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A Falsa Lady
(No bride, no wedding)
Barbara Cartland
Coleção Barbara Cartland Nº 407
Título original: No bride, no wedding
Copyright: © 1996 by Barbara Cartland
Tradução: H. Magelan
EDITORA NOVA CULTURAL
uma divisão do Círculo do livro Ltda.
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346,
CEP 01410-901 - São Paulo - SP - Brasil Caixa Postal 9442
CÍRCULO DO LIVRO LTDA.
Copyright para língua portuguesa: 1996
Fotocomposição: Círculo de Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Circulo
Digitalização: Rosana Gomes
Revisão: Ana Terra
Um encontro inesquecível
Inglaterra, Paris, Grécia, Gibraltar 1876.
No convés do navio que a levava ao encontro do desconhecido e da aventura, Celina Hart,
que se fazia passar por lady Hartington, olhava o céu cravejado de estrelas, desejando
chegar logo a seu destino, quando ouviu uma voz: "Queria saber, linda lady, que pedido
estava fazendo às estrelas que eu, embora um simples mortal, faria o impossível para
atender". Era o marquês de Merryfield. Marujo experiente, conhecido por suas conquistas,
estava curioso de saber por que aquela bela jovem viajava sozinha naquele navio infestado
de apátridas e aventureiros...
Querida leitora,
Você não pode perder os especiais que preparamos para você. Eles já estão nas
bancas. São histórias incríveis, que vão fazer você viver grandes emoções. Corra até a
banca mais próxima e garanta o seu exemplar.
Janice Florido Editora Executiva
NOTA DA AUTORA
O passaporte descrito neste livro é igual àquele concedido a meu avô pelo conde de
Derby, ministro das Relações Exteriores, em 1875.
Nesse passaporte, abaixo do nome de meu avô, constava o de sua esposa.
A palavra "passaporte" vem do francês e é formada de duas outras: passer, ou
"passar", e port, ou "porto". Originalmente, "passaporte" significava a permissão para-
deixar ou entrar em um porto.
Pela lei inglesa, um cidadão que esteja no exterior com passaporte britânico tem a
proteção da Coroa.
CAPÍTULO I
1876
Entrando em casa, um pequeno, mas aconchegante sobrado, no campo, Celina tirou
o chapéu preto que complementava o traje de luto e sentou-se numa das poltronas da sala
de estar, perto da janela.
Voltava do enterro da mãe, ao qual compareceram apenas algumas pessoas da vila.
Desalentada, cobriu o rosto com as mãos e desatou em lágrimas. Agora que estava
sozinha, podia chorar.
Aprendera com a mãe que uma lady devia saber controlar suas emoções em
público.
A cena ocorrida havia dois dias permanecia vivida na mente de Celina. Adormecera
na poltrona, do lado da cama da mãe e, bem cedo, ao acordar, vendo-a imóvel, julgara que
estivesse dormindo. Segundos depois, percebera que estava morta.
— Como pôde ir embora, deixando-me sozinha, mamãe? — Celina indagara,
entregue à sua dor.
Compreendera, ao mesmo tempo, que já devia ter esperado a partida da mãe,
simplesmente porque Carol Hart não suportava viver sem o marido, falecido poucos
meses antes.
A vida de John Hart e lady Carol Hurstwood fora uma linda história de amor. Mais
de uma vez, Celina havia considerado a possibilidade de escrever um livro contando o
romance dos pais.
Antes de se casar, Oliver Wood, pai de lady Carol, havia sido embaixador em vários
países. Quando se estabeleceu definitivamente em Londres, foi nomeado ministro das
relações exteriores e, depois, tornou-se um dos mais distintos membros da Câmara dos
Lordes.
Já estava com quase quarenta anos quando se casou, sonhando ter uma grande
família, mas três anos se passaram sem que a esposa lhe desse filhos.
No mesmo ano em que Oliver Wood herdou o título de conde de Hurstwood
nasceu sua filha, Carolina, no dia de Natal.
Infelizmente, a condessa não era uma mulher forte, e depois do nascimento da
menina não pôde ter mais filhos.
A notícia dada pelo médico foi um golpe para o conde. Ciente de que era um
homem muito rico e importante, ele não escondia a frustração por não ter tido um
herdeiro do título de nobreza, da fortuna e das propriedades.
Para compensar a falta de um filho, o conde decidiu que lady Carolina iria fazer um
casamento brilhante.
Lady Carol, como todos chamavam Carolina, era uma criança encantadora e
tornou-se mais linda com o passar dos anos. O pai orgulhava-se da filha e já antecipava
que quando debutasse seria a "Bela da Temporada".
Logo que perdeu a esposa, o conde passou a preocupar-se seriamente com o
casamento de lady Carol, agora com dezessete anos.
Queria para genro um nobre com título mais importante do que o seu. De
preferência um duque. O problema era que, na Inglaterra, na época, os duques eram raros.
Só havia "um solteiro: o duque de Denholme, com trinta e cinco anos, que herdara o
título poucos meses atrás.
Não foi difícil para o conde, homem agradável, cordial, generoso e possuidor de
excelentes cavalos de raça, conquistar a simpatia do duque.
Em pouco tempo, Sua Alteza tornou-se amigo do conde, seu companheiro de
caçadas e o visitante mais assíduo de Hurstwood Park.
Desnecessário seria dizer que o conde exultava. Conquistara a amizade e a
confiança do duque e estava certo de que em breve o teria como genro.
Para cativá-lo ainda mais, presenteava-o com cavalos extraordinários e quando o
duque deixava a sua propriedade, em Derbyshire, e ia a Londres, o conde procurava
distraí-lo.
Oferecia-lhe jantares em sua casa, na Belgrave Square, convidava-o para ir ao teatro,
apresentava-lhe as mais atraentes atrizes, bem como as "pombas maculadas", famosas em
St. James's.
Lady Carol, que não tinha a menor idéia das intenções do pai, levou um tremendo
choque, quando, ao completar dezoito anos, o conde participou-lhe, eufórico, que ela iria
tornar-se a esposa do duque de Denholme.
— Sua mãe morreu há um ano e é natural que eu me preocupe com o seu futuro,
minha querida. Em breve, o duque de Denholme irá propor-lhe casamento — assegurou o
conde. — Casando-se com ele, você irá tornar-se uma duquesa! Mostre-se amável com Sua
Alteza, filha.
— Mas, papai... eu...
— Não quero ouvir protestos! — cortou o conde. -— Sei o que é melhor para você.
Para não aborrecer o pai, lady Carol não argumentou. Já se acostumara com a
presença do duque em sua casa e o considerava quase um parente. Como nunca fora
cortejada por ele, imaginou que Sua Alteza não estava interessado nela e convenceu-se de
que a idéia de casamento só existia na mente do pai.
Isso a deixou tranqüila, pois achava o duque de Denholme feio, baixinho, sem-
graça, ligeiramente gago e sua conversa não podia ser mais aborrecida. Isto sem contar
que tinha quase o dobro da idade dela.
Poucos meses depois, lady Carol teve a sua primeira temporada em Londres e foi
aclamada a mais bela e mais distinta debutante. Como era de esperar, recebeu inúmeras
propostas de casamento.
Ao ouvi-las, lady Carol demonstrava que se sentia lisonjeada com o pedido e
respondia que precisava de algum tempo para refletir.
Na verdade, ao contrário das moças da sua idade, lady Carol pouco se preocupava
com o amor ou o casamento. Isso não se dava por falta de romantismo.
Ela achava apenas que, no momento certo, conheceria aquele por quem seu coração
iria bater mais aceleradamente. Então, o mundo se tornaria mais belo e mais radioso.
O conde, por outro lado, que após cada festa conversava com a filha para saber o
que acontecera, ao ouvir os nomes daqueles que haviam oferecido a lady Carol seu
coração e o nome, fazia poucos desses pretendentes, quando não os ridicularizava.
— Nenhum deles é importante socialmente — alegava, com desdém, o pai zeloso.
— Não há um que seja digno de você, a mais linda debutante, minha querida. Vou cortá-
los da nossa lista de convidados, como indesejados.
Achando que o duque de Denholme era mesmo um moleirão e que, se dependesse
da vontade dele, lady Carol nunca ouviria seu pedido de casamento, o conde decidiu
intervir.
Na véspera do baile que seria, segundo os jornais, "o maior acontecimento da
temporada", Sua Senhoria disse ao duque:
— Afeiçoamo-nos um ao outro, caro Arthur, temos muitos interesses em comum, e
o considero quase um filho. Além disso, já percebi que você admira Carolina e, sem
dúvida, ambos formam um lindo par. Portanto, me alegraria muito se você lhe propusesse
casamento. Asseguro-lhe que ela será uma esposa perfeita.
O conde fez uma pausa, depois acrescentou:
— Se me permite dizer com franqueza, acho que a sua casa de campo, em
Derbyshire, precisa ser reformada. Se eu tornar-me seu sogro, vou ajudá-lo a transformá-la
numa casa muito mais atraente. Quanto ao seu sobrado de Londres, situado no bairro de
Islington, é simples demais para um homem da sua posição. Portanto, está autorizado a
procurar uma bela mansão na Berkeley Square ou na Park Lane. Será meu presente de
casamento.
O duque concordou com tudo o que o conde sugeriu e, obedientemente, na noite
seguinte, durante o baile, convidou lady Carol para dançar e pediu-a em casamento.
Atônita, lady Carol compreendeu que o pai arquitetara tudo e havia falado sério ao
dizer-lhe que ela iria tornar-se a duquesa de Denholme.
— Oh, papai, não quero me casar com o duque. Não gosto dele! — lady Carol
replicou, ao saber que o casamento seria realizado dentro de um mês e meio.
— Tolice! Tolice! — cortou o pai. — Arthur será um marido excelente e, com o
tempo, você aprenderá a amá-lo. Reconheço que a casa que ele tem em Derbyshire não é
bonita, mas é grande e vou mandar reformá-la, decorá-la, tornando-a uma esplêndida
mansão. Também já autorizei seu noivo a procurar a mais linda casa que encontrar na
Berkeley Square ou na Park Lane. Será o meu presente de casamento para vocês.
— Sei que o senhor quer muito bem ao duque, papai, mas não é o senhor quem vai
se casar com ele — tornara lady Carol, amuada. — Não o amo e só me casarei por amor.
— Você o amará, eu lhe asseguro — insistiu o conde. — O amor virá com o
casamento, com a convivência. Vocês serão felizes. Arthur irá oferecer festas tanto na sua
casa de campo como na mansão de Londres. Não haverá marido mais devotado e ansioso
para satisfazer todos os desejos da esposa. Pode ter certeza de que ele lhe será fiel e não
correrá atrás de outras mulheres.
Por pouco, lady Carol não retrucou que um homem feio e sem-graça não
despertaria a atenção de outras mulheres. Em vez disso, pediu suavemente:
— Por favor, papai, dê-me um pouco mais de tempo para eu ver se encontro outro
pretendente que seja do seu gosto e a quem eu ame.
Para seu espanto, o conde enfureceu-se. Lady Carol só o vira tão zangado quando
um dos cavalariços maltratara um dos cavalos.
— Você fará o que lhe ordenei! Você é minha filha e me deve obediência. Eu a criei
com todo o conforto, no maior luxo e nunca deixei de satisfazer todos os seus menores
desejos. E agora que eu quero ter Arthur como genro, você o aceitará como marido! O
assunto está encerrado! Arthur virá jantar em casa e trataremos dos detalhes do
casamento.
Diante da veemência do pai, lady Carol ficou amedrontada e não argumentou.
Reconheceu também que seria perda de tempo e de fôlego.
Autoritário como era, e colocando a posição social em primeiro lugar, o conde não
iria entender que a filha queria apaixonar-se, que sonhava com um homem alto, forte e
bonito.
Lady Carol imaginava que iria acontecer com ela o mesmo que acontecia com as
heroínas dos romances: seu coração daria um salto assim que o homem dos seus sonhos a
fitasse.
Ambos saberiam, instintivamente, que se haviam encontrado pela força do destino.
A partir daí, nada mais teria importância, a não ser o amor que sentiam um pelo outro.
"Como posso me casar com o duque, se não o amo?", lady Carol questionou-se,
deprimida.
Entretanto, nessa mesma noite, recebeu do noivo, sem contestar, um enorme e
valiosíssimo anel de diamantes.
Com receio de que a filha pudesse interessar-se por outro homem se continuasse
indo a festas, o conde levou-a para Hurstwood Park, embora a temporada ainda estivesse
em meio.
Ao duque, o futuro sogro pediu que deixasse tudo em ordem na sua propriedade
de Derbyshire e fosse encontrá-los em Hurstwood Park, pouco antes do casamento.
A ida para o campo alegrou lady Carol. Lá, pelo menos, poderia montar os
excelentes puros-sangues que havia nas cocheiras e enquanto estivesse cavalgando,
esqueceria o noivo indesejado.
A coleção de cavalos do conde era invejável. Ele orgulhava-se do que possuía e,
para contentar o futuro genro, estava aguardando a oportunidade de ir ao leilão de
Tattersall's para arrematar belíssimos animais que estavam para chegar.
John Hart, o administrador das cocheiras, já informara ao conde quando seriam as
vendas e havia assegurado que as ofertas seriam imperdíveis.
Fazia quatro anos que John Hart trabalhava em Hurstwood Park e nesse tempo a
coleção de cavalos tornara-se maior e muito melhor. De fato, John era grande entendedor
de cavalos e podia afirmar, assim que via um animal, se era bom e convinha adquiri-lo, ou
não valia a pena comprá-lo.
Muito contente com o empregado, o conde costumava dizer:
— Nunca vi Hart enganar-se ao escolher um cavalo e, se tenho a mais bela coleção
de puros-sangues do condado, devo a ele.
Foi John Hart quem deu ao conde e a lady Carol as boas-vindas a Hurstwood Park,
e informou Sua Senhoria que haviam chegado os dois cavalos que ele tivera permissão de
comprar.
Antes mesmo de entrar em casa, o conde e lady Carol foram para as cocheiras ver
os animais.
— Ambos estão em excelente forma, milorde. E sei que lady Carol gostará de
montar este aqui. — John Hart indicou um magnífico cavalo de nome Pirilampo.
Na manhã seguinte, lady Carol saiu para cavalgar com o pai e constatou que
Pirilampo era o cavalo mais perfeito que já montara. Depois de um passeio pela
propriedade, pai e filha foram praticar saltos no paddock.
Estavam ansiosos para testar os animais e verificar seu desempenho diante dos
novos obstáculos, erguidos durante a estada deles em Londres. Pirilampo saltou todos eles
com elegância, deixando uma distância de pelo menos quinze centímetros acima da barra.
O conde não teve a mesma sorte. Um pássaro saiu do alto de uma das árvores e
passou voando na frente do cavalo. Assustado, o animal refugou e empinou-se.
Foi tudo tão inesperado que o conde, apesar de ser ótimo cavaleiro, caiu da sela,
machucando a perna.
Não foi um ferimento grave, porém impediu-o de Cavalgar durante quase três
semanas.
Desde então, lady Carol passou a praticar saltos no paddock, sozinha. Quando se
afastava da casa, para seus passeios a cavalo, John Hart a acompanhava, pois 0 conde não
permitia que a filha cavalgasse desacompanhada, principalmente montando cavalos novos
e desconhecidos.
Assim, os dois cavalgavam pelas fazendas, pelo bosque e chegavam até os limites
da propriedade, aonde lady Carol raramente ia. Também apostavam corrida e
conversavam muito nos momentos em que paravam a sombra das árvores para descanso
dos animais.
Aos vinte e sete anos, John Hart era um homem forte, muito bonito, tinha a
compleição de um atleta, e montava excepcionalmente bem.
O pai, Dr. Edward Hart, havia sido o médico veterinário da vila e John fora seu
ajudante desde menino, p que lhe deu grande experiência no tratamento de animais.
Ainda adolescente, John Hart participou de uma corrida, saindo vencedor. Na
ocasião, o mestre local de caçadas à raposa ficou tão impressionado com o rapaz que o
contratou para cuidar de seus cavalos e cães e também para adestrá-los.
Depois disso, John Hart trabalhou para um grande criador de cavalos e em seguida
tornou-se comprador de cavalos de raça, o que o tornou conhecido nos leilões e salões de
Tattersall's, o famoso mercado de cavalos de Londres.
Todos os proprietários do condado e arredores consultavam-no para saber como
estava o mercado, para avaliação de seus animais, e, no caso da venda de um cavalo em
leilão, qual devia ser o lance inicial.
O conde tornou-se um dos consultores mais freqüentes de John Hart e passou a
depender tanto dele, e a confiar tanto nos seus conselhos, que o convidou para administrar
suas cocheiras, a fazenda de criação de cavalos e para adestrar os cavalos novos e
indômitos.
Em pouco tempo, os cavalos da fazenda do conde dobraram de número e
aumentaram muito na qualidade, sendo admirados por todos do condado.
Nos longos passeios, como era de esperar, nasceu uma grande amizade entre John
Hart e lady Carol. Ambos eram jovens, davam-se bem e conversavam de igual para igual.
