O documento discute a reforma do Estado no Brasil nas décadas de 1990 e 2000, desde a implantação de políticas neoliberais no governo FHC até a crise política no governo Temer. A reforma de FHC visava reduzir o tamanho do Estado e privatizar estatais, mas também enfrentou resistências por conta de cortes em direitos sociais. Isso contribuiu para a ascensão de governos mais focados em redistribuição de renda, mas que também enfrentaram crises de corrupção e recessão.
1. ano I
jun./2017
zkeditora.com.br
Sérgio Gurgel
pág. 36
Fernanda Caprio
pág. 52
Da reforma do Estado
à crise Temer
ISSN2526-9569
7725269569189
Processo administrativo
disciplinar militar
(e as causas que o anulam)
06
Os vinte anos do
Código de Trânsito
Brasileiro
2. 52 ano I - nº 06 - junho/2017
POLÍTICA ECONÔMICA
Da reforma do Estado à
crise Temer
Fernanda Caprio
“Estamos aprisionados no caos, num país cuja abundância
natural não é capaz de garantir riqueza per capta, mas sim
de sustentar desvios bilionários, uma nação composta por
um povo originalmente formado por condenados e degre-
dados, que após quinhentos anos ainda se assombra com
a corrupção.
”
DIVULGAÇÃO
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Conceito Jurídico
Administrativo e Político
O
pós-guerra trouxe à tona o Estado do Bem-Estar Social europeu, com
características redistributivas e compensatórias, num modelo bu-
rocrático weberiano que objetivava dar aos setores públicos carac-
terísticas de eficiência, meritocracia e impessoalidade. Após 1970, o
capitalismo entrou numa crise de superprodução com o início do processo de
globalização (CARINHATO, 2008) e as economias foram impactadas pelos dois
choques do petróleo de 1973 e 1979 (PEREIRA, 2015).
O Estado do Bem-Estar social viu sua receita ser achatada e suas despesas con-
tinuarem crescendo, fatores que o tornaram muito grande, inchado, caro, e, por
consequência, endividado. A economia mundial foi jogada em recessão. Isso trouxe
à tona o pensamento neoliberal, que propôs o Estado Mínimo e a autorregulação
do mercado. Este pensamento ganhou força na Inglaterra, com Margaret Thatcher
(1979), e nos Estados Unidos, com Ronald Reagan (1981).
Na América Latina, o neoliberalismo chegou mais tarde, fortemente induzido
pelo Consenso de Washington (1989), que organizou um pacote de medidas de
ajustamento com o FMI e o Banco Mundial para o continente latino-americano,
incluindo: (i) o combate à inflação; (ii) a dolarização das economias; (iii) a valo-
rização das moedas nacionais; (iv) o ajuste fiscal; (v) a reforma do Estado com
privatizações, terceirizações, publicizações, reforma administrativa; (vi) a desre-
gulamentação dos mercados; (vii) e as liberalizações comercial e financeira. Nota-
damente, o plano objetivava inserir a América Latina na globalização que crescia
de forma galopante.
O Brasil teria iniciado a aplicação do pensamento neoliberal – defendida por
Pereira (1998) como social-democrática – a partir do presidente Collor (1989),
que se elegeu com proposta de solução messiânica em um cenário composto
por hiperinflação, dívida externa, má distribuição de renda e estagnação do
crescimento econômico, mas a ausência de resultados esperados e a ligação de
Collor com denúncias de corrupção levaram ao impeachment. Assim, o vice-pre-
sidente Itamar Franco assumiu o país e o então ministro da Fazenda Fernando
Henrique Cardoso implantou o Plano Real, cujo sucesso o elegeu presidente da
República, em 1994.
O presidente Fernando Henrique Cardoso constituiu o Ministério da Admi-
nistração e Reforma do Estado (MARE), nomeando como titular Luiz Carlos Bres-
ser-Pereira, que fez publicar o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
(BRASIL, 1995), basicamente, atacando quatro pontos: (i) delimitar o tamanho do
Estado; (ii) redefinir o papel regulador do Estado; (iii) recuperar a governança ou
capacidade financeira e administrativa; (iv) aumentar a governabilidade ou capa-
cidade política do governo.
A Reforma do Estado da década de 1990, portanto, ocorreu num ambiente de
confiança do cidadão, satisfeito com o resultado do Plano Real e animado por
fazer parte de um capitalismo globalizado. Isso conferiu ao presidente Fernando
Henrique Cardoso apoio para implantação das mudanças. A linha mestra das
mudanças, a princípio, giraria em torno de estabilização econômica, redução do
tamanho do Estado, implantação de sistema gerencial objetivando maior eficiência
dos serviços públicos e criação programas de trabalho, emprego, renda e combate
à pobreza (CARINHATO, 2008).
