O conto narra a história de Barsabás, um tirano que após a morte descobre que não tem amigos e é esquecido. Ele aprende a orar e encontra um santuário onde cada prece é uma estrela. Uma pequena prece era de Jonakim, a quem Barsabás deu um pão quando criança. Ele reencontra Jonakim e renasce para se redimir.
2. Com base no conto “A História de um pão”, do livro O Espírito da Verdade,
pelo Espírito Irmão X.
Conta-nos assim o autor espiritual:
Quando Barsabás, o tirano, demandou o reino da morte, buscou debalde
reintegrar-se no grande palácio que lhe servira de residência. A viúva, alegando
infinita mágoa, desfizera-se da moradia, vendendo-lhe os adornos. Viu ele,
então, baixelas e candelabros, telas e jarrões, tapetes e perfumes, joias e
relíquias, sob o martelo do leiloeiro, enquanto os filhos querelavam no tribunal,
disputando a melhor parte da herança. Ninguém lhe lembrava o nome, desde
que não fosse para reclamar o ouro e a prata que doara a mordomos distintos. E
porque na memória de semelhantes amigos ele não passava, agora, de sombra,
tentou o interesse afetivo de companheiros outros da infância.
3. Todavia, entre eles encontrou simplesmente a recordação dos próprios atos de
malquerença e de usura. Barsabás entregou-se às lágrimas de tal modo, que a
sombra lhe embargou, por fim, a visão, arrojando-o nas trevas. Vagueou por
muito tempo no nevoeiro, entre vozes acusadoras, até que um dia aprendeu a
pedir na oração, e como se a rogativa lhe servisse de bússola, embora
caminhasse às escuras, eis que, de súbito, se lhe extingue a cegueira e ele vê,
diante de seus passos, um santuário sublime, faiscante de luzes. Milhões de
estrelas e pétalas fulgurantes povoavam-no em todas as direções. Barsabás, sem
perceber, alcançara a Casa das Preces de Louvor, nas faixas inferiores do
firmamento. Não obstante deslumbrado, chorou, impulsivo, ante o Ministro
espiritual que velava no pórtico. Após ouvi-lo, generoso, o funcionário angélico
falou sereno:
4. – Barsabás, cada fragmento luminoso que contemplas é uma prece de gratidão
que subiu da Terra...
– Ai de mim – soluçou o desventurado – eu jamais fiz o bem...
– Em verdade – prosseguiu o informante –, trazes contigo, em grandes sinais, a
pranto e o sangue dos doentes e das viúvas, dos velhinhos e órfãos indefesos
que despojaste, nos teus dias de invigilância e de crueldade; entretanto, tens
aqui, em teu crédito, uma oração de louvor... E apontou-lhe acanhada estrela,
que brilhava à feição de pequenino disco solar.
– Há trinta e dois anos – disse, ainda, o instrutor –, deste um pão a uma criança
e essa criança te agradeceu, em prece ao Senhor da Vida. Chorando de alegria e
consultando velhas lembranças, Barsabás perguntou:
5. – Jonakim, o enjeitado?
– Sim, ele mesmo – confirmou o missionário divino –. Segue a claridade do
pão que deste, um dia, por amor, e livrar-te-ás, em definitivo, do sofrimento nas
trevas.
E Barsabás acompanhou o tênue raio do tênue fulgor que se desprendia daquela
gota estelar, mas, em vez de elevar-se às alturas, encontrou-se numa carpintaria
humilde da própria Terra. Um homem calejado aí refletia, manobrando a enxó
em pesado lenho... Era Jonakim, aos quarenta de idade. Como se estivessem os
dois identificados no doce fio de luz, Barsabás abraçou-se a ele, qual viajante
abatido, de volta ao calor do lar.
6. Decorrido um ano, Jonakim, o carpinteiro, ostentava, sorridente, nos braços,
mais um filhinho, cujos louros cabelos emolduravam belos olhos azuis. Com a
benção de um pão dado a um menino triste, por espírito de amor puro,
conquistara Barsabás, nas Leis Eternas, o prêmio de renascer para redimir-se.
REFLEXÃO:
Espiritismo adota a divisa “Fora da caridade não há salvação”. Há nessa
máxima dois conceitos principais, cujo conteúdo é preciso desvendar: caridade
e salvação.
Do conjunto da obra de Kardec, surge clara a ideia de que o aprimoramento é
tarefa individual de cada Espírito, tendo como meta final a condição de Espírito
puro. Os Espíritos mais elevados incentivam e auxiliam o progresso dos que
seguem na retaguarda, mas cada qual ilumina e, pois, salva a si mesmo. A
evolução é pessoal e intransferível, a cada um segundo suas obras.
7. Quando conquista o estado de pureza, o Espírito deixa de experimentar a
influência da matéria e não tem mais de sofrer provas ou expiações. Realiza a
vida eterna no seio de Deus, como seu mensageiro e ministro, no gozo de
inalterável felicidade. Trata-se de um estado glorioso, inconcebível para quem
dele ainda se acha distante. A salvação, segundo essa concepção, constitui a
meta para a qual todos os Espíritos foram criados, o seu maravilhoso destino
final. Como condição de sua conquista, o Espiritismo estabelece a caridade.
