As personagens de felizmente há luar caracterização
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As Personagens: Caracterização transmitem, são também a denúncia do absurdo a que a
intolerância e a violência dos homens conduzem.
Gomes Freire: homem instruído, letrado ("um estrangeirado"), um
militar que sempre lutou em prol da honestidade e da justiça. É Sousa Falcão: é o amigo de todas as horas, é o amigo fiel em quem
também o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das se pode confiar e que está sempre pronto a exprimir a sua
novas ideias liberais e, por isso, considerado subversivo e perigoso solidariedade e amizade. No entanto, ele próprio tem consciência
para o poder instituído. Assim, quando é necessário encontrar de que, muitas vezes, não actuou de forma consentânea com os
uma vítima que simbolize uma situação de revolta que se adivinha, seus ideais, faltando-lhe coragem para passar à acção.
Gomes Freire é a personagem ideal. Ele é o símbolo da luta pela
Vicente, o traidor: elemento do povo, trai os seus iguais,
liberdade, da defesa intransigente dos ideais, daí que a sua
chegando mesmo a provocá-los, apenas lhe interessando a sua
presença se torne incómoda não só para os "reis do Rossio", mas
ascensão político-social. Apesar da repulsa/antipatia que as
também para os senhores do regime fascizante dos anos 60. A sua
atitudes de Vicente possam provocar ao público/leitor, o que é
morte, duplamente aviltante para um militar (ele é enforcado e
facto é que não se lhe pode negar nem lucidez nem acuidade na
depois queimado, quando a sentença para um militar seria o
análise que faz da sua situação de origem e da força corruptora do
fuzilamento), servirá de lição a todos aqueles que ousem afrontar
poder. Vicente é uma personagem incómoda, talvez porque nos
o poder político e também, de certa forma, económico,
faça olhar para dentro de nós próprios, acordando más
representado pela tença que Beresford recebe (16.000$00 anuais,
consciências adormecidas.
uma fortuna para a época!) e que se arriscaria a perder se Gomes
Freire chegasse ao poder. Manuel, Rita: símbolos do povo oprimido e esmagado, têm
consciência da injustiça em que vivem, sabem que são simples
Matilde de Sousa: companheira de todas as horas de Gomes
joguetes nas mãos dos poderosos, mas sentem-se impotentes
Freire, é ela que dá voz à injustiça sofrida pelo seu homem. As suas
para alterar a situação. Vêem em Gomes Freire uma espécie de
falas, imbuídas de dor e revolta, constituem também uma
Messias e daí, talvez, a sua agressividade em relação a Matilde,
denúncia da falsidade e da hipocrisia do Estado e da Igreja. Todas
após a prisão do general, quando ela lhes pede que se revoltem e
as tiradas de Matilde revelam uma clara lucidez e uma verdadeira
que a ajudem a libertar o seu homem. A prisão de Gomes Freire é
coragem na análise que faz de toda a teia que envolve a prisão e
uma espécie de traição à esperança que o povo nele depositava.
condenação de Gomes Freire. No entanto, a consciência da
Podem também simbolizar a desesperança, a desilusão, a
inevitabilidade do martírio do seu homem (e daí o carácter épico
frustração de toda uma legião de miseráveis face à quase
da personagem de Gomes Freire) arrasta-a para um delírio final em
impossibilidade de mudança da situação opressiva em que vivem.
que, envergando a saia verde que o general lhe oferecera em Paris
(símbolo de esperança num futuro diferente?), Matilde dialoga Beresford: personagem cínica e controversa, aparece como
com Gomes Freire vivendo momentos de alucinação intensa e alguém que, desassombradamente, assume o processo de Gomes
dramática. Estes momentos finais, pelo carácter surreal que Freire, não como um imperativo nacional ou militar, mas apenas
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motivado por interesses individuais: a manutenção do seu posto e Gomes Freire, pela coragem, determinação e defesa
da sua tença anual. A sua posição face a toda a trama que envolve intransigente dos ideais de liberdade;
Gomes Freire é nitidamente de distanciamento crítico e irónico, Matilde de Melo, pela nobreza moral, pelo conflito que vive
acabando por revelar a sua antipatia face ao catolicismo caduco e
entre os seus "humanos" sentimentos e a progressiva
ao exercício incompetente do poder, que marcam a realidade
portuguesa. consciencialização do seu dever de verdadeira patriota.
A simplicidade da acção e o despojamento cénico.