Lady Carol não tardou a revelar a John que não queria se casar com o duque de
Denholme porque não o amava, porém, via-se forçada a obedecer ao pai.
— Sua Alteza tem bons cavalos, mas nunca será um grande cavaleiro — observou
John Hart, certa manhã.
— Ah, se fosse apenas isso! — Lady Carol suspirou. — O duque é maçante, não tem
assunto nem personalidade. Ele me pediu em casamento só para contentar papai. Eu
gostaria que meu pai nos desse mais algum tempo, mas ele insiste em que o casamento
seja realizado na data por ele estabelecida.
— Lamento por você, milady. E natural que sonhe em se apaixonar e se casar por
amor — John Hart falou com simpatia.
— De que adiantam os sonhos? Não posso sequer argumentar, pois meu pai se
zanga e grita comigo.
— Sua Senhoria não tem o direito de fazer isso! — protestou John Hart.
O administrador falou com tal veemência que, para não deixá-lo ainda mais
exaltado, lady Carol disse suavemente:
— Ele é meu pai.
— Sim, mas é também muito autoritário. Sua Senhoria acha que, por ser rico e
importante, todos devem fazer o que ele quer. Isso não está certo.
Tarde demais, John Hart arrependeu-se de ter sido tão impulsivo. Não devia falado
daquela forma sobre o conde.
Apesar de reconhecer que era uma crueldade obrigar um jovem tão linda a casar-se
contra a vontade, ele, como simples empregado, não tinha o direito de intrometer-se na
vida dos patrões.
Com o passar dos dias, John Hart e lady Carol tornaram-se cada vez mais
afeiçoados um ao outro. Enquanto isso, o conde tomava todas as providências para o
casamento que, ele decidira, seria o maior acontecimento do ano.
Convidou para as bodas todas as pessoas importantes do condado e de outras
partes da Inglaterra, os amigos de Londres, inclusive alguns membros da família real.
Exultou ao receber a confirmação da presença de quase todos os convidados.
Muito organizado, o conde preparou a casa, que era muito grande, para receber
todos os parentes e as pessoas mais importantes. As demais ficariam hospedadas na casa
do governador do condado.
— Seu casamento será memorável, minha querida — assegurou o conde com
orgulho. — Os jornais o noticiarão e, sem dúvida, publicarão a lista dos convidados
importantes.
O luxuoso enxoval de lady Carol, comprado nas mais finas lojas da Bond Street, era
digno de uma princesa.
Ao ver os ricos vestidos, lady Carol refletiu que o futuro marido talvez nem iria
notar o que a esposa usava, uma vez que, em geral, ele parecia indiferente à sua aparência.
Na verdade, o duque demonstrava ter grande admiração pelo conde. Quando o
visitava passava horas do seu lado e mal via a noiva.
Essa falta de atenção, longe de aborrecer lady Carol, a alegrava. Pelo menos, a
deixava livre para ler, andar pela casa ou cavalgar. E passear a cavalo significava ver John
Hart e conversar com ele.
Na véspera do casamento, tudo estava pronto para o importante e festivo dia.
Grandes tendas para abrigar os convidados já haviam sido montadas no extenso
gramado e a cozinheira do conde terminara de confeitar o enorme bolo de noiva, lindo de
deixar pasmado quem quer que o visse.
Presentes chegavam a todo instante e iam enchendo dois dos maiores cômodos da
casa. Até o príncipe de Gales havia mandado uma lembrança para os noivos.
Notando a empolgação do pai, lady Carol julgou-se no dever de demonstrar pelo
menos um pouco de entusiasmo, e comentou, risonha:
— Quantos presentes! E todos são tão lindos, papai! Imagino que se eu não fosse
me casar com um duque, e sim com um "senhor fulano", ninguém iria pensar em
despender tanto dinheiro para presentear os noivos.
— E verdade — o conde concordou. — Esse é um dos privilégios de se possuir um
título de nobreza tão importante. Espero que no futuro você agradeça à sorte e a mim por
ter se tornado uma duquesa. Terei orgulho de vê-la, minha querida, nas ocasiões formais,
usando a tiara de duquesa, cravejada de diamantes, formando desenhos de folhas de
morango.
O conde fez uma pausa, beijou o rosto da filha e entregou-lhe uma grande caixa de
madeira entalhada.
— Aqui estão as jóias que sua mãe amava e outras que lhe ofereço como presente
de casamento.
— Muito obrigada, papai — lady Carol agradeceu, abraçando e beijando o pai.
Ao mesmo tempo, desejou mostrar-se mais entusiasmada. Mas isso era impossível,
pois lembrou-se do noivo que desde o início da semana estava hospedado na casa,
esperando pelo casamento.
Não! Era-lhe impossível simpatizar com um homem tão inexpressivo, apático e
pusilânime como o duque de Denholme. O pior, lady Carol agora percebia claramente,
Sua Alteza não gostava dela e, embora aceitasse agradecido tudo o que o futuro sogro
estava fazendo, não vibrava com a idéia de se casar.
Nessa noite, após o jantar, lady Carol foi até a cordeira. Sabia que o pai e o duque
iriam ficar conversando sobre os últimos detalhes do casamento e que, depois, Sua Alteza
iria dormir na casa de um amigo que morava na propriedade vizinha.
Chegando à baia de Pirilampo, lady Carol passou os braços pelo pescoço do animal,
encostou a cabeça na crina sedosa e começou a chorar.
Nesse instante uma voz que ela conhecia tão bem, perguntou:
— O que a está aborrecendo, milady?
— O que posso fazer, senão chorar? — tornou lady Carol sem olhar para John Hart.
— Não suporto a simples idéia de me casar com o duque e nada posso fazer para evitar
esse casamento.
Gentilmente, o administrador enlaçou a cintura de lady Carol e afastou-a do cavalo.
— Está querendo dizer que pretende, no último momento, desistir de se casar com
esse homem a quem não ama? Mesmo em se tratando do duque de Denholme, milady?
— Como posso amá-lo? Sua Alteza tem tudo o que eu não admiro num homem,
muito menos num marido! — lady Carol exclamou.
Erguendo a cabeça, voltou para John Hart os olhos marejados de lágrimas e
surpreendeu-se ao notar que ele a fitava de modo estranho, infinitamente terno.
— Por que não foge, milady? — sugeriu John Hart.
— Parece-me ser esse o único modo de escapar da infelicidade que a espera.
— Fugir? Como posso fugir na véspera do casamento? Não houve resposta. John
Hart mantinha os olhos
fixos nos dela e sua expressão dizia muito mais do que as mais eloqüentes palavras.
Ambos ficaram imóveis presos àquele doce encantamento.
Então os lábios de John encontraram os de Carol. Ele beijou-a longa e
apaixonadamente e a manteve tão apertada junto do peito, mal lhe permitindo respirar.
Finalmente, depois do que pareceu a ambos o transcorrer de anos, John ergueu a
cabeça e murmurou com voz grave, alterada pela emoção:
— Amo você, Carol! Eu a amo desde que a vi pela primeira vez. Como poderei
deixá-la caminhar cegamente para a infelicidade?
— Eu... também o amo! — Carol conseguiu dizer.
— Creio que sempre o amei... embora não soubesse que era amor... o que eu sentia.
John Hart beijou-a novamente despertando nela sensações tão maravilhosas, que as
palavras eram pobres para descrevê-las.
— Você teria coragem suficiente para fugir comigo?
— indagou John, assim que ergueu a cabeça. Inspirando fundo, Carol decidiu:
— Sim. Leve-me com você, por favor. Quero ficar do seu lado e... nada mais
importa.
— Eu também a quero comigo. Vamos nos casar.
— Mas você tem idéia do que isso significa? — John Hart soltou os braços, de modo
a permitir que Carol se afastasse um pouco, e disse-lhe com firmeza:
— Olhe bem para mim e ouça-me. Se você fugir comigo jamais poderá lamentar o
que deixou para trás. Sou pobre e não poderei lhe oferecer o luxo que sempre teve, desde
que nasceu. Em compensação, você pode ter certeza de que a amarei com todas as forças
do meu coração.
— Eu só quero ficar com você — Carol murmurou.
— E tudo o que eu desejo. Porém, devo ainda lembrá-la de que seu pai nunca nos
perdoará e que, como minha esposa, você não mais freqüentará os círculos sociais aos
quais está acostumada.
— Pouco me importa a sociedade. Ter você e o seu amor é tudo o que desejo. Agora
entendo que era amor o que eu sentia. Nestas semanas em que papai não pôde montar, eu
acordava feliz todas as manhãs porque sabia que iríamos cavalgar juntos. — Carol deu um
pequeno soluço antes de acrescentar: — Oh, John! John! Nunca amarei ninguém como
amo você. Só agora compreendo que era amor a emoção que tomava conta de mim sempre
que estávamos juntos.
— E eu a amei perdidamente, em segredo, todos estes anos. Você nem imagina
como eu sofria só de pensar que meu amor era impossível e que eu devia comportar-me
decentemente, pois você era a filha do patrão — John desabafou. — Agora, no entanto, ao
ver que você sofria tanto, disse a mim mesmo que não poderia permitir que você fosse
infeliz e arruinasse sua vida, casando-se com um homem que não é digno de você, mesmo
sendo um duque.
— Por favor, vamos sair daqui. Leve-me com você. Quero ser sua esposa e nada
mais importa — Carol rogou.
— Tem certeza de que é isso mesmo que você quer? Não irá arrepender-se de seu
gesto e não lamentará ter deixado tudo para trás? — John insistiu.
— Não me arrependerei. Estou preparada para enfrentar as dificuldades, desde que
esteja com você — Carol declarou com segurança.
— Está bem. Juro que a farei feliz e que você terá em mim o marido mais amoroso e
mais devotado à esposa que alguém já conheceu.
Carol riu, plena de felicidade.
— Então vamos, querido. Não podemos perder tempo. Ao amanhecer, quando não
nos encontrarem, ficarão atônitos, sem entender o que aconteceu.
John tomou-a nos braços e beijou-a mais uma vez, fazendo com que se afastassem
as nuvens escuras que pairavam ameaçadoras sobre a cabeça de Carol desde que ela ficara
sabendo que iria casar-se com o duque.
Para ela, o mundo voltou a ser radioso.
Compreendendo que seria arriscado eles ficarem ali por mais tempo, pois já era
tarde, John aconselhou Carol a voltar para casa. Combinou de ir buscar sua bagagem
quando todos estivessem dormindo e pediu-lhe para deixar aberta a porta lateral mais
próxima do pátio das cocheiras.
Embora hesitante, Carol o obedeceu. Uma vez em seus aposentos, arrumou uma
pequena mala com objetos de uso pessoal e algumas peças de roupa, pegou todas as jóias
que haviam pertencido à mãe e as que o pai lhe dera como presente de casamento.
No momento, não fazia idéia de que as valiosas jóias iriam, no futuro, custear os
estudos da filha.
Uma hora depois, estando a casa silenciosa e mergulhada nas sombras, John
apareceu para buscar a mala e os três baús com todo o enxoval de lady Carol que as
criadas já haviam, deixado prontos para a noiva levar na viagem de lua-de-mel.
Só depois de toda a bagagem ter descido, Carol escreveu um bilhete para o pai e
deixou-o sobre a penteadeira. Em seguida, colocou uma capa sobre o vestido que usava e
saiu de casa para nunca mais voltar.
-John a esperava numa das carruagens do conde à qual estavam atrelados os quatro
cavalos mais velozes que havia nas cocheiras.
— Você tem certeza, minha querida, de que ainda quer partir comigo? — John
perguntou mais uma vez, tomando a mão de Carol nas suas.
— Quero. Tenho a sensação de estar indo para o paraíso. Nós nos amamos e nada
mais importa, não e mesmo? — Carol respondeu, confiante.
— Nada! — John confirmou. — Prometo-lhe que seremos gloriosamente felizes.
Erguendo a cabeça, ele olhou para o céu estrelado e acrescentou:
— As estrelas estão nos dizendo que não iremos nos arrepender de termos tomado
esta decisão. O amor é mais forte e mais importante do que tudo mais neste mundo.
Adoro você, Carol!
— Eu também. A posição social e a riqueza não podem ser comparadas à maravilha
que é o sentimento que nos atraiu um para o outro — Carol falou suavemente, chegando
mais perto de John.
A carruagem pôs-se em movimento. Pela última vez, Carol olhou para as tendas
montadas para receber os convidados, e para- a igreja onde seria realizada a cerimônia do
casamento.
Estava deixando para trás o pai, os parentes, a casa onde nascera e crescera. Por
mais que amasse John, era sensata o bastante para compreender que sua vida de agora em
diante iria ser bem diferente.
Estava dando adeus à riqueza e à pompa que teria se desposasse o duque.
O pai a criara fazendo-a acreditar nesses valores materiais. "Papai está errado e
John, sim, está certo", Carol refletiu. "O amor é mais importante e mais forte do que tudo.
Como eu iria suportar uma vida monótona, vazia, ao lado de um homem que nada
entende de amor e que, certamente, não sente sequer afeição por mim?"
Notando o silêncio de Carol, John indagou:
— Em que está pensando? Está arrependida, meu amor? Deseja voltar?
— Pelo contrário, estou imensamente feliz e tenho a sensação de que estamos indo
para o paraíso.
De fato, quando a carruagem alcançou a estrada silenciosa, banhada pela luz da lua
e das estrelas, lady Carol teve a certeza de que ambos rumavam para um mundo novo, de
contos de fada, feito de amor e romance.
CAPÍTULO II
Pela manhã, a criada pessoal de lady Carol entrou no quarto para acordá-la. Não
ficou de todo surpresa ao encontrar o aposento vazio, pois a jovem patroa costumava
levantar-se assim que amanhecia para ir cavalgar.
O conde, por sua vez, ao descer para o breakfast, também não estranhou a ausência
da filha nem se importou de comer sozinho.
Passou-lhe pela mente que Carol decidira ficar na cama até mais tarde para estar
bem descansada e ainda mais bonita vestida de noiva.
De fato, todos na casa imaginaram que lady Carol estivesse em qualquer lugar da
propriedade e ninguém se deu ao trabalho de verificar que lugar seria esse.
Foi só por volta das onze horas, quando os garçons e funcionários do bufê
contratado para o casamento estavam arrumando as mesas nas tendas montadas no
gramado, que a governanta entrou no escritório do conde, onde ele lia .os jornais, e
perguntou:
— Vossa Senhoria tem idéia de onde lady Carol possa estar? Ninguém a viu esta
manhã e queremos começar a vesti-la para o casamento.
— Imagino que minha filha tenha saído para cavalgar e no momento deve estar nas
cocheiras devolvendo o cavalo à sua baia — respondeu o conde. — Já a procuraram lá?
— Sim, milorde. Um lacaio andou de baia em baia e foi até o paddock, mas não
havia sinal de lady Carol. Na verdade, ninguém a viu nas cocheiras esta manhã —
informou a governanta, nada à vontade.
— Lady Carol deve estar em algum lugar! Encontrem-na! — ordenou o conde,
impaciente. — Oh, céus! Há nesta casa uma legião de criados. Será que não são suficientes
para procurarem minha filha?
— Sim, milorde. E verdade, milorde.
A governanta deixou o escritório evidentemente preocupada. Ia subir a escada
quando uma das criadas veio correndo ao seu encontro e disse, ofegante:
— Dois lacaios queriam saber onde estava a bagagem de lady Carol e quando fui
aos aposentos de Sua Senhoria, não vi os baús com seu enxoval em nenhum lugar.
— Bem, se os baús não estão nos aposentos de lady Carol é porque já os trouxeram
para baixo — deduziu a governanta. — Já os procurou perto da porta dos fundos?
— Sim, Sra. Norton. Não há sinal deles.
Muito apreensiva, a governanta subiu até os aposentos de lady Carol. Não
encontrando os baús, abriu as gavetas da penteadeira e deu pela falta do grande estojo de
jóias que o conde entregara à filha no dia anterior.
Voltando ao andar térreo, considerou se devia ou não aborrecer o conde
novamente. Convenceu-se de que o momento não era propício quando viu no hall vários
parentes de Sua Senhoria que acabavam de chegar.
A Sra. Norton voltou para os aposentos de lady Carol pela mesma escada
secundária por onde havia descido e inspecionou as cômodos mais uma vez.
Só então viu sobre a escrivaninha o envelope endereçado ao conde. Pegou-o,
entregou-o a um dos lacaios e ordenou-lhe:
— Leve isto para Sua Senhoria e diga-lhe que foi encontrado no quarto de lady
Carol.
Era grande o movimento na casa. Um dos jardineiros entregou à governanta o
buquê de noiva, feito com lírios e copos-de-leite.
Atarefados, os lacaios atendiam os parentes que iam chegando e os conduziam ao
salão onde o conde os recebia. Vestidos com luxo e elegância, todos pareciam encantados
com o fato de a "querida Carol" casar-se com um duque.
Quando o conde recebeu o bilhete da filha achou que não era nada importante.
Abriu o envelope, correu os olhos pelas poucas linhas e, não acreditando no que diziam
aquelas palavras, releu-as devagar.
