1. APCD Jornal // Abril 201410
Quais os sintomas e como tratar a
doença celíaca?
// Texto Mariana Pantano //
Em novembro de 2007, du-
rante o pós-parto, a blogueira
paulistana, Janaína Branco, co-
meçou a apresentar os sintomas
clássicos da doença celíaca. Pas-
sou em consulta com dez médi-
cos e nenhum deles diagnosticou
a doença, até que resolveu pes-
quisar na Internet o que estava
sentindo, e o primeiro link que
apareceu foi a doença celíaca.
Pegou a lista de exames e foi a
um gastroenterologista, explicou
o que estava acontecendo, foi
examinada e já no consultório
o médico disse que concordava
com a suspeita.
“Fiz os exames sorológicos,
e o que confirmou a doença
foi a endoscopia com biópsia.
Consegui fechar o diagnóstico
exatamente um ano após apa-
recer os sintomas clássicos. Foi
um alívio! Chorei de alegria por
enfim descobrir qual era o pro-
blema, e chorei de raiva de cada
médico que me tratou com
desprezo e pouco caso durante
aqueles meses de peregrinação.
Enfim eu sabia o que eu tinha,
e sabia que não era psicológi-
co, como alguns médicos che-
garam a me dizer. Descobri que
sempre tive sintomas de doença
celíaca, porém, antes de engra-
vidar, meus sintomas não eram
os clássicos e, por isso, sempre
eram associados a alergias, rini-
te etc.”, relata Janaína.
De acordo com a gastroente-
rologia pediátrica, Jacy Andrade,
a doença celíaca tem origem ge-
nética e se refere à intolerância
permanente ao glúten que é uma
proteína presente no trigo, aveia,
centeio, cevada e no malte, ce-
reais amplamente utilizados na
composição de alimentos. Geral-
mente esta patologia se manifes-
ta na infância, entre o primeiro
e terceiro ano de vida, podendo,
entretanto, surgir em qualquer
idade, inclusive na vida adulta.
A nutricionista clínica e esté-
tica, Ana Carolina Oliveira, expli-
ca que a doença celíaca é definida
como uma patologia autoimune,
e afeta o intestino de indivíduos
geneticamente predispostos, em
sua maioria do sexo feminino, le-
vando a atrofia das vilosidades da
mucosa. Uma vez danificadas, as
vilosidades intestinais diminuem
sua capacidade absortiva, resul-
tando em prejuízo na absorção
de diversos nutrientes.
Segundo a nutricionista es-
pecializada em exercício físico,
nutrição, medicina na saúde e no
esporte, e especializada em ali-
mentos funcionais, fitoterapia e
suplementação, Mariana Lopes
Pagnani, a doença celíaca aco-
mete tanto crianças como adul-
tos, alterando a absorção normal
na primeira porção do intestino.
“Esta doença é comum, embora
seja pouco diagnosticada, já que
a maioria dos portadores não
apresenta sintomas ou só os
tem em grau mínimo. Em
geral, se manifesta entre
o primeiro e terceiro ano
de vida, ocasião em que
o glúten é introduzido
na alimentação da criança.”
Jacy Andrade diz que o qua-
dro clínico da doença se manifes-
ta com ou sem sintomas e tem di-
ferentes formas de manifestação:
Clássica: é muito frequente
entre as crianças, e se manifesta
após a introdução da alimentação
à base de pães, macarrão, bola-
chas e industrializados com os ce-
reais proibidos. Caracteriza-se por
diarreia crônica, desnutrição com
emagrecimento e déficit de cresci-
mento, falta de apetite, distensão
abdominal, vômitos, dor abdomi-
nal, atrofia dos glúteos e apatia.
Uma crise pode levar o paciente
à morte na falta de diagnóstico e
tratamento. Entre os adultos pode
aparecer a osteoporose, a esterili-
dade e abortos de repetição.
Atípica: apresenta manifes-
tações extraintestinais, com al-
terações gastrintestinais não tão
significativas. A criança pode
apresentar anemia resistente ao
tratamento com ferro, irritabi-
lidade, fadiga, baixo ganho de
peso e estatura, prisão de ventre,
constipação intestinal crônica e
alterações do esmalte dentário.
Os adultos podem manifestar a
doença por esterilidade e osteo-
porose antes da menopausa.
Silenciosa: quando não há
sintomas. São pacientes com
exames laboratoriais e genéticos
alterados e lesões características
na biópsia de intestino.
