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Teatro de Brecht
Corrente de teatro épico.
Defende-se a distanciação a fim de levar o espetador a pensar e a desenvolver o espírito crítico.
 Episódios separados.
 O espetador é levado a pensar opondo-se muitas vezes às personagens.
Na senda do teatro épico, de Brecht, o dramaturgo…
• deseja provocar uma atitude socialmente empenhada, visando a transformação da
sociedade;
• rejeita a catarse;
• cria o efeito de distanciação – o espetador deve estar desligado da ação (substitui-se o
terror e a compaixão pelo espanto e a admiração);
• valoriza a narrativa (o ator demonstra a ação) – o espetador ouve a narração dos
acontecimentos e deve refletir, ser crítico (reflexão com intenção pedagógica); deve
recordar para sempre a mensagem da peça.
Em Felizmente Há Luar! a influência de Brecht é visível na intencionalidade de levar o
leitor/espetador a estabelecer um paralelismo histórico-metafórico entre o tempo
representado e o tempo da escrita.
O teatro moderno, em que Felizmente Há Luar! se insere, tem assim como objetivo principal
levar espectadores a pensar, a refletir sobre o que ouvem e sobre o que lhes é «mostrado» e a
tomar posição no lugar em que se encontram. A sua compreensão exige leitura integral, tendo
em conta:
1. o texto - as componentes do texto dramático; observar e interpretar a dupla
enunciação teatral, a linguagem não verbal; as fases da ação dramática;
2. a representação - a ilusão teatral, os elementos visuais e sonoros, a encenação;
3. o contexto político, social e cultural da época histórica em que se desenrola a ação,
comparando-o com a situação política, sociaI e cultural da época em o texto foi
produzido.
Luís de Sttau Monteiro enriqueceu o seu texto com imensos elementos de texto secundário. Se
nos perguntarmos porquê, teremos que responder que o dramaturgo, não obstante ter situado
a ação no século XIX, sabia perfeitamente que não conseguiria enganar a censura e que a sua
peça não seria representada; por isso, através do texto “da margem esquerda”, fez ouvir a sua
voz, propondo uma determinada interpretação.
As indicações presentes na obra são bastante minuciosas no que respeita ao tom de voz das
personagens, aos gestos e à movimentação dos atores, à iluminação, aos trajes, aos acessórios
e aos adereços de cena, ao som. Estes signos não linguísticos revestem-se de particular
importância, conforme se lê no texto didascálico que abre a peça: "O público tem de entender,
logo de entrada, que tudo o que se vai passar no palco tem um significado preciso. Mais: que os
gestos, as palavras e o cenário são apenas elementos de uma linguagem a que tem de adaptar-
se."
O tom de voz
O tom de voz ou entoação, coadjuvando a interpretação das diferentes falas, poderá também
ser revelador dos sentimentos que dominam as personagens ou da relação afetiva existente
entre elas.
Por exemplo, Manuel, "o mais consciente dos populares", utiliza nos monólogos o seu tom de
voz habitual (pp.16), mas adota um tom sarcástico (“Está a imitar, com sarcasmo, alguém que
se não sabe quem seja.”,p.16), "duro e ríspido" (p.78) quando pretende imitar os poderosos;
pede esmola "num tom de voz humilde e trémulo" (p.78); torna-se irónico quando critica a
situação política do país (“Fala com ironia...”, p. 79); fala com ternura (p.105), tristeza (p.109)
ou em tom de acusação com Matilde de Melo (pp.1 05-1 06). As suas reflexões são
entrecortadas por pausas que sugerem o fluir do pensamento, mas também a sua própria
impotência para mudar a situação política do país.
O Antigo Soldado "fala com entusiasmo" (p.20) do general Gomes Freire e refere-se "com
escárnio" (p.22) aos outros generais; por isso, aparece "visivelmente acabrunhado" (p.80)
depois da prisão do seu herói.
Vicente, com o objetivo de persuadir o grupo de populares a quem se dirige,
"fala muito depressa. Está cada vez mais excitado" (p.21), "fala alto em tom de triunfo”, “com
sarcasmo” e " à medida que fala vai-se excitando cada vez mais” (p.22), quando se refere a
Gomes Freire. Explica aos polícias, "com certa tristeza" (p.25), a hipocrisia que utiliza para
convencer o povo ou "fala como um alucinado, com frequentes pausas" (p.27) quando tenta
justificar as suas posições. Depois de se dominar, assume a traição ao povo com um "sarcasmo
triste" (p.28) ou antevê a sua promoção a chefe da polícia em “tom galhofeiro" (p.31) e
"paternal" (p.32). De acordo com o seu carácter, "fala com segurança e convicção" (p.33)
perante os governadores ou finge um tom humilde (p.36) e é "francamente adulador" (p.34).
Parceiro do jogo do poder denuncia- -o, no entanto, em tom irónico (p.37), quando se dirige aos
governadores.
O tom de voz de D. Miguel varia de acordo com as circunstâncias e com os destinatários do seu
discurso. Perante as insinuações de Vicente sobre o envolvimento do general Gomes Freire no
movimento revolucionário, fala, primeiro, "irritado", depois "com esperança" e, finalmente,
"com escárnio" (p.35). Quando se dirige ao Principal Sousa usa "um tom de confidência. Fala
como um homem desiludido que, depois de ter dado o melhor do seu trabalho, se vê
incompreendido e desacreditado" (p 40). Revela, pelo tom de voz, a sua frieza perante a
possibilidade de ser morto pelos revolucionários: "Não há receio nem ironia na voz de D. Miguel"
(p.42) quando é informado, por Beresford, dessa possibilidade. Fala, no entanto "com raiva"
(p.131) da execução dos conspiradores. Fala com ironia (p. 48) e autoridade a Andrade Corvo e
a Morais Sarmento: "Não percam tempo, senhores...Vão." (p.53). O seu carácter autoritário
ressalta também na maneira como põe termo às discussões entre Beresford e o Principal Sousa
( “Senhores! A paz deste reino e a missão que el-rei nos confiou não permitem que percamos
tempo com conversas fúteis.”, p.55).
A antipatia do Principal Sousa por Beresford é notória quando ele (lhe) "fala sem sorrir" (p.41)
ou o critica "com fúria" (p.57); de acordo com a sua hipocrisia, pretende consolar Matilde com
um "tom paternal" ou, como se esclarece ironicamente na didascália, "no tom de voz de quem
está habituado às fraquezas humanas e sabe - pela graça de Deus - dar-lhes o necessário
desconto" (p.121); daí o "tom moderador" ou "exaltado" que utiliza (p.122). Redimido pelo
sofrimento e pelas palavras de Matilde, dirige-se-Ihe com sinceridade no final da peça: "Trata-
se duma confissão de impotência e, simultaneamente, duma crise de honestidade" (p.134).
"Beresford é um homem prático, que encara objetivamente a realidade. O seu tom de voz está
de acordo com a sua maneira de ser." (p. 42). Não perde, no entanto, ocasião de provocar o
Principal Sousa, falando-lhe "como quem fala a uma criança" (p.41) ou dirigindo-se a ele num
"tom trocista" (p.53). "O tom do marechal é sempre jocoso. Sente-se que não toma os
Portugueses a sério." (p.55); o seu desprezo por
Portugal é evidenciado "pelo sarcasmo violento que reduz os presentes, a cidade e o país a uma
insignificância provinciana e total" (p.58), por contraponto ao seu país natal. Embora
interessado na prisão de Gomes Freire, "fala com desprezo" (p.44) com os denunciantes. Dirige-
se a Matilde em tom "trocista" (p.93).
Denunciando o seu sofrimento, o discurso de Matilde é, frequentemente, cortado por pausas.
"Fala com rancor", "com determinação" (p.84), com violência (p.86), com tristeza (pp.90, 115),
"com simplicidade" (p.91), "com orgulho" (p.91), "rapidamente, com entusiasmo" (p.92), "em
tom de desafio" (p.94), "exaltada" (p.95),"com amargura" (p.96), "com desespero" (p.97),
"exaltadíssima" (p.97), "com grande ansiedade" (p.111), grita (p.112), com "voz angustiada"
(p.112), fala em voz baixa (p.113), "com alegria" (p.114), "muito lentamente, com a voz
embargada pela comoção" (p.119), "com escárnio crescente" (p.123), "com amargura" (p.124),
"com autoridade" (p.124), "com lentidão, pesando bem as palavras" (p.128), "com arrogância"
(p.129), "com intensidade dramática" (p.132); "com amizade" (p.136) quando se dirige a Sousa
Falcão; no final, o seu discurso “é quase um grito” de revolta e de esperança. Todas estas
inflexões de voz dão conta da agitação dos sentimentos que dominam a personagem.
Finalmente, Sousa Falcão, o melhor amigo do General Gomes Freire, acompanha a dor de
Matilde e fala "com desânimo" (pp.86, 118), "com tristeza" (pp.88, 131), "com ternura" (p.89),
"em tom monótono" (p.111) quando relata os momentos vividos pelo general em S. Julião da
Barra, "em voz muito baixa" (p.113), "com voz tremente" (p.115), "com azedume" (p.117), grita
para exprimir a sua fúria (p.119).
A linguagem gestual e a movimentação das personagens
Entendemos como linguagem gestual não só os gestos, propriamente ditos, mas a mímica, os
jogos fisionómicos, a posição e a postura, isto é, todos os signos corporais que interagem com
as palavras proferidas pelas personagens, conjunto de elementos a que alguns teóricos chamam
"gestus".
O movimento como signo teatral relaciona-se com a utilização, pelas personagens, do espaço
cénico, incluindo o ritmo de entrada e saída dos diferentes atores. Em Felizmente Há Luar!, além
da movimentação para dentro e fora do palco, os movimentos de entrada e saída de entrada e
saída sujeitam-se também à iluminação, como veremos mais adiante. Do mesmo modo há
gestos indicativos da simultaneidade de ações, como é o caso de a personagem aparecer de
braços cruzados, mostrando o tempo de espera. É nessa posição que D. Miguel aguarda Vicente
(p.32); o mesmo se passa com Beresford quando recebe Matilde, mostrando que já esperava a
sua visita (p.91) ou com Manuel que também aguarda de braços cruzados e de costas voltadas
para Matilde, disfarçando o seu envolvimento com a mulher do general (p.1 07). É também o
medo que o faz comentar a morte indigna do general" Sentado de costas para o público e quase
em surdina" (p.135).
Manuel abre os dois atos de Felizmente Há Luar!, exprimindo a sua impotência. Enquanto fala,
a personagem anda e detém-se (pp.15-16, 77), "levanta os braços ao alto” deixa-os cair “num
gesto de desânimo” (p.77). Inserido no grupo dos populares, também foge da polícia no
primeiro ato ou a enfrenta, no segundo. "Estende a mão" e "faz uma vénia" ao pedir esmola ou
manifesta a sua revolta, imitando, com gestos bruscos, as atitudes dos mais ricos que pensam
resolver o problema dos pobres dando-lhes uma moeda. Disfarça a sua solidariedade com
Matilde falando com ela, "sem voltar a cabeça e limpando a faca" (p.104). Depois, levado pela
emoção, pede a Rita que vá buscar um caixote para Matilde (p.104) e dirige-se-Ihe diretamente,
desencadeando, à sua volta, gestos de solidariedade que se sobrepõem ao medo, como o do
popular que oferece uma maçã a Matilde (p.105). Manuel revela, pelos gestos, a ternura que
sente pelas pessoas que vai apresentando a Matilde (p.106). "Gesticula a falar" quando acusa.
"Cala-se, visivelmente cansado, e deixa cair a cabeça sobre o peito" (p.107). Mais calmo, "respira
fundo, enchendo os pulmões de ar" para expressar o seu sonho de liberdade (p.108).
Vicente, para exercer o seu poder junto dos populares, "sobe a um caixote" (p.21), aponta
sucessivamente cada um dos presentes ou fala ao grupo; simultaneamente, intimida e
ridiculariza os que defendem o general, fazendo "com as mãos o gesto de quem toca tambor"
(p.21), "abre os braços num gesto que abrange os presentes, o fundo do palco, a miséria" (p.24);
marcado também pela miséria, "senta-se, descalça um sapato e começa a consertá-lo" (p.25).
Perante os polícias, ao contrário dos outros que fogem, imita, como Manuel e o 1º Popular, os
gestos dos fidalgos (p.27) mas a intenção que preside a essa imitação é diferente: ele não quer
ridicularizá-los, gostaria de ser como eles. A intenção de subir na vida é marcada pelo prazer
com que antevê a sua promoção a chefe quando "começa a passear em frente dos polícias"
(p.26), gesto que mima a revista às tropas, pela determinação com que acompanha os polícias
ao palácio dos governadores (p.32). Adota um comportamento de quem sabe agradar: faz
vénias (pp.33, 38-39), "cospe com repugnância" quando se refere a estrangeirados (p.33),
estuda os gestos do governador antes de falar (p.35). Interessado em mostrar a competência
dos seus serviços, entra depois, intempestivamente, no palácio exagerando a iminência da
revolução (p.60). Chamado à atenção para o carácter confidencial das notícias, rapidamente
corrige a situação, mostrando-se cauteloso perante D. Miguel (p.60).
As sucessivas entradas em cena dos três denunciantes, Vicente, Andrade Corvo e Morais
Sarmento, contribuem para o adensar da situação sobretudo porque, como se lê na didascália,
"Os denunciadores valorizam os se serviços exagerando a gravidade da conjura." (p.66).
D. Miguel Forjaz revela, pelos gestos, o seu carácter autoritário e arrogante. Utilizando frases
curtas, dá ordens ou faz perguntas diretas. Interrompe, com um gesto, o discurso do polícia que
lhe apresenta Vicente (p.33), fala "com autoridade" com os outros governadores (p.55). Apesar
do seu carácter decidido, indicia, pela sua agitação, algum nervosismo (pp.52, 70, 73).
O Principal Sousa é ridicularizado pela hipocrisia dos seus gestos. Apadrinha com um gesto de
bênção a denúncia de Vicente (p.38), "aponta para o teto" quando fala do Céu (p.40), recebe
Matilde desvalorizando os motivos que a levam a procurá-lo: "Faz um gesto convidativo.
Depreende-se desse gesto, que o principal está convidando Matilde a entrar num lugar sagrado"
(p.121). Perante as acusações que ela lhe faz, "permanece em silêncio, com os olhos postos no
chão" (p.126). Embora não goste de Beresford, a sua cobardia impede-o de o enfrentar. "Fala
para D. Miguel mas vê-se que se refere a Beresford, para quem olha ao falar no Conselho de
Regência" (p.41); "O Principal Sousa nunca conseguiu discutir com o marechal. Defende-se dele
negando-lhe a seriedade necessária a uma discussão" (p.56).
Matilde de Melo exprime, pelos seus gestos e movimentos, a dor e a revolta. Logo após a prisão
do marido, aparece sozinha procurando consolo nas recordações e nos objetos pessoais do
general. A didascália dá conta do aumento gradual do seu sofrimento. "Levanta-se... Encaminha-
se para uma cómoda velha... Abre uma gaveta da cómoda e tira dela um uniforme velho de
Gomes Freire...Coloca o uniforme de Gomes Freire sobre a cadeira ...Acaricia o uniforme... Passa
a mão pelo uniforme com ternura ...Faz o gesto que fecha uma janela...Começa a
chorar...Endireita-se. Parece crescer no palco...Cai de joelhos, com os braços em torno da cadeira
e, soluçando, enterra a cabeça no uniforme de Gomes Freire" (pp.83-86).