Lady Carol havia escrito:
"Querido papai,
Por favor, perdoe-me, mas não posso me casar com o duque de Denholme porque não o amo.
Carol."
Atônito, o conde teve a impressão de que o haviam golpeado fortemente na cabeça.
Mas conseguiu levantar-se da cadeira e, indo até a porta, ordenou rispidamente ao
mordomo, com uma voz que soou estranha até para si próprio:
— Onde está lady Carol? Encontrem Sua Senhoria! Minha filha não pode ter saído
de casa!
—-Todos nós estamos preocupados, sem saber onde Sua Senhoria se encontra,
milorde — respondeu o mordomo. — As criadas me disseram que a procuraram pela casa
toda e não a viram em lugar nenhum.
— Não posso acreditar! — o conde gritou e afastou-se, indo ao escritório à procura
do secretário.
Um dos lacaios informou-o que o Sr. Martin fora até as cocheiras para verificar se
lady Carol teria ido ver os cavalos.
— Minha filha não seria tão idiota a ponto de ir esconder-se numa das baias —
retrucou o conde, zangado.
Pouco depois informaram-no, discretamente, que uma das carruagens e os quatro
cavalos mais velozes, bem como John Hart, haviam desaparecido.
A essa altura a igreja estava lotada e o duque achava-se do lado do altar esperando
pela noiva. Entretanto, com lady Carol desaparecida, o casamento teve de ser cancelado.
A notícia espalhou-se como um rastilho de pólvora. Foi um escândalo!
No dia seguinte, os jornais publicaram manchetes sensacionalistas:
"NOIVA FOGE NA HORA DO CASAMENTO."
"CANCELADO IMPORTANTE CASAMENTO DA TEMPORADA."
"DUQUE É ABANDONADO NO ALTAR."
"A NOIVA DESAPARECEU NO ÚLTIMO MOMENTO."
"SEM A NOIVA, NÃO HOUVE CASAMENTO."
Havia muitas outras nos jornais menos importantes, principalmente nos de
Derbyshire e condados vizinhos.
Ao ler as manchetes e as notícias, o conde quase teve um ataque cardíaco. Atirou os
jornais no chão, pisou sobre eles e ordenou que os queimassem.
O duque de Denholme foi ridicularizado e viu-se obrigado a refugiar-se no campo
durante meses.
Ninguém sabia onde lady Carol se encontrava. Entretanto, para aqueles que
trabalhavam para o conde, estava claro que Sua Senhoria fugira com John Hart. Só não
sabiam para onde eles tinham ido.
Furioso, muito abalado, com o orgulho ferido e humilhado», o conde mandou seus
empregados procurarem a filha ,e John Hart. Não quis recorrer à polícia para não haver
ainda mais escândalo.
Os fugitivos não foram encontrados.
Cinco dias depois do desaparecimento de lady Carol e John Hart, o conde recebeu a
notícia de que sua carruagem e os quatro cavalos estavam à sua disposição em Dover e
que podia mandar buscá-los.
Diante disso, Sua Senhoria deduziu que a filha teria embarcado num navio em
Dover e atravessado o canal da Mancha. Portanto, devia estar na França ou outro país do
continente. Bastaria ele entrar em contato com as embaixadas para localizar lady Carolina
Hurstwood.
Na noite da fuga, John Hart rumou com lady Carol para Dover, onde deixou a
carruagem e os cavalos do conde.
Pagou ao dono das cocheiras de aluguel e recomendou-lhe que só depois de três
dias avisasse o conde de Hurstwood para mandar buscar o veículo e os animais.
Sendo muito inteligente e esperto, John teve certeza de que o conde iria imaginar
que a filha teria deixado a Inglaterra e ido para outro país.
Mas, na verdade, os fugitivos seguiram, numa carruagem alugada, para a
Cornualha, onde John tinha um grande amigo, dono de uma fazenda de criação de
cavalos.
No caminho, pararam numa igreja e John explicou to vigário que ele e a noiva
precisaram viajar com urgência e queriam se casar.
O sacerdote não ficou particularmente interessado em saber quem eram eles nem
para onde iam, e celebrou o casamento sem perda de tempo.
Foi uma cerimônia breve, simples, porém tocante. Emocionada, Carol recebeu a
aliança que pertencera à mãe, e no momento da bênção agradeceu a Deus por salvá-la da
vida infeliz que certamente teria casando-se com o duque.
O Sr. Watson, o amigo de John, ficou muito contente em revê-lo, ofereceu-lhe
emprego e deu aos recém-casados um sobrado para morar.
Não querendo usar as economias do marido, Carol vendeu algumas jóias e
empregou o dinheiro na decoração do sobrado. Graças ao seu bom gosto tornou-o lindo,
aconchegante e sempre enfeitado com flores.
A vida de Carol e John era um verdadeiro paraíso. Ambos se amavam e, embora
não tivessem luxo, tinham conforto e fartura.
Sob a administração de John Hart a fazenda tornou-se cada vez mais próspera,
deixando o Sr. Watson exultante.
Em menos de dois anos o número dos cavalos dobrou e John contratou mais
cavalariços e peões para ajudá-lo a cuidar dos animais e a adestrá-los.
Os puros-sangues preparados pelo Sr. Hart, como John passou a ser conhecido,
eram exibidos em feiras e exposições oficiais e, invariavelmente, ganhavam os melhores
prêmios.
Merecidamente, o Sr. Hart granjeou fama e respeito como preparador de cavalos e
os animais da fazenda Watson tornaram-se sinônimos de boa raça e beleza incomparável.
Entretanto, ninguém tinha idéia de que o Sr. Hart era o homem que fugira com lady
Carolina Hurstwood, na véspera do seu casamento com o duque de Denholme.
Por precaução, Carol não saía de casa, a não ser para cavalgar p ela fazenda, fazer
compras na vila ou na cidade vizinha, e ir à igreja. Vivia muito feliz com o marido e nada
mais lhe fazia falta. Quando a filha, Celina, nasceu, a felicidade do casal foi ainda maior.
E os belos cavalos passaram a ser vendidos, não apenas na Inglaterra, mas também
na Holanda, França e Alemanha.
Reconhecendo o valor do empregado e amigo, o Sr. Watson dobrou-lhe o ordenado
e passou a dar-lhe uma pequena porcentagem nas vendas.
Estando em boa situação financeira, John contratou mais uma criada para cuidar da
casa, de modo que a esposa pudesse dedicar mais tempo à filhinha.
Mas Carol fazia questão de preparar as refeições e tinha uma mocinha para ajudá-
la. Logo que se casara, como não tinha prática, comprara livros de culinária e aprendera a
fazer até mesmo pratos exóticos.
Também se tornara excelente doceira e pelo Natal e Páscoa fazia bolos, doces,
chocolates e bombons para presentear os amigos.
O marido gostava demais da comida de Carol, mas tinha preferência pelo rosbife
que, segundo ele, a esposa sabia preparar melhor do que qualquer chef francês.
Os anos passaram-se e John, cada vez mais ambicioso, quis conquistar o mercado
de outros países distantes da Inglaterra. O primeiro foi a Itália que ficou maravilhada com
os excelentes cavalos vindos da fazenda Watson.
Pouco depois, países do Mediterrâneo se interessaram pelos cavalos da Cornualha,
considerados os melhores da Europa.
Para John, foi um triunfo quando o Sr. Watson recebeu a visita de um dos homens
mais importantes e ricos do Egito.
O milionário egípcio disse, em seu inglês perfeito, que ouvira falar sobre os
magníficos cavalos e viera à Inglaterra para conhecê-los e adquirir alguns deles.
— Quero o que houver de melhor — exigiu o egípcio quando o Sr. Watson levou-o
até o Sr. Hart para ver os animais.
Muito bem impressionado com os cavalos, o comprador egípcio levou para o Cairo
quatro puros-sangues extraordinários.
Por força da profissão, John Hart viajava muito, porém a esposa e a filha nunca o
acompanhavam.
— Não quero que a vejam nem vejam nossa filha — John dizia. — Ambas são
preciosas como jóias e receio que as tirem de mim.
Carol compreendia que John ainda tinha medo de que alguém descobrisse que a
Sra. Hart era, na verdade, lady Carolina, filha do conde de Hurstwood.
Ao mesmo tempo, Carol vivia imensamente feliz com o marido e a filha e não
desejava afastar-se da casa que, embora pequena, era linda, confortável e cercada de
jardins.
Quando Celina completou doze anos, os pais compreenderam que estava na hora
de a menina aprimorar sua educação e isso não seria possível na pequena vila pertencente
à propriedade do Sr. Watson.
Com a mãe, Celina aprendera a ler e escrever, bem como aritmética, história,
geografia e francês. Também estava tendo aulas de canto e piano.
Depois de muito procurar, Carol descobriu em Plymouth uma professora de
sessenta anos, viúva e aposentada, que havia lecionado durante muito tempo em Londres,
em um colégio para moças da alta sociedade.
A professora, que ainda era muito ativa, ficou contentíssima ao saber que teria uma
aluna.
— Não gosto de ficar parada e muito menos de solidão — disse a professora. —
Será um grande prazer e muito estimulante lecionar para sua filha, Sr. Hart. Já percebi que
a jovem Celina é muito inteligente.
— Celina virá a cavalo para as aulas, todas as manhãs. Quero que a senhora lhe
ensine as matérias básicas de um bom colégio — pediu Carol. — Faço questão de que
minha filha aprenda outros idiomas, pois o pai viaja com freqüência e mais tarde ela
poderá acompanhá-lo. Celina já tem boa base de francês.
— Falo italiano, francês e alemão fluentemente — assegurou a professora. — Nasci
aqui e gosto deste lugar, embora o considere pequeno e provinciano, mas tive a chance de
estudar fora e de viajar muito.
A pedido de Carol, a professora encontrou para Celina uma senhora para continuar
com as lições de música.
As aulas particulares, com professoras do mais alto nível, custavam caro demais,
porém Carol não se importou de vender outras jóias para pagar as aulas da filha.
Para ela, proporcionar a Celina a melhor educação que um jovem poderia ter, era
uma forma de compensá-la por privar-se do mundo ao qual teria direito, caso a mãe fosse
uma duquesa, e não a esposa de um simples empregado de fazenda.
Não satisfeita apenas com as duas professoras particulares, Carol estimulava a filha
a ler bons livros, dava-lhe aulas de etiqueta, de dança, corrigia-lhe até 0 modo de andar e
não se cansava de orientar a garota.
"Uma lady não faz isso", "Uma lady não faz aquilo", dizia Carol com bondade,
ensinando ou corrigindo a filha.
A Sra. Hart também era muito rigorosa quanto ao modo de falar de Celina. Não
admitia termos vulgares, exigia que seu tom de voz fosse baixo, suave e que ela se
dirigisse aos outros, mesmo às pessoas simples, com atenção e palavras gentis.
Para a filha não era difícil aprender, pois além de inteligente, tinha a mãe como
modelo de perfeita lady.
Quanto às aulas que recebia em Plymouth, as adorava, e vivia para os estudos.
Alguns meses antes de Celina completar dezoito anos, Carol começou a se preocupar com
a vida social da filha.
Conversou com o marido sobre a necessidade de Celina divertir-se, ir a festas e
fazer amigos. John reconheceu que a esposa tinha razão.
— Nós escolhemos viver isolados, mas não temos o direito de privar nossa filha dos
divertimentos próprios da juventude — John admitiu. -— Podemos organizar uma festa
mais simples, no jardim, e quando Celina fizer dezoito anos, ofereceremos a ela um bonito
baile. O que você acha?
Carol, naturalmente, concordou com a sugestão do marido.
— Nossa filha dança muito bem. Mas não podia ser de outra forma, sendo a mãe
excelente bailarina — prosseguiu John. — Desagradam-me as moças que não sabem
dançar; são tão pesadonas e desajeitadas.
— Por que diz isso? Não acredito que você tenha grande experiência em matéria de
bailes e dançarinas — Carol observou, rindo.
— Não tenho, é verdade, mas quando vamos a bailes comparo as outras moças e
senhoras a você. Nenhuma é tão leve nem tão graciosa.
Lisonjeada, Carol abraçou o marido e ambos passaram a trocar idéias sobre a festa a
ser realizada ao ar livre.
Na semana seguinte, John recebeu do Egito o pedido de quatro cavalos. O
comprador era nada mais, nada menos do que o quediva Ismail. Ele estava disposto a
pagar muito bem pelos animais, porém exigia os melhores e mais bem adestrados que
houvesse na fazenda.
— Terei de levar os cavalos ao Cairo. Não posso deixar animais tão valiosos aos
cuidados de um dos empregados — disse John à esposa.
— Nesse caso eu o acompanharei, querido — propôs Carol.
John meneou a cabeça.
— Não convém. Será uma viagem desconfortável, pois terei de ficar a maior parte
do tempo perto dos animais, atento. Em caso de uma tempestade, por exemplo, eles
certamente ficarão assustados e poderão me machucar.
— Oh, querido, será uma viagem bem mais longa do que as outras e não suportarei
ficar tantas semanas longe de você — Carol queixou-se.
— Prometo não me demorar mais do que o necessário.
Diante do tom firme do marido, a esposa não argumentou. Beijou-o
apaixonadamente e, no dia seguinte, acompanhou-o a Plymouth, onde se despediram.
De volta ao sobrado, Carol achou-o vazio e triste sem o marido. Seu consolo era a
filha que se tornava mais linda a cada dia que passava. Ambas tocavam piano, faziam
passeios a cavalo ou a pé e, ocasionalmente, iam juntas a Plymouth para compras.
Um mês se passou sem que Carol recebesse cartas do marido, o que a deixou
preocupada. Sempre que viajava, John lhe escrevia com freqüência, ainda que lessem
apenas algumas linhas para falar de seu amor pela esposa, pela filha, e da saudade que
sentia de ambas.
Então Carol recebeu a terrível notícia.
John Hart entregara os cavalos e o quediva ficara radiante com a compra.
Infelizmente, John contraíra uma doença que não raramente ocorria no Egito, no verão, e
que matava em poucos dias.
A morte do marido deixou Carol num estado de profunda depressão. Para ela, a
vida perdera o sentido.
— A senhora deve pensar em mim, mamãe — Celina dizia, tentando reanimar a
mãe. — Preciso da senhora. Não posso ficar sozinha neste mundo, sem parentes e tendo
tão poucos amigos.
— Oh, meu Deus, como John pôde morrer tão jovem e tão longe de casa? — Carol
lamentava, soluçando.
Receando que a mãe também morresse, Celina sugeriu que ambas fossem ao Egito.
— A senhora verá onde papai foi enterrado e, se for o caso, mandará fazer um
túmulo para ele — Celina alegou carinhosamente.
Carol achou que a filha tinha razão. Não poderia, claro, ver o marido nem falar com
ele mas, pelo menos, não ficaria a tantas milhas de distância de seus restos mortais.
Ajoelharia no lugar onde ele fora sepultado, rezaria por sua alma, e iria sentir-se mais
perto dele do que se achava no momento.
Um pouquinho mais animada, Carol começou a pensar na viagem ao Egito. Passou
a calcular o que iria gastar com as passagens de navio, a hospedagem num hotel e a
despesa com o túmulo. Depois, passou a contar o dinheiro que tinha consigo e no banco.
Embora a situação financeira de John fosse boa, uma viagem tão longa seria muito
cara. Além disso, parte do seu dinheiro estava aplicada.
— Vai ser muito bom viajarmos, mamãe — Celina falou com entusiasmo. —
Sempre tive vontade de conhecer os países nos quais papai esteve, bem como aqueles
descritos nos livros de geografia e história.
— Iremos ao Egito, minha filha — afirmou Carol. — Seu pai queria que você
conhecesse outros países e tinha planos de, no futuro, levar-nos com ele em suas viagens.
Se nos faltar dinheiro, posso dispor de mais algumas jóias.
Entretanto, dinheiro não seria problema, pois, o Sr. Watson, consternado com a
perda do amigo e empregado, dispôs-se a ajudar a viúva e a filha de John.
— É claro que deve ir ao Cairo, Sra. Hart — o Sr. Watson animou Carol. — O
quediva Ismail escreveu-me dizendo que sentiu profundamente a morte tão repentina do
Sr. Hart e mencionou onde o sepultaram. Na carta, ele também elogiou o modo como John
cuidou dos cavalos numa viagem desconfortável e tempestuosa.
Celina providenciou tudo para a viagem. Conseguiu dinheiro suficiente para
comprar as duas passagens de navio para o Cairo e mandou fazer roupas pretas para ela e
a mãe. Por isso, não aceitou a ajuda do Sr. Watson.
Sobre as roupas de luto, Carol observara antes de a filha ir a Plymouth:
— Seu pai detestava que eu me vestisse de preto e eu também acho essa cor
deprimente. Mas todos esperam que uma viúva use luto no mínimo durante nove meses e
não vou contrariar as convenções sociais.
— E claro que não, mamãe — tornara Celina. — Mas a senhora tem a pele clara e
cabelos loiros, portanto, roupas pretas lhe assentam muito bem.
Nos dias que precederam a viagem, Celina sentia-se cada vez mais feliz porque iria
passar pelos países do Mediterrâneo sobre os quais havia lido. Estava ansiosa para fugir
da monotonia que tinha sido sua vida até então.