Potencial: também não mos-
tra sintomas. São pacientes com
exames laboratoriais e genéticos
alterados, mas sem lesões carac-
terísticas na biópsia de intestino
que pode ser normal ou discreta-
mente alterada.
Refratária: pacientes com má
absorção grave que não respon-
dem à dieta de restrição, precisan-
do de tratamento medicamentoso
para controle do quadro.
“A doença também pode se
manifestar por alterações de
pele a que denominamos der-
matite herpetiforme, que pode
ser considerada uma variante da
doença celíaca, onde o pacien-
te apresenta lesões de pele que
coçam e provocam sensação de
queimadura intensa. As lesões
são avermelhadas, salientes, me-
dem habitualmente menos de um
centímetro de diâmetro e con-
tém uma vesícula ou bolha. Se
coçadas, uma crosta aparecerá
na sua superfície e a sensação de
queimadura ou picada pode ser
sentida até 8 a 12 horas antes
do aparecimento da lesão”, relata
Jacy Andrade.
Para o tratamento da doença
celíaca existe um único método:
uma dieta rigorosa, onde devem
ser retirados todos os alimentos
e preparações que contenham o
glúten. Deve-se substituir os in-
gredientes que contenham glú-
ten por outras opções como a
farinha de arroz, farinha e amido
de milho, fubá, farinha de man-
dioca, polvilho, tapioca e fécula
de batata. “A dieta deve ser para
toda a vida. Se não aparecerem
sintomas depois que o paciente
ingerir glúten, isto não signifi-
ca que o alimento não lhe fará
mal. A vigilância da dieta deve
ser permanente, já que a inges-
tão de glúten pode acontecer até
sem que se perceba como, por
exemplo, através de óleo de fri-
tura utilizado no preparo de ali-
mentos com glúten e depois para
a fritura de alguma preparação
sem substância orgânica; utiliza-
ção da mesma faca para se passar
margarina em pão com glúten
e depois passar em bolacha sem
glúten; usar tabuleiros ou for-
mas polvilhadas com farinha de
trigo e depois reutilizá-las para
os produtos sem glúten, sem que
tenham sido bem lavadas. O pa-
ciente deve ter uma alimentação
variada, composta por elemen-
tos ou nutrientes que o ajudem
a crescer, e a retirada do glúten
não atrapalha o processo de
crescimento que se estende até
a adolescência, desde que seja
substituído por outros alimentos
sem glúten”, detalha a médica.
Janaína Branco conta que
quando apresentou a forma clás-
sica da doença, emagreceu mui-
to, sentia muitas dores, coceira
por conta das lesões na pele,
então, fazer a dieta nunca pa-
receu um sacrifício. “Sempre me
senti muito grata por poder ficar
saudável sem ter que tomar re-
médios. A doença celíaca afetou,
principalmente, a minha fertili-
dade; fiquei grávida quatro vezes,
Pessoas intolerantes ao glúten
devem mudar hábitos alimentares
e evitar a substância. Contudo,
restrição da proteína virou moda
entre as dietas radicais para
emagrecer e especialistas
fazem alerta a população
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sofri abortos e minhas gestações
foram todas de risco. Tudo isso
faz com que as dificuldades em
relação às restrições por conta da
doença pareçam pequenas e con-
tornáveis. As dificuldades iniciais
que encontrei foi descobrir como
cozinhar sem glúten, onde en-
contrar os ingredientes, aprender
sobre a contaminação cruzada e
como evitá-la. E, principalmente,
como educar as pessoas ao meu
redor para respeitarem a minha
restrição alimentar.”
Em 2012, Janaína criou o blog
“Quitanda Sem Glúten”, como
consequência de um trabalho
que realizou em uma escola em
Belo Horizonte, Minas Gerais.
“Na época, meu filho com quatro
anos já tinha também o diagnós-
tico de doença celíaca e, por isso,
a escola precisaria se adequar
para recebê-lo.”
A nutricionista especialista
em nutrição clínica e metabolis-
mo pela Universidade Gama Filho,
em alimentos funcionais, fitote-
rapia e suplementação, Carolina
Carvalho de Oliveira, explica que
quando o glúten cai no intestino
delgado, causa naturalmente um
inchaço. “No caso de quem tem
uma intolerância a substância, ou
no dos celíacos, além do inchaço
ocorre a inflamação intestinal, o
que acaba dificultando a absor-
ção de nutrientes. “Para quem
não tem doença celíaca, evitar
o glúten, muitas vezes, é desne-
cessário. A eliminação total do
glúten na dieta, na prática, não é
tão fácil assim, já que muitos dos
alimentos presentes na mesa dos
brasileiros incluem esta proteína.
