Texto transcrito com ajustes de Olavo de Carvalho no True Outspeak n° 2 de 11/12/2006. Transcrição com alterações e notas de Rodrigo Belinaso Guimarães.
1. Propriedade Privada
Texto transcrito com ajustes de Olavo de Carvalho no True Outspeak n° 2 de
11/12/2006
Por: Rodrigo Belinaso Guimarães
Não é de estranhar que tão logo o Hugo Chávez venceu as eleições, ele tenha ido
correndo tramar não sei o que com o Lula.1 Dias após, sai esta entrevista em que ele fala
do novo conceito de propriedade2 que o Chávez pretende implantar na Venezuela. Não
há nada de novo. Trata-se do velho conceito soviético de propriedade, resguardando
alguns pedacinhos para a propriedade privada como havia na própria constituição
soviética.
1 A eleição na Venezuela, que conduziu Hugo Chávez ao seu segundo mandato presidencial, ocorreu no dia
03/12/2006 e já no dia 06/12/2006 o venezuelano estava no Brasil para um jantar com Lula, então presidente
do Brasil. Sobre o jantar, uma reportagem da Folha de São Paulo afirmava se tratar de um evento fechado,
complementado com uma agenda de trabalho não divulgada na manhã seguinte. Assim, a imprensa não
teve acesso a qualquer conteúdo de pauta dos encontros. No último dia, a imprensa só teria permissão para
fazer algumas fotos. A reportagem também citou parte da nota que o governo brasileiro lançou em função
da reeleição de Chávez: "Lula situou a vitória de Chávez como expressão de um processo mais amplo de
transformações sociais e políticas em curso na América Latina", disse a nota governamental. Dessa forma,
não resta dúvida que Carvalho (2006) inferiu uma das pautas do encontro: a progressiva eliminação da
propriedade privada no continente. Embora a Folha de São Paulo não se perguntasse sobre a pauta
discutida,restava evidente que se pautariam os próximos passos que a articulação política em torno do Foro
de São Paulo encaminharia na América Latina: Veja a reportagem:
<https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u87425.shtml>.
2 De fato, durante o ano de 2007 Chávez apresentou uma estratégia para redefinir a legalidade da
propriedade na Venezuela através de uma reforma constitucional. Porém, no referendo popular que daria
um verniz democrático à proposta em02/12/2007, Chávez acabou derrotado. Além da propriedade privada,
a carta constitucional apresentava outros conceitos de propriedade, tais como: a propriedade pública, a
propriedade social, a propriedade coletiva, a propriedade mista. No texto proposto, havia a seguinte
delimitação para todos os tipos de propriedade: “Toda propiedad, estará sometida a las contribuciones,
cargas, restricciones y obligaciones que establezca la ley con fines de utilidad pública o de interés general.
Por causa de utilidad pública o interés social, mediante sentencia firme y pago oportuno de justa
indemnización, podrá serdeclarada la expropiación de cualquier clase de bienes,sin perjuicio de la facultad
de los Órganos del Estado, de ocupar previamente, durante el proceso judicial, los bienes objeto de
expropiación, conforme a los requisitos establecidos en la ley.” Obviamente, a Folha de São Paulo tratou
com eufemismo a mudança no estatuto da propriedade na Venezuela, chamando-a de “propriedades
comunitárias”, numa reportagemsobre o referendo. A reportagempareceu se preocuparcom o resultado da
votação, já que elencou uma série de novos direitos que adviria da nova constituição: “Outras mudanças
seriam a diminuição da carga horária de trabalho de 8 para 6 horas diárias, a criação de um fundo de
segurança socialpara os milhões de trabalhadores informais, e de conselhos regionais para que se decidisse
como empregar os fundos do governo.” A reportagem endossou as afirmações do governo de que o
referendo teria provado o caráter democrático de Chávez, que soube assim lucrar internacionalmente com
sua derrota interna. Desse modo, a reportagem, mesmo noticiando a derrota de Chávez, quer fazer crer ao
público brasileiro que o governo possui forte respaldo popular, contra a oposição de “empresários”. Para
tanto,reproduza declaração de umvenezuelano chavista: “‘Ele é um homem que luta pelo povo,umhomem
que sofreu, que veio de baixo’, afirmou o carpinteiro Carlos Orlando Vega, 47, ao sair de um centro de
votação em Caracas. Vega está entre as dezenas de milhares de venezuelanos que receberam casas
providenciadas pelo governo de Chávez.” Confira a reportagem em:
<https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2007/12/350737-chavez-sofre-derrota-em-referendo-na-
venezuela.shtml>.