D. Miguel: é o protótipo do pequeno tirano, inseguro e O desenlace final: o martírio e a morte de Gomes Freire.
prepotente, avesso ao progresso, insensível à injustiça e à miséria.
Todo o seu discurso gira em torno de uma lógica oca e Aspectos simbólicos
demagógica, construindo verdades falsas em que talvez acabe A moeda de cinco réis: a moeda que Matilde pede a Rita assume,
mesmo por acreditar. Os argumentos do "ardor patriótico", da assim, um valor simbólico, teatralmente simbólico. Assinala o
construção de "um Portugal próspero e feliz, com um povo reencontro de personagens em busca da História, por um lado, e,
simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, por outro, é o penhor de honra que Matilde, emblematicamente,
com os olhos postos no Senhor", são o eco fiel do discurso político usará ao peito, como "uma medalha".
dos anos 60. D. Miguel e o Principal Sousa são talvez as duas A fogueira não era destinada à execução de militares. No entanto,
personagens mais execráveis de todo o texto pela falsidade e Gomes Freire, após ser enforcado, foi queimado. Contudo, aquilo
hipocrisia que veiculam. que inicialmente é aviltante acaba por assumir um carácter
redentor. Na verdade, o fogo simboliza também a purificação, a
Principal Sousa: para além da hipocrisia e da falta de valores éticos
morte da "velha ordem" e o ponto de partida para um mundo
que esta personagem transmite, o Principal Sousa simboliza
novo e diferente.
também o conluio entre a igreja, enquanto instituição, e o poder e
O título: a frase "Felizmente há luar" é proferida por duas
a demissão da primeira em relação à denúncia das verdadeiras
personagens de "mundos" diferentes: por D. Miguel, símbolo do
injustiças. Nas palavras do Principal Sousa é igualmente possível
Poder (Acto II, pág. 131), e por Matilde, símbolo da resistência (no
detectar os fundamentos da política do "orgulhosamente sós" dos
final do Acto II, pág. 140). Assim, e tendo em conta a estrutura
anos 60.
dual que organiza o texto, será fácil detectar a importância do luar
Andrade Corvo e Morais Sarmento: são os delatores por para cada uma das personagens. Para D. Miguel, o luar permitirá
excelência, aqueles a quem não repugna trair ou abdicar dos que o clarão da fogueira atemorize todos aqueles que queiram
ideais, para servirem obscuros "propósitos patrióticos". lutar pela liberdade; para Matilde, o luar sublinhará a intensidade
do fogo que simboliza a coragem e a força de um homem, que
Carácter Apoteótico morreu para defender a liberdade.
Carácter excepcional das personagens:
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Paralelismo passado/condições históricas dos anos 60 Povo reprimido e explorado;
Tempo da História (século XIX - 1817) Miséria, medo e analfabetismo;
Agitação social que levou à revolta liberal de 1820 - Obscurantismo, mas crença nas mudanças;
conspirações internas; revolta contra a presença da Corte Luta contra o regime totalitário e ditatorial;
no Brasil e influência do exército britânico; Agitação social e política com militares antifascistas a
Regime absolutista e tirânico protestarem;
Classes sociais fortemente hierarquizadas; Perseguições da PIDE;
Classes dominantes com medo de perder privilégios; Denúncias dos chamados "bufos", que surgem na sombra e
Povo oprimido e resignado; se disfarçam, para colher informações e denunciar;
A "miséria, o medo e a ignorância"; Censura à imprensa;
Obscurantismo, mas "felizmente há luar"; Prisão e duras medidas de repressão e de tortura;
Luta contra a opressão do regime absolutista; Condenação em processos sem provas.
Manuel, "o mais consciente dos populares", denuncia a
opressão e a miséria; Tempo
Tempo histórico: século XIX.
Perseguições dos agentes de Beresford;
Tempo da escrita: 1961, época dos conflitos entre a oposição e o
As denúncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais
regime salazarista.
Sarmento que, hipócritas e sem escrúpulos, denunciam;
Tempo da representação: 1h30m/2h.
Censura;
Tempo da acção dramática: a acção está concentrada em 2 dias.
Severa repressão dos conspiradores;
Tempo da narração: informações respeitantes a eventos não
Processos sumários e pena de morte;
dramatizados, ocorridos no passado, mas importantes para o
Execução do General Gomes Freire.
desenrolar da acção.