O sofrimento e a revolta tornam-se dinâmicos depois da chegada de Sousa Falcão em quem
Matilde encontra apoio e que a acompanha a casa de Beresford e de D. Miguel com a intenção
de interceder pelo general Gomes Freire. A decisão de sair de casa é indiciada pela
movimentação da personagem em cena: " Matilde dirige-se à cómoda e, enquanto fala, tira
duma gaveta um xaile que põe à volta dos ombros" (p.88). Orgulhosa do marido e
aparentemente segura da razão que lhe assiste, apresenta a Beresford razões justificativas da
libertação do general, acabando o seu discurso humilhada e a suplicar pela vida de Gomes Freire
(pp.97-98).
"O amor intenso que unia Matilde a Gomes Freire explica todas as suas reações. Para Matilde o
mundo não passava de um inimigo que os perseguia a ambos. Só adiante, no decorrer da
conversa que tem com o principal Sousa, começa a tomar consciência da posição do general em
relação ao que se passa no país. Tudo isto se deve depreender dos seus gestos e do seu tom de
voz" (p.120). Efetivamente é nesta conversa que o discurso da personagem ganha intensidade
dramática. A observação da moeda que lhe deu Manuel (pp.120-121) desencadeia a imagem da
traição de
Judas, que vendeu Cristo "por trinta dinheiros". Os gestos de Matilde, que interpela o Principal
Sousa, com a moeda na mão (p.121) ou que, depois de o acusar de desvirtuar a mensagem
cristã, lhe atira a moeda aos pés (p.134) são, só por si, uma acusação de traição aos valores da
Igreja, que ele representa. A impotência de salvar o homem que ama dá a Matilde uma calma,
aparentemente resignada; os gestos alucinados que transfiguram o real, indiciam, no entanto,
a loucura desencadeada pela dor: "Avança e abraça um ser imaginário...faz o gesto de quem
abotoa o casaco de Gomes Freire...estende o pescoço e levanta a cabeça para receber um
beijo...Por um instante segue-o com os olhos. Depois, com dignidade volta para ao pé de Sousa
Falcão" (pp.138-140).
Cenário, iluminação, trajes, adereços de cena
No teatro tradicional o cenário mudava em função dos atos. O mesmo não acontece em
Felizmente Há Luar! em que os dois atos são constituídos por quadros que não respeitam a
unidade de tempo ou de lugar e que obedecem a uma técnica de encenação simultânea. Num
palco simultâneo, os diferentes quadros são desvendados pela iluminação que incide sobre
estas ou aquelas personagens.
No início de cada um dos atos, "a cena está às escuras" incidindo a luz sobre Manuel que aparece
sozinho. Só depois se ilumina o fundo do palco e surgem as outras figuras populares. Após a
chegada da polícia que dispersa o grupo de populares, "a luz do fundo vai diminuindo de
intensidade até desaparecer completamente. Os polícias aproximam-se de Vicente, que desce do
caixote e acamarada com eles. Ficam os três, iluminados, no palco" (p.24). Quando Vicente e os
polícias se dirigem ao palácio de D. Miguel, "viram as costas ao público e encaminham-se para o
fundo do palco com determinação. A meio caminho, o fundo ilumina-se. De pé, à direita, D.
Miguel aguarda-os de braços cruzados" (p.32). Vicente, acompanhado dos dois polícias, sai do
palácio avançando "para o centro do palco enquanto a luz do fundo se apaga" (p.39). Após a
saída destas personagens, os governadores "avançam até se encontrarem no centro e à frente
do palco" (p.39), lugar que continua iluminado. "Viram as costas ao público e encaminham-se
para o fundo do palco enquanto, pela esquerda, entram Andrade Corvo e Morais Sarmento"
(p.45) que se dirigem para o palácio dos governadores, tornado visível quando as luzes do fundo
se voltam a acender (p.47). No final do 1º ato "apagam-se todas as luzes. As personagens ficam
na penumbra agitando os braços e erguendo bandeiras no ar." (p.74).
No 2º
ato que, como já vimos, começa como o primeiro, depois da saída dos populares e dos
polícias, "surge, a meio do palco, intensamente iluminada,(... )Matilde de Meio. Quando Matilde
e Sousa Falcão saem de casa, "avançam para a frente do palco enquanto desaparece
gradualmente a luz que ilumina a cómoda e a cadeira. A meio caminho, António de Sousa Falcão
afasta-se e sai pela esquerda. Matilde fica isolada ao centro, e à frente do palco" (p.89).
Chamado por Matilde, William Beresford "surge, de braços cruzados, ao fundo e à direita do
palco" (p.91) e, antes da saída de Beresford que continua a falar com Matilde "já de fora do
palco" (p.99), entra o grupo de populares a quem ela se dirigirá depois, sugerindo assim a
simultaneidade de quadros. "A luz que iluminava o povo apaga-se gradualmente e apenas
Matilde permanece iluminada. António de Sousa Falcão surge pela direita do palco.” (p.11 O).
Os dois amigos vão a casa de D. Miguel e "dirigem-se ambos para o centro do palco. Vindo do
fundo, surge um criado, de libré, que se coloca à frente deles" (p.118), sugerindo assim a
localização do palácio na parte não iluminada do palco. (...)
O momento em que Matilde avança ao encontro do ser imaginário em quem ela vê Gomes
Freire coincide com o aparecimento do clarão da fogueira (p.138) onde ardia o corpo do general.
Vista de Lisboa, a fogueira ateada em S. Julião da Barra, ilhota situada em frente a Oeiras,
aparecia "distante", como um clarão que vai gradualmente desaparecendo.
Em Felizmente Há Luar! os trajes das personagens e os objetos que aparecem funcionam como
adereços de cena, isto é, são elementos da decoração do cenário que nos permitem localizar a
ação dramática. As várias figuras populares compõem o cenário da miséria onde se move
Manuel que aparece andrajosamente vestido. A ausência absoluta de qualidade de vida explica
a revolta de um povo que dorme e come na rua, que se senta em caixotes, que não tem
condições de higiene. Os objetos pessoais das personagens constituem também adereços de
cena: "cestos, mantas esfarrapadas, uma abóbora, etc." (p.18), "o sapato estragado de Vicente”
(p.25), "uma boneca esfarrapada" (p.25). O cenário de miséria é completado pelas próprias
personagens: "uma velha, sentada num caixote, cata piolhos a uma rapariga nova" (p.16),
Manuel aparece como pedinte no segundo ato e chama a atenção de Matilde para a galeria de
homens minados pela pobreza e, sobretudo pela velhice, a doença, a deficiência física e mental
(pp.105-106).
Contrastando com a pobreza dos populares, o Principal Sousa surge "imponentemente vestido"
(p.36); aparece "vestido de gala" e sentado numa cadeira pesada e rica, com aparência de trono
(p.121), quando recebe Matilde que depois é por si encaminhada para a Igreja (p.121), lugar
revelado também pela cruz iluminada que surge a meia altura do palco (p.132).
"Beresford vem fardado. A farda, ainda que regulamentar, não é espaventosa e está um pouco
usada" (p.41), roupa que o identifica como militar, que está de acordo com o seu espírito prático
mas indicia também o seu desprezo pelos portugueses junto dos quais ele não tem a
preocupação de vestir uma farda melhor.
Matilde surge em cena, "vestida de negro e desgrenhada" (p.83) manifestando a dor que vive.
Mais tarde, enquanto observa o clarão da fogueira de S. Julião da Barra, ao lado de Sousa Falcão
que "está inteiramente vestido de negro", traz uma saia verde, roupa que tem um duplo
significado: é a oportunidade última de aparecer, no encontro imaginário com o general, com a
saia que ele lhe ofereceu e que ela nunca tinha vestido e é também a forma de manifestar, pela
cor, a sua esperança na vitória das ideias defendidas pelo marido.
O Som
Em Felizmente Há Luar!, há sons portadores de grande expressividade dramática como é o caso
do sons dos tambores que sugerem a repressão militar e policial. O ruído dos tambores,
"símbolo de uma autoridade sempre presente e sempre pronta a interferir" (p.21) aterroriza e
dispersa os populares (pp.18, 21). Quando é pronunciado o nome do general Gomes de Andrade
como cabecilha da revolução, "começam a ouvir-se tambores ao longe, muito em surdina"
(p.71), apontando o início da repressão que há de culminar com a prisão do general. Cumprindo
ordens de D. Miguel, a repressão instala-se: "Os tambores tocam sem cessar" (p.73), "entram
em fanfarra e o palco enche-se de soldados" (p.74).
O som dos sinos mostra o envolvimento da Igreja na repressão que se abate sobre o povo. A
par do discurso do Principal Sousa que se serve do púlpito para atacar os revolucionários,
"começa a ouvir-se um sino tocar a rebate" (p.74). O som dos sinos mistura-se com o dos
tambores (p.74) adquirindo, assim, o mesmo sentido repressivo que afeta a imagem da igreja
envolvida com outros agentes da repressão popular. É o caso do padre, seguido do sacristão
que toca uma campainha e dos fiéis que, seguindo o padre, colaboram nos serviços religiosos.
"Ao longe, muito ao longe, começa a ouvir-se o murmúrio da multidão, entrecortado, de quando
em quando, por latim" (p.129); O som da fanfarra que se ouve no final da peça "num crescendo
de intensidade até cair o pano" é ambíguo; se por um lado resulta do som opressivo dos
tambores, é também o som da festa da liberdade profetizada por Matilde.
Tal como os sons, os silêncios (ausências de som) marcados pelas pausas no discurso podem
sugerir o estado emotivo das personagens, o fluir dos seus pensamentos ou sublinharem um
momento de grande tensão emocional como é o caso do silêncio "pesado" que se segue à
primeira conversa dos populares sobre o general Gomes Freire de Andrade (p.21) ou dos
instantes que precedem a execução dos conspiradores, em que "o palco fica às escuras e em
silêncio" (p.135).
A riqueza das didascálias é tal que ordem que a representação dispensa grandes artificialismos
ou expedientes visuais para captar a atenção do público. Esta foi a intenção de Sttau Monteiro
que, sobre a encenação da sua peça, diz:
«Resolvi, assim, encená-la com a maior simplicidade possível, assentando a minha encenação
unicamente no texto que escrevi e na interpretação dos atores. Foi o que fiz. Esta encenação não
tem, portanto, surpresas para os espectadores. Desejo-os, efetivamente surpreendidos, mas por
ficarem a entender melhor o papel que desempenham na vida e não por brilhantismos cénicos.»
Elementos Paratextuais
Título
«Felizmente Há Luar» é uma expressão utilizada por Raul Brandão, em Vida e Morte
GomesFreire, o que nos mostra claramente que Sttau Monteiro recorreu a esta narrativa
histórica, onde pôde confirmar factos relacionados com a condenação do herói da conspiração
de 1817: «Dezoito de Outubro. No Campo de Sant’Ana os operários tinham passado a noite a
montar a armação de madeira... Pelas duas da tarde saem enfim do Limoeiro, mas vai-lhes levar
tempo a morrer... O espetáculo quer-se moroso – “felizmente há luar”- e aquilo desfila e sobe
devagar e de espaço, justiça, frades, irmãos de misericórdia com bandeiras, por entre a multidão
silenciosa, por entre a tropa de linha, sem um sinal compassivo... A tortura de Gomes Freire
acaba no mesmo dia 18 de outubro....»
Esta frase é proferida duas vezes, por D. Miguel Forjaz e por Matilde, assumindo diferentes
significados de cada uma das vezes.
 Para D. Miguel, a morte de Gomes Freire d'Andrade serviria de exemplo a todos os que
intentassem contra a ordem instituída e, deste modo, a existência de luar permitiria que
todos observassem a execução e tirassem as devidas ilações. A morte do presumível
chefe da conjura facilitaria a afirmação do poder, ainda que fosse pela força e pela
injustiça. O cheiro a carne queimada ficaria retido na memória e intimidaria todos os
que ousassem qualquer tipo de conspiração. As suspensões frásicas manifestam a
dúvida, a crueldade e a ausência de emotividade.
 Para Matilde, pelo contrário, a morte do marido serviria de lição a todos os que
observassem o crime hediondo. O seu discurso é manifestamente marcado por frases
exclamativas que traduzem o apelo à esperança e à coragem. Para a companheira todas
as horas de Gomes Freire, a luz sobrepor-se-ia às trevas e permitiria que a morte desse
lugar à vida. Seria o exemplo para pôr termo a um regime autoritário e injusto e,
consequentemente, possibilitaria o nascimento da justiça e da liberdade.
Dedicatória
A dedicatória a Fernando Abranches Ferrão, ilustre advogado de processos políticos durante o
período do Estado Novo, denota a influência que os amigos do autor, intelectuais que se
opunham ao regime salazarista, exerceram para que este escrevesse e denunciasse, de forma
velada, os erros do regime.
Citação de John Osborne
Um outro elemento paratextual de significado relevante é a transcrição de um excerto da
autoria do dramaturgo inglês John Osborne, elemento dos chamados Angry Young Men, cujas
peças marcaram uma viragem no teatro em Inglaterra, sobretudo a partir de 1957. Apesar de
Luís de Sttau Monteiro não estar diretamente ligado a nenhum grupo literário, o tempo que
viveu em Londres permitiu-lhe o contacto com a cultura inglesa e com tudo o que de mais
inovador se fazia pela Europa. De facto, em Felizmente Há Luar!, à semelhança do teatro de
Osborne, evidencia-se a crítica social e a fúria de um jovem homem que não aceita as condições
do Estado, mas que está consciente das limitações impostas pela censura. O excerto selecionado
por Sttau Monteiro para epígrafe do seu livro denuncia o papel da censura, em 1961, sobre a
liberdade de expressão.
Estrutura
Estrutura Externa
Na página que serve de frontispício à obra, encontramos logo a indicação sobre a estrutura
externa: «Teatro – Peça em 2 atos»
Folheando o livro, apercebemo-nos de que não há divisão em cenas, apesar de se verificar e
entrada e a saída de personagens.
Estrutura Interna
ATO PRIMEIRO
 Manuel caracteriza a situação do país (monólogo). Outros elementos do povo (1º
Popular, Rita, O Antigo Soldado, 2º Popular, 3º Popular, Uma Velha, Uma Voz, Outra
Voz, Vicente) dialogam sobre o nome de Gomes Freire, referenciado como
esperança, mas Vicente manifesta-se contra os generais, nomeadamente contra
Gomes Freire de Andrade.
 Dois polícias dispersam os populares, à exceção de Vicente que se mostra disposto
a trair o povo por dinheiro e força. Os dois polícias levam Vicente ao palácio do
Conselho de Regência por ordem de D. Miguel. Este aceita vigiar a casa de Gomes
Freire, em troca da promessa de um posto de chefia na polícia.
 D. Miguel, Beresford e Principal Sousa falam sobre o clima de conspiração,
mostrando medo de perderem o poder; ressalta a animosidade entre Beresford e
Principal Sousa. D. Miguel prenuncia o julgamento secreto e arbitrário do chefe da
conspiração, seguido da execução.
 Andrade Corvo e Morais Sarmento encaminham-se para o palácio conjeturando o
que lhes poderá render a sua denúncia. Os dois delatores são recebidos friamente
pela Junta de Regência.