Só não demonstrava seu contentamento em respeito à dor da mãe.
Finalmente, as roupas de luto da viúva e da filha ficaram prontas e Celina foi buscá-
las na loja de Plymouth onde as encomendara.
Ao voltar, encontrou a mãe deitada, o que achou estranho. Carol não costumava
repousar durante o dia e era sempre muito ativa.
Quando Celina entrou no quarto, a mãe lhe disse:
— Espero não ser um transtorno nessa viagem, mas estou com forte dor de
garganta e uma dor de cabeça que se torna mais intensa a cada dez minutos. Comecei a
sentir-me mal pela manhã, assim que você saiu de casa.
— Vou fazer-lhe um remédio com mel que será bom para a garganta, e um chá de
ervas para a dor de cabeça. Se a senhora não melhorar, a levarei até Plymouth para ser
examinada por um médico — Celina prontificou-se e foi depressa para a cozinha.
Minutos depois, quando voltou, encontrou a mãe gemendo. Carol tomou o remédio
e o chá que a filha lhe trouxe, mas não apresentou melhoras.
"Talvez eu deva chamar o médico", Celina pensou.
No mesmo instante considerou que não seria conveniente deixar a mãe sozinha,
pois já era noite.
"Se mamãe não melhorar até amanhã, irei logo cedo chamar o médico. As criadas já
terão chegado e cuidarão dela durante a minha ausência", a filha decidiu.
Indo novamente para a cozinha, Celina preparou uma sopa substanciosa, mas fácil
de engolir. Carol piorou tanto que não conseguiu tomar a sopa.
— A dor de cabeça está insuportável — queixou-se. — E agora também sinto dor no
peito.
Sem saber o que fazer, Celina ajeitou os travesseiros, cobriu a mãe e foi correndo à
casa do Sr. Watson. Ao saber da situação da Sra. Hart, ele prontificou-se:
— Fique tranqüila, Celina, vou mandar chamar o médico imediatamente. Volte
para casa e cuide de sua mãe. Vocês precisam de mais alguma coisa?
— Não, obrigada, apenas do médico.
— Bem, terei de viajar logo ao amanhecer. Mas minha esposa ficará em casa e a
ajudará no que for preciso. Não hesite e procurá-la, caso sua mãe não melhore —
acrescentou o> Sr. Watson.
De Volta para casa, Celina encontrou a mãe dormindo; parecia sonhar e dizia muito
baixinho:
—Amo você, John! Amo-o muito.
Tudo o que Celina podia fazer era aguardar a chegada do médico. Sentou-se do
lado da cama e esperou durante horas; nem sinal do médico.
Tarde da noite vieram avisá-la que o médico havia saído para atender uma
parturiente e ainda não voltara.
Só na manhã seguinte, por volta das onze horas, o médico apareceu. Tarde demais:
Carol estava morta. Ele atestou que a paciente sofrerá um ataque cardíaco.
Carolina Hart foi enterrada, numa cerimônia simples, no cemitério da igreja da vila.
Celina parou de chorar. Continuou perto da janela e olhou para o jardim que havia
sido o orgulho da mãe. Estava órfã e não sabia o que fazer.
Provavelmente, não poderia ficar no sobradinho; era natural que o Sr. Watson
precisasse da casa para o novo empregado que viria substituir John Hart.
O mais sensato a fazer, pensou, seria entrar em contato com os parentes maternos,
embora a mãe não tivesse tido notícias deles naqueles vinte anos. Celina nem sequer sabia
se o avô estava vivo ou se já falecera.
Caso o avô tivesse falecido, o novo conde de Hurstwood também seria um parente
e, com certeza, a receberia em Hurstwood Park. Entretanto, ele também poderia mandá-la
embora, o que seria uma grande humilhação.
Afinal, a fuga de lady Carolina Hurstwood, no dia do casamento, envergonhara não
só o conde e o duque de Denholme, mas todos os parentes, de ambos os lados.
Começava a escurecer e Celina foi para o jardim. Andou pelos caminhos entre os
canteiros lembrando-se dos pais e de como haviam sido apaixonados um pelo outro e tão
felizes.
Subitamente, como se os pais a inspirassem, soube o que fazer. A idéia que lhe
ocorreu era tão extraordinária e ousada que ela se considerou maluca por ter cogitado de
pô-la em prática.
Não podia negar, porém, que se tudo corresse como estava imaginando, iria viver
uma aventura fantástica. Restava saber se teria coragem para viver tal aventura. Achou
que sim.
Entrando em casa, foi até a escrivaninha do pequeno escritório onde o pai fazia suas
contas e a mãe ocasionalmente escrevia cartas.
Numa das gavetas encontrou o que procurava: o passaporte da mãe. Carol o havia
conseguido em Plymouth pouco antes de o marido partir para o Egito, pois estava
pensando em viajar com ele dali por diante, uma vez que sua situação financeira o
permitia e a filha estava na melhor idade para acompanhá-los.
Encostando o passaporte no peito, Celina refletiu, pesarosa, que a mãe não chegara
a usá-lo. Embora triste, disse a si mesma que os pais haviam feito planos para a filha viajar
e agora, com o passaporte e o dinheiro deixado pela mãe, teria a oportunidade de
concretizar tais planos.
Por um momento, Celina deu asas à imaginação. Ficou empolgada ao pensar que
iria ver as pirâmides e passar por vários países do Mediterrâneo.
Imaginou que seria emocionante ver os rochedos de Gibraltar e recordar que a
colônia tinha sido tão importante na história do Império Britânico.
Também havia aprendido tanto sobre a França e desejava conhecer aquele país
ainda mais do que os outros. Agora não poderia ir a Paris, como era seu sonho mas, pelo
menos, veria Marselha.
Caso navio parasse algumas horas no porto, ela poderia desembarcar e conhecer
um pouco da cidade.
Como se estivesse viajando mentalmente, Celina pensou na Itália e desejou ter a
chance de um dia visitar Roma.
Durante sua viagem ela também passaria pela Grécia. Quando era pequena, ficava
fascinada ao ouvir as histórias que a mãe lhe contava sobre os deuses e deusas gregos.
Depois de alfabetizada, Celina lia muito sobre a Grécia, seus filósofos, e sobre a mitologia
grega.
Aprendera, assim, a admirar aquele país que havia contribuído para dar ao mundo
mais beleza, mais amor e sabedoria.
"Nada me fará desistir desta viagem, nada. Será uma aventura fascinante e
inesquecível", disse Celina a si mesma, colocando o passaporte sobre a escrivaninha.
Continuou, durante alguns minutos, absorta, como se estivesse vendo imagens dos
países que desejava conhecer.
Suas dúvidas se dissiparam. Uma voz interior lhe segredava que realizaria a
viagem de seus sonhos e encontraria a felicidade.
O que poderia temer?
CAPÍTULO III
A casa estava tão silenciosa que uma batida na porta sobressaltou Celina. Pondo-se
de pé, foi atender; vendo que era o Sr. Watson, convidou-o para entrar.
— Cheguei esta tarde de viagem e fiquei sabendo que a Sra. Hart morreu. Lamento
não ter estado presente ao funeral. Posso avaliar o que está sentindo por perder sua mãe.
Sua morte tão repentina, certamente, foi um terrível choque para você — disse ele com
simpatia.
— Foi um choque, sem dúvida — Celina assentiu. — Porém, acredito que mamãe
esteja feliz com papai, no céu.
O Sr. Watson colocou a mão sobre o ombro da órfã.
— Vejo que está conformada, Srta. Celina. Não é de admirar, pois você sempre foi
uma garota sensata. Sinto muito a falta de seu pai e está sendo difícil encontrar outro
empregado com tanto talento para lidar com cavalos. O homem que fui ver em Yorkshire,
me decepcionou. E um incompetente.
— Lamento que esteja com esse problema, Sr. Watson. Mas, sem dúvida, papai era
excepcional para cuidar de cavalos e adestrá-los.
— De fato. Acabei contratando um peão que me havia procurado antes de eu viajar
para Yorkshire.
Apesar de ele assegurar-me que tem grande experiência, posso apostar que não
chega aos pés de seu pai. Acredito que não haja outro como meu amigo John Hart.
Celina reconheceu que era verdade e sentiu orgulho ao ouvir as palavras elogiosas
do Sr. Watson.
—Bem, agora devemos pensar no seu futuro, Srta. Celina, uma vez que ficou
sozinha — prosseguiu o Sr. Watson. — O que pretende fazer? Talvez seja mais seguro
procurar os parentes.
Celina inspirou fundo.
— Está querendo dizer que vai precisar desta casa para o novo empregado?
— Sim, Srta. Celina. O novo empregado tem mulher e dois filhos e este sobrado é o
melhor que há na propriedade. Compreenda, senhorita, que não deve ficar sozinha. O
mais sensato, a meu ver, será procurar os parentes — argumentou o Sr. Watson. — Posso
armazenar os móveis e utensílios que pertenceram a seus pais até que os mande buscar. O
que acha?
— Não sei o que fazer, Sr. Watson — respondeu Celina, hesitante. — Ainda estou
atordoada e confusa. Tudo aconteceu tão de repente...
— E natural que se sinta assim — tornou o Sr. Watson com bondade. — Enquanto
não decide para onde ir, minha sugestão é que se mude para a Casa Grande e me ajude na
educação de minhas duas filhas menores. Elas estão deixando a pobre babá fora de si. Sei
que você recebeu uma educação excelente e desempenhará muito bem a função de
preceptora. Será vantajoso para você, pois terá onde morar, além de um ordenado. Desta
forma, não precisará usar as economias de seu pai.
Era uma oferta tentadora. Porém, pensando na viagem ao Egito, Celina falou com
sinceridade:
— É muita bondade sua, Sr. Watson. Entretanto, como o senhor sabe, mamãe havia
planejado ir comigo ao Cairo para visitar a sepultura de papai. Estando morta, cumpre a
mim fazer essa viagem. Quando eu voltar, aceitarei com prazer dar aulas para seus filhos.
— Muito bem, Srta. Celina. Realize o desejo da Sra. Hart e mande construir um
túmulo digno do prezado amigo John. Aguardaremos a sua volta — o Sr. Watson
concordou. — Mas quando pretende partir? Se não estou enganado, sua mãe já estava com
tudo pronto para a viagem.
— Estou pensando em ir a Plymouth amanhã. Acredito que chegarei na cidade a
tempo de embarcar no navio com destino ao Egito — respondeu Celina.
— A propósito, você tem dinheiro suficiente para a viagem? Se não tiver, posso
ajudá-la.
— Sim, tenho. Obrigada, Sr. Watson — Celina murmurou.
— Naturalmente, você não viajará sozinha. Um de seus parentes deve acompanhá-
la — aconselhou o Sr. Watson. — Você é muito bonita para viajar pelo mundo sem ter
quem a proteja.
— Espero não me ausentar por muito tempo. E obrigada por se preocupar comigo,
Sr. Watson — Celina agradeceu, deixando de mencionar que viajaria sozinha.
— Sim, volte logo. Sei que você será uma excelente preceptora para minhas filhas.
Prometo-lhe que terá um quarto confortável e uma sala de estar, além da sala de aula,
onde ensinará as garotas. — O Sr. Watson levantou-se e despediu-se: — Bon voyage!
Estaremos esperando ansiosos por você.
Assim que o Sr. Watson saiu, Celina respirou aliviada. Se a conversa se
prolongasse, ele, possivelmente, iria perguntar o nome da pessoa que iria acompanhá-la
na viagem.
Voltando à escrivaninha, ela pegou novamente o passaporte da mãe e admirou-o.
Era muito bonito e tinha impresso, no alto, um brasão.
Este ostentava, do lado esquerdo, um leão rampante e, do direito, um unicórnio,
também erguido sobre as patas traseiras. Ambos tinham as patas dianteiras apoiadas em
um escudo redondo.
Sobreposta no escudo havia uma viseira encimada por uma coroa e, sobre esta,
achava-se um outro leão. Na parte inferior do brasão via-se uma faixa com a legenda: Dieu
et Mon Droit.
Um outro brasão ornamentava o final da página. Tinha também um escudo no
centro, no qual estava representado, do lado esquerdo, Pégaso, o cavalo alado, e do
direito, uma corça.
Uma coroa encimava o escudo e, sobre esta, havia uma grande ave. A inscrição
impressa na faixa, abaixo das figuras, dizia: Sans Changer.
Entre os dois símbolos heráldicos lia-se o texto, impresso:
"Nós, Edward Henry Spencer, conde de Derby, o barão Stanley de Bickerstaff, par e
baronete da Inglaterra, um membro do Honorável Conselho Privado de Sua Majestade e o ministro
das relações exteriores de Sua Majestade,
Requeremos e exigimos, em nome de Sua Majestade, a quem de direito, permissão para..."
O texto impresso terminava e, nas linhas abaixo, escritas a mão, com tinta preta,
seguiam-se as palavras:
"Sra. Hart, acompanhada da filha, passar livremente, sem nenhum impedimento, receber
todo tipo de assistência e proteção de que possa precisar."
Durante um longo tempo Celina ficou com o passaporte na mão, olhando-o,
relendo-o e refletindo sobre a idéia que lhe ocorrera. Iria usá-lo como se fosse a Sra. Hart e,
para isso, precisaria alterá-lo.
Lembrou-se de que a mãe costumava dizer que em certas ocasiões lamentava não
poder usar seu título, pois se o mencionasse receberia outro tipo de tratamento.
Por fim, Celina decidiu o que fazer. Apagou cuidadosamente a abreviatura "Sra.",
escrita no passaporte, e substituiu-a por "Lady".
Escreveu com tinta preta e imitou perfeitamente a caligrafia da pessoa que
preenchera o passaporte.
Em seguida, com a mesma tinta, riscou as palavras: "acompanhada da filha".
Como havia espaço adiante do sobrenome "Hart", Celina acrescentou as letras:
"ington", tornando-o "Hartington".
Por fim, sob o segundo brasão, no lugar reservado ao nome do portador do
passaporte, assinou: "Celina Hartington".
"Pronto! Ficou perfeito", pensou, contente com o resultado de seu trabalho. "Viajarei
como se fosse uma lady casada, ou melhor, viúva. Isso me protegerá e dispensará uma
chaperon. E, usando o sobrenome Hartington, não correrei o risco de alguém associá-lo ao
de John Hart, com quem mamãe fugiu há vinte anos."
Terminando de alterar o passaporte, foi à casa de um dos ajudantes do pai e pediu-
lhe que pela manhã a levasse de carruagem até Plymouth.
Só então passou a cuidar da bagagem, o que demorou muito mais tempo do que ela
havia imaginado. Já era madrugada quando se deitou.
As sete e meia, estava de pé e vestida para a viagem. Usava um conjunto preto e
gracioso chapéu também preto, debruado de branco. Ao olhar-se no espelho disse a si
mesma que, realmente, parecia uma viúva.
Na bolsa, levava os óculos de leitura da mãe. Pretendia usá-los na viagem para
parecer mais velha. Ela também não se esquecera de colocar na mão esquerda | aliança da
mãe.
Quando Celina desceu, o empregado que iria levá-la a Plymouth já estava à sua
espera e subiu para pegar OS dois baús, a mala, e colocá-los na carruagem.
Minutos depois, Celina deixava para trás o sobrado onde nascera e fora criada. Os
cavalos eram velozes e a viagem até Plymouth foi feita em pouco tempo.
Uma vez na cidade, a grande preocupação de Celina foi saber se haveria algum
navio com destino ao Egito c se conseguiria uma passagem. O que menos desejava no
momento era ter de ir para um hotel ou voltar para o sobrado.
No porto, informaram-na que o navio atracado navegaria pelo Mediterrâneo e sua
partida estava prevista para a tarde.
Feliz com a informação, Celina subiu a escada de costado e foi até o escritório do
comissário de bordo. 'Teve de esperar na fila, do lado de fora, pois havia cinco outras
pessoas querendo adquirir passagens.
Chegando a sua vez, Celina apresentou-se com o passaporte na mão. Estava
tranqüila, certa de que a alteração ficara perfeita.
— Primeira classe ou segunda? — indagou o comissário de bordo. Olhando no
passaporte, adiantou: — Oh, sim, vejo que deseja uma cabine de primeira classe, milady.
— Não, obrigada. Prefiro viajar na segunda classe, desde que tenha uma cabine só
para mim — pediu Celina, percebendo que o navio estava lotado.
Em tais casos, os passageiros tinham, por vezes, de repartir a cabine com outra
pessoa, o que seria desagradável.
Durante algum tempo o comissário consultou a longa lista de passageiros; por fim
declarou:
— Lamento, milady, mas a única cabine para uma pessoa que resta, não tem vigias.
— Está bem. Fico com essa — Celina aceitou.
Cerca de vinte minutos depois, estava na cabine pequena e abafada do convés
inferior, recebendo a bagagem que foi empilhada a um canto para não ocupar muito
espaço.
Não se sentia confortável, porém dava graças a Deus por estar a bordo e porque
tudo havia corrido bem até o momento.