Tendo em mira que se trata de algo com o condão de afastar o sofrimento e
produzir felicidade e plenitude, todos têm o maior interesse em entendê-la e
praticá-la. Objetivando obter o melhor conceito de caridade, na questão nº 886
de O livro dos Espíritos, Kardec indaga à espiritualidade superior qual o
verdadeiro sentido dessa palavra, segundo a entendia Jesus. Obtém a seguinte
resposta:
8. “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros,
perdão das ofensas”. Como se vê, a caridade é composta por três virtudes:
benevolência, indulgência e perdão. Considerando que o objeto deste trabalho
cinge-se à indulgência, nele não serão abordadas as outras duas virtudes.
Consoante se infere da Codificação, a indulgência implica fazer um juízo suave
das fissuras morais alheias, do que os outros fazem ou são e que parece
errôneo. É uma questão de valorizar o bem, em vez do mal, e de temperar com
uma certa doçura o próprio refletir sobre o semelhante. Ela se liga diretamente
ao raciocínio, ao modo como se processam no íntimo do homem as impressões
que ele tem do outro, como ele julga as imperfeições alheias.
Quando se fala em julgamento, logo vem à mente a famosa frase de Jesus:
“Não julgueis, para que não sejais julgados.” (Mateus: 7:1).
9. Com base nessa assertiva, parece que todo e qualquer julgamento é um erro.
Ocorre ser impossível viver a raça humana no conjunto da criação e não parece
desejável que se abdique dela, especialmente quando se tem em mente o caráter
racional do Consolador prometido pelo Cristo, o Espiritismo. Assim, quando
Jesus exorta a que não se julgue, a exortação não parece ser em sentido
absoluto, mas apenas a que não se julgue de certa maneira (com severidade).
Essa interpretação nada tem de arbitrária e se revela coerente e possível em
variadas outras passagens evangélicas. Por exemplo, no Sermão da Montanha,
Jesus afirma a bem-aventurança dos que sofrem e choram. Ora, em um mundo
de provas e expiações, como é a Terra, absolutamente todos sofrem e choram,
em maior ou menor grau.
10. Toda a lei divina encontra-se inscrita na consciência de cada ser, que funciona
como juiz da própria conduta. Quem se habitua a analisar severamente os erros
do próximo molda em seu íntimo um juiz implacável. Quando chegar a hora de
prestar contas à Eterna Justiça, as medidas desse severíssimo censor é que lhe
serão aplicadas. A respeito, o seguinte trecho de O Evangelho segundo o
Espiritismo: “Sede indulgentes com as faltas alheias, quaisquer que elas sejam;
não julgueis com severidade senão as vossas próprias ações e o Senhor usará de
indulgência para convosco, como de indulgência houverdes usado para com os
outros” (Capítulo X, item 17, primeira parte). Como ninguém suporta um olhar
muito severo sobre suas fraquezas, importa treinar um olhar generoso sobre as
fissuras morais alheias, até como medida de autopreservação.
11. Nesse mesmo capítulo do Evangelho segundo o Espiritismo, no item 16, há
uma interessante dissertação de José, Espírito Protetor, a respeito da
indulgência. Ele afirma que a indulgência não vê os defeitos de outrem, mas, se
os vê, evita falar deles. Ao contrário, oculta-os. Se a malevolência os descobre,
encontra escusa plausível e séria para eles, não uma visivelmente falsa, a fim
de mais os evidenciar. Observa-se aí um genuíno esforço em valorizar o bem
que há no próximo, perante si mesmo e perante terceiros. Faz-se efetiva opção
de ver o semelhante de forma positiva, considerá-lo digno e valioso, malgrado
seus problemas. A mensagem também fala que a indulgência consiste em um
sentimento doce e fraternal que todo homem deve alimentar para com seus
irmãos.
12. A doçura remete à ideia de sabor agradável. O sentimento da indulgência é
suave, saboroso, tranquilizador e fraterno, próprio de irmãos, de seres que se
gostam, que se sentem ligados. Nada tem de amargor e de ásperas reprimendas.
É especialmente esclarecedor o último parágrafo da mensagem: “Sede
indulgentes, meus amigos, porquanto a indulgência atrai, acalma, ergue, ao
passo que o rigor desanima, afasta e irrita.” Trata-se de uma eloquente verdade,
pois ninguém aprecia ficar perto de uma pessoa severa, que só percebe e
valoriza os defeitos alheios. É desagradável sentir-se criticado, não apreciado,
sem falar que ter as próprias dificuldades ressaltadas desanima, a ponto de
muitas vezes surgir o raciocínio de que nada mais há para fazer: é-se um caso
perdido!
13. Ao contrário, quando as virtudes de alguém são valorizadas, ele se considera
digno e ganha forças para ser melhor e lutar contra suas fraquezas, que se
tornam apenas um detalhe. A indulgência sacia a sede de compreensão e
acalma o coração por vezes atormentado pela culpa. Ela atrai quem mais
necessita de amparo e compreensão. E especialmente ergue em direção ao
refazimento do caminho, à reparação dos erros praticados. O esforço em ver o
próximo de forma positiva torna mais fácil gostar dele e estabelecer vínculos de
genuína fraternidade, na medida em que ninguém almeja ser amigo de
réprobos, mas, sim, de criaturas dignas. Pode-se concluir que a indulgência,
além de se inserir no âmbito maior da salvação do Espírito, rumo ao seu
angelical destino, também possui o condão de salvar os relacionamentos
humanos, ao conduzi-los a um patamar saudável.
14. A indulgência, como componente da caridade, não é só a meta (a libertação
final, fruto da vivência perfeita), mas também o caminho, ao viabilizar a
fraternidade entre seres ainda imperfeitos, mas que sonham com a perfeição e
precisam se auxiliar em sua caminhada.
Muita Paz!
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Espíritos, de O Livro dos Médiuns, e de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
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