 Os Governadores conversam sobre a conspiração e Beresford critica Portugal,
revelando-se um mercenário. D. Miguel afirma que o nome do chefe da conspiração
será escolhido de acordo com as conveniências da Junta de Regência. Vicente traz
notícias sobre os frequentadores da casa de Gomes Freire. A conversa dos
governadores sobre a pessoa que mais convém condenar continua. Vicente, Morais
Sarmento e Corvo interrompem a conversa e dão a conhecer à Junta o nome que
anda na boca do povo: Gomes Freire de Andrade.
 Beresford e D. Miguel revelam as razões, de natureza pessoal, para designar Gomes
Freire como chefe da conspiração.
 D. Miguel e Principal Sousa manipulam a opinião pública e clamam morte a Gomes
Freire.
ATO SEGUNDO
 Manuel reitera a impotência do povo perante o poder político (monólogo). Outros
populares comentam o ambiente de repressão que se vive na cidade e Rita conta as
circunstâncias da prisão de Gomes Freire.
 Matilde, em monólogo, revela sofrimento e revolta pela prisão do seu companheiro.
Encontra em Sousa Falcão, amigo de longa data, apoio para lutar pela libertação do
marido. Matilde evoca o seu passado ao lado de Gomes Freire e decide tomar uma
atitude mais drástica para tentar libertá-lo: Primeiro argumentando superiormente,
depois suplicando, pede a libertação do companheiro junto de Beresford, mas em
vão.
 Matilde tenta obter o apoio dos populares, mas Manuel e Rita explicam-lhe as
razões da indiferença do povo.
 Matilde toma conhecimento, através de Sousa Falcão, das condições desumanas a
que o seu companheiro é submetido em S. Julião da Barra. Pede audiência a D.
Miguel, mas este não lha concede.
 Matilde enfrenta Principal Sousa, acusando-o de ser injusto, hipócrita e materialista.
Esta crítica é dirigida aos homens que representam a Igreja de modo errado. Entrada
de Frei Diogo que refere ter confessado Gomes Freire na prisão.
 Prepara-se a execução dos prisioneiros. D. Miguel afirma: «...felizmente há luar...»
e Matilde insurge-se contra a justiça divina.
 Manuel dá a conhecer o desejo de Gomes Freire: morrer fuzilado como soldado. Tal
desejo é-lhe negado.
 Matilde e Sousa Falcão veem do cimo da serra a fogueira que queimará o corpo de
Gomes Freire, condenado à morte por enforcamento, em S. Julião da Barra. Matilde
diz que aquela fogueira há de incendiar aquela terra. Matilde pronuncia as
palavras: «Felizmente - felizmente há luar!».
*A condenação de um inocente
incita o povo a revoltar-se contra o
poder que o oprime.
Espaço
Espaço cénico
A ação desenrola-se em três espaços, interiores e exteriores, principais: a sede do Conselho de
Regência, a casa de Gomes Freire e o alto da serra (serra de Santo António), de onde é possível
ver-se o forte de S. Julião da Barra.
Ao longo do texto, são referenciados outros espaços: "No Cais do Sodré há um café, Excelência,
onde se reúnem todos os dias os defensores do sistema das cortes...» (p. 37); «Senhor: há dois
dias o meu amigo Morais entrou no botequim do Marrare...» (p. 50), etc. Esses espaços ou são
mencionados nas indicações didascálicas e nos adereços cénicos ou através das falas das
personagens, sendo que a mudança de espaço é essencialmente indicada pelo autor, no texto
secundário. O facto de haver tão poucas referências diretas ao espaço leva-nos a depreender
que a ação apresentada pode ocorrer em qualquer espaço em que o ontem queira inviabilizar o
amanhã.
Espaço Social
As indicações didascálicas relativamente ao guarda-roupa e adereços, atitudes e movimentação
das personagens, as informações transmitidas pelas personagens e registo de língua utilizado
são fundamentais para a caracterização do espaço social de Felizmente Há Luar!
Este espaço é um dos mais explorados pelo dramaturgo, dado que pretende acentuar as
diferenças que marcam a sociedade oitocentista. Assim, o povo é caracterizado por um
vestuário reduzido e por um cenário de doença, de miséria e pobreza – dormindo no chão ou
em cima de sacas, sentando-se em caixotes, mendigando ou “catando piolhos”. Os poderosos,
por seu lado, aparecem caracterizados por um guarda-roupa cuidado de acordo com o seu
estatuto social e rodeados de um cenário de riqueza.
Espaço Psicológico
Caracteriza-se pela relação afetiva que algumas personagens mantêm com determinados
espaços que, evocados pela memória, sugerem características psicológicas das personagens que
lhes fazem referência. Este aparece concentrado na personagem Matilde que recorda a
intimidade do seu lar, um lar construído e vivido com o general Gomes Freire, um espaço banido
do presente da representação, mas que a personagem sabiamente presentifica pela memória,
uma memória de amor dada a conhecer ao leitor/ espectador através das suas tiradas
monologais (pp. 83-92, por exemplo).
Tempo
Tempo histórico
A ação de Felizmente Há Luar! representa a história do movimento liberal oitocentista, no
rescaldo das Invasões Francesas e a «proteção» britânica que se lhe seguiu, revelando as
condições da sociedade portuguesa no início do século XIX e a ação de resistência dos mais
esclarecidos, organizados frequentemente em sociedades secretas. A conspiração, encabeçada
por Gomes Freire d'Andrade, manifestava-se contra a ausência da corte no Brasil, contra o poder
absolutista e tirânico dos governadores e contra a proteção/presença inglesa personificada pelo
generalíssimo Beresford.
Destaca-se, ao longo de todo o texto, a situação do povo oprimido e a falta de perspetivas para
o futuro.
Os acontecimentos históricos reveladores de um tempo de uma crise militar (depois das
Invasões Francesas, a organização do exército português é confiada aos Ingleses que se instalam
no país, em 1808), de uma crise política, económica, ideológica e a data de execução do General
Gomes Freire, são percetíveis através das falas das personagens:
•Manuel: «Vê-se a gente livre dos Franceses, e zás!, cai na mão dos Ingleses!»
•Vicente: «Querem saber porque vendo os meus irmãos? Pois vendo-os por amor a N. S. Jesus
Cristo e a el-rei D. João VI, que há tantos anos anda pelos Brasis cuidando dos
nossos interesses... "
•Principal Sousa: «Veja, Sr. D. Miguel, como eles transformaram esta terra de gente pobre
mas feliz num antro de revoltados!»
•D. Miguel: «Sempre a Revolução Francesa ...
•Matilde: «Esta praga lhe rogo eu, Matilde de Meio, mulher de Gomes Freire d'Andrade, hoje
18 de Outubro de 1817."
Tempo da ação
A peça tem como cenário o ambiente político do início do século XIX: em 1817, uma conspiração,
encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI
e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita
severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram queimados publicamente e
Lisboa foi convidada a assistir. As indicações temporais fornecidas pelo texto permitem-nos
verificar que a intriga se desenrola de forma linear e progressiva, embora não sejam muito
precisas as indicações sobre a duração da ação. Historicamente, sabe-se que o general Gomes
Freire foi preso a 25 de maio de 1817 e executado a 18 de outubro de 1817. Logo, a ação
decorrerá entre estes dois marcos temporais.
As expressões temporais do Ato I revelam uma duração de, sensivelmente, dois dias:
•«A Rita dorme. A que horas chegou ela?"
•«Saiba, meu senhor, que a Senhora D. Rita chegou tarde. Eram quase cinco horas pelo
meu relógio de ouro." «Temos ordens para te levar, ainda hoje, à presença...»
•«Excelências: trago comigo um patriota que pode testemunhar o que ontem contei ao
Sr. Marechal."
•«Não percam tempo, senhores. O momento é grave e a causa justa.» «Ontem à noite
entraram mais de dez pessoas em casa de...» «Há dois dias que quase não durmo...»
O Ato II pressupõe uma duração de 150 dias:
•«Esta madrugada prenderam Gomes Freire...»
•«E eu na descarga das barcaças, todo o dia sem saber de nada.»
•«Ao chegar a S. Julião da Barra, meteram-no logo numa masmorra e aí ficou todo o
dia...Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer.»
•«Esta praga lhe rogo eu ... hoje dia 18 de outubro de 181 7."
•«É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar...»
Pelo levantamento de expressões se verifica que, no Ato I, o tempo parece desenrolar-se muito
rapidamente, contrariamente ao Ato II, em que a passagem do tempo parece ser mais lenta,
intensificando o drama íntimo vivido pelas diferentes personagens:
•a tortura, degradação e humilhação de Gomes Freire;
•o desespero e impotência de Matilde a contrastar com a indiferença dos representantes
do poder;
•a desesperança de um povo miserável e sem perspetivas de futuro é personificada na
voz do antigo soldado que profere desalentado: “Prenderam o general... Para nós a
noite ainda ficou mais escura...”
Perante o drama histórico evocado, o leitor/espectador é confrontado com a prepotência e
arrogância de um poder repressivo e arbitrário, sendo solicitado a tomar uma posição face ao
que se passou, o que funciona como um espelho, refletindo as imagens de um presente também
ele doloroso, de repressão e arbitrariedade, de censura e de totalitarismo. O dramaturgo
pretenderá que o espectador se comova, se revolte, se indigne, fique do lado de Gomes Freire
e partilhe da dor de Matilde. Sendo assim, e na esteira de Brecht, Luís de Sttau Monteiro, com
Felizmente Há Luar!, visa despertar o leitor/espectador para, de forma distanciada, analisar de
forma crítica os acontecimentos representados e questionar-se sobre o presente.
Gomes Freire e os seus companheiros são sacrificados em nome dos seus ideais, mas as suas
mortes, em vez de amedrontar, tornam-se esperança. A fogueira acesa na noite de luar para
queimar Gomes Freire, com o objetivo de dissuadir outros revoltosos, torna-se farol para todos
quantos se sentem oprimidos e anseiam pela liberdade. As últimas palavras de Matilde, «Olhem
bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos
ensina! Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim... Felizmente - felizmente há
luar!» são de incentivo e de estímulo para que a chama de esperança e de luz que se acendeu
nos corações de cada um não se apague, apelando simultaneamente à revolta contra a tirania
dos governantes.
Tempo da escrita
Felizmente Há Luar! foi publicado em 1961, em plena ditadura do regime de Salazar. Sttau
Monteiro viu na época de 1810-1820 grandes semelhanças com a realidade portuguesa da
década de 1950-1960 e marca uma posição, pelo conteúdo fortemente ideológico, denunciando
a opressão vivida na época em que escreve a obra, em 1961, estabelecendo um paralelismo
entre as duas épocas. O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas
no século XIX permitiu-lhe colocar em destaque as injustiças do seu tempo e a urgência de lutar
pela liberdade. Sttau Monteiro, testemunha e vítima da perseguição da PIDE, encontra o meio
para denunciar a situação portuguesa sob o regime de Salazar, contribuindo para fortalecer a
esperança que viria a tornar-se realidade com a Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974.
À semelhança da conspiração de 1817, que serviu de gérmen para o triunfo do liberalismo,
também a oposição à ditadura do Estado Novo levou à implantação da democracia.
Personagens
General Gomes Freire de Andrade
 É uma figura importante do panorama político do início do século XIX (nasceu em 1757 e
morreu em 1817).
 Apesar de não aparecer fisicamente na peça é a personagem central e é retratado pelas
outras personagens que o olham com esperança e admiração. “Um amigo do povo! Um
homem às direitas!”, ainda indiretamente podemos perceber que era corajoso e altruísta,
merecedor de confiança, lúcido e inteligente e discreto pois nunca se serviu do seu
estatuto para influenciar o povo, era franco e leal.
 É comparado a Cristo, que remete para a inocência de Gomes Freire.
 Esta caracterização revela um homem que se assumiu como símbolo da luta pela
liberdade, da defesa intransigente dos ideais, daí que a sua presença se torne tão
incómoda não só para “os reis do Rossio”, mas também para os senhores do regime
fascista dos anos 60.
Matilde de Melo
 Esposa do general Gomes Freire. Personagem individualizada, é a figura central do
segundo ato, onde se mostra uma mulher apaixonada e corajosa, à altura do marido.
 Mesmo depois do encontro com Beresford e a recusa de D. Miguel Forjaz em recebê-la,
Matilde não desanima e afirma a sua determinação em tentar ajudar o “seu homem”.
 No diálogo com Beresford resume a sua vida, sublinhando as diferenças entre o "antes" e
o "depois" de ter conhecido Gomes Freire e orgulhando-se de tudo o que aprendera com
ele. O tom desafiador que emprega para se dirigir ao marechal acaba por revelar todo o
seu desespero, já que o volitivo se torna inútil.
 É a personificação de todos os sacrifícios que as mulheres fazem para manter a família
unida: "As mulheres, Sr. Marechal, estão sempre dispostas a colaborar com a tirania para
conservarem os maridos em casa..”. É a voz da consciência junto dos governantes,
obrigando-os a confrontar-se com a sua presença e a assumir os seus atos: "É preciso que
os homens se definam para que possam ser julgados. É preciso que ele nos receba - é a
nossa oportunidade de o obrigar a definir-se, de o colocar no banco dos réus, para que o
juiz o possa julgar..." O seu dedo acusador acabará por se levantar também contra a
cobardia do povo acabando por compreender as razões deste.
 Na entrevista com o principal Sousa, Matilde revela grande inteligência e poder de
argumentação já que consegue, através de inúmeros exemplos bíblicos, "confundir" o
prelado e fazer-lhe ver os verdadeiros ensinamentos da doutrina cristã. A sua raiva chega
ao ponto de rogar-lhe uma praga para o atormentar até ao fim dos seus dias.
 Surge em palco a falar sozinha, "vestida de negro e desgrenhada', é a imagem viva da dor
e da alucinação. Esta personagem, à medida que o tempo passa e as circunstâncias lhe são
adversas, mesmo depois de ter perdido o controle, vai ganhando força, "crescendo em
palco': como refere o autor, acabando mesmo por aparecer na última cena vestida de
"verde", símbolo da esperança, ao contrário de Sousa Falcão que está de luto.
 Matilde destaca-se dos que a rodeiam; é um ser excecional que vive num mundo
dominado pela hipocrisia, pela ganância e pela falta de solidariedade, onde valores como
a dignidade e a justiça nada valem. Os últimos momentos, quase surreais, são também a
denúncia do absurdo a que a intolerância e a violência dos homens conduzem.
António de Sousa Falcão
 Forma, com Matilde, o grupo de amigos de Gomes de Andrade. Parece estar
constantemente presente na vida do casal já que acompanhara a morte do filho,
aconselhara-os a não voltar a Portugal e, por fim, não abandona Matilde.
 Nutre uma grande admiração pelo General mas, ao contrário de Matilde, está
constantemente dominado pela cobardia e pelo desânimo, pois tem consciência do modo
como a sociedade funciona ("Neste Reino, os homens fizeram Deus sua semelhança e,
depois, fizeram-se à imagem e semelhança desse Deus.”), pelo que procura convencer
Matilde da inutilidade da sua luta. Decidido a estar ao lado de Matilde, toma consciência
do seu dever.