"Passarei a maior parte do tempo no convés", decidiu, conformada. "Seria um erro
eu pagar quase o dobro por uma cabine de primeira classe."
O pensamento de que iria conhecer vários lugares sobre os quais havia lido e ouvira
os pais descreverem, deixou-a empolgada. Só lamentou que a mãe não estivesse com ela.
Faltava pouco para o navio deixar o porto quando Celina subiu para o convés
superior. O movimento era grande. Os últimos passageiros embarcaram, apressados; os
carregadores e camareiros não tinham parada.
Por fim, o navio começou a mover-se entre gritos de despedidas e acenos tanto dos
que se achavam a bordo, como dos que estavam em terra.
Para Celina, aquele era o momento de comemorar sua primeira vitória. Mesmo
desacompanhada, achava-se naquele navio a caminho do Cairo.
Reconheceu que havia estado temerosa de que, no último instante algo desse errado
e ela teria de voltar, humilhada, para a fazenda do Sr. Watson.
No mesmo instante, riu de si mesma por suas apreensões tão tolas.
"Será uma aventura maravilhosa e inesquecível", pensou, confiante. "Afinal, estou,
pela primeira vez, afastando-me do lugar onde nasci e cresci."
Celina só deixou o convés quando faltava uma hora para o jantar. Tomou banho,
vestiu outro traje de luto, fez um penteado discreto e severo, próprio para uma viúva.
Antes de ir para o salão de jantar colocou os óculos que haviam pertencido à mãe e,
não se acostumando com eles, pois tinham grau, guardou-os na gaveta da penteadeira.
Chegando ao salão, ficou parada à porta, aguardando que um dos funcionários lhe
indicasse onde se sentar. Enquanto isso, correu os olhos pelas mesas. Ficou nervosa ao
constatar que eram, em sua maioria, ocupadas por homens.
O modo de trajar dos passageiros e suas maneiras revelavam que pertenciam a uma
classe social inferior. O pior, Celina notou, era que, a viagem mal começara e quase todos
já haviam bebido mais do que seria aconselhável.
Um dos criados de bordo não tardou a aproximar-se de Celina para transmitir-lhe o
convite do comandante do navio:
— Boa noite, milady. O capitão envia-lhe os cumprimentos e manda-lhe dizer que
será uma honra tê-la à sua mesa para o jantar.
O convite surpreendeu Celina. O pai já lhe dissera que só as pessoas importantes
sentavam-se à mesa do capitão. E ela, apesar de ser, para todos os efeitos, lady Hartington,
estava viajando na segunda classe.
Envaidecida, subiu a escada, atrás do criado. O salão de jantar do convés superior
era muito diferente daquele onde ela havia estado.
Além de mais luxuoso e bem decorado, as pessoas ali presentes trajavam-se com
elegância, falavam baixo, e eram, certamente, bem-educadas. As senhoras, quase todas
idosas, ostentavam jóias caras.
O criado conduziu Celina à mesa do capitão. Este levantou-se, apertou-lhe a mão,
convidou-a para sentar-se à sua esquerda e falou em tom de desculpa:
— Lamento que não esteja numa cabine confortável, lady Hartington. O comissário
explicou-me que quando você chegou todas as outras cabines, exceto aquela, da segunda
classe, já estavam ocupadas.
— Espero acomodar-me bem — tornou Celina.
— Por sorte, temos uma cabine vaga na primeira classe e tomei a liberdade de
mandar transferir sua bagagem para lá — prosseguiu o capitão. — Não é uma das cabines
mais espaçosas, mas estou certo de que você terá muito mais conforto do que está tendo
no momento.
— E muita bondade de sua parte. Só espero não ter de pagar uma grande diferença
por ela — Celina observou, cautelosa.
— Não haverá diferença nenhuma no preço, uma vez que a cabine iria permanecer
desocupada. Um dos passageiros desistiu da viagem na última hora. A companhia não
terá prejuízo e você estará mudando para melhor — alegou o capitão.
— Fico-lhe muitíssimo grata, senhor. Eu estava tão ansiosa para fazer esta viagem
que ficaria muito triste se não pudesse realizá-la.
— Bem, aqui está, em alto-mar, e agora terá maior comodidade. Espero que aprecie
a viagem.
— Apreciarei, sem dúvida.
— Está indo para o Cairo? — indagou o capitão.
— Estou. Vou visitar a sepultura de meu marido — Celina respondeu, a voz traindo
sua emoção ao lembrar-se dos pais mortos.
O capitão ficou em silêncio por um instante. Certamente não esperava aquela
resposta. Disse, afinal, sensibilizado:
— Aceite meus pêsames, lady Hartington. Posso imaginar o seu sofrimento por
perder o marido, sendo tão jovem.
— Obrigada — Celina agradeceu sucintamente. Receava continuar a conversa e
dizer alguma coisa contraditória, o que não seria difícil acontecer, uma vez que não estava
habituada a mentir.
Felizmente, o cavalheiro sentado à direita do capitão fez-lhe uma pergunta e ambos
conversaram durante algum tempo.
Foi grande a surpresa de Celina ao saber que o cavalheiro sentado à sua frente era o
marquês Andrew de Merryfield, de quem o pai sempre falava.
Veio-lhe à mente a conversa mantida entre John Hart e a esposa:
— O marquês de Merryfield herdou o título ainda jovem e os puros-sangues de
suas cocheiras são fantásticos. Vi alguns dos cavalos. Se eu tivesse a chance de treiná-los,
posso assegurar que venceriam todas as corridas importantes, desde a de Ascot, pela Taça
de Ouro, até a Grande Nacional.
— Tenho certeza de que se o marquês o conhecesse, iria fazer questão de contratá-lo
para cuidar dos animais — Carol respondera, incentivando o marido. — Não há treinador
melhor do que você e se os cavalos da fazenda Watson são famosos até no exterior, é
graças ao seu esforço e talento. — Obrigado pelo incentivo. Você me faz sentir confiante —
tornara John Hart, beijando a esposa.
Afastando tais lembranças, Celina refletiu que era mesmo uma grande coincidência
viajar com o marquês de Merryfield, cujos cavalos o pai tanto havia admirado.
Observou discretamente o marquês e o capitão conversando sobre viagens. A certa
altura, o marquês comentou:
— Embarquei neste navio porque ouvi os maiores elogios sobre ele. Disseram-me
que é o mais rápido da companhia.
— Não só o mais rápido, mas também o maior e mais luxuoso — assegurou o
capitão com orgulho. — Imagino que Vossa Senhoria esteja indo ao Cairo para a semana
de corridas.
— Exatamente — assentiu o marquês. — Ouvi dizer que o quediva adquiriu
excelentes cavalos na Inglaterra, há poucos meses.
— E verdade. Os cavalos viajaram neste mesmo navio — informou o capitão. — O
próprio treinador os acompanhou para entregá-los em perfeitas condições ao quediva
Ismail. Nunca vi animais tão magníficos.
— O quediva sempre faz questão de ter o que há de melhor — disse o marquês.
— Por certo, Vossa Senhoria já ouviu falar nesse preparador, um homem chamado
John Hart. Fiquei sabendo que não houve na Inglaterra outro melhor do que ele —
mencionou o capitão.
— Sim, o Sr. Hart tornou-se famoso na profissão. Eu queria muito conhecê-lo, mas
me informaram que já morreu.
O capitão assentiu com a cabeça.
— Infelizmente, faleceu no Cairo, nessa viagem sobre a qual lhe falei. Foi vítima de
uma dessas febres do Oriente, que tanto tememos. Foi uma grande perda para a Inglaterra,
no que diz respeito ao turfe.
— Homens como o Sr. Hart são raros. Não será fácil substituí-lo — apontou o
marquês.
Atenta à conversa, Celina ficou contente por ter mudado o sobrenome no
passaporte.
"O que; diria o marquês se eu lhe revelasse quem sou realmente?", Celina
questionou-se.
Teve vontade de rir só de pensar em como o marquês ficaria constrangido ao saber
da história de lady Carolina Hurstwood, que havia desistido de tornar-se uma duquesa e
fugira na véspera do casamento com o homem que amava, mesmo sendo pobre.
Imaginou que o marquês ficaria atônito e iria achar que lady Carol cometera uma
loucura ao deixar o luxo e o conforto para tornar-se a esposa de um simples empregado de
fazenda.
Ao mesmo tempo, Celina sentia orgulho do pai. Desejou poder, durante a viagem,
falar a sós com o marquês. Se surgisse tal oportunidade, ela iria fazer o possível para
voltar ao assunto do treinador de cavalos chamado John Hart.
"Tantas coisas aconteceram desde que mamãe fugiu com papai", Celina continuou
com suas conjeturas. "Espero que meu avô, caso esteja vivo, bem como os demais parentes,
desconheçam que eu existo."
O capitão, homem loquaz, espontâneo e simpático, parecia ter sempre o que dizer
aos que estavam perto dele. Quando o marquês virou-se para dar atenção à senhora do
seu lado, o capitão voltou-se para Celina.
— Fale-me sobre você, milady. Permita-me dizer que, sendo tão jovem, não devia
estar viajando sozinha. Você poderia ter, pelo menos, uma criada como acompanhante.
— Tive de viajar inesperadamente. Estou certa de que encontrarei amigos quando
chegar ao Cairo — Celina respondeu.
— Quanto a isso, pode ficar tranqüila. Nesta época do ano há centenas de visitantes
ingleses no Cairo — informou o capitão.
Curioso, ele quis saber onde Celina morava, se ia a Londres com freqüência e se
tinha filhos.
Sempre atenta, receando cair em contradição, ela respondeu da forma mais geral
possível.
Ansiosa para obter uma informação segura sobre onde hospedar-se quando
chegasse ao Cairo, pediu ao capitão:
— O senhor poderia indicar-me um bom hotel, no Cairo? Nunca estive naquela
cidade e meus amigos chegarão alguns dias depois de mim.
Sem se fazer de rogado, o capitão citou os nomes de vários hotéis, não deixando de
mencionar onde ficavam localizados, quais as características, vantagens e desvantagens de
cada um.
Pelas descrições, Celina deduziu que todos eram hotéis caros e ela não estava
disposta a gastar com luxos.
Em primeiro lugar, devia descobrir onde ficava a sepultura do pai, depois iria
providenciar seu túmulo. Era essa a finalidade daquela viagem. Feito isso, iria ver as
pirâmides.
Assim que o capitão voltou a falar com o marquês, Celina distraiu-se, olhando as
pessoas sentadas às mesas. Apesar de elegantes, os passageiros lhe pareceram enfadonhos.
Havia no salão poucas moças da sua idade.
A comida, por outro lado, era excelente e todos tomavam do melhor champanhe.
Já era tarde quando o jantar terminou. Antes de os convidados deixarem a mesa, o
capitão recomendou a Celina em voz baixa:
— Devo alertá-la, milady, para ter muito cuidado durante a viagem.
— Cuidado? Por que diz isso, capitão? — indagou Celina, surpresa.
— Tenho experiência e conheço vários homens que estão neste navio. Sei que
alguns deles, mesmo os mais elegantes e educados, sabem ser encantadores com jovens
ladies como você. Quando conquistam a amizade delas, esses malandros conseguem tirar-
lhes o dinheiro, seja nas cartas ou de outra maneira, ou as aborrecem e mostram-se
atrevidos.
— Muito obrigada por avisar-me. — Celina sorriu para o capitão. — Mas fique
tranqüilo. Perdi meu marido há pouco tempo e pretendo passar a maior parte da viagem
bem quieta na minha cabine.
— Compreendo. Seja como for, estarei atento e farei o que estiver ao meu alcance
para proporcionar-lhe conforto e evitar-lhe aborrecimentos.
— E muita amabilidade de sua parte, capitão. Muito obrigada, mais uma vez.
Também lhe agradeço por convidar-me para sentar-me à sua mesa.
— Foi um prazer, lady Hartington. Você enfeitou a mesa do capitão com sua beleza
— disse ele, lisonjeiro.
— Por favor, não me deixe convencida com seus elogios. Tenho vivido muito
sossegada, no campo, e não estou acostumada a ouvir galanteios.
Todos se levantaram da mesa. Várias pessoas foram para a sala de jogos e outras
apenas se sentaram nos sofás do salão vizinho para conversar.
Pela primeira vez desde que embarcara, Celina sentiu-se profundamente só.
Invadiu-a uma saudade imensa dos pais. Sem a menor vontade de conversar com quem
quer que fosse, procurou o comissário para saber onde ficava sua nova cabine e pegar a
chave da mesma.
Um criado a acompanhou até lá. Ao ver-se num cômodo tão grande, confortável e
arejado, ficou muito feliz. Sua bagagem estava ao lado do guarda-roupa.
Indo até a vigia, Celina olhou para o mar iluminado pela luz da lua e das estrelas.
Eles estavam saindo do canal da Mancha e logo entrariam na baía de Biscaia.
Lembrou-se de que o pai dizia, rindo, que naquele trecho da viagem as mulheres
desapareciam. Ficavam trancadas em suas cabines, com enjôo, e só davam o ar da graça
quando chegavam a Gibraltar.
Sendo essa a sua primeira viagem de navio, e estando a noite tão linda, Celina
decidiu ir para o convés.
"Será que passarei mal com enjôo?", perguntou a si mesma, enquanto caminhava
pelo convés, sentindo no rosto o vento frio vindo do mar.
Encostando-se no gradil da amurada, ficou absorta, observando as ondas se
quebrando contra o casco do navio.
Considerou que havia conseguido o que queria. Encontrava-se a bordo de um
vapor grande e luxuoso que a levaria ao Cairo.
Esse era o início da grande aventura que planejara viver com a mãe. Agora,
infelizmente, aventurava-se completamente só.
Olhou para o céu e reconheceu que, afinal, era uma pessoa de sorte. Estava fazendo
a viagem, tinha dinheiro suficiente para mandar erguer o túmulo do pai, para passar no
Cairo dez dias, aproximadamente, e então voltar para casa.
Tudo lhe pareceu tão irreal que ela chegou a imaginar que estivesse sonhando.
Estava com o pensamento tão distante dali que se sobressaltou ao ouvir uma voz
masculina dizendo:
— Vendo-a tão absorta, olhando para o céu, perguntei-me o que poderia estar
pedindo às estrelas, lady Hartington.
Virando a cabeça, Celina viu o marquês de Merryfield.
CAPÍTULO IV
Creio que, em uma ou outra ocasião, todos nós fazemos pedidos às estrelas —
respondeu Celina, voltando-se para o marquês. — Felizmente, meu desejo se realizou.
Estando agora tão perto do marquês e podendo vê-lo claramente e de pé, Celina
achou-o muito bonito e bem mais alto do que o imaginara. Sem saber por que, ocorreu-lhe
que ele devia ser excelente cavaleiro. Depois de um instante pensativo, o marquês opinou:
— Suponho que você desejava muito ir ao Egito e pediu às estrelas para que seu
desejo se tornasse realidade.
— Sua suposição está certa — afirmou Celina.
— Durante todo o jantar eu me perguntei por que nunca a tinha visto antes —
começou o marquês, fixando em Celina os penetrantes olhos verdes. — Não acredito que
você ficava escondida quando ia a Londres. Sendo tão linda, devia ter muitos
admiradores.
Desabituada a falar com estranhos, muito menos a ouvir galanteios, Celina
alarmou-se. Reconheceu que o terreno era perigoso.
Sendo um nobre, o marquês poderia muito bem procurar no Registro de Debrett,
ou qualquer outro livro com a relação das famílias aristocráticas inglesas, e não
encontraria o nome de lady Celina Hartington.
Pensando depressa, Celina decidiu que seria melhor não se enredar em mais
mentiras. Respondeu:
— Nunca estive em Londres. Na verdade, passei toda a minha vida no campo.
— Toda a sua vida é, afinal, um período bem curto de tempo, lady Hartington —
avaliou o marquês, com um sorriso. — Só posso dizer que Londres perdeu com a sua
ausência; em contrapartida, o campo ganhou com a sua presença.
Celina não se conteve e riu ante a observação lisonjeira. Foi um riso cristalino e
espontâneo, nada pretensioso.
— Por que está rindo? — indagou o marquês.
— Porque, como eu disse há pouco, sempre morei no campo e não estou
acostumada a ouvir galanteios. Deve saber, milorde, que, numa fazenda, os elogios são
para os cavalos.
Desta vez foi o marquês quem achou graça.
— Uma boa resposta! Tenho cavalos excelentes e reconheço que os elogios feitos a
eles me enchem de orgulho. Por outro lado, se alguém ignora os animais, fico muito
aborrecido.
Celina riu novamente. Para desviar a atenção de sua pessoa, pediu-lhe:
— Fale-me sobre seus cavalos. Eles já venceram corridas importantes?
— Este ano um de meus puros-sangues chegou em segundo lugar em Epsom, no
Derby — respondeu o marquês. — Nem preciso dizer que fiquei desapontado, pois
desejava o primeiro lugar. Mas, agora, tenho dois cavalos excepcionais, muito velozes, que
certamente irão vencer todas as corridas das quais participarem.
