1) O documento defende a importância da participação de educadores, pais, autarcas e comunidade na construção de uma educação de qualidade para as crianças.
2) Propõe que a participação seja feita através da formação de redes entre os diferentes atores e da colaboração em projetos, atividades e tomadas de decisão.
3) Argumenta que a participação levará a uma educação que prepare melhor as crianças para o futuro e torne a sociedade mais justa e humana.
Educação de Infância - Um projeto para a participação de todos
1. Henrique Santos
Educador de Infância
Associação de Profissionais de Educação de Infância
Comunicação a apresentar no Fórum de Educação de Oliveira de Azeméis
4 e 5 de Maio de 2000
Educação de Infância – Um Projecto para a Participação
Demos as mãos!
Demos as mãos por Timor, por Moçambique, por Angola, pela Jugoslávia...
Demos as mão porque pretendemos mais e melhor para os povos distantes, mas
tão ou mais necessitados que nós.
Sempre quisemos fazer mais e melhor, e por isso demos as mãos.
Quisemos fazer a Expo (e outras realizações) e demos as mãos. Passámos
tormentas, desconfianças, dificuldades, mas de mãos dadas chegámos ao fim, e,
ao olhar para trás, sentimo-nos orgulhosos da obra feita.
Demos as mãos sempre que tal foi necessário e sempre que soubémos o quanto
isso nos ajudaria.
Então, dar as mãos é um bom princípio.
E se, ao chegar ao fim, nos sentirmos orgulhosos, tanto melhor.
Em diferentes ocasiões, demos as mãos porque só assim conseguiríamos. Porque
não dar as mãos em outras coisas tão ou mais fundamentais?
Falo-vos da Educação. É imperioso dar as mãos para conseguir o que queremos.
E o que queremos é uma Educação de Infância de Qualidade e que sirva todos
sem excepção.
Mas dar as mãos implica participar.
Participar é a palavra chave. Participar na decisão, participar na acção, participar
na construção...
2. O edifício da Educação de infância está em construção, e todos nós: Educadores,
Pais, Autarcas, Comunidade, temos o dever de participar na sua execução.
O Estado promoveu a construção dos alicerces: fez aprovar a Lei-Quadro para o
Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar assim como outra legislação que,
apesar de ainda não completa, poder servir de impulso para outros patamares.
Agora, todos nós temos de contribuir, nem que seja com um simples azulejo deste
edifício!
Não vos vou aqui falar da justiça ou da injustiça de determinada decisão do
Governo, ou do problema da Creche, do tempo de serviço, do âmbito dos
concursos ou mesmo das condições de trabalho nas instituições de solidariedade
Social.
Essa é uma discussão que todos nós deveremos realizar sim, mas noutros
locais, noutros fóruns.
Como construir, então, uma Educação de Infância de Qualidade?
A Lei de Bases do Sistema Educativo, na SECÇÃO I - Artigo 5º - Educação pré-
escolar, introduz-nos nos objectivos da EPE, e, entre eles, destacam-se, entre
outras, quatro frases que passo a citar:
Ponto 1, Alínea c) Favorecer a observação e a compreensão do meio
natural e humano para melhor integração e participação da criança;
Ponto 2 - A prossecução dos objectivos enunciados far-se-á de acordo
com conteúdos, métodos e técnicas apropriados, tendo em conta a
articulação com o meio familiar.
Ponto 5 - A rede de educação pré-escolar é constituída por instituições
próprias, de iniciativa do poder central, regional ou local e de outras
entidades, colectivas ou individuais, designadamente associações de pais
3. e de moradores, organizações cívicas e confessionais, organizações
sindicais e de empresa e instituições de solidariedade social.
Ponto 8 - A frequência da educação pré-escolar é facultativa no
reconhecimento de que à família cabe um papel essencial no processo da
educação pré-escolar.
Após a apresentação destes objectivos, escolhidos sem qualquer espécie de rigor,
científico ou pedagógico, e ao analisa-los com alguma profundidade, chegamos à
conclusão de que está presente, ao longo do enunciado, a questão da
participação.
Ora então, chegados que estamos à questão da participação, reflictamos
sobre o seguinte:
- Quem é que deve participar?
- Como é que o podemos fazer?
- Onde é que devemos participar?
- Porque é que devemos participar?
Quem é que deve participar?
Todos nós. Educadores, Pais, Famílias, Autarcas, Comunidade em geral.
Enquanto Educadores, devemos fazê-lo, através do nosso esforço diário
em situação lectiva, mas também, e essencialmente, através da participação em
actividades não lectivas, que tenham como objectivo a reflexão conjunta e
alargada sobre temáticas do nosso dia-a-dia. Organizar seminários, reuniões ou
reflexões conjuntas ou participar em Acções de Formação ou em Círculos de
Estudo não pode ser uma “caça ao crédito”. Temos de ter consciência que mais
importante do que a nossa formação “administrativa” é a nossa formação pessoal
e académica. É ela que nos permite ascender interiormente. E é a ascensão
interior que nos permite identificar o nível de qualidade que desejamos.