 É uma das personagens com maior densidade psicológica já que o destino do amigo lhe
permite encontrar-se consigo próprio, o obriga a "rever-se por dentro”, como afirma,
descobrindo que é um cobarde porque não tem força para lutar pelas suas ideias. Calar-
se é o preço que tem de pagar para permanecer vivo e "livre". O ato de se repensar altera
a sua conceção do mundo e das coisas mas dá-lhe também, informa a didascália, "uma
calma e uma paz interior que nunca tivera", talvez porque só nesse momento seja
verdadeiro consigo próprio.
Povo
 Constitui “o pano de fundo permanente” da peça. Personagem coletiva, consubstancia-se
nos vários populares que espelham a miséria, a ignorância, a exploração e a opressão.
 Vicente salienta as péssimas condições de subsistência; o som dos tambores e a polícia
provocam reações que denunciam o ambiente de tristeza, de medo, de intimidação e de
horizontes limitados que rodeia esta classe.
 À exceção de Vicente, Manuel e Rita, os outros elementos populares não são referidos
pelos seus nomes próprios, pois ao dramaturgo interessava mostrar que o povo era
joguete nas mãos dos poderosos e que a miséria, o medo e a ignorância eram em 1817,
como em 1961, os fatores que, bem manipulados, podiam dissuadir as reivindicações
coletivas.
☞ O Antigo soldado
o É popular é aqui objeto de destaque, porquanto combateu no regimento do General,
podendo assim testemunhar o percurso militar do herói da peça e invocar o doce sabor
da “liberdade”.
o Simboliza todos os homens que combatem por um senhor ou ideal e que, quando já
não servem, são votados ao abandono, encarnando assim a crítica a um Regime político
que ignora o povo que serve nos exércitos.
o No 2º ato, personifica o desalento, o pessimismo e a deceção do povo que, com a
execução do General, vê mais uma vez adiada a possibilidade de mudança.
☞ Manuel
o Abre os dois atos. Simboliza a inteligência e a capacidade de apreciação crítica de um
povo que, apesar de ser mantido na ignorância pelas classes dirigentes, consegue
discernir a situação da sua classe e do país: "E enquanto eles andam para trás e para a
frente, para a esquerda e para a direita nós não passamos do mesmo sítio" ou "Vê-se a
gente livre dos Franceses, e zás! cai nas mãos dos Ingleses!"
o Consciente da sua pouca importância, é bem visível a sua impotência perante a
eventual resolução dos problemas em causa: "Que posso eu fazer? Sim: que posso eu
fazer?".
o Na sua voz perpassa o desânimo, a falta de energia para lutar contra o poder instituído:
"Mas o general está em preso em S. Julião da Barra e nós...estamos presos à nossa
miséria, ao nosso medo, à nossa ignorância ... (Pausa) Não a podemos ajudar, senhora.
Deus não nos deu nozes e os homens tiraram-nos os dentes".
o No diálogo com Matilde, no segundo ato, Manuel evidencia, mais uma vez, a sua
profunda consciência das desigualdades sociais do seu tempo mas acaba por revelar
uma grande dignidade e um profundo respeito pela dor alheia: "Desculpe o modo como
a tratei. A senhora não merece as palavras que proferi, mas eu também não mereço tê-
Ias proferido...". O instinto de sobrevivência parece sobrepor-se a todos os
sentimentos: "Amanhã quando começarem a agradecer a Deus a prisão do general,
estaremos à porta das igrejas pedindo esmola (.. ) Não nos leve a mal, senhora, a culpa
não é nossa..."
☞ Rita
o Embora apareça logo no primeiro ato, é no segundo que Rita se individualiza,
adquirindo maior relevo.
o É ela que presencia a prisão e a violência exercida sobre Gomes Freire. A solidariedade
para com Matilde é bem evidente, não apenas na comoção ("A mulher ficou a chorar
até de manhã. Passei-lhe à porta e ouvi-a a soluçar. Deu-me vontade de fugir, de largar
a correr por essas ruas fora e de me deitar ao Tejo! ", mas também no gesto final: "Rita
entrega a moeda a Matilde. Num gesto impulsivo, beija-a e corre a juntar-se aos seus".
Essa solidariedade nasce da comunhão de sentimentos: ambas sabem, enquanto
guardiãs do lar, como o Regime pode afetar a vida familiar.
☞ Vicente
o Vicente é a única personagem em cena que evolui, através da traição, transitando de
um grupo social, o povo, ao qual pertence não se identifica minimamente
o Tem a intenção de denegrir a imagem de Gomes Freire de modo a destruir o seu
prestígio. Movido pelo dinheiro e pela força. É calculista e sem escrúpulos.
o Astuto, é pela denúncia que consegue ganhar um poste polícia, que lhe permitirá
ascender económica e socialmente.
o Personifica um dos "vendidos" de uma sociedade corrupta. É um homem frustrado por
nascido pobre, revoltado perante as diferenças sociais: "É verdade que nasci aqui e que
a fome desta gente é a minha fome, mas...é igualmente verdade que os odeio, que
sempre que olho para eles me vejo a mim próprio: sujo, esfomeado, condenado à
miséria por acidente de nascimento. Que diferença há entre mim e um fidalgo
qualquer?”
o No 2º ato, tomamos conhecimento da sua promoção a chefe de polícia. É um homem
ambicioso, esperto e perspicaz que vai modelando o seu tom de voz em função das
personagens com que interage de modo a não comprometer os seus objetivos.
Delatores
☞ Andrade Corvo e Morais Sarmento
o Morais Sarmento preocupa-se com "o que vão dizer", enquanto Corvo se serve de um
discurso argumentativo para aliciar o colega não evidenciando quaisquer escrúpulos e
vendendo-se facilmente.
o Andrade Corvo ocupa um lugar mais destacado que Morais Sarmento, que se limita a
ser testemunha. Morais Sarmento é um preguiçoso que se serve da denúncia para não
voltar a trabalhar. Beresford despreza-o e descreve-o como "mau oficial, ignorante, e
julgo, até, que pedreiro-livre" ou como "dedicado à sua própria causa, como todos os da
sua laia ... Pretende ser promovido pela denúncia, já que o não pode ser por mérito".
o Na entrevista com D. Miguel, Andrade Corvo mostra bem a sua ganância e o seu
oportunismo quando renega o seu passado de maçon, confessando ter andado
"perdido". É um cobarde, pois aparece "embuçado" e um adulador pois aparece uma
segunda vez em cena para dizer "Cá ando, sempre fiel a el-rei, na missão que me
incumbiram.". A sua presença em palco acaba no final do primeiro ato quando
finalmente refere o nome que os governadores esperavam.
o Simbolizam o lado negativo do exército português, que precisava do marechal inglês
para "entrar na ordem", opondo-se ao general Freire de Andrade, reconhecido como
bom oficial.
D. Miguel Forjaz
 D. Miguel Pereira Forjaz é uma figura do nosso panorama político dos séculos XVIII e XIX
(nasceu em 1769 e morreu em 1827). De ascendência fidalga, seguiu a carreira das armas
e participou na campanha do Rossilhão. Foi um dos membros do Conselho de Regência a
quem ficou entregue o país quando, após a invasão de Junot, a corte partiu para o Brasil.
D. João VI fê-lo Conde da Feira em 1820.
 Enquanto personagem da peça, é o representante da nobreza e o primeiro a proferir o
"nome do general, quando interroga Vicente e a manifestar o seu desagrado em relação a
essa figura, não respeitando sequer os laços familiares. É ele que incube Vicente de
espionar a casa de Gomes Freire a troco da "chefia de um posto de polícia".
 Absolutista convicto, o seu desejo é manter o estado de coisas, isto é uma sociedade
perfeitamente estratificada: "O meu sonho é de não morrer sem exterminar de vez as
sementes da anarquia e do jacobinismo...Sonho com um Portugal próspero e feliz, com um
povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos
postos no Senhor. Sonho com uma nobreza orgulhosa, que, das suas casas, dirija esta terra
privilegiada. Vejo um clero, uma nobreza e um povo conscientes da sua missão, integrados
na estrutura tradicional do Reino...Não lhes nego, Excelências, que não sou um homem do
meu tempo", defendendo a distinção entre as classes sociais: "Um mundo em que não se
distinga, a olho nu, um prelado dum nobre, ou um nobre dum popular, não é um mundo
em que eu deseje viver. Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições
seriam as nossas, se ao povo fosse dado escolher os seus chefes?"
 Receia uma eventual revolta do povo por influência não só da Revolução Francesa e dos
seus ideais de "liberdade, igualdade e fraternidade” mas também da revolta de
Pernambuco, no Brasil, já mais perto de si.
 É um homem prepotente, afastado do povo, e, por isso, teme a popularidade do general
que o pode vir a afastar do seu cargo. É cruel e exerce o poder de forma violenta e
incorreta: "Perante uma conjura, o estadista esfrega as mãos, Reverência, e agradece ao
Senhor a oportunidade de aniquilar alguns inimigos de Deus e do Estado. (...)Em política,
quem não é por nós é contra nós". Sabe manipular as pessoas e situações, não olhando a
meios para atingir os seus objetivos. Assim, serve-se da religião para emocionar o povo e
da corrupção para "comprar" a denúncia. É um ser insensível pois recusa-se a receber
Matilde, ofendendo-a na resposta que lhe envia: "Sua Exª não recebe amantes de traidores
e amigos dos inimigos d'el-rei". É um falso cristão, desses "sepulcros caiados" que Cristo
tanto condenou.
 A sua frieza e crueldade são bem evidentes ao longo da peça, mas é no final que mais se
acentua quando profere a célebre frase que dá título ao livro: "Lisboa há de cheirar toda a
noite a carne assada, Excelência, e o cheiro há-de-Ihes ficar na memória durante muitos
anos...Sempre que pensarem discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro...(...) É
verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar... ". A sua
intenção era que a execução pública servisse de exemplo para eliminar eventuais revoltas
mas, como sabemos, revelou-se um sacrifício inútil pois três anos mais tarde, a Revolução
Liberal triunfava no nosso país afastando D. Miguel do poder.
Principal Sousa
 Representa o poder da Igreja e a sua ingerência nos negócios do Estado. Essa ingerência é,
como lembra Beresford, um dos princípios mais atacados pela Revolução Francesa que
preconizará a separação de poderes, entre outras ideias revolucionárias.
 É um prelado hipócrita que parece hesitar quando pretendem condenar Gomes Freire sem
quaisquer provas mas é apenas uma maneira de mostrar que foi convencido por outros para
poder ter a sua "consciência tranquila, acabando ele próprio por encontrar razões pessoais
ínfimas que o parecem tranquilizar: "Agora me lembro de que há anos, em campo d'Ourique,
Gomes Freire prejudicou muito a meu irmão Rodrigo!"
 Recorre quer a citações bíblicas que deturpa em função dos seus interesses, quer a
metáforas, bem como a um tom falsamente paternalista e compreensivo. Convém-lhe
manter o status quo e crê-se investido de uma missão salvífica: " Temos uma missão a
cumprir, uma missão sagrada e penosa: a de conservar no jardim do Senhor este pequeno
canteiro português.". É um demagogo pois tem consciência de que o poder dos reis é injusto,
mas teme que o povo saia da ignorância, o que poderá implicar a sua própria condenação:
"A sabedoria é tão perigosa como a ignorância!..."
 Detesta Beresford, mas é incapaz de manter uma discussão séria e frontal com ele,
conseguindo ultrapassar as divergências pessoais e solicitar a colaboração deste para abafar
a revolução emergente. As acusações de falsidade e infâmia dirigem-se não apenas ao
prelado mas a toda a Instituição que ele representa e que se tendo afastado das palavras e
do exemplo de Cristo, vive mergulhada em vícios e se atreve a condenar os outros. O gesto
de Matilde "tira do bolso a moeda que lhe deu Manuel e lança-a aos pés do principal Sousa"
simboliza a sua condenação e acentua o único valor pelo qual este homem da igreja parece
ter regido a sua vida, os bens materiais.
Marechal Beresford
 William Carr Beresford nasceu em 1768 e faleceu em 1854. Este general inglês foi
escolhido, após pedido do rei D. João VI, para vir reorganizar o exército português e
discipliná-lo de modo a fazer frente às tropas francesas. Era um homem ríspido e
disciplinador que punia severamente qualquer tentativa de insubordinação, movido por
dinheiro e a sua estadia em Portugal era um sacrifício.
 Despreza o nosso país e os portugueses, procurando todas as ocasiões para ridicularizar a
pequenez e o provincianismo da nação e para enfatizar a sua superioridade. Afirma que
vive "num país de intrigas e traições", despreza o clero que tratava por "seita" e não se
cansa de "provocar" Principal Sousa, usando para tal um tom irónico; sorri da corrupção e
da denúncia que dominam a sociedade mas serve-se dessas "armas" para aniquilar Gomes
Freire, agindo do mesmo modo daqueles que critica e, revelando ser um homem prático,
denuncia a situação socioeconómica e cultural portuguesa, comparando-a à prosperidade
da Inglaterra e com a tolerância religiosa que aí se vive.
 O seu ódio por Gomes Freire nasce do facto de este ser um dos poucos portugueses "capaz
de o destronar”.
 A última intervenção do marechal inglês é marcada pela arrogância e a insensibilidade que
o caracterizam: Matilde pergunta "Quanto vale, para vós, a vida dum homem?" e
Beresford riposta cruamente "Depende do seu peso, da sua influência, das vantagens ou
dos inconvenientes que, para mim, resultem da sua morte."
Aspetos simbólicos
Luar
Símbolo ambivalente. Representa a luz que permite ao povo ver o exemplo do castigo que
receberiam se se opuseram ao poder, mas também é um símbolo da coragem e a força de um
homem que morreu para defender a liberdade, incentivando outros a seguirem essa luz e a
lutarem pelos mesmos ideais.
Fogueira
Representa o auge do terror, acaba por se tornar um elemento criador, pois, como preconiza
Matilde, os homens não poderão mais suportar tal horror e repressão e lutarão por um mundo
novo e diferente que destruirá a “velha ordem”.
Saia Verde
Símbolo de esperança. o verde também simboliza a renovação da natureza, a longevidade e a
imortalidade, remetendo, assim, para o reencontro dos amantes num outro mundo – a escolha
daquela saia, comprada em Paris (terra da liberdade), para esperar o seu amor após a morte,
mostra precisamente a “alegria” de Matilde ao pensar no reencontro. Com efeito, é esta saia
verde que tem o dom de transfigurar a fiel companheira de Gomes Freire, permitindo-lhe
ultrapassar o seu estado de desespero e revolta para assumir um discurso de esperança e
tranquilidade.
Moeda de cinco réis
Também este símbolo é ambivalente. Representa a miséria, mas também representa a denúncia
da traição por parte do clero (referência à traição de Cristo por Judas que se vendeu por trinta
moedas). Como Cristo, o General sofreu uma morte vergonhosa – foi enforcado, queimado e as
suas cinzas deitadas ao mar, juntamente com as de outros 12 condenados: o número treze é o
número do ciclo concluído que proporcionará a renovação, neste caso, os treze prisioneiros
conduzirão à mudança da situação do país.
Sons
☞ Tambores
Símbolos da repressão militar e policial que desagrega e aniquila, traduzem a morte, a violência
e a intimidante perseguição a que o povo era sujeito para não pôr em causa a autoridade tirânica
dos governadores.
