O documento discute como a formalização do emprego no Brasil, que atingiu 67% da população, mudou o comportamento dos cidadãos e trará mudanças políticas no futuro. A formalização deu aos trabalhadores um futuro mais previsível e aumentou o consumo, fazendo com que os cidadãos passem a cobrar mais do governo em troca dos impostos pagos.
1. Im prim ir ()
18/08/2014 - 05:00
As provas de uma teoria
Por Luiz Carlos Mendonça de Barros
Aos 7 2 anos de idade minha v isão da economia brasileira parte sempre de uma leitura estrutural dos fatores
principais que comandam sua dinâmica. Neste sentido procuro construir um futuro ainda hipotético a partir
de mov imentos que entendo dev am influir progressiv amente no comportamento dos mercados. Este é um
ex ercício quase solitário, pois o número de analistas com esta v isão da economia é muito menor do que o
dos palpiteiros do dia a dia.
Por isto, quando uma pesquisa de campo, como a realizada pelo diretor do Instituto Data Popular - e
publicada pelo Valor na sua edição do último dia 1 3 -, confirma minha leitura do futuro, sinto um conforto
muito grande. No final são dados reais caminhando na direção do cenário idealizado por mim há alguns anos.
A entrev ista de Renato Meirelles trata dos efeitos da formalização do emprego, ocorrida principalmente a
partir de 2005 entre os brasileiros das classes D e E.
Este mov imento de formalização do trabalho das classes de renda mais baix a no Brasil ocorreu em dois
momentos distintos: o primeiro, nos anos seguintes ao Plano Real, quando o número de brasileiros que
v iv iam no espaço do emprego formal passou de 33% do total para 44%. O segundo momento ocorre a partir
de 2005, quando a formalização v olta a ganhar força e chega a 67 % da população agora no final do mandato
da presidente Dilma (v eja gráfico). Estudo recente realizado pela equipe do Banco Itaú mostra que este
processo dev e se estabilizar quando atingir 7 0% da população brasileira, por v olta de 201 6.
O cidadão que ingressa na econom ia form al passa a ter um futuro relativam ente previsível
pela frente
Minha conv ersão à tese de que v iv íamos realmente uma mudança estrutural importante na sociedade
brasileira ocorreu em fins de 2008. Afinal o gráfico nesta página, construído pela equipe da Quest
Inv estimentos em 2005, já falav a por si mesmo. A partir de 2008 minha preocupação foi procurar entender
os efeitos que este nov o desenho da sociedade teria sobre as dinâmicas política e econômica em nosso país.
Venho fazendo este ex ercício de forma continuada desde então e, por isto, a matéria do Valor tev e um
impacto muito grande para mim. Afinal, uma pesquisa de campo, com credibilidade, mostrav a que meu
ex ercício de abstração estav a correto e que poderia dar um passo adiante - mais ambicioso - nas minhas
prev isões.
Antes de fazê-lo v ou mostrar ao leitor quais as mudanças importantes que a passagem de um brasileiro
comum da informalidade para a formalidade econômica traz no seu comportamento como cidadão. Creio ter
encontrado uma ideia que resume de forma sintética estas mudanças: o cidadão na economia formal passa a
ter um futuro relativ amente prev isív el pela frente. Entendo como um futuro relativ amente prev isív el o fato
de ter um contrato formal de trabalho que lhe permite ter acesso, entre outros, a programas sociais como
FGTS e PIS/Pasep, ao credito bancário e, principalmente, ao direito de ter seu salário corrigido anualmente
com base na inflação passada e, em certos períodos, com um ganho real no v alor de seu salário. Apenas o
fantasma do desemprego pode mudar este quadro.
2. A formalização do trabalho, em uma sociedade em que o nív el de consumo tem um v alor muito forte,
responde por grande parte do boom de consumo do segundo mandato do presidente Lula. A sincronia destas
mudanças com o aumento da confiança do sistema bancário na economia acelerou ainda mais seu
crescimento. Entre 2006 e 2008, as v endas ao v arejo nas regiões Norte e Nordeste chegaram a crescer a
tax a anuais superiores a 1 5%. Na esteira deste aumento do consumo seguiu-se um aumento significativ o do
inv estimento na medida em que as empresas mais conserv adoras passaram a perder fatias de mercado. E a
economia brasileira - e o gov erno do PT - v iv eram anos de ouro.
Deix o de lado a questão econômica e v olto agora a especular
sobre os efeitos defasados no tempo que esta formalização do
emprego terá sobre a sociedade brasileira. Mais uma v ez recorro a
entrev ista do presidente do Data Popular ao Valor para reforçar
minha tese de que a formalização do emprego trará mudanças no
comportamento político destes brasileiros e na sua forma de
av aliar o Estado. Renato Meirelles cita, por ex emplo, o fato de que
pela primeira v ez estes brasileiros estão encarando de frente os
impostos cobrados em seus salários.
"A fav ela cresceu junto com a economia e esse cara passou a pagar imposto na fonte. Ele não tem noção de
imposto indireto. Então, ele não sabia o que era pagar imposto. Agora sabe. Com isso, passa a cobrar mais
dos serv iços públicos. Deix a de entender serv iço público como um fav or do gov erno e passa a entender
como uma contrapartida pelo que ele paga. Isso é ótimo. Ele não quer mais cesta básica. Quer plano nacional
de banda larga. Não quer dentadura. Quer ProUni".
Esta é uma diferença fundamental para que possamos entender o Brasil dos próx imos anos. Quando o
cidadão não tem futuro somente o gov erno pode garantir a ele alguma segurança em relação ao futuro;
quando ele passa a ter o emprego formal e começa a pagar impostos ao gov erno esta lógica se inv erte,
principalmente na situação em que os serv iços públicos prestados pelo gov erno são de péssima qualidade.
Dentro desta ótica fica mais fácil entender a Constituição brasileira de 1 988, quando o emprego formal
atingia menos de 30% da população. E certamente poderemos esperar que, talv ez no fim dessa década, haja
condições políticas para sua rev isão.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e econom ista, é diretor-estrategista da Quest
Inv estim entos. Foi presidente do BNDES e m inistro das Com unicações. Escrev e
m ensalm ente às segundas.