Tempo da escrita (século XX - 1961)
Agitação social dos anos 60 - conspirações internas; Espaço
Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores
principal irrupção da guerra colonial;
e interiores, mas não há nas indicações cénicas referentes a
Regime ditatorial de Salazar;
cenários diferentes.
Maior desigualdade entre abastados e pobres;
Classes exploradas, com reforço do seu poder;
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Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, Para Matilde, estas palavras são fruto de um sofrimento
havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros interiorizado reflectido, são a esperança e o não conformismo
pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens. nascidos após a revolta, a luz que vence as trevas, a vida que
triunfa da morte. A luz do luar (liberdade) vencerá a escuridão da
O título noite (opressão) e todos poderão contemplar, enfim, a injustiça
O título da peça aparece duas vezes ao longo da peça, ora inserido que está a ser praticada e tirar dela ilação.
nas falas de um dos elementos do poder - D. Miguel - ora inserido Há que imperiosamente lutar no presente pelo futuro e dizer não
na fala final de Matilde. Em primeiro lugar é curioso e simbólico o à opressão e falta de liberdade, há que seguir a luz redentora e
facto de o título coincidir com as palavras finais da obra, o que trilhar um caminho novo.
desde logo lhe confere circularidade.
Elementos simbólicos
Página 131 - D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das Saia verde: encontra-se associada à felicidade e foi comprada
execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se numa terra de liberdade: Paris, no Inverno, com o dinheiro da
torne num exemplo; venda de duas medalhas. "Alegria no reencontro"; a saia é uma
Página 140 - Matilde: na altura da execução são proferidas peça eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado à
palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte esperança de que um dia se reponha a justiça. Sinal do amor
contra a tirania. verdadeiro e transformador, pois Matilde, vencendo
aparentemente a dor e revolta iniciais, comunica aos outros
Num primeiro momento, o título representa as trevas e o esperança através desta simples peça de vestuário. O verde é a cor
obscurantismo; num segundo momento, representa a caminhada predominante na natureza e dos campos na Primavera,
da sociedade em busca da liberdade. associando-se à força, à fertilidade e à esperança.
Como facilmente se constata a mesma frase é proferida por Título: duas vezes mencionado, inserido nas falas das personagens
personagens pertencentes a mundos completamente opostos: D. (por D.Miguel, que salienta o efeito dissuador das execuções e por
Miguel, símbolo do poder, e Matilde, símbolo da resistência e do Matilde, cujas palavras remetem para um estímulo para que o
anti-poder. Porém o sentido veiculado pelas mesmas palavras povo se revolte).
altera-se em virtude de uma afirmação dar lugar a uma eufórica A luz: como metáfora do conhecimento dos valores do futuro
exclamação. (igualdade, fraternidade e liberdade), que possibilita o progresso
Para D. Miguel, o luar permitiria que as pessoas vissem mais do mundo, vencendo a escuridão da noite (opressão, falta de
facilmente o clarão da fogueira, isso faria com que elas ficassem liberdade e de esclarecimento), advém quer da fogueira quer do
atemorizadas e percebessem que aquele é o fim último de quem luar. Ambas são a certeza de que o bem e a justiça triunfarão, não
afronta o regime. A fogueira teria um efeito dissuasor. obstante todo o sofrimento inerente a eles. Se a luz se encontra
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associada à vida, à saúde e à felicidade, a noite e as trevas
relacionam-se com o mal, a infelicidade, o castigo, a perdição e a
morte. A luz representa a esperança num momento trágico.
Noite: mal, castigo, morte, símbolo do obscurantismo.
Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na
dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma,
representa: dependência, periodicidade. A luz da lua, devido aos
ciclos lunares, também se associa à renovação. A luz do luar é a
força extraordinária que permite o conhecimento e a lua poderá
simbolizar a passagem da vida para a morte e vice-versa, o que
aliás, se relaciona com a crença na vida para além da morte.
Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão
avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir
essa luz e lutar pela liberdade.
Fogueira: D. Miguel Forjaz - ensinamento ao povo; Matilde - a
chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar. O fogo é um
elemento destruidor e ao mesmo tempo purificador e
regenerador, sendo a purificação pela água complementada pela
do fogo. Se no presente a fogueira se relaciona com a tristeza e
escuridão, no futuro relacionar-se-á com esperança e liberdade.
Moeda de cinco reis: símbolo do desrespeito que os mais
poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os
mandamentos de Deus.
Tambores: símbolo da repressão sempre presente.
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