☞ Sinos
Traduzem o perverso envolvimento da Igreja nos assuntos do Estado, contribuindo para a
repressão imposta sobre o povo. Anunciam a morte do General Gomes Freire, intensificando
assim o terror que se gera no povo e levando à dispersão de todos aqueles que alimentam a
esperança da mudança. Contribuem para a denúncia da deturpação da mensagem evangélica
ao serviço de interesses mesquinhos e materiais do Principal Sousa.
☞ Fanfarra
O som crescente da fanfarra simboliza a festa da liberdade, profetizada por Matilde,
funcionando como um apelo à esperança no nascimento de um novo tempo, justo e fraterno.
Escolhido como o som que ecoa enquanto cai o pano, ele representa o alento para todos os que
lutam e que não ficarão indiferentes à morte macabra do General e dos outros condenados.

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Teatro épico de Brecht e influência em Felizmente Há Luar

  • 1.
  • 2. Teatro de Brecht Corrente de teatro épico. Defende-se a distanciação a fim de levar o espetador a pensar e a desenvolver o espírito crítico.  Episódios separados.  O espetador é levado a pensar opondo-se muitas vezes às personagens. Na senda do teatro épico, de Brecht, o dramaturgo… • deseja provocar uma atitude socialmente empenhada, visando a transformação da sociedade; • rejeita a catarse; • cria o efeito de distanciação – o espetador deve estar desligado da ação (substitui-se o terror e a compaixão pelo espanto e a admiração); • valoriza a narrativa (o ator demonstra a ação) – o espetador ouve a narração dos acontecimentos e deve refletir, ser crítico (reflexão com intenção pedagógica); deve recordar para sempre a mensagem da peça. Em Felizmente Há Luar! a influência de Brecht é visível na intencionalidade de levar o leitor/espetador a estabelecer um paralelismo histórico-metafórico entre o tempo representado e o tempo da escrita. O teatro moderno, em que Felizmente Há Luar! se insere, tem assim como objetivo principal levar espectadores a pensar, a refletir sobre o que ouvem e sobre o que lhes é «mostrado» e a tomar posição no lugar em que se encontram. A sua compreensão exige leitura integral, tendo em conta: 1. o texto - as componentes do texto dramático; observar e interpretar a dupla enunciação teatral, a linguagem não verbal; as fases da ação dramática; 2. a representação - a ilusão teatral, os elementos visuais e sonoros, a encenação; 3. o contexto político, social e cultural da época histórica em que se desenrola a ação, comparando-o com a situação política, sociaI e cultural da época em o texto foi produzido. Luís de Sttau Monteiro enriqueceu o seu texto com imensos elementos de texto secundário. Se nos perguntarmos porquê, teremos que responder que o dramaturgo, não obstante ter situado a ação no século XIX, sabia perfeitamente que não conseguiria enganar a censura e que a sua peça não seria representada; por isso, através do texto “da margem esquerda”, fez ouvir a sua voz, propondo uma determinada interpretação. As indicações presentes na obra são bastante minuciosas no que respeita ao tom de voz das personagens, aos gestos e à movimentação dos atores, à iluminação, aos trajes, aos acessórios e aos adereços de cena, ao som. Estes signos não linguísticos revestem-se de particular importância, conforme se lê no texto didascálico que abre a peça: "O público tem de entender, logo de entrada, que tudo o que se vai passar no palco tem um significado preciso. Mais: que os gestos, as palavras e o cenário são apenas elementos de uma linguagem a que tem de adaptar- se."
  • 3. O tom de voz O tom de voz ou entoação, coadjuvando a interpretação das diferentes falas, poderá também ser revelador dos sentimentos que dominam as personagens ou da relação afetiva existente entre elas. Por exemplo, Manuel, "o mais consciente dos populares", utiliza nos monólogos o seu tom de voz habitual (pp.16), mas adota um tom sarcástico (“Está a imitar, com sarcasmo, alguém que se não sabe quem seja.”,p.16), "duro e ríspido" (p.78) quando pretende imitar os poderosos; pede esmola "num tom de voz humilde e trémulo" (p.78); torna-se irónico quando critica a situação política do país (“Fala com ironia...”, p. 79); fala com ternura (p.105), tristeza (p.109) ou em tom de acusação com Matilde de Melo (pp.1 05-1 06). As suas reflexões são entrecortadas por pausas que sugerem o fluir do pensamento, mas também a sua própria impotência para mudar a situação política do país. O Antigo Soldado "fala com entusiasmo" (p.20) do general Gomes Freire e refere-se "com escárnio" (p.22) aos outros generais; por isso, aparece "visivelmente acabrunhado" (p.80) depois da prisão do seu herói. Vicente, com o objetivo de persuadir o grupo de populares a quem se dirige, "fala muito depressa. Está cada vez mais excitado" (p.21), "fala alto em tom de triunfo”, “com sarcasmo” e " à medida que fala vai-se excitando cada vez mais” (p.22), quando se refere a Gomes Freire. Explica aos polícias, "com certa tristeza" (p.25), a hipocrisia que utiliza para convencer o povo ou "fala como um alucinado, com frequentes pausas" (p.27) quando tenta justificar as suas posições. Depois de se dominar, assume a traição ao povo com um "sarcasmo triste" (p.28) ou antevê a sua promoção a chefe da polícia em “tom galhofeiro" (p.31) e "paternal" (p.32). De acordo com o seu carácter, "fala com segurança e convicção" (p.33) perante os governadores ou finge um tom humilde (p.36) e é "francamente adulador" (p.34). Parceiro do jogo do poder denuncia- -o, no entanto, em tom irónico (p.37), quando se dirige aos governadores. O tom de voz de D. Miguel varia de acordo com as circunstâncias e com os destinatários do seu discurso. Perante as insinuações de Vicente sobre o envolvimento do general Gomes Freire no movimento revolucionário, fala, primeiro, "irritado", depois "com esperança" e, finalmente, "com escárnio" (p.35). Quando se dirige ao Principal Sousa usa "um tom de confidência. Fala como um homem desiludido que, depois de ter dado o melhor do seu trabalho, se vê incompreendido e desacreditado" (p 40). Revela, pelo tom de voz, a sua frieza perante a possibilidade de ser morto pelos revolucionários: "Não há receio nem ironia na voz de D. Miguel" (p.42) quando é informado, por Beresford, dessa possibilidade. Fala, no entanto "com raiva" (p.131) da execução dos conspiradores. Fala com ironia (p. 48) e autoridade a Andrade Corvo e a Morais Sarmento: "Não percam tempo, senhores...Vão." (p.53). O seu carácter autoritário ressalta também na maneira como põe termo às discussões entre Beresford e o Principal Sousa ( “Senhores! A paz deste reino e a missão que el-rei nos confiou não permitem que percamos tempo com conversas fúteis.”, p.55). A antipatia do Principal Sousa por Beresford é notória quando ele (lhe) "fala sem sorrir" (p.41) ou o critica "com fúria" (p.57); de acordo com a sua hipocrisia, pretende consolar Matilde com um "tom paternal" ou, como se esclarece ironicamente na didascália, "no tom de voz de quem está habituado às fraquezas humanas e sabe - pela graça de Deus - dar-lhes o necessário desconto" (p.121); daí o "tom moderador" ou "exaltado" que utiliza (p.122). Redimido pelo
  • 4. sofrimento e pelas palavras de Matilde, dirige-se-Ihe com sinceridade no final da peça: "Trata- se duma confissão de impotência e, simultaneamente, duma crise de honestidade" (p.134). "Beresford é um homem prático, que encara objetivamente a realidade. O seu tom de voz está de acordo com a sua maneira de ser." (p. 42). Não perde, no entanto, ocasião de provocar o Principal Sousa, falando-lhe "como quem fala a uma criança" (p.41) ou dirigindo-se a ele num "tom trocista" (p.53). "O tom do marechal é sempre jocoso. Sente-se que não toma os Portugueses a sério." (p.55); o seu desprezo por Portugal é evidenciado "pelo sarcasmo violento que reduz os presentes, a cidade e o país a uma insignificância provinciana e total" (p.58), por contraponto ao seu país natal. Embora interessado na prisão de Gomes Freire, "fala com desprezo" (p.44) com os denunciantes. Dirige- se a Matilde em tom "trocista" (p.93). Denunciando o seu sofrimento, o discurso de Matilde é, frequentemente, cortado por pausas. "Fala com rancor", "com determinação" (p.84), com violência (p.86), com tristeza (pp.90, 115), "com simplicidade" (p.91), "com orgulho" (p.91), "rapidamente, com entusiasmo" (p.92), "em tom de desafio" (p.94), "exaltada" (p.95),"com amargura" (p.96), "com desespero" (p.97), "exaltadíssima" (p.97), "com grande ansiedade" (p.111), grita (p.112), com "voz angustiada" (p.112), fala em voz baixa (p.113), "com alegria" (p.114), "muito lentamente, com a voz embargada pela comoção" (p.119), "com escárnio crescente" (p.123), "com amargura" (p.124), "com autoridade" (p.124), "com lentidão, pesando bem as palavras" (p.128), "com arrogância" (p.129), "com intensidade dramática" (p.132); "com amizade" (p.136) quando se dirige a Sousa Falcão; no final, o seu discurso “é quase um grito” de revolta e de esperança. Todas estas inflexões de voz dão conta da agitação dos sentimentos que dominam a personagem. Finalmente, Sousa Falcão, o melhor amigo do General Gomes Freire, acompanha a dor de Matilde e fala "com desânimo" (pp.86, 118), "com tristeza" (pp.88, 131), "com ternura" (p.89), "em tom monótono" (p.111) quando relata os momentos vividos pelo general em S. Julião da Barra, "em voz muito baixa" (p.113), "com voz tremente" (p.115), "com azedume" (p.117), grita para exprimir a sua fúria (p.119). A linguagem gestual e a movimentação das personagens Entendemos como linguagem gestual não só os gestos, propriamente ditos, mas a mímica, os jogos fisionómicos, a posição e a postura, isto é, todos os signos corporais que interagem com as palavras proferidas pelas personagens, conjunto de elementos a que alguns teóricos chamam "gestus". O movimento como signo teatral relaciona-se com a utilização, pelas personagens, do espaço cénico, incluindo o ritmo de entrada e saída dos diferentes atores. Em Felizmente Há Luar!, além da movimentação para dentro e fora do palco, os movimentos de entrada e saída de entrada e saída sujeitam-se também à iluminação, como veremos mais adiante. Do mesmo modo há gestos indicativos da simultaneidade de ações, como é o caso de a personagem aparecer de braços cruzados, mostrando o tempo de espera. É nessa posição que D. Miguel aguarda Vicente (p.32); o mesmo se passa com Beresford quando recebe Matilde, mostrando que já esperava a sua visita (p.91) ou com Manuel que também aguarda de braços cruzados e de costas voltadas para Matilde, disfarçando o seu envolvimento com a mulher do general (p.1 07). É também o medo que o faz comentar a morte indigna do general" Sentado de costas para o público e quase em surdina" (p.135).
  • 5. Manuel abre os dois atos de Felizmente Há Luar!, exprimindo a sua impotência. Enquanto fala, a personagem anda e detém-se (pp.15-16, 77), "levanta os braços ao alto” deixa-os cair “num gesto de desânimo” (p.77). Inserido no grupo dos populares, também foge da polícia no primeiro ato ou a enfrenta, no segundo. "Estende a mão" e "faz uma vénia" ao pedir esmola ou manifesta a sua revolta, imitando, com gestos bruscos, as atitudes dos mais ricos que pensam resolver o problema dos pobres dando-lhes uma moeda. Disfarça a sua solidariedade com Matilde falando com ela, "sem voltar a cabeça e limpando a faca" (p.104). Depois, levado pela emoção, pede a Rita que vá buscar um caixote para Matilde (p.104) e dirige-se-Ihe diretamente, desencadeando, à sua volta, gestos de solidariedade que se sobrepõem ao medo, como o do popular que oferece uma maçã a Matilde (p.105). Manuel revela, pelos gestos, a ternura que sente pelas pessoas que vai apresentando a Matilde (p.106). "Gesticula a falar" quando acusa. "Cala-se, visivelmente cansado, e deixa cair a cabeça sobre o peito" (p.107). Mais calmo, "respira fundo, enchendo os pulmões de ar" para expressar o seu sonho de liberdade (p.108). Vicente, para exercer o seu poder junto dos populares, "sobe a um caixote" (p.21), aponta sucessivamente cada um dos presentes ou fala ao grupo; simultaneamente, intimida e ridiculariza os que defendem o general, fazendo "com as mãos o gesto de quem toca tambor" (p.21), "abre os braços num gesto que abrange os presentes, o fundo do palco, a miséria" (p.24); marcado também pela miséria, "senta-se, descalça um sapato e começa a consertá-lo" (p.25). Perante os polícias, ao contrário dos outros que fogem, imita, como Manuel e o 1º Popular, os gestos dos fidalgos (p.27) mas a intenção que preside a essa imitação é diferente: ele não quer ridicularizá-los, gostaria de ser como eles. A intenção de subir na vida é marcada pelo prazer com que antevê a sua promoção a chefe quando "começa a passear em frente dos polícias" (p.26), gesto que mima a revista às tropas, pela determinação com que acompanha os polícias ao palácio dos governadores (p.32). Adota um comportamento de quem sabe agradar: faz vénias (pp.33, 38-39), "cospe com repugnância" quando se refere a estrangeirados (p.33), estuda os gestos do governador antes de falar (p.35). Interessado em mostrar a competência dos seus serviços, entra depois, intempestivamente, no palácio exagerando a iminência da revolução (p.60). Chamado à atenção para o carácter confidencial das notícias, rapidamente corrige a situação, mostrando-se cauteloso perante D. Miguel (p.60). As sucessivas entradas em cena dos três denunciantes, Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento, contribuem para o adensar da situação sobretudo porque, como se lê na didascália, "Os denunciadores valorizam os se serviços exagerando a gravidade da conjura." (p.66). D. Miguel Forjaz revela, pelos gestos, o seu carácter autoritário e arrogante. Utilizando frases curtas, dá ordens ou faz perguntas diretas. Interrompe, com um gesto, o discurso do polícia que lhe apresenta Vicente (p.33), fala "com autoridade" com os outros governadores (p.55). Apesar do seu carácter decidido, indicia, pela sua agitação, algum nervosismo (pp.52, 70, 73). O Principal Sousa é ridicularizado pela hipocrisia dos seus gestos. Apadrinha com um gesto de bênção a denúncia de Vicente (p.38), "aponta para o teto" quando fala do Céu (p.40), recebe Matilde desvalorizando os motivos que a levam a procurá-lo: "Faz um gesto convidativo. Depreende-se desse gesto, que o principal está convidando Matilde a entrar num lugar sagrado" (p.121). Perante as acusações que ela lhe faz, "permanece em silêncio, com os olhos postos no chão" (p.126). Embora não goste de Beresford, a sua cobardia impede-o de o enfrentar. "Fala para D. Miguel mas vê-se que se refere a Beresford, para quem olha ao falar no Conselho de Regência" (p.41); "O Principal Sousa nunca conseguiu discutir com o marechal. Defende-se dele negando-lhe a seriedade necessária a uma discussão" (p.56).
