra quem lançou uma sériede violentos ataques. 33 Cic.off. 1,57: “Sed cum omnia ratione animoque lustraris, omnium societatum nulla est gravior, nulla carior quam ea, quae cum re publica est uni cuique nostrum. Cari sunt parentes, cari liberi, propinqui, familiares, sed omnes omnium caritates patria una complexa est, pro qua quis bonus dubitet mortem oppetere, si ei sit profuturus? Quo est detestabilior istorum immanitas, qui lacerarunt omni scelere patriam et in ea funditus delenda occupati et sunt et fuerunt”. 34 Paul. dig. 4.5.11: “Capitis deminutionis tria genera sunt, maxima media minima: tria enim sunt quae habemus, libertatem civitatem familiam. Igitur cum omnia haec amittimus, hoc est libertatem et civitatem et familiam, maximam esse capitis deminutionem: cum vero amittimus civitatem, libertatem retinemus, mediam esse capitis deminutionem: cum et libertas et civitas retinetur, familia tantum mutatur, minimam esse capitis deminutionem constat”. Segundo Jean Gaudemet (2002, p. 183), uma vez retornado a Roma, o cidadão poderia readquirir a situação jurídica como antes de ser feito prisioneiro através do instituto do postliminium. Para, por esta, ser beneficiado,era necessário:a) queRoma não reconhecessea condição deescravo que lhefora atribuída,coisaque somente aconteceria se a pessoa tivesse sido aprisionada e feito escravo pelo inimigo (eram automaticamente excluídos os vendidos como escravos para o pagamento de dívidas);b) que no ato da prisão estenão tivesse ainda capitulado;c) que este tivesse efetivamente retornado ao território romano, sem a intenção de retornar ao povo estrangeiro.
  • 36. fato do direito romano não admitir que um cidadão de Roma viesse a adquirir a cidadania de outro povo, acarretando a imediata perda da cidadania, mas mantendo sua liberdade35 40. As prerrogativas da cidadania romana são amplas e implicam diretamente na atividade política, visto que apenas o cidadão pode votar nas assembleias populares e, consequentemente, decidir o futuro de Roma. Estas mesmas prerrogativas, e suas consequências,acabaramtornando inviável a abertura na concessão da cidadania aos não cidadãos em períodos de guerras, levando a ponderação de vários fatores e ao enrijecimento na assimilação de pessoas externas à comunidade. Considerações Finais A cidadania romana é caracterizada em toda a existência de Roma pela liberdade 36 , ganhando diferentes aspectos e desdobramentos com as transformações sociais e políticas vivenciadas por aquela realidade. A cidadania garantia a manutenção do status naturale do cidadão e trazia em si o valor de participação política à comunidade. Esta última, inicialmente foi universal em âmbito masculino, com igualdade de valor dos votos, sendo posteriormente modificada durante aDinastiaTarquínia por Sérvio Túlio, quando estabeleceuvalor diferente para o voto da cada cidadão de acordo com fatores como economia, nascimento e carreira. A extensão da civitas através da concessão da cidadania romana ocorre tendo por base ao princípio da civitas augescens e da civitas amplianda.37 A concepção de expansão da cidadania é presente, desde a origem da cidade, no asilo aos estrangeiros criado por Rômulo no Capitólio. Durante a república continua-se a sentir a concepção de expansão da cidade por meio das conquistas de povos e cidades, bem como, a ampliação da civitas aos povos itálicos e à Gália Transpadana. 35 Recorda Gaudemet (2002,p. 184) que o De Visscher (1954,p. 36-62) faz notar que o mesmo não acontecia como estrangeiro que viesse a receber a cidadania romana. Uma antiga tradição permitia a este adquiri -la sem ter de renunciar a cidadaniadeorigem. 36 Vai nesta direção CONSTANT, 1819, disponível em: http://www.panarchy.org/constant/liberte.1819.html , consultado em 09/05/2012; também Hanna Arendt, ao afirmar que “(...) tanto na Antiguidade grega como na romana, a liberdade era um conceito exclusivamente político, a quintessência, na verdade da cidade-estado e da cidadania”.ARENDT, 2003,p. 205. 37 Sobre civitas augescens ver Pomp. dig. 1,2,2,7; e sobrecivitas amplianda ver Iust.cod. 7,15,2.
  • 37. A gradual expansão da cidadania romana resultou no paulatino enfraquecimento da distinção entre civis, Latinus e peregrinus, refletindo o universalismo romano através da abertura em relação ao externo e consolidando o universalismo romano por meio do ius. Referências AMIRANTE, Luigi. Una storia giuridica di Roma. Napoli: Jovene, 1991. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003. BELLINI, Vincenzo. Sulla genesi e la struttura delle leghe nell’Italia arcaica. RIDHA série, VIII, III, 1961. BENVENISTE, Émile. Le vocabulaire des institutions indo-européennes, l. Économie, parenté, société. Paris: Minuit, 1969. CARLE, Giuseppe. Le origini del diritto romano. Torino: F.lli Bocca, 1888. CATALANO, Pierangelo. Contributi allo studio del diritto augurale. Torino: Giappichelli, 1960. CATALANO, Pierangelo. Linee del sistema sovrannazionale romano. Torino: Giappichelli, 1965. CATALANO, Pierangelo. Populus Romanus Quirites. Torino, 1974. CATALANO, Pierangelo. La divisione del potere in Roma (A proposito di Polibio e Catone). Studi in onore di Giuseppe Grosso VI. Torino, 1974a. CATALANO, Pierangelo. Aspetti spaziali del sistema giuridico-religioso romano. Mundus, templum, urbs, ager, Latium, Italia. Aufstieg und Niedergang der Rômischen welt, II, Principat 16.1, 1978. CATALANO, Pierangelo. Seduta preliminare. Seminari Internazionali di Studi Storici “Da Roma alla Terza Roma” (La nozione di “romano” tra cittadinanza e universalità), Ed. Scientifiche Italiane, 1982. CATALANO, Pierangelo. Alcuni concetti e principi giuridici romani secondo Giorgio La Pira. Il ruolo della buona fede oggettiva nell'esperienza giuridica storica e contemporanea. Padova, 2003. CATALANO, Pierangelo. Promemoria. XXVII Seminario Internazionale di Studi Storici “Da Roma alla terza Roma”. Roma, 2007. CERAMI, Pietro et CORBINO, Alessandro. Storia del Diritto Romano. Messina: Rubettino, 1996. COLI, Ugo. Il diritto pubblico degli Umbri e le tavole Eugubine. Milano: Giuffrè, 1958. COLOGNESI, Luigi Caprogrossi. Lezioni di storia del diritto romano. Monarchia e Repubblica. Napoli: Jovene editore, 2004. CONSTANT, Benjamin. De la liberté des anciens comparée à celle des modernes. Discours prononcé à l'Athénée royal de Paris, 1819. COSENTINI, Cristoforo. Studi sui liberti, I. Catania, 1948. COSENTINI, Cristoforo. A proposito di una recente ipotesi sull'origine delle forme civili di manumissione, in Annali Seminario Giur. Univ. Catania, II (1948). COSENTINI, Cristoforo. Ancora sull'origine e l'efficacia delle forme civili di manumissione. Miscellanea romanistica, Catania, 1956. COSENTINI, Cristoforo. Liberti (diritto romano). NNDI IX. Torino, 1957.