2. De fato, a eliminação da propriedade privada no continente não está ocorrendo só
na Venezuela. No Brasil, é um absurdo o que a pessoa paga, por exemplo, para transmitir
uma propriedade no caso de um inventário. Na verdade, a eliminação lenta da propriedade
por meio da taxação é a fórmula que Karl Marx recomenda. Nenhum desses grandes
líderes comunistas era louco para achar que se poderia sentar numa mesa e fazer um
decreto: “está acabada a propriedade privada dos meios de produção, está acabada a
propriedade territorial da terra.”
Pensar dessa forma só no Brasil, só brasileiro é que pode imaginar que comunismo
é isso.3 E, portanto, quando não se vê isso, não se tem comunismo. Karl Marx propunha
exatamente a taxação progressiva que tornaria inviável a propriedade privada e isso já
está sendo aplicado no Brasil.
Por que estão tão assustados com Hugo Chávez?4 Porque Hugo Chávez dá nome
aos bois, porque ele diz o que vai fazer. Já no Brasil, a pessoa diz uma coisa e faz outra.
Na verdade, o sistema de eliminação brasileiro da propriedade privada é muito mais
eficiente do que o do Hugo Chávez. É praticamente infalível. Karl Marx dizia que a
eliminação da propriedade privada devia ser feita ao longo de muitas gerações. Preste
atenção: muitas gerações. Ao passo que no Brasil, ela já está sendo feita num prazo muito
menor.5
3 De forma óbvia, Carvalho (2006) estava se referindo a classe empresarial brasileira que parecia acreditar
na tese de que o governo do Partido dos Trabalhadores no Brasil, apoiado na América Latina pelo Foro de
São Paulo e por seus representantes emvários governos da região, não seria um governo comprometido
ideologicamente com a construção do socialismo. A miopia das classes empresariais era corroborada com
a visão da opinião pública construída pela imprensa e nas universidades de que os governos do Partido dos
Trabalhadores sustentavamuma conduta econômica pró mercado, por isso, não socialista. Nesse caso, há
o desconhecimento das teorizações marxistas sobre o “desenvolvimento desigual e combinado” naquilo
que chamavam de “periferia do capitalismo”. Na abordagemmarxista, em síntese,nestes lugares,nos quais
se poderia inscrever a América Latina, seria preciso que a economia passasse por uma etapa de
desenvolvimento capitalista, porém não controlada pela burguesia nacional, incapaz de se voltar contra o
imperialismo, daí toda a narrativa antiamericana de Hugo Chavéz, mas pelos próprios comunistas que
concentrariam, primeiramente, todo o poder em suas mãos. Então, Carvalho (2006) parece estar utilizando
a própria mentalidade revolucionária, aplicada a países como o Brasil, para sustentar que o Partido dos
Trabalhadores,no contexto da reeleição de Lula e de Chávez, não teria rompido com seus ideais socialistas,
apenas estaria cumprindo uma etapa inicial: o desenvolvimento econômico de uma sociedade atrasada
aliado à concentração de poder no partido que deve conduzir a massa ao socialismo, sem estar preso a
qualquer caminho predeterminado. Tal como Carvalho observava aquele cenário, a economia planejada
socialista é uma impossibilidade prática, nenhumpartido socialista no século XXI teria condições de atingir
mais do que um“capitalismo administrado” por eles.