  • 6. Matilde de Melo exprime, pelos seus gestos e movimentos, a dor e a revolta. Logo após a prisão do marido, aparece sozinha procurando consolo nas recordações e nos objetos pessoais do general. A didascália dá conta do aumento gradual do seu sofrimento. "Levanta-se... Encaminha- se para uma cómoda velha... Abre uma gaveta da cómoda e tira dela um uniforme velho de Gomes Freire...Coloca o uniforme de Gomes Freire sobre a cadeira ...Acaricia o uniforme... Passa a mão pelo uniforme com ternura ...Faz o gesto que fecha uma janela...Começa a chorar...Endireita-se. Parece crescer no palco...Cai de joelhos, com os braços em torno da cadeira e, soluçando, enterra a cabeça no uniforme de Gomes Freire" (pp.83-86). O sofrimento e a revolta tornam-se dinâmicos depois da chegada de Sousa Falcão em quem Matilde encontra apoio e que a acompanha a casa de Beresford e de D. Miguel com a intenção de interceder pelo general Gomes Freire. A decisão de sair de casa é indiciada pela movimentação da personagem em cena: " Matilde dirige-se à cómoda e, enquanto fala, tira duma gaveta um xaile que põe à volta dos ombros" (p.88). Orgulhosa do marido e aparentemente segura da razão que lhe assiste, apresenta a Beresford razões justificativas da libertação do general, acabando o seu discurso humilhada e a suplicar pela vida de Gomes Freire (pp.97-98). "O amor intenso que unia Matilde a Gomes Freire explica todas as suas reações. Para Matilde o mundo não passava de um inimigo que os perseguia a ambos. Só adiante, no decorrer da conversa que tem com o principal Sousa, começa a tomar consciência da posição do general em relação ao que se passa no país. Tudo isto se deve depreender dos seus gestos e do seu tom de voz" (p.120). Efetivamente é nesta conversa que o discurso da personagem ganha intensidade dramática. A observação da moeda que lhe deu Manuel (pp.120-121) desencadeia a imagem da traição de Judas, que vendeu Cristo "por trinta dinheiros". Os gestos de Matilde, que interpela o Principal Sousa, com a moeda na mão (p.121) ou que, depois de o acusar de desvirtuar a mensagem cristã, lhe atira a moeda aos pés (p.134) são, só por si, uma acusação de traição aos valores da Igreja, que ele representa. A impotência de salvar o homem que ama dá a Matilde uma calma, aparentemente resignada; os gestos alucinados que transfiguram o real, indiciam, no entanto, a loucura desencadeada pela dor: "Avança e abraça um ser imaginário...faz o gesto de quem abotoa o casaco de Gomes Freire...estende o pescoço e levanta a cabeça para receber um beijo...Por um instante segue-o com os olhos. Depois, com dignidade volta para ao pé de Sousa Falcão" (pp.138-140). Cenário, iluminação, trajes, adereços de cena No teatro tradicional o cenário mudava em função dos atos. O mesmo não acontece em Felizmente Há Luar! em que os dois atos são constituídos por quadros que não respeitam a unidade de tempo ou de lugar e que obedecem a uma técnica de encenação simultânea. Num palco simultâneo, os diferentes quadros são desvendados pela iluminação que incide sobre estas ou aquelas personagens. No início de cada um dos atos, "a cena está às escuras" incidindo a luz sobre Manuel que aparece sozinho. Só depois se ilumina o fundo do palco e surgem as outras figuras populares. Após a chegada da polícia que dispersa o grupo de populares, "a luz do fundo vai diminuindo de intensidade até desaparecer completamente. Os polícias aproximam-se de Vicente, que desce do caixote e acamarada com eles. Ficam os três, iluminados, no palco" (p.24). Quando Vicente e os
  • 7. polícias se dirigem ao palácio de D. Miguel, "viram as costas ao público e encaminham-se para o fundo do palco com determinação. A meio caminho, o fundo ilumina-se. De pé, à direita, D. Miguel aguarda-os de braços cruzados" (p.32). Vicente, acompanhado dos dois polícias, sai do palácio avançando "para o centro do palco enquanto a luz do fundo se apaga" (p.39). Após a saída destas personagens, os governadores "avançam até se encontrarem no centro e à frente do palco" (p.39), lugar que continua iluminado. "Viram as costas ao público e encaminham-se para o fundo do palco enquanto, pela esquerda, entram Andrade Corvo e Morais Sarmento" (p.45) que se dirigem para o palácio dos governadores, tornado visível quando as luzes do fundo se voltam a acender (p.47). No final do 1º ato "apagam-se todas as luzes. As personagens ficam na penumbra agitando os braços e erguendo bandeiras no ar." (p.74). No 2º ato que, como já vimos, começa como o primeiro, depois da saída dos populares e dos polícias, "surge, a meio do palco, intensamente iluminada,(... )Matilde de Meio. Quando Matilde e Sousa Falcão saem de casa, "avançam para a frente do palco enquanto desaparece gradualmente a luz que ilumina a cómoda e a cadeira. A meio caminho, António de Sousa Falcão afasta-se e sai pela esquerda. Matilde fica isolada ao centro, e à frente do palco" (p.89). Chamado por Matilde, William Beresford "surge, de braços cruzados, ao fundo e à direita do palco" (p.91) e, antes da saída de Beresford que continua a falar com Matilde "já de fora do palco" (p.99), entra o grupo de populares a quem ela se dirigirá depois, sugerindo assim a simultaneidade de quadros. "A luz que iluminava o povo apaga-se gradualmente e apenas Matilde permanece iluminada. António de Sousa Falcão surge pela direita do palco.” (p.11 O). Os dois amigos vão a casa de D. Miguel e "dirigem-se ambos para o centro do palco. Vindo do fundo, surge um criado, de libré, que se coloca à frente deles" (p.118), sugerindo assim a localização do palácio na parte não iluminada do palco. (...) O momento em que Matilde avança ao encontro do ser imaginário em quem ela vê Gomes Freire coincide com o aparecimento do clarão da fogueira (p.138) onde ardia o corpo do general. Vista de Lisboa, a fogueira ateada em S. Julião da Barra, ilhota situada em frente a Oeiras, aparecia "distante", como um clarão que vai gradualmente desaparecendo. Em Felizmente Há Luar! os trajes das personagens e os objetos que aparecem funcionam como adereços de cena, isto é, são elementos da decoração do cenário que nos permitem localizar a ação dramática. As várias figuras populares compõem o cenário da miséria onde se move Manuel que aparece andrajosamente vestido. A ausência absoluta de qualidade de vida explica a revolta de um povo que dorme e come na rua, que se senta em caixotes, que não tem condições de higiene. Os objetos pessoais das personagens constituem também adereços de cena: "cestos, mantas esfarrapadas, uma abóbora, etc." (p.18), "o sapato estragado de Vicente” (p.25), "uma boneca esfarrapada" (p.25). O cenário de miséria é completado pelas próprias personagens: "uma velha, sentada num caixote, cata piolhos a uma rapariga nova" (p.16), Manuel aparece como pedinte no segundo ato e chama a atenção de Matilde para a galeria de homens minados pela pobreza e, sobretudo pela velhice, a doença, a deficiência física e mental (pp.105-106). Contrastando com a pobreza dos populares, o Principal Sousa surge "imponentemente vestido" (p.36); aparece "vestido de gala" e sentado numa cadeira pesada e rica, com aparência de trono (p.121), quando recebe Matilde que depois é por si encaminhada para a Igreja (p.121), lugar revelado também pela cruz iluminada que surge a meia altura do palco (p.132).
  • 8. "Beresford vem fardado. A farda, ainda que regulamentar, não é espaventosa e está um pouco usada" (p.41), roupa que o identifica como militar, que está de acordo com o seu espírito prático mas indicia também o seu desprezo pelos portugueses junto dos quais ele não tem a preocupação de vestir uma farda melhor. Matilde surge em cena, "vestida de negro e desgrenhada" (p.83) manifestando a dor que vive. Mais tarde, enquanto observa o clarão da fogueira de S. Julião da Barra, ao lado de Sousa Falcão que "está inteiramente vestido de negro", traz uma saia verde, roupa que tem um duplo significado: é a oportunidade última de aparecer, no encontro imaginário com o general, com a saia que ele lhe ofereceu e que ela nunca tinha vestido e é também a forma de manifestar, pela cor, a sua esperança na vitória das ideias defendidas pelo marido. O Som Em Felizmente Há Luar!, há sons portadores de grande expressividade dramática como é o caso do sons dos tambores que sugerem a repressão militar e policial. O ruído dos tambores, "símbolo de uma autoridade sempre presente e sempre pronta a interferir" (p.21) aterroriza e dispersa os populares (pp.18, 21). Quando é pronunciado o nome do general Gomes de Andrade como cabecilha da revolução, "começam a ouvir-se tambores ao longe, muito em surdina" (p.71), apontando o início da repressão que há de culminar com a prisão do general. Cumprindo ordens de D. Miguel, a repressão instala-se: "Os tambores tocam sem cessar" (p.73), "entram em fanfarra e o palco enche-se de soldados" (p.74). O som dos sinos mostra o envolvimento da Igreja na repressão que se abate sobre o povo. A par do discurso do Principal Sousa que se serve do púlpito para atacar os revolucionários, "começa a ouvir-se um sino tocar a rebate" (p.74). O som dos sinos mistura-se com o dos tambores (p.74) adquirindo, assim, o mesmo sentido repressivo que afeta a imagem da igreja envolvida com outros agentes da repressão popular. É o caso do padre, seguido do sacristão que toca uma campainha e dos fiéis que, seguindo o padre, colaboram nos serviços religiosos. "Ao longe, muito ao longe, começa a ouvir-se o murmúrio da multidão, entrecortado, de quando em quando, por latim" (p.129); O som da fanfarra que se ouve no final da peça "num crescendo de intensidade até cair o pano" é ambíguo; se por um lado resulta do som opressivo dos tambores, é também o som da festa da liberdade profetizada por Matilde. Tal como os sons, os silêncios (ausências de som) marcados pelas pausas no discurso podem sugerir o estado emotivo das personagens, o fluir dos seus pensamentos ou sublinharem um momento de grande tensão emocional como é o caso do silêncio "pesado" que se segue à primeira conversa dos populares sobre o general Gomes Freire de Andrade (p.21) ou dos instantes que precedem a execução dos conspiradores, em que "o palco fica às escuras e em silêncio" (p.135). A riqueza das didascálias é tal que ordem que a representação dispensa grandes artificialismos ou expedientes visuais para captar a atenção do público. Esta foi a intenção de Sttau Monteiro que, sobre a encenação da sua peça, diz: «Resolvi, assim, encená-la com a maior simplicidade possível, assentando a minha encenação unicamente no texto que escrevi e na interpretação dos atores. Foi o que fiz. Esta encenação não tem, portanto, surpresas para os espectadores. Desejo-os, efetivamente surpreendidos, mas por ficarem a entender melhor o papel que desempenham na vida e não por brilhantismos cénicos.»
  • 9. Elementos Paratextuais Título «Felizmente Há Luar» é uma expressão utilizada por Raul Brandão, em Vida e Morte GomesFreire, o que nos mostra claramente que Sttau Monteiro recorreu a esta narrativa histórica, onde pôde confirmar factos relacionados com a condenação do herói da conspiração de 1817: «Dezoito de Outubro. No Campo de Sant’Ana os operários tinham passado a noite a montar a armação de madeira... Pelas duas da tarde saem enfim do Limoeiro, mas vai-lhes levar tempo a morrer... O espetáculo quer-se moroso – “felizmente há luar”- e aquilo desfila e sobe devagar e de espaço, justiça, frades, irmãos de misericórdia com bandeiras, por entre a multidão silenciosa, por entre a tropa de linha, sem um sinal compassivo... A tortura de Gomes Freire acaba no mesmo dia 18 de outubro....» Esta frase é proferida duas vezes, por D. Miguel Forjaz e por Matilde, assumindo diferentes significados de cada uma das vezes.  Para D. Miguel, a morte de Gomes Freire d'Andrade serviria de exemplo a todos os que intentassem contra a ordem instituída e, deste modo, a existência de luar permitiria que todos observassem a execução e tirassem as devidas ilações. A morte do presumível chefe da conjura facilitaria a afirmação do poder, ainda que fosse pela força e pela injustiça. O cheiro a carne queimada ficaria retido na memória e intimidaria todos os que ousassem qualquer tipo de conspiração. As suspensões frásicas manifestam a dúvida, a crueldade e a ausência de emotividade.  Para Matilde, pelo contrário, a morte do marido serviria de lição a todos os que observassem o crime hediondo. O seu discurso é manifestamente marcado por frases exclamativas que traduzem o apelo à esperança e à coragem. Para a companheira todas as horas de Gomes Freire, a luz sobrepor-se-ia às trevas e permitiria que a morte desse lugar à vida. Seria o exemplo para pôr termo a um regime autoritário e injusto e, consequentemente, possibilitaria o nascimento da justiça e da liberdade. Dedicatória A dedicatória a Fernando Abranches Ferrão, ilustre advogado de processos políticos durante o período do Estado Novo, denota a influência que os amigos do autor, intelectuais que se opunham ao regime salazarista, exerceram para que este escrevesse e denunciasse, de forma velada, os erros do regime. Citação de John Osborne Um outro elemento paratextual de significado relevante é a transcrição de um excerto da autoria do dramaturgo inglês John Osborne, elemento dos chamados Angry Young Men, cujas peças marcaram uma viragem no teatro em Inglaterra, sobretudo a partir de 1957. Apesar de Luís de Sttau Monteiro não estar diretamente ligado a nenhum grupo literário, o tempo que viveu em Londres permitiu-lhe o contacto com a cultura inglesa e com tudo o que de mais inovador se fazia pela Europa. De facto, em Felizmente Há Luar!, à semelhança do teatro de Osborne, evidencia-se a crítica social e a fúria de um jovem homem que não aceita as condições do Estado, mas que está consciente das limitações impostas pela censura. O excerto selecionado por Sttau Monteiro para epígrafe do seu livro denuncia o papel da censura, em 1961, sobre a liberdade de expressão.
  • 10. Estrutura Estrutura Externa Na página que serve de frontispício à obra, encontramos logo a indicação sobre a estrutura externa: «Teatro – Peça em 2 atos» Folheando o livro, apercebemo-nos de que não há divisão em cenas, apesar de se verificar e entrada e a saída de personagens. Estrutura Interna ATO PRIMEIRO  Manuel caracteriza a situação do país (monólogo). Outros elementos do povo (1º Popular, Rita, O Antigo Soldado, 2º Popular, 3º Popular, Uma Velha, Uma Voz, Outra Voz, Vicente) dialogam sobre o nome de Gomes Freire, referenciado como esperança, mas Vicente manifesta-se contra os generais, nomeadamente contra Gomes Freire de Andrade.  Dois polícias dispersam os populares, à exceção de Vicente que se mostra disposto a trair o povo por dinheiro e força. Os dois polícias levam Vicente ao palácio do Conselho de Regência por ordem de D. Miguel. Este aceita vigiar a casa de Gomes Freire, em troca da promessa de um posto de chefia na polícia.  D. Miguel, Beresford e Principal Sousa falam sobre o clima de conspiração, mostrando medo de perderem o poder; ressalta a animosidade entre Beresford e Principal Sousa. D. Miguel prenuncia o julgamento secreto e arbitrário do chefe da conspiração, seguido da execução.  Andrade Corvo e Morais Sarmento encaminham-se para o palácio conjeturando o que lhes poderá render a sua denúncia. Os dois delatores são recebidos friamente pela Junta de Regência.  Os Governadores conversam sobre a conspiração e Beresford critica Portugal, revelando-se um mercenário. D. Miguel afirma que o nome do chefe da conspiração será escolhido de acordo com as conveniências da Junta de Regência. Vicente traz notícias sobre os frequentadores da casa de Gomes Freire. A conversa dos governadores sobre a pessoa que mais convém condenar continua. Vicente, Morais Sarmento e Corvo interrompem a conversa e dão a conhecer à Junta o nome que anda na boca do povo: Gomes Freire de Andrade.  Beresford e D. Miguel revelam as razões, de natureza pessoal, para designar Gomes Freire como chefe da conspiração.  D. Miguel e Principal Sousa manipulam a opinião pública e clamam morte a Gomes Freire.