4. Construir qualidade implica que possamos escolher o rumo, a orientação
que desejamos para o nosso futuro. E o nosso futuro não é, nunca foi e não será
preparado por nós, mas sim pelas gerações que fizemos nascer e que educámos.
Ser Educador de uma criança hoje poderá ser, é-o sem dúvida, a forma
mais eficaz de preparar o futuro. Mas os Educadores também são os pais, não só
os Profissionais.
Enquanto pais, parte importante de uma família, devemos reflectir
seriamente no caminho que queremos preparar para os nossos filhos: Que mundo
os espera? Que espaço, que tempo? Será que estamos a deixar-lhes um planeta
em condições? E, acima de tudo, não devemos pensar a 10 anos... devemos fazê-
lo a 100, 200, 500...
Nesse âmbito, tão importante quanto o que lhes damos agora, é a herança
do que deixamos para ele.
E que tal se crescerem num modelo de responsabilidade, de participação
democrática, de escolha consciente, de espaço de decisão?
E não é difícil criar-lhes estas condições. Basta sentir que realmente
devemos fazer algo, agora! Basta sentir que temos mesmo de dar as mãos em
torno de desígnios mais altos.
E os autarcas e a restante Comunidade?
As sociedades organizam-se de diferentes formas e sobre diferentes
modelos, e a que nós escolhemos pressupõe uma organização formal,
hierárquica, constituída por órgãos de gestão e execução eleitos, que são os
representantes democráticos de todos os outros. Mas estes eleitos são pessoas. E
são essas pessoas que também são pais, também são educadores, também
pertencem a famílias.
Cada gestor eleito, municipal ou regional, deve sentir-se responsável por
investir na qualidade da rede pública ou privada de educação pré-escolar da sua
área de influência. Construindo parcerias com as outras famílias e com os outros
profissionais e suas organizações, os municípios entenderão que a qualidade da
educação é uma dimensão crucial da cidadania e da democratização da
sociedade
5. Mas estes eleitos não têm necessariamente que saber de tudo, ou que
fazer tudo. Estes eleitos são representantes, e como tal, terão de os ouvir e de os
fazer participar. Porque não colaborar com os Educadores e professores na
realização de actividades extracurriculares para as crianças, porque não levá-los
ao cinema ou ao teatro (e aqui, é claro, está o Educador de Infância, com
experiência e formação para retirar dessa actividade a componente de formação
pedagógica), porque não lidar, com consciência pedagógica, das temáticas
ambientais e sociais?
As comunidade devem encarar a educação como um todo e não
particularizá-la. Cada criança é nosso filho, é nosso sobrinho, é nosso futuro.
Cada criança é, ou será, um autarca, um médico, um professor, um jardineiro...
A consciência da sua força enquanto geração produtiva não é, neste
momento, das nossas crianças mas sim nossa. Somos nós quem sabe o que
queremos para os nossos filhos. Vamos então tentar saber mesmo.
Como fazê-lo? (a participação)
As novas modalidades de gestão e administração das escolas permitem a
formação de agrupamentos com outros níveis de ensino. Mas é prioritário criar
uma real gestão conjunta através da dinamização de projectos educativos
coerentes e concertados que tenham expressão nos diferentes níveis de ensino.
Partindo do pressuposto anteriormente enunciado, o da participação, é de
todo conveniente o desenvolvimento de redes. Ultimamente esta palavra, que
encerra uma ideia que está associada a um conceito de globalização, tem sido
apresentada por todos, e em todos os locais, mas poucas vezes nos referimos à
Redes sobre aquilo que de essencial elas nos podem dar. O conceito de rede
envolve a participação continuada e participada de vários elementos, de várias
origens, e em comunicação, ou seja, num processo de dois ou mais sentidos.
É comum, quando nos referimos a redes, imaginar um espaço onde
podemos aproveitar o conhecimento e o trabalho de outros.
6. Normalmente, a palavra rede traz implícita a ideia de que existem uns
tantos que desenvolveram uma boa ideia que nos é útil, e dispuseram essa
informação para nós a consultarmos. Também se fala, por exemplo, de redes
formadas por instituições, autarquias, empresas...
Mas uma rede não é um espaço de sentido único. Rede é um conjunto de
sistemas, interligados, que permite a cada um desses sistemas utilizar os recursos
dos outros.
Tal ideia implica, directamente a noção de que se participarmos numa rede
devemos ter a possibilidae de recolher informação que nos permitirá fazer mais e
melhor, mas, e fundamentalmente, disponibilizar informações para que outros
possam crescer connosco.
Então o que é uma rede em educação?