4 Certamente, Carvalho (2006) está se referindo a classe empresarial brasileira, objeto da crítica de forma
direta um pouco mais a frente nesta transmissão de rádio.
5 No Brasil, o caminho ao comunismo se dava de forma muito mais dissimulada, talvez seja para esse
comportamento dissimulado que Carvalho (2006) chamava a atenção de seus ouvintes. Neste jogo, havia
todo um conluio de forças operando na sociedade brasileira, envolvendo a grande mídia, a imprensa, as
universidades e as organizações de esquerda. A mensagem dissimulatória era clara: a chegada de Lula ao
poder não representava um avanço dos interesses socialistas no Brasil e na América Latina, pelo contrário,
Lula já estaria cooptado pelos defensores do mercado neoliberal. Tal mensagem que enuviou os olhos da
3. De maneira que estes senhores que são ricos, cheios de propriedades, se sentem
muito seguros porque dão um dinheirinho ao PT.6 Eles são todos loucos. Vão perder tudo
o que têm e, aliás, merecem mesmo. É um pessoal que não tem vergonha na cara, porque
a riqueza deveria reportar a certa responsabilidade. No mínimo, se um sujeito é rico, ele
tem a responsabilidade de defender as instituições que por sua vez protegem a riqueza
dele mesmo.
Mas eles não querem fazer isso. O camarada quando é rico, acha que a fortuna
dele vale mais do que a sua vida. Todos acham isso. Então, o sujeito não quer defender a
si próprio. Isso é um sintoma da baixa moralidade generalizada entre a classe rica
brasileira que pretende que os outros lutem por ela, mas ela mesma não.
opinião pública brasileira pode ser conferida em um texto de Francisco de Oliveira, professor da USP, de
2006, na revista Novos Estudos CEBRAP, que procurava demonstrar a tese de que Lula e o PT teriam
desistido do socialismo desde sua primeira eleição: “A Rede Globo, particularmente, detentora de volumosa
dívida externa, mudou de posição, e um dia depois da eleição apresentou o programa do “caminho de
Garanhuns” de um predestinado. Mas aqui já estava em desenvolvimento a estratégia de fazer o agora
presidente eleito reconhecer os interesses de classe de quem manda na sociedade. O interessante é que a
cobrança do programa classista que se faz a Lula, sobretudo pela Folha de S. Paulo e pelo âncora Boris
Casoy, passou a funcionar em sentido contrário: é uma armadilha e uma advertência para receber de volta
do presidente a reiteração dos compromissos de respeito aos contratos,pedra de toque anunciada na ‘Carta
ao Povo Brasileiro’”. (OLIVEIRA, 2006, p. 28-29). Todos estavam empenhados nesta manobra de
transmitir para a opinião pública a ideia de que o governo Lula não rumava ao socialismo.
6 Os grandes empresários não só financiavam o PT, mas estavamprofundamente mancomunados com ele
numa grande organização criminosa revelada posteriormente na operação Lava Jato. Tal organização era
uma forma do PT concentrar o poder e vencer qualquer eleição com base na fraude. Em 2006, ano desta
transmissão de Carvalho e da reeleição de Lula, segundo reportagemda Folha de São Paulo,as empreiteiras
repassaramao partido R$ 12,47 milhões, fora aquilo que doaram diretamente para as campanhas eleitorais
do PT naquele ano. Já os Bancos, segundo a mesma reportagem, repassaram R$ 8,8 milhões aos cofres do
PT em 2006. Neste ano, o PT declarou ao TSE que recebera R$ 43,2 milhões em doações apenas ao partido,
conforme a mesma reportagem. A reportagem vincula estas doações coma proposta econômica do PT que
favoreceria grandes empresas e bancos,como se o partido estivesse a serviço do mercado, mas nela não há
referência a profunda concentração de poder que o partido conquistava, comprometendo todas as grandes
empresas e bancos coma continuidade de seu poder. Confira a reportagem:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1705200702.htm>.