  • 11. ATO SEGUNDO  Manuel reitera a impotência do povo perante o poder político (monólogo). Outros populares comentam o ambiente de repressão que se vive na cidade e Rita conta as circunstâncias da prisão de Gomes Freire.  Matilde, em monólogo, revela sofrimento e revolta pela prisão do seu companheiro. Encontra em Sousa Falcão, amigo de longa data, apoio para lutar pela libertação do marido. Matilde evoca o seu passado ao lado de Gomes Freire e decide tomar uma atitude mais drástica para tentar libertá-lo: Primeiro argumentando superiormente, depois suplicando, pede a libertação do companheiro junto de Beresford, mas em vão.  Matilde tenta obter o apoio dos populares, mas Manuel e Rita explicam-lhe as razões da indiferença do povo.  Matilde toma conhecimento, através de Sousa Falcão, das condições desumanas a que o seu companheiro é submetido em S. Julião da Barra. Pede audiência a D. Miguel, mas este não lha concede.  Matilde enfrenta Principal Sousa, acusando-o de ser injusto, hipócrita e materialista. Esta crítica é dirigida aos homens que representam a Igreja de modo errado. Entrada de Frei Diogo que refere ter confessado Gomes Freire na prisão.  Prepara-se a execução dos prisioneiros. D. Miguel afirma: «...felizmente há luar...» e Matilde insurge-se contra a justiça divina.  Manuel dá a conhecer o desejo de Gomes Freire: morrer fuzilado como soldado. Tal desejo é-lhe negado.  Matilde e Sousa Falcão veem do cimo da serra a fogueira que queimará o corpo de Gomes Freire, condenado à morte por enforcamento, em S. Julião da Barra. Matilde diz que aquela fogueira há de incendiar aquela terra. Matilde pronuncia as palavras: «Felizmente - felizmente há luar!». *A condenação de um inocente incita o povo a revoltar-se contra o poder que o oprime.
  • 12. Espaço Espaço cénico A ação desenrola-se em três espaços, interiores e exteriores, principais: a sede do Conselho de Regência, a casa de Gomes Freire e o alto da serra (serra de Santo António), de onde é possível ver-se o forte de S. Julião da Barra. Ao longo do texto, são referenciados outros espaços: "No Cais do Sodré há um café, Excelência, onde se reúnem todos os dias os defensores do sistema das cortes...» (p. 37); «Senhor: há dois dias o meu amigo Morais entrou no botequim do Marrare...» (p. 50), etc. Esses espaços ou são mencionados nas indicações didascálicas e nos adereços cénicos ou através das falas das personagens, sendo que a mudança de espaço é essencialmente indicada pelo autor, no texto secundário. O facto de haver tão poucas referências diretas ao espaço leva-nos a depreender que a ação apresentada pode ocorrer em qualquer espaço em que o ontem queira inviabilizar o amanhã. Espaço Social As indicações didascálicas relativamente ao guarda-roupa e adereços, atitudes e movimentação das personagens, as informações transmitidas pelas personagens e registo de língua utilizado são fundamentais para a caracterização do espaço social de Felizmente Há Luar! Este espaço é um dos mais explorados pelo dramaturgo, dado que pretende acentuar as diferenças que marcam a sociedade oitocentista. Assim, o povo é caracterizado por um vestuário reduzido e por um cenário de doença, de miséria e pobreza – dormindo no chão ou em cima de sacas, sentando-se em caixotes, mendigando ou “catando piolhos”. Os poderosos, por seu lado, aparecem caracterizados por um guarda-roupa cuidado de acordo com o seu estatuto social e rodeados de um cenário de riqueza. Espaço Psicológico Caracteriza-se pela relação afetiva que algumas personagens mantêm com determinados espaços que, evocados pela memória, sugerem características psicológicas das personagens que lhes fazem referência. Este aparece concentrado na personagem Matilde que recorda a intimidade do seu lar, um lar construído e vivido com o general Gomes Freire, um espaço banido do presente da representação, mas que a personagem sabiamente presentifica pela memória, uma memória de amor dada a conhecer ao leitor/ espectador através das suas tiradas monologais (pp. 83-92, por exemplo). Tempo Tempo histórico A ação de Felizmente Há Luar! representa a história do movimento liberal oitocentista, no rescaldo das Invasões Francesas e a «proteção» britânica que se lhe seguiu, revelando as condições da sociedade portuguesa no início do século XIX e a ação de resistência dos mais esclarecidos, organizados frequentemente em sociedades secretas. A conspiração, encabeçada por Gomes Freire d'Andrade, manifestava-se contra a ausência da corte no Brasil, contra o poder absolutista e tirânico dos governadores e contra a proteção/presença inglesa personificada pelo generalíssimo Beresford.
  • 13. Destaca-se, ao longo de todo o texto, a situação do povo oprimido e a falta de perspetivas para o futuro. Os acontecimentos históricos reveladores de um tempo de uma crise militar (depois das Invasões Francesas, a organização do exército português é confiada aos Ingleses que se instalam no país, em 1808), de uma crise política, económica, ideológica e a data de execução do General Gomes Freire, são percetíveis através das falas das personagens: •Manuel: «Vê-se a gente livre dos Franceses, e zás!, cai na mão dos Ingleses!» •Vicente: «Querem saber porque vendo os meus irmãos? Pois vendo-os por amor a N. S. Jesus Cristo e a el-rei D. João VI, que há tantos anos anda pelos Brasis cuidando dos nossos interesses... " •Principal Sousa: «Veja, Sr. D. Miguel, como eles transformaram esta terra de gente pobre mas feliz num antro de revoltados!» •D. Miguel: «Sempre a Revolução Francesa ... •Matilde: «Esta praga lhe rogo eu, Matilde de Meio, mulher de Gomes Freire d'Andrade, hoje 18 de Outubro de 1817." Tempo da ação A peça tem como cenário o ambiente político do início do século XIX: em 1817, uma conspiração, encabeçada por Gomes Freire de Andrade, que pretendia o regresso do Brasil do rei D. João VI e que se manifestava contrária à presença inglesa, foi descoberta e reprimida com muita severidade: os conspiradores, acusados de traição à pátria, foram queimados publicamente e Lisboa foi convidada a assistir. As indicações temporais fornecidas pelo texto permitem-nos verificar que a intriga se desenrola de forma linear e progressiva, embora não sejam muito precisas as indicações sobre a duração da ação. Historicamente, sabe-se que o general Gomes Freire foi preso a 25 de maio de 1817 e executado a 18 de outubro de 1817. Logo, a ação decorrerá entre estes dois marcos temporais. As expressões temporais do Ato I revelam uma duração de, sensivelmente, dois dias: •«A Rita dorme. A que horas chegou ela?" •«Saiba, meu senhor, que a Senhora D. Rita chegou tarde. Eram quase cinco horas pelo meu relógio de ouro." «Temos ordens para te levar, ainda hoje, à presença...» •«Excelências: trago comigo um patriota que pode testemunhar o que ontem contei ao Sr. Marechal." •«Não percam tempo, senhores. O momento é grave e a causa justa.» «Ontem à noite entraram mais de dez pessoas em casa de...» «Há dois dias que quase não durmo...» O Ato II pressupõe uma duração de 150 dias: •«Esta madrugada prenderam Gomes Freire...» •«E eu na descarga das barcaças, todo o dia sem saber de nada.» •«Ao chegar a S. Julião da Barra, meteram-no logo numa masmorra e aí ficou todo o dia...Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer.» •«Esta praga lhe rogo eu ... hoje dia 18 de outubro de 181 7." •«É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar...»
  • 14. Pelo levantamento de expressões se verifica que, no Ato I, o tempo parece desenrolar-se muito rapidamente, contrariamente ao Ato II, em que a passagem do tempo parece ser mais lenta, intensificando o drama íntimo vivido pelas diferentes personagens: •a tortura, degradação e humilhação de Gomes Freire; •o desespero e impotência de Matilde a contrastar com a indiferença dos representantes do poder; •a desesperança de um povo miserável e sem perspetivas de futuro é personificada na voz do antigo soldado que profere desalentado: “Prenderam o general... Para nós a noite ainda ficou mais escura...” Perante o drama histórico evocado, o leitor/espectador é confrontado com a prepotência e arrogância de um poder repressivo e arbitrário, sendo solicitado a tomar uma posição face ao que se passou, o que funciona como um espelho, refletindo as imagens de um presente também ele doloroso, de repressão e arbitrariedade, de censura e de totalitarismo. O dramaturgo pretenderá que o espectador se comova, se revolte, se indigne, fique do lado de Gomes Freire e partilhe da dor de Matilde. Sendo assim, e na esteira de Brecht, Luís de Sttau Monteiro, com Felizmente Há Luar!, visa despertar o leitor/espectador para, de forma distanciada, analisar de forma crítica os acontecimentos representados e questionar-se sobre o presente. Gomes Freire e os seus companheiros são sacrificados em nome dos seus ideais, mas as suas mortes, em vez de amedrontar, tornam-se esperança. A fogueira acesa na noite de luar para queimar Gomes Freire, com o objetivo de dissuadir outros revoltosos, torna-se farol para todos quantos se sentem oprimidos e anseiam pela liberdade. As últimas palavras de Matilde, «Olhem bem! Limpem os olhos no clarão daquela fogueira e abram as almas ao que ela nos ensina! Até a noite foi feita para que a vísseis até ao fim... Felizmente - felizmente há luar!» são de incentivo e de estímulo para que a chama de esperança e de luz que se acendeu nos corações de cada um não se apague, apelando simultaneamente à revolta contra a tirania dos governantes. Tempo da escrita Felizmente Há Luar! foi publicado em 1961, em plena ditadura do regime de Salazar. Sttau Monteiro viu na época de 1810-1820 grandes semelhanças com a realidade portuguesa da década de 1950-1960 e marca uma posição, pelo conteúdo fortemente ideológico, denunciando a opressão vivida na época em que escreve a obra, em 1961, estabelecendo um paralelismo entre as duas épocas. O recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no século XIX permitiu-lhe colocar em destaque as injustiças do seu tempo e a urgência de lutar pela liberdade. Sttau Monteiro, testemunha e vítima da perseguição da PIDE, encontra o meio para denunciar a situação portuguesa sob o regime de Salazar, contribuindo para fortalecer a esperança que viria a tornar-se realidade com a Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974. À semelhança da conspiração de 1817, que serviu de gérmen para o triunfo do liberalismo, também a oposição à ditadura do Estado Novo levou à implantação da democracia.
  • 15. Personagens General Gomes Freire de Andrade  É uma figura importante do panorama político do início do século XIX (nasceu em 1757 e morreu em 1817).  Apesar de não aparecer fisicamente na peça é a personagem central e é retratado pelas outras personagens que o olham com esperança e admiração. “Um amigo do povo! Um homem às direitas!”, ainda indiretamente podemos perceber que era corajoso e altruísta, merecedor de confiança, lúcido e inteligente e discreto pois nunca se serviu do seu estatuto para influenciar o povo, era franco e leal.  É comparado a Cristo, que remete para a inocência de Gomes Freire.  Esta caracterização revela um homem que se assumiu como símbolo da luta pela liberdade, da defesa intransigente dos ideais, daí que a sua presença se torne tão incómoda não só para “os reis do Rossio”, mas também para os senhores do regime fascista dos anos 60.
  • 16. Matilde de Melo  Esposa do general Gomes Freire. Personagem individualizada, é a figura central do segundo ato, onde se mostra uma mulher apaixonada e corajosa, à altura do marido.  Mesmo depois do encontro com Beresford e a recusa de D. Miguel Forjaz em recebê-la, Matilde não desanima e afirma a sua determinação em tentar ajudar o “seu homem”.  No diálogo com Beresford resume a sua vida, sublinhando as diferenças entre o "antes" e o "depois" de ter conhecido Gomes Freire e orgulhando-se de tudo o que aprendera com ele. O tom desafiador que emprega para se dirigir ao marechal acaba por revelar todo o seu desespero, já que o volitivo se torna inútil.  É a personificação de todos os sacrifícios que as mulheres fazem para manter a família unida: "As mulheres, Sr. Marechal, estão sempre dispostas a colaborar com a tirania para conservarem os maridos em casa..”. É a voz da consciência junto dos governantes, obrigando-os a confrontar-se com a sua presença e a assumir os seus atos: "É preciso que os homens se definam para que possam ser julgados. É preciso que ele nos receba - é a nossa oportunidade de o obrigar a definir-se, de o colocar no banco dos réus, para que o juiz o possa julgar..." O seu dedo acusador acabará por se levantar também contra a cobardia do povo acabando por compreender as razões deste.  Na entrevista com o principal Sousa, Matilde revela grande inteligência e poder de argumentação já que consegue, através de inúmeros exemplos bíblicos, "confundir" o prelado e fazer-lhe ver os verdadeiros ensinamentos da doutrina cristã. A sua raiva chega ao ponto de rogar-lhe uma praga para o atormentar até ao fim dos seus dias.  Surge em palco a falar sozinha, "vestida de negro e desgrenhada', é a imagem viva da dor e da alucinação. Esta personagem, à medida que o tempo passa e as circunstâncias lhe são adversas, mesmo depois de ter perdido o controle, vai ganhando força, "crescendo em palco': como refere o autor, acabando mesmo por aparecer na última cena vestida de "verde", símbolo da esperança, ao contrário de Sousa Falcão que está de luto.  Matilde destaca-se dos que a rodeiam; é um ser excecional que vive num mundo dominado pela hipocrisia, pela ganância e pela falta de solidariedade, onde valores como a dignidade e a justiça nada valem. Os últimos momentos, quase surreais, são também a denúncia do absurdo a que a intolerância e a violência dos homens conduzem. António de Sousa Falcão  Forma, com Matilde, o grupo de amigos de Gomes de Andrade. Parece estar constantemente presente na vida do casal já que acompanhara a morte do filho, aconselhara-os a não voltar a Portugal e, por fim, não abandona Matilde.  Nutre uma grande admiração pelo General mas, ao contrário de Matilde, está constantemente dominado pela cobardia e pelo desânimo, pois tem consciência do modo como a sociedade funciona ("Neste Reino, os homens fizeram Deus sua semelhança e, depois, fizeram-se à imagem e semelhança desse Deus.”), pelo que procura convencer Matilde da inutilidade da sua luta. Decidido a estar ao lado de Matilde, toma consciência do seu dever.  É uma das personagens com maior densidade psicológica já que o destino do amigo lhe permite encontrar-se consigo próprio, o obriga a "rever-se por dentro”, como afirma, descobrindo que é um cobarde porque não tem força para lutar pelas suas ideias. Calar- se é o preço que tem de pagar para permanecer vivo e "livre". O ato de se repensar altera a sua conceção do mundo e das coisas mas dá-lhe também, informa a didascália, "uma calma e uma paz interior que nunca tivera", talvez porque só nesse momento seja verdadeiro consigo próprio.