— Imagino que seja emocionante para você possuir campeões. Gosto muito de
cavalgar e já montei cavalos que receberam prêmios. Um animal vencedor é o orgulho,
não só do dono, como do homem que o preparou — assinalou Celina, lembrando-se do
pai.
Recordou, com grande saudade, como o pai amava os cavalos que treinava e como
vibrava de emoção quando um deles vencia uma corrida.
Notando que Celina ficara séria e calada, o marquês perguntou:
— Em que está pensando?
— No treinamento de cavalos. E uma tarefa árdua.
— Mas é gratificante — contrapôs o marquês. — Sei disso por experiência própria.
Nada se compara à alegria de ver um cavalo que treinamos vencer uma corrida. Acho que
o mérito é do treinador e ele devia receber os elogios, não o animal.
— Bem, se o cavalo não for bom, o treinador não conseguirá torná-lo um campeão.
Ao mesmo tempo, o treinador é o menos recompensado. Pense bem: o pobre homem
trabalha arduamente, para adestrar o cavalo que, por sua vez, se submete a duros
exercícios e, na hora da corrida, dá tudo o que tem para vencê-la. Por fim, é o dono do
animal quem fica com o prêmio e a glória — Celina ponderou.
— Em parte você está certa. Mas devemos considerar que todos têm alguma forma
de compensação. Para o treinador, fica a grande alegria de ver seu trabalho coroado de
êxito e o reconhecimento de seu empregador. O cavalo recebe um tratamento régio e é
cercado de cuidados. Pode ter certeza de que ele não deseja nada mais do que isso. Quanto
ao dono, que investiu muito no animal, é justo que tenha o maior quinhão.
— Vejo que é um homem prático, milorde — Celina apreciou, sorrindo.
— E eu já percebi que você gosta muito de cavalos e se interessa por corridas. Sendo
assim, eu gostaria de convidá-la para assistir comigo a uma das corridas na qual algum de
meus cavalos esteja inscrito.
O primeiro impulso de Celina foi aceitar o convite, porém, controlou-se. Refletiu
que, no seu papel de lady e viúva, devia ser mais recatada.
De mais a mais, estava percebendo que o marquês parecia muito curioso a seu
respeito. Portanto, recusou delicadamente o convite e achou mais seguro voltar ao assunto
dos cavalos.
— Quantos de seus puros-sangues estão sendo treinados? — perguntou.
Antes de responder, o marquês ficou pensativo, com certeza, fazendo a contagem.
— Há oito que considero prontos para competir e nos quais tenho grandes
esperanças. Além desses, há mais ou menos dez outros que ficam, por assim dizer, logo
abaixo, na escala — informou o marquês.
— Um grande número, milorde! Deve orgulhar-se de seus cavalos.
— Sem dúvida, orgulho-me de possuí-los. — O marquês fez uma pausa, fitou
Celina de modo curioso, em seguida disse: —Você me surpreende, lady Hartington. As
mulheres, em geral, não se interessam por cavalos. Quando muito cavalgam no Hyde
Park, na Rotten Row, simplesmente porque ali é um lugar onde desfilam pessoas
elegantes. Mas você parece entender de cavalos e adestramento tanto quanto eu.
— Oh, não. E que eu sempre morei no campo, numa fazenda de criação de cavalos
de raça. Dali saíram muitos campeões. Meu pai sempre gostou de lidar com cavalos —
Celina replicou.
— Vejo que a filha saiu ao pai. As mulheres detestam falar sobre cavalos,
treinamentos, corridas e coisas do gênero. Para elas, é muito mais agradável ouvir elogios
sobre sua beleza.
— Eu já lhe disse que sou uma camponesa. É natural que goste de cavalgar e
entenda de cavalos. Papai me ensinou a montar assim que aprendi a dar os primeiros
passos. Também me ensinou que devemos conversar com o animal que montamos para
fazer com que ele nos obedeça — tornou Celina.
O marquês riu. Depois observou:
— Seu pai estava certo. Você deve ser excelente amazona e, sem dúvida, é a jovem
mais extraordinária que já conheci. Não consigo imaginar uma dessas aclamadas
debutantes conversando com seu cavalo enquanto passeiam pela Rotten Row. Elas estão,
em geral, interessadas em flertar com os dândis e preocupadas com as própria elegância.
O modo como ele falou provocou o riso de Celina.
— Fale-me sobre sua casa, na Cornualha — o marquês pediu-lhe.
— A fazenda é muito bonita. E perfeita para a criação de cavalos porque há ali
extensas pradarias. E um lugar tranqüilo, onde se pode cavalgar sem perigo de encontrar
salteadores de estrada — Celina descreveu. —-Segundo dizem, há muitos bandidos na
Cornualha e nos condados vizinhos.
— Embora eu não acredite que haja tantos salteadores de estradas como afirmam, já
encontrei um deles nas terras de papai, anos atrás. O bandido estava chorando porque seu
cavalo tinha quebrado a perna e teria de ser sacrificado.
— Imagino o sofrimento do salteador. Sei que esses homens fora-da-lei consideram
seu cavalo um grande amigo e companheiro. E graças ao animal que eles vão de um lugar
a outro, o que os livra de serem apanhados pela polícia — Celina observou, penalizada. —
Quando eu era pequena, conversei com um desses bandidos no bosque que há perto de
minha casa. Ainda era cedo e ele estava dormindo. Acordou assustado quando ouviu
meus passos.
— Você não saiu correndo, com medo dele?
— E claro que não. Perguntei-lhe se eu poderia ajudá-lo em alguma coisa. Ele me
disse que estava com fome. Então corri para casa e, chegando à cozinha, peguei pão,
manteiga, presunto, frutas, um bule de chá e levei para o pobre homem. Ao receber tanta
comida, o salteador ficou muito feliz e me deu em troca um galho de urze branca, dizendo
para eu guardá-la que me traria sorte — Celina relatou.
— Você é diferente. Qualquer outra mulher ficaria aterrorizada se encontrasse um
salteador. — Em outro tom, o marquês perguntou. — Mas, diga-me, a urze branca lhe
trouxe sorte?
— Naturalmente. Sempre fui muito feliz com meus pais, enquanto eles viveram.
— Você se casou logo depois da morte de seu pai? A pergunta surpreendeu Celina.
Habilmente, respondeu de maneira evasiva:
— O que eu lhe contei sobre o salteador de estradas aconteceu há muito tempo.
Acredito que atualmente eu teria medo de falar com um bandido.
— Sim, mas conte-me sobre a sua vida depois que você cresceu — o marquês
insistiu.
Mais uma vez, Celina fugiu do assunto. Dirigiu ao marquês um lindo sorriso e
replicou:
— Acho que isso ficará para outra ocasião. Já falei muito sobre mim. Mamãe
costumava dizer que nada é mais aborrecido do que ouvir uma pessoa falando o tempo
todo sobre si mesma.
O marquês também riu e o momento embaraçoso passou.
— Voltando ao assunto de cavalos, que tanto nos interessa, devo dizer que, por
coincidência, tenho dois puros-sangues viajando nos porões deste navio e gostaria que
você os visse. Vou levá-los como presente para o quediva Ismail. Fiquei sabendo que o
soberano adquiriu, há não muito tempo, quatro cavalos de raça excepcionais de um
criador da Cornualha. Talvez você conheça esse criador.
— Não creio que o conheça. Há vários criadores na Cornualha — volveu Celina, em
tom descuidado. — Os moradores daquele condado, quando não são obcecados por
cavalos, têm paixão por barcos e navios.
— Ouvi dizer que sim — assentiu o marquês. Depois perguntou: — Você tem
filhos, lady Hartington?
— Não. Fiquei viúva e não tenho filhos.
Uma sombra velou o olhar de Celina ao lembrar-se que estava tão só no mundo,
pois era como se os parentes não existissem.
— Perdoe-me se a deixei triste — desculpou-se o marquês suavemente, percebendo
a mudança na expressão de Celina. — Mas deve esquecer o passado e olhar para o futuro
com esperança.
— E o que estou tentando fazer.
— Você é muito jovem. Pode acreditar que coisas muito boas estão para acontecer
em sua vida, lady Hartington. Então o passado perderá gradativamente as cores e a
importância e você voltará a ser feliz.
Não só as palavras, mas também o modo como foram ditas, surpreenderam Celina.
— Por que diz isso? Você já perdeu uma pessoa de quem gostasse muito?
— Perdi minha mãe que significava tudo para mim — o marquês revelou. —
Reconheço que fui criado com excesso de mimos por ser o único filho. Tenho duas irmãs,
casadas, mais velhas do que eu. Minha mãe era linda e a pessoa mais bondosa que poderia
existir. Ela ensinou-me a ser compreensivo e a tentar fazer um pouco mais felizes aqueles
que me cercavam.
— Posso imaginar o que você sofreu porque também perdi minha mãe
recentemente. Ela era bem parecida com a sua — Celina observou.
— Seu marido também morreu há pouco tempo, não?
— Sim, em poucos meses perdi duas pessoas queridas. Mas não vamos falar do
passado e, sim, de coisas mais alegres — pediu Celina, ansiosa para mudar de assunto. —
Você estava dizendo que dois de seus cavalos estão neste navio.
— Você os verá amanhã — prometeu o marquês. — Não convém descermos à
terceira classe durante a noite. Além disso, está bem mais agradável aqui no convés.
— E verdade, mas já é tarde e devo ir para minha cabine. Dormi muito pouco a
noite passada porque estava arrumando a bagagem e, realmente, estou com sono.
Celina lembrou-se de que, além da bagagem, acondicionara em caixas e em baús os
objetos de valor e as preciosas coleções de livros, deixando tudo pronto para ser levado
para a Casa Grande com as peças do mobiliário que haviam pertencido aos pais.
A voz do marquês interrompeu-lhe os pensamentos.
— Oh, ficou triste novamente, lady Hartington. Por certo, estava pensando no que
deixou para trás. Esqueça o que ficou na Inglaterra. Quando você voltar para casa, tudo
estará do mesmo jeito, à sua espera. Pense apenas nas aventuras que a aguardam, que a
deixarão feliz, e afastarão as lágrimas de seus olhos.
O marquês falou com tanta bondade e de modo tão sincero que sensibilizou Celina.
Ela disse a si mesma que jamais conhecera um cavalheiro tão encantador.
Em todo caso, não se considerava uma boa juíza, uma vez que conhecera poucos
cavalheiros. Raramente via os proprietários que vinham à fazenda comprar cavalos, quase
não saía de casa e não freqüentava a sociedade.
Achando que já havia ficado um tempo longo demais a sós com o marquês,
despediu-se.
— Boa noite, milorde. Eu já fiz o meu pedido às estrelas e espero que ele se realize
até o fim da viagem. Aconselho-o a olhar para o céu e também expressar seu desejo.
— O que vou pedir não poderá ser realizado em tão pouco tempo — mencionou o
marquês.
— Se é assim, estenda o prazo. Para as estrelas isso não fará diferença.
Obediente, o marquês olhou para o céu. Disse, um instante depois:
— Já fiz o meu pedido. E agora, antes de você ir para sua cabine, convido-a para
tomar uma xícara de café ou um drinque. Aceita?
— Sim, aceito o café. Obrigada.
— Sente-se numa daquelas cadeiras enquanto vou falar com o criado de bordo.
Havia algumas cadeiras bem perto do lugar onde eles se achavam. O marquês
acompanhou Celina até elas e afastou-se.
"Que sorte a minha! Consegui uma cabine na primeira classe e encontrei um
cavalheiro tão amável", Celina pensou.
Ocorreu-lhe que se viajasse na segunda classe os homens seriam bem diferentes.
Para evitá-los, ela teria de recolher-se logo após o jantar e ficar trancada em sua cabine.
Em poucos minutos, o marquês estava de volta. O garçom que o acompanhava
serviu o café a Celina e vinho do Porto ao marquês.
— Eu gostaria que me acompanhasse, mas suponho que uma pessoa tão jovem
como você, seja abstêmia — disse o marquês.
— Não gosto de bebidas alcoólicas. Não costumo tomar nem mesmo vinho. Mas
como sabe que sou jovem?
— Tenho experiência suficiente para poder avaliar a idade de uma mulher.
Asseguro que dificilmente erro. Você, por exemplo, não chegou aos vinte anos —
aventurou o marquês.
— Cuidado com as suas "avaliações" — Celina aconselhou-o, rindo. — As mulheres
detestam que se fale de idade e nunca revelam a data do nascimento. Quando têm trinta,
fingem ter vinte, e aos quarenta ficam neuróticas, só de pensar que se avizinham dos
cinqüenta.
— Tem razão — concordou o marquês, rindo também. — Mas não é o seu caso.
Muitos e muitos anos passarão até que você comece a preocupar-se com a idade.
— Não quero falar sobre mim. Estou mais interessada em saber onde você mora, se
treina seus cavalos em sua propriedade ou se mantém os puros-sangues de corrida em
Newmarket, como outros criadores.
— Custa-me acreditar que você se interesse tanto por cavalos e entenda de animais!
— exclamou o marquês, surpreso. — Vejo que ouvirei a opinião abalizada de uma grande
conhecedora quando eu lhe mostrar os dois cavalos que tenho no porão do navio.
— Mesmo sem vê-los posso afirmar que são excelentes. Você não os ofereceria ao
quediva se não fossem magníficos — expôs Celina.
— Seu raciocínio está correto. Informaram-me que o quediva é obcecado por
cavalos. Diante disso, fiz questão de escolher os melhores para presenteá-lo e ficarei
envergonhado se eles não forem considerados iguais ou superiores aos que o soberano já
possui.
Lembrando-se dos quatro soberbos puros-sangues que o quediva havia comprado
do Sr. Watson, e que o pai trouxera para o Cairo, Celina disse a si mesma que os dó
marquês poderiam se igualar a eles, mas nunca superá-los.
Para mudar de assunto, comentou:
— Sempre tive vontade de viajar, mas é esta a primeira vez que saio da Inglaterra.
Estou ansiosa para conhecer lugares sobre os quais tenho lido. O primeiro deles será
Gibraltar. — Sem dúvida, Gibraltar é fascinante. Os navios sempre fazem escala ali para
abastecer. Naturalmente, você já ouviu falar sobre os famosos macacos que todos desejam
ver nos rochedos — assinalou o marquês. — Nas lojas você encontrará belíssimos artigos
vindos da China a preços muito inferiores aos de qualquer outro lugar.
— Espero não ficar decepcionada. Em geral, é o que acontece quando se deseja algo
com muita ansiedade.
— Pode ter certeza de que irá gostar dos portos onde pararmos — afirmou o
marquês. — A primeira viagem que fazemos é sempre empolgante porque tudo tem o
sabor da novidade e da aventura.
— E exatamente essa a minha opinião.
— Imagino que a Grécia seja o lugar que você sempre desejou conhecer.
— Acertou. Mas o que o faz pensar assim? — Celina questionou.
— E que estou inclinado a acreditar que você seja a reencarnação de uma das
deusas e queira visitar o monte Olimpo — respondeu o marquês.
— Esse é o maior elogio que já recebi! — Celina exclamou, sorridente. — Sou,
porém, realista para saber que não posso me comparar às belíssimas deusas gregas que
inspiraram tantas telas, esculturas e outras obras de.arte.
— Tenho uma tela representando Afrodite, a deusa do Amor. Foi pintada há quatro
séculos e meu avô a conseguiu numa lojinha quando esteve na Grécia. Estava em péssimo
estado, mas depois de limpa e restaurada os peritos atestaram que era uma preciosidade.
— Que sorte a sua, possuir uma obra de arte como essa!
— Muita sorte, realmente. Contaram-me a história dessa tela quando eu ainda era
garoto e, a partir daí, desejei encontrar uma mulher tão bela como Afrodite. Cresci com a
certeza de que iria encontrá-la. Quando isso acontecesse, eu dizia a mim mesmo, a amaria
e ela seria para mim uma inesgotável fonte de inspiração, da mesma forma que a deusa
havia sido para o artista que a pintara, quatro séculos atrás.
O marquês terminou de falar e Celina levantou-se. Achou melhor não prolongar
aquele assunto que se tornava íntimo demais. Afinal, ela e o marquês mal se conheciam.
— Estou, realmente, muito cansada e vou dormir — desculpou-se. — Obrigada pelo
café, pela companhia e por ter sido tão amável.
— Bem, a conversa está muito agradável, mas reconheço que não devo prendê-la,
lady Hartington. Enfim, teremos muitos dias de viagem pela frente e nos veremos com
freqüência — disse o marquês, tendo ficado de pé e apertado a mão que Celina lhe havia
estendido.
Em sua cabine, Celina viu tudo na mais perfeita ordem. A bagagem fora desfeita, as
roupas e outros objetos haviam sido guardados. Uma camareira não tardou a aparecer e
perguntou-lhe se precisava de alguma coisa.
— Nada por hora, obrigada — Celina respondeu. —
Também lhe agradeço por ter pendurado meus vestidos mo guarda-roupa e por
guardar o restante da bagagem nas gavetas.
— Espero que se sinta confortável, milady. Não hesite em tocar a campainha, caso
deseje algo. Virei atendê-la imediatamente — avisou a camareira, saindo da cabine em
seguida.