De uma forma simples, uma rede em Educação é um sistema no qual todos
colaboram e todos se interajudam para construir um espaço comum, ou seja,
autarcas fazem participar Educadores nas decisões políticas sobre Escola e
educadores; Educadores abrem a porta da Escola aos Pais, aceitando as suas
ideias e os seus conhecimentos, pais participam na Educação dos seus filhos mas
também no espaço autárquico, famílias unem-se a outras famílias para construir
sistemas de apoio autárquicos e educativos....
Formar redes em educação não é um processo formal e pesado. Actualmente,
existem inúmeros espaços de diálogo subaproveitados por pais, educadores e
autarcas. Partindo dos mais simples, as reuniões pedagógicas, as reuniões
informais, ou mesmo o momento de levar ou ir buscar o filho à escola, para os
mais complexos, como por exemplo este Fórum, todos os momentos são
importante para construir parcerias. Mas parcerias eficazes, que possam, no seu
mais simples objectivo, fazer mudanças. Mas mudanças com sentido.
Por outro lado, e porque também as parcerias podem ser construídas tendo
em conta os instrumentos de que dispomos, temos de olhar com maior atenção
para as cada vez maiores facilidades que nos dão a Televisão, o Rádio ou a
Internet. Estar em contacto é, talvez, o mais importante no momento de
7. construção de parcerias, pois a comunicação, obrigatoriamente, implica esta
interacção, implica a emissão de mensagens em todos os sentidos.
Também a participação associativa, seja em Associações Profissionais,
seja em Associações Culturais e/ou Desportivas, seja apenas através da
colaboração e da cooperação na organização de actividades associativas
localizadas (na escola ou na comunidade) também têm de ser entendidas como
espaços de participação e colaboração essenciais. A voz de dois, é sem dúvida,
mais audível que a voz de um só.
No entanto, compete ao Estado, em articulação com a sociedade civil,
investir e financiar a inovação e a pesquisa. Sem divulgação de práticas
exemplares e sem regular o sistema através de investigação e avaliação
sistemática, não é possível uma efectiva melhoria de qualidade.
Onde é que devemos participar?
De certa forma, já foi dada a resposta a esta questão, no entanto, e servindo de
reforço, no fundo, o que aqui se deixa é o aviso sério de que a Qualidade em
Educação, e concretamente em Educação de Infância, é um processo a ser
conseguido por todos nós, independentemente do espaço e do tempo em que nos
movamos.
Em casa, na escola, no gabinete de trabalho, na Assembleia de Escola, ou
na Assembleia Municipal devemos fazer ouvir a nossa voz. Mas é importante que
consigamos ouvir também outras vozes. É importante que tenhamos consciência
da necessidade de cooperar, e, fundamentalmente, deveremos ser capazes de:
•Criar intercâmbio efectivo de pessoas e experiências educativas,
especialmente os que permitam a mobilidade no mundo da educação e do
trabalho;
•Criar centros didácticos de ensino e aprendizagem;
•Promover o aperfeiçoamento docente dos professores da região;
•Promover o intercâmbio de sistemas de avaliação dos processos e agentes
educativos;
8. •Comunicar experiências pedagógicas, mas também em matéria de gestão
educativa;
•Fortalecer os diversos centros existentes de aperfeiçoamento docente,
experimentação e investigações pedagógicas e educativas;
Porque é que devemos participar?
A educação de infância não é apenas um bem social e educativo. É também um
bem cultural. Porque a cultura pressupõe aprender ao longo da vida, requer
curiosidade intelectual e capacidade de resolução de problemas, implica a
usufruição estética inscrita no quotidiano, exige a radicalidade de uma postura
ética. Cultura quer também dizer e reconhecer a existência de sociedades
plurifacetadas, multiculturais, onde se afirma a diferença mas se garante a
igualdade de oportunidades. É esta a realidade da sociedade posmoderna
portuguesa, esta simultaneamente a sua potencialidade. Daí considerarmos que a
qualidade da educação de infância num país pode ser caminho para uma
sociedade mais humana e mais justa.
Acreditamos que proporcionar uma educação pré-escolar enquanto bem social,
educativo e cultural, é um projecto de cidadania para toda a sociedade
portuguesa. É uma forma de tornar acto essa cidadania, reconhecendo o valor da
infância e considerando as crianças como cidadãs de pleno direito, capazes de
participar activamente na melhoria da sociedade. Fá-lo-ão se assegurarmos desde
a mais tenra idade uma real qualidade educativa para as instituições que as
servem. Só assim a educação de infância em Portugal se poderá constituir em
“verdadeiro contrato mobilizador”.
Depois de tudo o dito esta questão fica no ar: Podemos ou não dar as
mãos?
Devolvo-a aos presentes, sugerindo uma reflexão profunda sobre algumas
das pistas aqui indicadas.
Henrique Santos