  • 17. Povo  Constitui “o pano de fundo permanente” da peça. Personagem coletiva, consubstancia-se nos vários populares que espelham a miséria, a ignorância, a exploração e a opressão.  Vicente salienta as péssimas condições de subsistência; o som dos tambores e a polícia provocam reações que denunciam o ambiente de tristeza, de medo, de intimidação e de horizontes limitados que rodeia esta classe.  À exceção de Vicente, Manuel e Rita, os outros elementos populares não são referidos pelos seus nomes próprios, pois ao dramaturgo interessava mostrar que o povo era joguete nas mãos dos poderosos e que a miséria, o medo e a ignorância eram em 1817, como em 1961, os fatores que, bem manipulados, podiam dissuadir as reivindicações coletivas. ☞ O Antigo soldado o É popular é aqui objeto de destaque, porquanto combateu no regimento do General, podendo assim testemunhar o percurso militar do herói da peça e invocar o doce sabor da “liberdade”. o Simboliza todos os homens que combatem por um senhor ou ideal e que, quando já não servem, são votados ao abandono, encarnando assim a crítica a um Regime político que ignora o povo que serve nos exércitos. o No 2º ato, personifica o desalento, o pessimismo e a deceção do povo que, com a execução do General, vê mais uma vez adiada a possibilidade de mudança. ☞ Manuel o Abre os dois atos. Simboliza a inteligência e a capacidade de apreciação crítica de um povo que, apesar de ser mantido na ignorância pelas classes dirigentes, consegue discernir a situação da sua classe e do país: "E enquanto eles andam para trás e para a frente, para a esquerda e para a direita nós não passamos do mesmo sítio" ou "Vê-se a gente livre dos Franceses, e zás! cai nas mãos dos Ingleses!" o Consciente da sua pouca importância, é bem visível a sua impotência perante a eventual resolução dos problemas em causa: "Que posso eu fazer? Sim: que posso eu fazer?". o Na sua voz perpassa o desânimo, a falta de energia para lutar contra o poder instituído: "Mas o general está em preso em S. Julião da Barra e nós...estamos presos à nossa miséria, ao nosso medo, à nossa ignorância ... (Pausa) Não a podemos ajudar, senhora. Deus não nos deu nozes e os homens tiraram-nos os dentes". o No diálogo com Matilde, no segundo ato, Manuel evidencia, mais uma vez, a sua profunda consciência das desigualdades sociais do seu tempo mas acaba por revelar uma grande dignidade e um profundo respeito pela dor alheia: "Desculpe o modo como a tratei. A senhora não merece as palavras que proferi, mas eu também não mereço tê- Ias proferido...". O instinto de sobrevivência parece sobrepor-se a todos os sentimentos: "Amanhã quando começarem a agradecer a Deus a prisão do general, estaremos à porta das igrejas pedindo esmola (.. ) Não nos leve a mal, senhora, a culpa não é nossa..."
  • 18. ☞ Rita o Embora apareça logo no primeiro ato, é no segundo que Rita se individualiza, adquirindo maior relevo. o É ela que presencia a prisão e a violência exercida sobre Gomes Freire. A solidariedade para com Matilde é bem evidente, não apenas na comoção ("A mulher ficou a chorar até de manhã. Passei-lhe à porta e ouvi-a a soluçar. Deu-me vontade de fugir, de largar a correr por essas ruas fora e de me deitar ao Tejo! ", mas também no gesto final: "Rita entrega a moeda a Matilde. Num gesto impulsivo, beija-a e corre a juntar-se aos seus". Essa solidariedade nasce da comunhão de sentimentos: ambas sabem, enquanto guardiãs do lar, como o Regime pode afetar a vida familiar. ☞ Vicente o Vicente é a única personagem em cena que evolui, através da traição, transitando de um grupo social, o povo, ao qual pertence não se identifica minimamente o Tem a intenção de denegrir a imagem de Gomes Freire de modo a destruir o seu prestígio. Movido pelo dinheiro e pela força. É calculista e sem escrúpulos. o Astuto, é pela denúncia que consegue ganhar um poste polícia, que lhe permitirá ascender económica e socialmente. o Personifica um dos "vendidos" de uma sociedade corrupta. É um homem frustrado por nascido pobre, revoltado perante as diferenças sociais: "É verdade que nasci aqui e que a fome desta gente é a minha fome, mas...é igualmente verdade que os odeio, que sempre que olho para eles me vejo a mim próprio: sujo, esfomeado, condenado à miséria por acidente de nascimento. Que diferença há entre mim e um fidalgo qualquer?” o No 2º ato, tomamos conhecimento da sua promoção a chefe de polícia. É um homem ambicioso, esperto e perspicaz que vai modelando o seu tom de voz em função das personagens com que interage de modo a não comprometer os seus objetivos. Delatores ☞ Andrade Corvo e Morais Sarmento o Morais Sarmento preocupa-se com "o que vão dizer", enquanto Corvo se serve de um discurso argumentativo para aliciar o colega não evidenciando quaisquer escrúpulos e vendendo-se facilmente. o Andrade Corvo ocupa um lugar mais destacado que Morais Sarmento, que se limita a ser testemunha. Morais Sarmento é um preguiçoso que se serve da denúncia para não voltar a trabalhar. Beresford despreza-o e descreve-o como "mau oficial, ignorante, e julgo, até, que pedreiro-livre" ou como "dedicado à sua própria causa, como todos os da sua laia ... Pretende ser promovido pela denúncia, já que o não pode ser por mérito". o Na entrevista com D. Miguel, Andrade Corvo mostra bem a sua ganância e o seu oportunismo quando renega o seu passado de maçon, confessando ter andado "perdido". É um cobarde, pois aparece "embuçado" e um adulador pois aparece uma segunda vez em cena para dizer "Cá ando, sempre fiel a el-rei, na missão que me incumbiram.". A sua presença em palco acaba no final do primeiro ato quando finalmente refere o nome que os governadores esperavam. o Simbolizam o lado negativo do exército português, que precisava do marechal inglês para "entrar na ordem", opondo-se ao general Freire de Andrade, reconhecido como bom oficial.
  • 19. D. Miguel Forjaz  D. Miguel Pereira Forjaz é uma figura do nosso panorama político dos séculos XVIII e XIX (nasceu em 1769 e morreu em 1827). De ascendência fidalga, seguiu a carreira das armas e participou na campanha do Rossilhão. Foi um dos membros do Conselho de Regência a quem ficou entregue o país quando, após a invasão de Junot, a corte partiu para o Brasil. D. João VI fê-lo Conde da Feira em 1820.  Enquanto personagem da peça, é o representante da nobreza e o primeiro a proferir o "nome do general, quando interroga Vicente e a manifestar o seu desagrado em relação a essa figura, não respeitando sequer os laços familiares. É ele que incube Vicente de espionar a casa de Gomes Freire a troco da "chefia de um posto de polícia".  Absolutista convicto, o seu desejo é manter o estado de coisas, isto é uma sociedade perfeitamente estratificada: "O meu sonho é de não morrer sem exterminar de vez as sementes da anarquia e do jacobinismo...Sonho com um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor. Sonho com uma nobreza orgulhosa, que, das suas casas, dirija esta terra privilegiada. Vejo um clero, uma nobreza e um povo conscientes da sua missão, integrados na estrutura tradicional do Reino...Não lhes nego, Excelências, que não sou um homem do meu tempo", defendendo a distinção entre as classes sociais: "Um mundo em que não se distinga, a olho nu, um prelado dum nobre, ou um nobre dum popular, não é um mundo em que eu deseje viver. Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições seriam as nossas, se ao povo fosse dado escolher os seus chefes?"  Receia uma eventual revolta do povo por influência não só da Revolução Francesa e dos seus ideais de "liberdade, igualdade e fraternidade” mas também da revolta de Pernambuco, no Brasil, já mais perto de si.  É um homem prepotente, afastado do povo, e, por isso, teme a popularidade do general que o pode vir a afastar do seu cargo. É cruel e exerce o poder de forma violenta e incorreta: "Perante uma conjura, o estadista esfrega as mãos, Reverência, e agradece ao Senhor a oportunidade de aniquilar alguns inimigos de Deus e do Estado. (...)Em política, quem não é por nós é contra nós". Sabe manipular as pessoas e situações, não olhando a meios para atingir os seus objetivos. Assim, serve-se da religião para emocionar o povo e da corrupção para "comprar" a denúncia. É um ser insensível pois recusa-se a receber Matilde, ofendendo-a na resposta que lhe envia: "Sua Exª não recebe amantes de traidores e amigos dos inimigos d'el-rei". É um falso cristão, desses "sepulcros caiados" que Cristo tanto condenou.  A sua frieza e crueldade são bem evidentes ao longo da peça, mas é no final que mais se acentua quando profere a célebre frase que dá título ao livro: "Lisboa há de cheirar toda a noite a carne assada, Excelência, e o cheiro há-de-Ihes ficar na memória durante muitos anos...Sempre que pensarem discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro...(...) É verdade que a execução se prolongará pela noite, mas felizmente há luar... ". A sua intenção era que a execução pública servisse de exemplo para eliminar eventuais revoltas mas, como sabemos, revelou-se um sacrifício inútil pois três anos mais tarde, a Revolução Liberal triunfava no nosso país afastando D. Miguel do poder.
  • 20. Principal Sousa  Representa o poder da Igreja e a sua ingerência nos negócios do Estado. Essa ingerência é, como lembra Beresford, um dos princípios mais atacados pela Revolução Francesa que preconizará a separação de poderes, entre outras ideias revolucionárias.  É um prelado hipócrita que parece hesitar quando pretendem condenar Gomes Freire sem quaisquer provas mas é apenas uma maneira de mostrar que foi convencido por outros para poder ter a sua "consciência tranquila, acabando ele próprio por encontrar razões pessoais ínfimas que o parecem tranquilizar: "Agora me lembro de que há anos, em campo d'Ourique, Gomes Freire prejudicou muito a meu irmão Rodrigo!"  Recorre quer a citações bíblicas que deturpa em função dos seus interesses, quer a metáforas, bem como a um tom falsamente paternalista e compreensivo. Convém-lhe manter o status quo e crê-se investido de uma missão salvífica: " Temos uma missão a cumprir, uma missão sagrada e penosa: a de conservar no jardim do Senhor este pequeno canteiro português.". É um demagogo pois tem consciência de que o poder dos reis é injusto, mas teme que o povo saia da ignorância, o que poderá implicar a sua própria condenação: "A sabedoria é tão perigosa como a ignorância!..."  Detesta Beresford, mas é incapaz de manter uma discussão séria e frontal com ele, conseguindo ultrapassar as divergências pessoais e solicitar a colaboração deste para abafar a revolução emergente. As acusações de falsidade e infâmia dirigem-se não apenas ao prelado mas a toda a Instituição que ele representa e que se tendo afastado das palavras e do exemplo de Cristo, vive mergulhada em vícios e se atreve a condenar os outros. O gesto de Matilde "tira do bolso a moeda que lhe deu Manuel e lança-a aos pés do principal Sousa" simboliza a sua condenação e acentua o único valor pelo qual este homem da igreja parece ter regido a sua vida, os bens materiais. Marechal Beresford  William Carr Beresford nasceu em 1768 e faleceu em 1854. Este general inglês foi escolhido, após pedido do rei D. João VI, para vir reorganizar o exército português e discipliná-lo de modo a fazer frente às tropas francesas. Era um homem ríspido e disciplinador que punia severamente qualquer tentativa de insubordinação, movido por dinheiro e a sua estadia em Portugal era um sacrifício.  Despreza o nosso país e os portugueses, procurando todas as ocasiões para ridicularizar a pequenez e o provincianismo da nação e para enfatizar a sua superioridade. Afirma que vive "num país de intrigas e traições", despreza o clero que tratava por "seita" e não se cansa de "provocar" Principal Sousa, usando para tal um tom irónico; sorri da corrupção e da denúncia que dominam a sociedade mas serve-se dessas "armas" para aniquilar Gomes Freire, agindo do mesmo modo daqueles que critica e, revelando ser um homem prático, denuncia a situação socioeconómica e cultural portuguesa, comparando-a à prosperidade da Inglaterra e com a tolerância religiosa que aí se vive.  O seu ódio por Gomes Freire nasce do facto de este ser um dos poucos portugueses "capaz de o destronar”.  A última intervenção do marechal inglês é marcada pela arrogância e a insensibilidade que o caracterizam: Matilde pergunta "Quanto vale, para vós, a vida dum homem?" e Beresford riposta cruamente "Depende do seu peso, da sua influência, das vantagens ou dos inconvenientes que, para mim, resultem da sua morte."
  • 21. Aspetos simbólicos Luar Símbolo ambivalente. Representa a luz que permite ao povo ver o exemplo do castigo que receberiam se se opuseram ao poder, mas também é um símbolo da coragem e a força de um homem que morreu para defender a liberdade, incentivando outros a seguirem essa luz e a lutarem pelos mesmos ideais. Fogueira Representa o auge do terror, acaba por se tornar um elemento criador, pois, como preconiza Matilde, os homens não poderão mais suportar tal horror e repressão e lutarão por um mundo novo e diferente que destruirá a “velha ordem”. Saia Verde Símbolo de esperança. o verde também simboliza a renovação da natureza, a longevidade e a imortalidade, remetendo, assim, para o reencontro dos amantes num outro mundo – a escolha daquela saia, comprada em Paris (terra da liberdade), para esperar o seu amor após a morte, mostra precisamente a “alegria” de Matilde ao pensar no reencontro. Com efeito, é esta saia verde que tem o dom de transfigurar a fiel companheira de Gomes Freire, permitindo-lhe ultrapassar o seu estado de desespero e revolta para assumir um discurso de esperança e tranquilidade. Moeda de cinco réis Também este símbolo é ambivalente. Representa a miséria, mas também representa a denúncia da traição por parte do clero (referência à traição de Cristo por Judas que se vendeu por trinta moedas). Como Cristo, o General sofreu uma morte vergonhosa – foi enforcado, queimado e as suas cinzas deitadas ao mar, juntamente com as de outros 12 condenados: o número treze é o número do ciclo concluído que proporcionará a renovação, neste caso, os treze prisioneiros conduzirão à mudança da situação do país. Sons ☞ Tambores Símbolos da repressão militar e policial que desagrega e aniquila, traduzem a morte, a violência e a intimidante perseguição a que o povo era sujeito para não pôr em causa a autoridade tirânica dos governadores. ☞ Sinos Traduzem o perverso envolvimento da Igreja nos assuntos do Estado, contribuindo para a repressão imposta sobre o povo. Anunciam a morte do General Gomes Freire, intensificando assim o terror que se gera no povo e levando à dispersão de todos aqueles que alimentam a esperança da mudança. Contribuem para a denúncia da deturpação da mensagem evangélica ao serviço de interesses mesquinhos e materiais do Principal Sousa. ☞ Fanfarra O som crescente da fanfarra simboliza a festa da liberdade, profetizada por Matilde, funcionando como um apelo à esperança no nascimento de um novo tempo, justo e fraterno. Escolhido como o som que ecoa enquanto cai o pano, ele representa o alento para todos os que lutam e que não ficarão indiferentes à morte macabra do General e dos outros condenados.