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Passou-se à abertura dos mercados e controle da moeda, permitindo a ampliação
de negócios e o crescimento de empregos. Reviu-se o tamanho do Estado, promo-
vendo privatizações, terceirizações e publicizações, criando as agências reguladoras
e dando solo fértil à proliferação das organizações sociais, transferindo a execu-
tores “não estatais” atividades da área social (CARINHATO, 2008). Foi aberto um
ponto-cego muito bem apresentado no filme “Quanto vale ou é por quilo?”, que
mostra o modo pelo qual o binômio “corrupção/falta de transparência” resultou
no binômio “péssimos serviços públicos/enriquecimento ilícito”.
A Constituição Federal de 1988 trouxe incontáveis avanços para a proteção dos
direitos individuais e sociais, a ampliação e o fortalecimento de instituições, maior
clareza no sistema de freios e contrapesos, amparo à participação coletiva na cons-
trução jurídico-político-social. Porém, recebeu críticas da gestão Fernando Hen-
rique Cardoso pelo protecionismo ao funcionalismo público e pelo alto custo dos
direitos previdenciários. Para contornar estes pontos, foi aprovada a Emenda Cons-
titucional nº 19/1998, que fixou tetos para a remuneração de servidores públicos,
modificando critérios de estabilidade, dividindo categorias com funções exclusivas
do Estado, entre outras alterações; além da Emenda Constitucional nº 20/1998,
que aumentou o tempo de serviço e a idade mínima para aposentadoria, passou
a exigir tempo mínimo de exercício e de contribuição previdenciária e tornou o
valor do benefício proporcional à contribuição.
Naturalmente, a Reforma do Estado implantada na gestão do presidente Fer-
nando Henrique Cardoso estabilizou economicamente o país, até então assolado
pela inflação e pela estagnação econômica, permitindo sua entrada na economia
globalizada. As medidas adotadas, inclusive as terceirizações, privatizações e
publicizações eram tendências mundiais e necessárias para reduzir o tamanho e
a conta do Estado. A flexibilização promovida pela Reforma Administrativa cha-
coalhou o funcionalismo público, que foi compelido a ampliar suas competências
e melhorar os serviços prestados, sob pena de exoneração.
Creio, porém, que três pontos atuaram muito fortemente no descontentamento
popular com a política do Governo FHC: (i) as publicizações, da forma como foram
feitas, transformaram os serviços públicos em mercadorias, deslocando o foco do
atendimento ao cidadão para a obtenção de lucro; (ii) a Reforma Administrativa
causou insatisfação entre o funcionalismo público; (iii) a redução de direitos pre-
videnciários fez com que a população olhasse com desconfiança para o governo
que lhe retirava direitos constitucionais. O descontentamento com as políticas
sociais do Governo FHC, somado à ostentosa negociação do Executivo com o Legis-
lativo para aprovação da reeleição, tornaram-se solo fértil para o fortalecimento
dos movimentos sindicais e dos movimentos de esquerda, que mantinham ácido
discurso contra o governo.
O foco muito fechado em torno do equilíbrio econômico, à custa de direitos
sociais de um povo que já amargava longo período de ditadura, seguido de hipe-
rinflação, desemprego e impeachment acabou por não permitir que a Reforma
do Estado dos anos 1990 conduzisse o país para o pleno crescimento. O que se
viu depois (Governos Lula, Dilma) foram: (i) enorme ênfase nos direitos sociais;
(ii) redistribuição de renda; (iii) manutenção de políticas econômicas do governo
anterior que se mostraram promissoras; (iv) achatamento da classe média; (v)
POLÍTICA ECONÔMICA
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Conceito Jurídico
Administrativo e Político
Fernanda Caprio é advogada eleitoralista. Mestranda em Políticas Públicas pela UNESP/Franca-SP. Pós-
graduada Direito Eleitoral e Processo Eleitoral pela Claretiano Centro Universitário. MBA em Gestão Estra-
tégica de Marketing e em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas FGV. Pós-graduada em Direto
das Obrigações pela UNESP-Faperp. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto UNIRP.
arquivopessoal
Mensalão; (vi) Operação Lava Jato; (vii) Petrolão; (viii) intensificação da polari-
zação do discurso político-social; (ix) recessão; (x) crise de governabilidade; (xi)
impeachment; e agora, (Governo Michel Temer) (xii) tímido aceno ao crescimento
econômico; (xiii) reformas que novamente retiram direitos sociais sob o argumento
de serem necessárias à estabilidade fiscal e econômica; (xiv) mergulho em nova
crise de governabilidade cujo desdobramento ainda está em construção.
Estamos aprisionados no caos, num país cuja abundância natural não é capaz
de garantir riqueza per capta, mas sim de sustentar desvios bilionários, uma nação
composta por um povo originalmente formado por condenados e degredados, que
após quinhentos anos ainda se assombra com a corrupção.
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