Depois de ter trancado a porta, Celina notou que o navio estava balançando muito.
Olhou pela vigia e viu que as ondas estavam mais revoltas. O céu, entretanto, continuava
estrelado, sem nenhum sinal de tempestade.
Barbara cartland   a falsa lady
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Barbara cartland a falsa lady

  • 1. A Falsa Lady (No bride, no wedding) Barbara Cartland Coleção Barbara Cartland Nº 407 Título original: No bride, no wedding Copyright: © 1996 by Barbara Cartland Tradução: H. Magelan EDITORA NOVA CULTURAL uma divisão do Círculo do livro Ltda. Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346, CEP 01410-901 - São Paulo - SP - Brasil Caixa Postal 9442 CÍRCULO DO LIVRO LTDA. Copyright para língua portuguesa: 1996 Fotocomposição: Círculo de Livro Impressão e acabamento: Gráfica Circulo Digitalização: Rosana Gomes Revisão: Ana Terra
  • 2. Um encontro inesquecível Inglaterra, Paris, Grécia, Gibraltar 1876. No convés do navio que a levava ao encontro do desconhecido e da aventura, Celina Hart, que se fazia passar por lady Hartington, olhava o céu cravejado de estrelas, desejando chegar logo a seu destino, quando ouviu uma voz: "Queria saber, linda lady, que pedido estava fazendo às estrelas que eu, embora um simples mortal, faria o impossível para atender". Era o marquês de Merryfield. Marujo experiente, conhecido por suas conquistas, estava curioso de saber por que aquela bela jovem viajava sozinha naquele navio infestado de apátridas e aventureiros... Querida leitora, Você não pode perder os especiais que preparamos para você. Eles já estão nas bancas. São histórias incríveis, que vão fazer você viver grandes emoções. Corra até a banca mais próxima e garanta o seu exemplar. Janice Florido Editora Executiva
  • 3. NOTA DA AUTORA O passaporte descrito neste livro é igual àquele concedido a meu avô pelo conde de Derby, ministro das Relações Exteriores, em 1875. Nesse passaporte, abaixo do nome de meu avô, constava o de sua esposa. A palavra "passaporte" vem do francês e é formada de duas outras: passer, ou "passar", e port, ou "porto". Originalmente, "passaporte" significava a permissão para- deixar ou entrar em um porto. Pela lei inglesa, um cidadão que esteja no exterior com passaporte britânico tem a proteção da Coroa.
  • 4. CAPÍTULO I 1876 Entrando em casa, um pequeno, mas aconchegante sobrado, no campo, Celina tirou o chapéu preto que complementava o traje de luto e sentou-se numa das poltronas da sala de estar, perto da janela. Voltava do enterro da mãe, ao qual compareceram apenas algumas pessoas da vila. Desalentada, cobriu o rosto com as mãos e desatou em lágrimas. Agora que estava sozinha, podia chorar. Aprendera com a mãe que uma lady devia saber controlar suas emoções em público. A cena ocorrida havia dois dias permanecia vivida na mente de Celina. Adormecera na poltrona, do lado da cama da mãe e, bem cedo, ao acordar, vendo-a imóvel, julgara que estivesse dormindo. Segundos depois, percebera que estava morta. — Como pôde ir embora, deixando-me sozinha, mamãe? — Celina indagara, entregue à sua dor. Compreendera, ao mesmo tempo, que já devia ter esperado a partida da mãe, simplesmente porque Carol Hart não suportava viver sem o marido, falecido poucos meses antes. A vida de John Hart e lady Carol Hurstwood fora uma linda história de amor. Mais de uma vez, Celina havia considerado a possibilidade de escrever um livro contando o romance dos pais. Antes de se casar, Oliver Wood, pai de lady Carol, havia sido embaixador em vários países. Quando se estabeleceu definitivamente em Londres, foi nomeado ministro das relações exteriores e, depois, tornou-se um dos mais distintos membros da Câmara dos Lordes. Já estava com quase quarenta anos quando se casou, sonhando ter uma grande família, mas três anos se passaram sem que a esposa lhe desse filhos. No mesmo ano em que Oliver Wood herdou o título de conde de Hurstwood nasceu sua filha, Carolina, no dia de Natal. Infelizmente, a condessa não era uma mulher forte, e depois do nascimento da menina não pôde ter mais filhos. A notícia dada pelo médico foi um golpe para o conde. Ciente de que era um homem muito rico e importante, ele não escondia a frustração por não ter tido um herdeiro do título de nobreza, da fortuna e das propriedades. Para compensar a falta de um filho, o conde decidiu que lady Carolina iria fazer um casamento brilhante.
  • 5. Lady Carol, como todos chamavam Carolina, era uma criança encantadora e tornou-se mais linda com o passar dos anos. O pai orgulhava-se da filha e já antecipava que quando debutasse seria a "Bela da Temporada". Logo que perdeu a esposa, o conde passou a preocupar-se seriamente com o casamento de lady Carol, agora com dezessete anos. Queria para genro um nobre com título mais importante do que o seu. De preferência um duque. O problema era que, na Inglaterra, na época, os duques eram raros. Só havia "um solteiro: o duque de Denholme, com trinta e cinco anos, que herdara o título poucos meses atrás. Não foi difícil para o conde, homem agradável, cordial, generoso e possuidor de excelentes cavalos de raça, conquistar a simpatia do duque. Em pouco tempo, Sua Alteza tornou-se amigo do conde, seu companheiro de caçadas e o visitante mais assíduo de Hurstwood Park. Desnecessário seria dizer que o conde exultava. Conquistara a amizade e a confiança do duque e estava certo de que em breve o teria como genro. Para cativá-lo ainda mais, presenteava-o com cavalos extraordinários e quando o duque deixava a sua propriedade, em Derbyshire, e ia a Londres, o conde procurava distraí-lo. Oferecia-lhe jantares em sua casa, na Belgrave Square, convidava-o para ir ao teatro, apresentava-lhe as mais atraentes atrizes, bem como as "pombas maculadas", famosas em St. James's. Lady Carol, que não tinha a menor idéia das intenções do pai, levou um tremendo choque, quando, ao completar dezoito anos, o conde participou-lhe, eufórico, que ela iria tornar-se a esposa do duque de Denholme. — Sua mãe morreu há um ano e é natural que eu me preocupe com o seu futuro, minha querida. Em breve, o duque de Denholme irá propor-lhe casamento — assegurou o conde. — Casando-se com ele, você irá tornar-se uma duquesa! Mostre-se amável com Sua Alteza, filha. — Mas, papai... eu... — Não quero ouvir protestos! — cortou o conde. -— Sei o que é melhor para você. Para não aborrecer o pai, lady Carol não argumentou. Já se acostumara com a presença do duque em sua casa e o considerava quase um parente. Como nunca fora cortejada por ele, imaginou que Sua Alteza não estava interessado nela e convenceu-se de que a idéia de casamento só existia na mente do pai. Isso a deixou tranqüila, pois achava o duque de Denholme feio, baixinho, sem- graça, ligeiramente gago e sua conversa não podia ser mais aborrecida. Isto sem contar que tinha quase o dobro da idade dela. Poucos meses depois, lady Carol teve a sua primeira temporada em Londres e foi aclamada a mais bela e mais distinta debutante. Como era de esperar, recebeu inúmeras propostas de casamento. Ao ouvi-las, lady Carol demonstrava que se sentia lisonjeada com o pedido e respondia que precisava de algum tempo para refletir.
  • 6. Na verdade, ao contrário das moças da sua idade, lady Carol pouco se preocupava com o amor ou o casamento. Isso não se dava por falta de romantismo. Ela achava apenas que, no momento certo, conheceria aquele por quem seu coração iria bater mais aceleradamente. Então, o mundo se tornaria mais belo e mais radioso. O conde, por outro lado, que após cada festa conversava com a filha para saber o que acontecera, ao ouvir os nomes daqueles que haviam oferecido a lady Carol seu coração e o nome, fazia poucos desses pretendentes, quando não os ridicularizava. — Nenhum deles é importante socialmente — alegava, com desdém, o pai zeloso. — Não há um que seja digno de você, a mais linda debutante, minha querida. Vou cortá- los da nossa lista de convidados, como indesejados. Achando que o duque de Denholme era mesmo um moleirão e que, se dependesse da vontade dele, lady Carol nunca ouviria seu pedido de casamento, o conde decidiu intervir. Na véspera do baile que seria, segundo os jornais, "o maior acontecimento da temporada", Sua Senhoria disse ao duque: — Afeiçoamo-nos um ao outro, caro Arthur, temos muitos interesses em comum, e o considero quase um filho. Além disso, já percebi que você admira Carolina e, sem dúvida, ambos formam um lindo par. Portanto, me alegraria muito se você lhe propusesse casamento. Asseguro-lhe que ela será uma esposa perfeita. O conde fez uma pausa, depois acrescentou: — Se me permite dizer com franqueza, acho que a sua casa de campo, em Derbyshire, precisa ser reformada. Se eu tornar-me seu sogro, vou ajudá-lo a transformá-la numa casa muito mais atraente. Quanto ao seu sobrado de Londres, situado no bairro de Islington, é simples demais para um homem da sua posição. Portanto, está autorizado a procurar uma bela mansão na Berkeley Square ou na Park Lane. Será meu presente de casamento. O duque concordou com tudo o que o conde sugeriu e, obedientemente, na noite seguinte, durante o baile, convidou lady Carol para dançar e pediu-a em casamento. Atônita, lady Carol compreendeu que o pai arquitetara tudo e havia falado sério ao dizer-lhe que ela iria tornar-se a duquesa de Denholme. — Oh, papai, não quero me casar com o duque. Não gosto dele! — lady Carol replicou, ao saber que o casamento seria realizado dentro de um mês e meio. — Tolice! Tolice! — cortou o pai. — Arthur será um marido excelente e, com o tempo, você aprenderá a amá-lo. Reconheço que a casa que ele tem em Derbyshire não é bonita, mas é grande e vou mandar reformá-la, decorá-la, tornando-a uma esplêndida mansão. Também já autorizei seu noivo a procurar a mais linda casa que encontrar na Berkeley Square ou na Park Lane. Será o meu presente de casamento para vocês. — Sei que o senhor quer muito bem ao duque, papai, mas não é o senhor quem vai se casar com ele — tornara lady Carol, amuada. — Não o amo e só me casarei por amor. — Você o amará, eu lhe asseguro — insistiu o conde. — O amor virá com o casamento, com a convivência. Vocês serão felizes. Arthur irá oferecer festas tanto na sua casa de campo como na mansão de Londres. Não haverá marido mais devotado e ansioso
  • 7. para satisfazer todos os desejos da esposa. Pode ter certeza de que ele lhe será fiel e não correrá atrás de outras mulheres. Por pouco, lady Carol não retrucou que um homem feio e sem-graça não despertaria a atenção de outras mulheres. Em vez disso, pediu suavemente: — Por favor, papai, dê-me um pouco mais de tempo para eu ver se encontro outro pretendente que seja do seu gosto e a quem eu ame. Para seu espanto, o conde enfureceu-se. Lady Carol só o vira tão zangado quando um dos cavalariços maltratara um dos cavalos. — Você fará o que lhe ordenei! Você é minha filha e me deve obediência. Eu a criei com todo o conforto, no maior luxo e nunca deixei de satisfazer todos os seus menores desejos. E agora que eu quero ter Arthur como genro, você o aceitará como marido! O assunto está encerrado! Arthur virá jantar em casa e trataremos dos detalhes do casamento. Diante da veemência do pai, lady Carol ficou amedrontada e não argumentou. Reconheceu também que seria perda de tempo e de fôlego. Autoritário como era, e colocando a posição social em primeiro lugar, o conde não iria entender que a filha queria apaixonar-se, que sonhava com um homem alto, forte e bonito. Lady Carol imaginava que iria acontecer com ela o mesmo que acontecia com as heroínas dos romances: seu coração daria um salto assim que o homem dos seus sonhos a fitasse. Ambos saberiam, instintivamente, que se haviam encontrado pela força do destino. A partir daí, nada mais teria importância, a não ser o amor que sentiam um pelo outro. "Como posso me casar com o duque, se não o amo?", lady Carol questionou-se, deprimida. Entretanto, nessa mesma noite, recebeu do noivo, sem contestar, um enorme e valiosíssimo anel de diamantes. Com receio de que a filha pudesse interessar-se por outro homem se continuasse indo a festas, o conde levou-a para Hurstwood Park, embora a temporada ainda estivesse em meio. Ao duque, o futuro sogro pediu que deixasse tudo em ordem na sua propriedade de Derbyshire e fosse encontrá-los em Hurstwood Park, pouco antes do casamento. A ida para o campo alegrou lady Carol. Lá, pelo menos, poderia montar os excelentes puros-sangues que havia nas cocheiras e enquanto estivesse cavalgando, esqueceria o noivo indesejado. A coleção de cavalos do conde era invejável. Ele orgulhava-se do que possuía e, para contentar o futuro genro, estava aguardando a oportunidade de ir ao leilão de Tattersall's para arrematar belíssimos animais que estavam para chegar. John Hart, o administrador das cocheiras, já informara ao conde quando seriam as vendas e havia assegurado que as ofertas seriam imperdíveis. Fazia quatro anos que John Hart trabalhava em Hurstwood Park e nesse tempo a coleção de cavalos tornara-se maior e muito melhor. De fato, John era grande entendedor
  • 8. de cavalos e podia afirmar, assim que via um animal, se era bom e convinha adquiri-lo, ou não valia a pena comprá-lo. Muito contente com o empregado, o conde costumava dizer: — Nunca vi Hart enganar-se ao escolher um cavalo e, se tenho a mais bela coleção de puros-sangues do condado, devo a ele. Foi John Hart quem deu ao conde e a lady Carol as boas-vindas a Hurstwood Park, e informou Sua Senhoria que haviam chegado os dois cavalos que ele tivera permissão de comprar. Antes mesmo de entrar em casa, o conde e lady Carol foram para as cocheiras ver os animais. — Ambos estão em excelente forma, milorde. E sei que lady Carol gostará de montar este aqui. — John Hart indicou um magnífico cavalo de nome Pirilampo. Na manhã seguinte, lady Carol saiu para cavalgar com o pai e constatou que Pirilampo era o cavalo mais perfeito que já montara. Depois de um passeio pela propriedade, pai e filha foram praticar saltos no paddock. Estavam ansiosos para testar os animais e verificar seu desempenho diante dos novos obstáculos, erguidos durante a estada deles em Londres. Pirilampo saltou todos eles com elegância, deixando uma distância de pelo menos quinze centímetros acima da barra. O conde não teve a mesma sorte. Um pássaro saiu do alto de uma das árvores e passou voando na frente do cavalo. Assustado, o animal refugou e empinou-se. Foi tudo tão inesperado que o conde, apesar de ser ótimo cavaleiro, caiu da sela, machucando a perna. Não foi um ferimento grave, porém impediu-o de Cavalgar durante quase três semanas. Desde então, lady Carol passou a praticar saltos no paddock, sozinha. Quando se afastava da casa, para seus passeios a cavalo, John Hart a acompanhava, pois 0 conde não permitia que a filha cavalgasse desacompanhada, principalmente montando cavalos novos e desconhecidos. Assim, os dois cavalgavam pelas fazendas, pelo bosque e chegavam até os limites da propriedade, aonde lady Carol raramente ia. Também apostavam corrida e conversavam muito nos momentos em que paravam a sombra das árvores para descanso dos animais. Aos vinte e sete anos, John Hart era um homem forte, muito bonito, tinha a compleição de um atleta, e montava excepcionalmente bem. O pai, Dr. Edward Hart, havia sido o médico veterinário da vila e John fora seu ajudante desde menino, p que lhe deu grande experiência no tratamento de animais. Ainda adolescente, John Hart participou de uma corrida, saindo vencedor. Na ocasião, o mestre local de caçadas à raposa ficou tão impressionado com o rapaz que o contratou para cuidar de seus cavalos e cães e também para adestrá-los. Depois disso, John Hart trabalhou para um grande criador de cavalos e em seguida tornou-se comprador de cavalos de raça, o que o tornou conhecido nos leilões e salões de Tattersall's, o famoso mercado de cavalos de Londres.
