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Reflexões sobre a kalenda do Natal e figuras históricas
1. APONTAMENTOS PESSOAIS SOBRE A KALENDA DO NATAL
Acerca de observações feitas sobre a kalenda de Natal, quando a mesma faz
referência a Buda (Índia), a Lao-Tse (China), os povos ameríndios (Mexico), à filosofia
grega no Ocidente. Com base nos meus parcos e pobres argumentos e insuficiente
clareza racional, entendi a proposta que acrescentou aquelas figuras históricas acima
citadas, apesar de suas irrelevâncias para a fé cristã, da seguinte maneira:
1. comparando com outros fatos lembrados na mesma kalenda, a história do povo
bíblico caminhou também assim até a sua plenitude em Cristo: em paralelo com a
história de outros povos e culturas por impulso do próprio Criador.
E os “elementos de Verdade e graça” e “sementes do Verbo”, para além de uma única
cultura? (cf. documento conciliar AG 9 e 11);
2. isso é fato, pois quantas vezes o povo bíblico se deixou influenciar por estas mesmas
culturas e povos? No entanto Deus os purificava em vista da redenção em Cristo;
3. nem por isso sua história deixou de ser única, pois há um fato extraordinário e
surpreendente: o Deus do povo bíblico é ciumento e zeloso, não aceita outro além
Dele, e procura trazer sempre de volta para Si esse povo desviado, valendo-se até
mesmo de um pagão que nem o conhecia, exaltado pelo profeta como “ungido do
Senhor” (história bíblica dos reis e a atuação dos profetas);
4. na kalenda, entendi que as figuras históricas ali mencionadas, não aparecem para
serem reconhecidas ou exaltadas, e sim para afirmar a supremacia da extraordinária
e surpreendente ação de Deus que redime e consagrada a história de todos os povos e
culturas com o advento de seu divino Filho (universalidade da salvação em Cristo).
5. também a kalenda tradicional lembra as “olimpíadas grega”. O que a cultura ou
olimpíadas gregas trouxeram de bom para o povo da Antiga Aliança quando lemos a
história dos Macabeus? Violação da Aliança estabelecida com Deus, transgressão e
profanação do culto no Templo, irresponsabilidade dos sacerdotes, etc. Basta ouvir o
eco das vozes da família macabea no livro bíblico para sabermos acerca do terror
dessa dominação sobre eles.
6. também a mesma kalenda lembra Otávio “Augusto” e diz que “a terra estava em paz”.
Que “paz”? A “pax romana” de “Augusto César” que exterminou e submeteu muitos
povos para fazê-los seus contribuintes e escravos? Que acomodava e silenciava o
povo dominado pela força do poder e autoridade das armas? E Tibério César, situado
no Evangelho de São Lucas na época da morte-ressurreição de Jesus Cristo, que
estabelecia a paz na Judéia pela hostilidade e o derramamento de sangue nas
esquinas da cidade, fazendo morrer um inocente (Jesus de Nazaré – “homem
aprovado por Deus”) pelas mãos de um procurador que não sabia tomar decisões por
si mesmo? Nem tampouco acredito ter sido a paz de Herodes que exterminou tantas
crianças inocentes, enquanto famílias inteiras choravam a morte de seus filhos.
“Ouviu-se uma voz em Ramá, choro e grande lamentação: Raquel chora seus filhos e não quer
consolação, porque eles já não existem”. (Mt 2,18)
Não acredito também ter sido a paz das conveniências dos projetos humanos
alicerçados em interesses e seguranças pessoais ou mesmo em grupos agregados de
uns poucos escolhidos.
7. Claro que a Paz é aquela que Deus sempre fez seu povo experimentar ao longo de
toda a história que Ele acompanhou e acompanha até hoje. A paz que nos veio por
meio do Filho, “cheio de Graça e de Verdade”. Sim! Jesus nasce no cenário de uma
“paz aparente” na encruzilhada da história humana marcada pela dor e pelo pranto.
O Mistério da encarnação do Verbo é para estabelecer a verdadeira Paz, sem dor e
sem pranto, nem constrangimentos à vida. Pois era o que as profecias anunciavam
(promessa):
“Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará das suas raízes. Sobre ele repousará
o espírito de Iahweh, espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e de
fortaleza, espírito de conhecimento e de temor de Iahweh: no temor de Iahweh estará a sua
2. inspiração. Ele não julgará segundo a aparência. Ele não dará sentença apenas por ouvir
dizer. Antes, julgará os fracos com justiça, com eqüidade pronunciará uma sentença em
favor dos pobres da terra. Ele ferirá a terra com o bastão da sua boca, e com o sopro dos
seus lábios matará o ímpio. A justiça será o cinto dos seus lombos e a fidelidade, o cinto dos
seus rins.” (Is 11,1-5)
E que se manifestou na carne humana (realização):
João, ouvindo falar, na prisão, a respeito das obras de Cristo, enviou a ele alguns dos seus
discípulos para lhe perguntarem: "És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar um
outro?" Jesus respondeu-lhes: "Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos
recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem, os mortos
ressuscitam e os pobres são evangelizados. E bem-aventurado aquele que não ficar
escandalizado por causa de mim!" (Mt 11, 2-6)
E um dia se manifestará na Parusia (plenificação):
“Vi então um céu novo e uma nova terra — pois o primeiro céu e a primeira terra se foram, e
o mar já não existe. Vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade santa, uma
Jerusalém nova, pronta como uma esposa que se enfeitou para seu marido. Nisto ouvi uma
voz forte que, do trono, dizia: "Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles;
eles serão o seu povo, e ele, Deus-com-eles, será o seu Deus. Ele enxugará toda lágrima dos
seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais.