Evitando alimentos com glúten
pode-se até obter uma perda de
peso, decorrente da diminuição
de alimentos calóricos (como
pães, bolos, pizzas etc.), mas
quem não tem a doença celíaca
não precisa ser tão radical.”
Dieta sem glúten – uma
moda que exige atenção
O glúten tem sido excluído
do cardápio de muitas pessoas,
porém nem sempre é por causa
de alguma doença, mas sim para
emagrecer. Ao retirar por com-
pleto o glúten da alimentação,
um não-celíaco terá emagreci-
mento facilitado, porém a um
preço bastante alto, visto que
grande parte da nossa alimen-
tação contém glúten. “Portanto,
pessoas que não sofrem de do-
ença celíaca ou intolerância ao
glúten, também conhecida por
“espru tropical”, não necessitam
retirar todas as fontes de glú-
ten de sua alimentação, basta
aderir à reeducação alimentar,
onde os alimentos são consu-
midos de forma balanceada em
mas os quilos eliminados podem
ser decorrentes somente da me-
lhora do edema, e não por efeito
do glúten em si.”
Alergias e intolerâncias ali-
mentares são assuntos sérios e de-
vem ser encarados com respeito.
Assim, utilizar-se de argumentos
adotados para orientação de pes-
soas acometidas por essas ques-
tões para determinar ‘linhas’ de
‘dietasparaemagrecimento’éuma
conduta que não deve ser encora-
jada. “De acordo com o Conselho
Regional de Nutricionistas da 3ª
Região (CRN-3), a eliminação do
glúten da dieta só deve acontecer
nos casos de doença celíaca, de
dermatite herpetiforme, de alergia
ao glúten, ou quando eliminada a
hipótese de doença celíaca haja
diagnóstico clínico confirmado de
sensibilidade ao glúten (também
denominada como intolerância ao
glúten–não-celíaca). A dieta deve
ser encarada como um hábito de
caráter pessoal, requerendo orien-
tação nutricional profissional e
personalizada, uma vez que deve
conferir equilíbrio nutricional
aliado ao prazer em se alimentar”,
alerta Ana Carolina de Oliveira.
Maristela de Fátima Damião
Begnami ainda ressalta que na dú-
vida entre ser ou não ser um celíaco
ou intolerante ao glúten, procure
um médico e faça exames espe-
cíficos. ”Esta é a forma segura de
garantir um correto diagnóstico;
caso seja diagnosticado com doen-
ça celíaca ou intolerância ao glúten,
procure um profissional nutricionis-
ta que fará as adaptações corretas e
necessárias à sua dieta.”
A doença celíaca tem origem genética e se refere à
intolerância permanente ao glúten que é uma proteína
presente no trigo, aveia, centeio, cevada e no malte,
cereais amplamente utilizados na composição de
alimentos. Geralmente esta patologia se manifesta na
infância, entre o primeiro e terceiro ano de vida, podendo,
entretanto, surgir em qualquer idade, inclusive na vida
adulta - Jacy Andrade, gastroenterologia pediátrica
quantidade e qualidade, propor-
cionando perda de peso saudá-
vel e sem tantas restrições, es-
pecialmente se essa reeducação
alimentar for orientada por um
nutricionista e associada à ati-
vidade física regular, orientada
por educador físico”, explica a
especialista em nutrição, ativi-
dade física e qualidade de vida,
nutricionista clínica no Sest-Se-
nat (Serviço Social do Transporte
e Serviço Nacional do Transpor-
te) em Araraquara, e professora
no Curso Técnico em Nutrição e
Dietética na Escola Técnica do
Centro Paula Souza: “Professora
Anna de Oliveira Ferraz”, Maris-
tela de Fátima Damião Begnami.
Carolina Carvalho de Oliveira
alerta que glúten pode afetar,
sim, o metabolismo, dificultando
a perda de peso. “Mas o que en-
gorda é o excesso de outros com-
ponentes que fazem parte destes
alimentos, como o carboidrato,
gorduras e outros tipos de pro-
teínas. E, alguns casos, retirando
alimentos com glúten da dieta, a
pessoa pode, de fato, emagrecer,
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