Sim! As coisas antigas se foram!" (Ap. 21,1-4)
8. No entanto, não se deixou de mencionar aqueles fatos na kalenda tradicional. O
nascimento de Jesus Cristo é superior a todas as situações e personagens históricos
mencionados na mesma e sua presença entre nós trouxe o verdadeiro sentido à vida e
à existência humana. Por isso, muitos fatos e personagens são lembrados, para
afirmar a superioridade de sua Pessoa (hypóstasis) e de sua Vinda na carne
(prósopa).
9. Posso até está equivocado, as personagens acrescentadas, cada uma delas em suas
circunstâncias históricas, foram capazes de dar esperança e vida espiritual aos que
viviam nas periferias da existência, pois a universalidade da salvação em Cristo ainda
não havia se realizado: Lao-Tsé, na China (século VI a.C), desgostoso com as intrigas
e disputas da vida na corte, o levou a abandonar esse clima de conflitos, seguindo
para as Terras do Oeste, em direção à Índia. Preconizou a vida contemplativa e a
supressão de qualquer desejo; e Buda (Siddhartha Gautama, século VI a.C.) que
sempre enfatizou não ser um deus e afirmava que o ser humano podia se tornar um
iluminado, porque este possui grande potencial para a sabedoria e a iluminação. De
acordo com a tradição, suas últimas palavras foram: "Tudo passa. Apliquem-se em
buscar a salvação". Tudo isso se realizou na plenitude dos tempos (Gl 4,1-11), com a
chegada do Salvador em nossa carne: JESUS CRISTO. Até então, como diz o apóstolo
das gentes: “Outrora, é verdade, não conhecendo a Deus, servistes a deuses, que na
realidade não o são” (Gl 4,8). Não podem ser entendidos como “Elementos de Verdade
e graça” e “sementes do Verbo” – impulsos do Criador?
10. Afirmo mais uma vez: eles são irrelevantes para a fé cristã e para o Mistério do
nascimento de nosso Deus e Senhor Jesus Cristo que em nada a eles se compara.
Mas, e quanto a César Augusto e as Olimpíadas grega também presentes na kalenda
tradicional? Não acredito estarem tão articulados circunstancialmente com a
encarnação do Verbo e a proposta de fé e de reino que veio anunciar e realizar. Do
mesmo modo, em relação aquelas personagens mencionadas acima, acredito que
César “Augusto” (“o iluminado”) e as Olimpíadas nada são comparados ao fato do
nascimento do nosso Senhor e Salvador.
3. Só não gostaria de chegar à conclusão de que tudo não passa de uma questão de
hermenêutica, ligada a conveniências litúrgico-teológicas. Pois fiquei me
perguntando:
a. então São Lucas cometeu um equívoco em relação aos outros evangelhos ao
mencionar César Augusto, Quirino, Herodes, Tibério César, Filipe, Lisânias. O que
essas personagens acrescentam ao Mistério do nascimento de Jesus? Que relação
tem com Ele? Senão de fazer do cenário histórico um palco de barbáries e desolação?
De esbanjamento e dissolução?
b. Creio que São Lucas quis afirmar que Jesus Cristo é superior a eles, pois os critica e
questiona com a humildade de seu nascimento. Será que com isso não quis situar o
ser humano no seu verdadeiro lugar? O ser humano nada mais é do que pobreza e
palha. Será que também os Evangelhos não querem afirmar que com sua morte,
Jesus confirma esse lugar e com sua ressurreição abre ao ser humano a
possibilidade de ser eterno e maior do que sua pobre condição?
c. os domínios deste mundo sejam eles civis ou religiosos, muitas vezes nada mais são
do que orgulho e soberba diante do Mistério da imensidão (Deus) que assume a
pequenez (humanidade). O que os gregos chamam de oxímoron. Será que o mundo
não alcançará a salvação apenas mediante esse processo pedagógico divino que
consagrou a história humana, dando a ela sentido e futuro eternos?
d. será que os fatos e personagens da kalenda na noite de Natal não querem afirmar
justamente isso: o nascimento do Altíssimo Filho em nossa carne consagra e eleva
nossa pobre e poeirenta condição humana? Não importa se Buda “iluminado”, Lao-
Tsé, Otávio “Augusto”, os povos ameríndios ou olimpíadas e sábios gregos. TUDO É
ALCANÇADO UNIVERSALMENTE POR ESTE MISTÉRIO REDENTOR DO DIVINO
FILHO FEITO HOMEM.
Ou estou equivocado?
Desculpem minha ousadia em compartilhar essas reflexões, pois fiquei inquieto com
alguns argumentos partilhados, todavia acredito terem faltado mais esclarecimentos. Se
em algum momento falhei nos argumentos bíblico-teológicos ou ao depósito da fé, do
qual a Igreja é fiel guardiã, peço que me perdoem e me esclareçam um pouco mais.
Pe. George Jenner França
Sacerdote diocesano