  • 9. Todos os proprietários do condado e arredores consultavam-no para saber como estava o mercado, para avaliação de seus animais, e, no caso da venda de um cavalo em leilão, qual devia ser o lance inicial. O conde tornou-se um dos consultores mais freqüentes de John Hart e passou a depender tanto dele, e a confiar tanto nos seus conselhos, que o convidou para administrar suas cocheiras, a fazenda de criação de cavalos e para adestrar os cavalos novos e indômitos. Em pouco tempo, os cavalos da fazenda do conde dobraram de número e aumentaram muito na qualidade, sendo admirados por todos do condado. Nos longos passeios, como era de esperar, nasceu uma grande amizade entre John Hart e lady Carol. Ambos eram jovens, davam-se bem e conversavam de igual para igual. Lady Carol não tardou a revelar a John que não queria se casar com o duque de Denholme porque não o amava, porém, via-se forçada a obedecer ao pai. — Sua Alteza tem bons cavalos, mas nunca será um grande cavaleiro — observou John Hart, certa manhã. — Ah, se fosse apenas isso! — Lady Carol suspirou. — O duque é maçante, não tem assunto nem personalidade. Ele me pediu em casamento só para contentar papai. Eu gostaria que meu pai nos desse mais algum tempo, mas ele insiste em que o casamento seja realizado na data por ele estabelecida. — Lamento por você, milady. E natural que sonhe em se apaixonar e se casar por amor — John Hart falou com simpatia. — De que adiantam os sonhos? Não posso sequer argumentar, pois meu pai se zanga e grita comigo. — Sua Senhoria não tem o direito de fazer isso! — protestou John Hart. O administrador falou com tal veemência que, para não deixá-lo ainda mais exaltado, lady Carol disse suavemente: — Ele é meu pai. — Sim, mas é também muito autoritário. Sua Senhoria acha que, por ser rico e importante, todos devem fazer o que ele quer. Isso não está certo. Tarde demais, John Hart arrependeu-se de ter sido tão impulsivo. Não devia falado daquela forma sobre o conde. Apesar de reconhecer que era uma crueldade obrigar um jovem tão linda a casar-se contra a vontade, ele, como simples empregado, não tinha o direito de intrometer-se na vida dos patrões. Com o passar dos dias, John Hart e lady Carol tornaram-se cada vez mais afeiçoados um ao outro. Enquanto isso, o conde tomava todas as providências para o casamento que, ele decidira, seria o maior acontecimento do ano. Convidou para as bodas todas as pessoas importantes do condado e de outras partes da Inglaterra, os amigos de Londres, inclusive alguns membros da família real. Exultou ao receber a confirmação da presença de quase todos os convidados.
  • 10. Muito organizado, o conde preparou a casa, que era muito grande, para receber todos os parentes e as pessoas mais importantes. As demais ficariam hospedadas na casa do governador do condado. — Seu casamento será memorável, minha querida — assegurou o conde com orgulho. — Os jornais o noticiarão e, sem dúvida, publicarão a lista dos convidados importantes. O luxuoso enxoval de lady Carol, comprado nas mais finas lojas da Bond Street, era digno de uma princesa. Ao ver os ricos vestidos, lady Carol refletiu que o futuro marido talvez nem iria notar o que a esposa usava, uma vez que, em geral, ele parecia indiferente à sua aparência. Na verdade, o duque demonstrava ter grande admiração pelo conde. Quando o visitava passava horas do seu lado e mal via a noiva. Essa falta de atenção, longe de aborrecer lady Carol, a alegrava. Pelo menos, a deixava livre para ler, andar pela casa ou cavalgar. E passear a cavalo significava ver John Hart e conversar com ele. Na véspera do casamento, tudo estava pronto para o importante e festivo dia. Grandes tendas para abrigar os convidados já haviam sido montadas no extenso gramado e a cozinheira do conde terminara de confeitar o enorme bolo de noiva, lindo de deixar pasmado quem quer que o visse. Presentes chegavam a todo instante e iam enchendo dois dos maiores cômodos da casa. Até o príncipe de Gales havia mandado uma lembrança para os noivos. Notando a empolgação do pai, lady Carol julgou-se no dever de demonstrar pelo menos um pouco de entusiasmo, e comentou, risonha: — Quantos presentes! E todos são tão lindos, papai! Imagino que se eu não fosse me casar com um duque, e sim com um "senhor fulano", ninguém iria pensar em despender tanto dinheiro para presentear os noivos. — E verdade — o conde concordou. — Esse é um dos privilégios de se possuir um título de nobreza tão importante. Espero que no futuro você agradeça à sorte e a mim por ter se tornado uma duquesa. Terei orgulho de vê-la, minha querida, nas ocasiões formais, usando a tiara de duquesa, cravejada de diamantes, formando desenhos de folhas de morango. O conde fez uma pausa, beijou o rosto da filha e entregou-lhe uma grande caixa de madeira entalhada. — Aqui estão as jóias que sua mãe amava e outras que lhe ofereço como presente de casamento. — Muito obrigada, papai — lady Carol agradeceu, abraçando e beijando o pai. Ao mesmo tempo, desejou mostrar-se mais entusiasmada. Mas isso era impossível, pois lembrou-se do noivo que desde o início da semana estava hospedado na casa, esperando pelo casamento. Não! Era-lhe impossível simpatizar com um homem tão inexpressivo, apático e pusilânime como o duque de Denholme. O pior, lady Carol agora percebia claramente,
  • 11. Sua Alteza não gostava dela e, embora aceitasse agradecido tudo o que o futuro sogro estava fazendo, não vibrava com a idéia de se casar. Nessa noite, após o jantar, lady Carol foi até a cordeira. Sabia que o pai e o duque iriam ficar conversando sobre os últimos detalhes do casamento e que, depois, Sua Alteza iria dormir na casa de um amigo que morava na propriedade vizinha. Chegando à baia de Pirilampo, lady Carol passou os braços pelo pescoço do animal, encostou a cabeça na crina sedosa e começou a chorar. Nesse instante uma voz que ela conhecia tão bem, perguntou: — O que a está aborrecendo, milady? — O que posso fazer, senão chorar? — tornou lady Carol sem olhar para John Hart. — Não suporto a simples idéia de me casar com o duque e nada posso fazer para evitar esse casamento. Gentilmente, o administrador enlaçou a cintura de lady Carol e afastou-a do cavalo. — Está querendo dizer que pretende, no último momento, desistir de se casar com esse homem a quem não ama? Mesmo em se tratando do duque de Denholme, milady? — Como posso amá-lo? Sua Alteza tem tudo o que eu não admiro num homem, muito menos num marido! — lady Carol exclamou. Erguendo a cabeça, voltou para John Hart os olhos marejados de lágrimas e surpreendeu-se ao notar que ele a fitava de modo estranho, infinitamente terno. — Por que não foge, milady? — sugeriu John Hart. — Parece-me ser esse o único modo de escapar da infelicidade que a espera. — Fugir? Como posso fugir na véspera do casamento? Não houve resposta. John Hart mantinha os olhos fixos nos dela e sua expressão dizia muito mais do que as mais eloqüentes palavras. Ambos ficaram imóveis presos àquele doce encantamento. Então os lábios de John encontraram os de Carol. Ele beijou-a longa e apaixonadamente e a manteve tão apertada junto do peito, mal lhe permitindo respirar. Finalmente, depois do que pareceu a ambos o transcorrer de anos, John ergueu a cabeça e murmurou com voz grave, alterada pela emoção: — Amo você, Carol! Eu a amo desde que a vi pela primeira vez. Como poderei deixá-la caminhar cegamente para a infelicidade? — Eu... também o amo! — Carol conseguiu dizer. — Creio que sempre o amei... embora não soubesse que era amor... o que eu sentia. John Hart beijou-a novamente despertando nela sensações tão maravilhosas, que as palavras eram pobres para descrevê-las. — Você teria coragem suficiente para fugir comigo? — indagou John, assim que ergueu a cabeça. Inspirando fundo, Carol decidiu: — Sim. Leve-me com você, por favor. Quero ficar do seu lado e... nada mais importa.
  • 12. — Eu também a quero comigo. Vamos nos casar. — Mas você tem idéia do que isso significa? — John Hart soltou os braços, de modo a permitir que Carol se afastasse um pouco, e disse-lhe com firmeza: — Olhe bem para mim e ouça-me. Se você fugir comigo jamais poderá lamentar o que deixou para trás. Sou pobre e não poderei lhe oferecer o luxo que sempre teve, desde que nasceu. Em compensação, você pode ter certeza de que a amarei com todas as forças do meu coração. — Eu só quero ficar com você — Carol murmurou. — E tudo o que eu desejo. Porém, devo ainda lembrá-la de que seu pai nunca nos perdoará e que, como minha esposa, você não mais freqüentará os círculos sociais aos quais está acostumada. — Pouco me importa a sociedade. Ter você e o seu amor é tudo o que desejo. Agora entendo que era amor o que eu sentia. Nestas semanas em que papai não pôde montar, eu acordava feliz todas as manhãs porque sabia que iríamos cavalgar juntos. — Carol deu um pequeno soluço antes de acrescentar: — Oh, John! John! Nunca amarei ninguém como amo você. Só agora compreendo que era amor a emoção que tomava conta de mim sempre que estávamos juntos. — E eu a amei perdidamente, em segredo, todos estes anos. Você nem imagina como eu sofria só de pensar que meu amor era impossível e que eu devia comportar-me decentemente, pois você era a filha do patrão — John desabafou. — Agora, no entanto, ao ver que você sofria tanto, disse a mim mesmo que não poderia permitir que você fosse infeliz e arruinasse sua vida, casando-se com um homem que não é digno de você, mesmo sendo um duque. — Por favor, vamos sair daqui. Leve-me com você. Quero ser sua esposa e nada mais importa — Carol rogou. — Tem certeza de que é isso mesmo que você quer? Não irá arrepender-se de seu gesto e não lamentará ter deixado tudo para trás? — John insistiu. — Não me arrependerei. Estou preparada para enfrentar as dificuldades, desde que esteja com você — Carol declarou com segurança. — Está bem. Juro que a farei feliz e que você terá em mim o marido mais amoroso e mais devotado à esposa que alguém já conheceu. Carol riu, plena de felicidade. — Então vamos, querido. Não podemos perder tempo. Ao amanhecer, quando não nos encontrarem, ficarão atônitos, sem entender o que aconteceu. John tomou-a nos braços e beijou-a mais uma vez, fazendo com que se afastassem as nuvens escuras que pairavam ameaçadoras sobre a cabeça de Carol desde que ela ficara sabendo que iria casar-se com o duque. Para ela, o mundo voltou a ser radioso. Compreendendo que seria arriscado eles ficarem ali por mais tempo, pois já era tarde, John aconselhou Carol a voltar para casa. Combinou de ir buscar sua bagagem quando todos estivessem dormindo e pediu-lhe para deixar aberta a porta lateral mais próxima do pátio das cocheiras.
  • 13. Embora hesitante, Carol o obedeceu. Uma vez em seus aposentos, arrumou uma pequena mala com objetos de uso pessoal e algumas peças de roupa, pegou todas as jóias que haviam pertencido à mãe e as que o pai lhe dera como presente de casamento. No momento, não fazia idéia de que as valiosas jóias iriam, no futuro, custear os estudos da filha. Uma hora depois, estando a casa silenciosa e mergulhada nas sombras, John apareceu para buscar a mala e os três baús com todo o enxoval de lady Carol que as criadas já haviam, deixado prontos para a noiva levar na viagem de lua-de-mel. Só depois de toda a bagagem ter descido, Carol escreveu um bilhete para o pai e deixou-o sobre a penteadeira. Em seguida, colocou uma capa sobre o vestido que usava e saiu de casa para nunca mais voltar. -John a esperava numa das carruagens do conde à qual estavam atrelados os quatro cavalos mais velozes que havia nas cocheiras. — Você tem certeza, minha querida, de que ainda quer partir comigo? — John perguntou mais uma vez, tomando a mão de Carol nas suas. — Quero. Tenho a sensação de estar indo para o paraíso. Nós nos amamos e nada mais importa, não e mesmo? — Carol respondeu, confiante. — Nada! — John confirmou. — Prometo-lhe que seremos gloriosamente felizes. Erguendo a cabeça, ele olhou para o céu estrelado e acrescentou: — As estrelas estão nos dizendo que não iremos nos arrepender de termos tomado esta decisão. O amor é mais forte e mais importante do que tudo mais neste mundo. Adoro você, Carol! — Eu também. A posição social e a riqueza não podem ser comparadas à maravilha que é o sentimento que nos atraiu um para o outro — Carol falou suavemente, chegando mais perto de John. A carruagem pôs-se em movimento. Pela última vez, Carol olhou para as tendas montadas para receber os convidados, e para- a igreja onde seria realizada a cerimônia do casamento. Estava deixando para trás o pai, os parentes, a casa onde nascera e crescera. Por mais que amasse John, era sensata o bastante para compreender que sua vida de agora em diante iria ser bem diferente. Estava dando adeus à riqueza e à pompa que teria se desposasse o duque. O pai a criara fazendo-a acreditar nesses valores materiais. "Papai está errado e John, sim, está certo", Carol refletiu. "O amor é mais importante e mais forte do que tudo. Como eu iria suportar uma vida monótona, vazia, ao lado de um homem que nada entende de amor e que, certamente, não sente sequer afeição por mim?" Notando o silêncio de Carol, John indagou: — Em que está pensando? Está arrependida, meu amor? Deseja voltar? — Pelo contrário, estou imensamente feliz e tenho a sensação de que estamos indo para o paraíso.
  • 14. De fato, quando a carruagem alcançou a estrada silenciosa, banhada pela luz da lua e das estrelas, lady Carol teve a certeza de que ambos rumavam para um mundo novo, de contos de fada, feito de amor e romance.
  • 15. CAPÍTULO II Pela manhã, a criada pessoal de lady Carol entrou no quarto para acordá-la. Não ficou de todo surpresa ao encontrar o aposento vazio, pois a jovem patroa costumava levantar-se assim que amanhecia para ir cavalgar. O conde, por sua vez, ao descer para o breakfast, também não estranhou a ausência da filha nem se importou de comer sozinho. Passou-lhe pela mente que Carol decidira ficar na cama até mais tarde para estar bem descansada e ainda mais bonita vestida de noiva. De fato, todos na casa imaginaram que lady Carol estivesse em qualquer lugar da propriedade e ninguém se deu ao trabalho de verificar que lugar seria esse. Foi só por volta das onze horas, quando os garçons e funcionários do bufê contratado para o casamento estavam arrumando as mesas nas tendas montadas no gramado, que a governanta entrou no escritório do conde, onde ele lia .os jornais, e perguntou: — Vossa Senhoria tem idéia de onde lady Carol possa estar? Ninguém a viu esta manhã e queremos começar a vesti-la para o casamento. — Imagino que minha filha tenha saído para cavalgar e no momento deve estar nas cocheiras devolvendo o cavalo à sua baia — respondeu o conde. — Já a procuraram lá? — Sim, milorde. Um lacaio andou de baia em baia e foi até o paddock, mas não havia sinal de lady Carol. Na verdade, ninguém a viu nas cocheiras esta manhã — informou a governanta, nada à vontade. — Lady Carol deve estar em algum lugar! Encontrem-na! — ordenou o conde, impaciente. — Oh, céus! Há nesta casa uma legião de criados. Será que não são suficientes para procurarem minha filha? — Sim, milorde. E verdade, milorde. A governanta deixou o escritório evidentemente preocupada. Ia subir a escada quando uma das criadas veio correndo ao seu encontro e disse, ofegante: — Dois lacaios queriam saber onde estava a bagagem de lady Carol e quando fui aos aposentos de Sua Senhoria, não vi os baús com seu enxoval em nenhum lugar. — Bem, se os baús não estão nos aposentos de lady Carol é porque já os trouxeram para baixo — deduziu a governanta. — Já os procurou perto da porta dos fundos? — Sim, Sra. Norton. Não há sinal deles. Muito apreensiva, a governanta subiu até os aposentos de lady Carol. Não encontrando os baús, abriu as gavetas da penteadeira e deu pela falta do grande estojo de jóias que o conde entregara à filha no dia anterior.
  • 16. Voltando ao andar térreo, considerou se devia ou não aborrecer o conde novamente. Convenceu-se de que o momento não era propício quando viu no hall vários parentes de Sua Senhoria que acabavam de chegar. A Sra. Norton voltou para os aposentos de lady Carol pela mesma escada secundária por onde havia descido e inspecionou as cômodos mais uma vez. Só então viu sobre a escrivaninha o envelope endereçado ao conde. Pegou-o, entregou-o a um dos lacaios e ordenou-lhe: — Leve isto para Sua Senhoria e diga-lhe que foi encontrado no quarto de lady Carol. Era grande o movimento na casa. Um dos jardineiros entregou à governanta o buquê de noiva, feito com lírios e copos-de-leite. Atarefados, os lacaios atendiam os parentes que iam chegando e os conduziam ao salão onde o conde os recebia. Vestidos com luxo e elegância, todos pareciam encantados com o fato de a "querida Carol" casar-se com um duque. Quando o conde recebeu o bilhete da filha achou que não era nada importante. Abriu o envelope, correu os olhos pelas poucas linhas e, não acreditando no que diziam aquelas palavras, releu-as devagar. Lady Carol havia escrito: "Querido papai, Por favor, perdoe-me, mas não posso me casar com o duque de Denholme porque não o amo. Carol." Atônito, o conde teve a impressão de que o haviam golpeado fortemente na cabeça. Mas conseguiu levantar-se da cadeira e, indo até a porta, ordenou rispidamente ao mordomo, com uma voz que soou estranha até para si próprio: — Onde está lady Carol? Encontrem Sua Senhoria! Minha filha não pode ter saído de casa! —-Todos nós estamos preocupados, sem saber onde Sua Senhoria se encontra, milorde — respondeu o mordomo. — As criadas me disseram que a procuraram pela casa toda e não a viram em lugar nenhum. — Não posso acreditar! — o conde gritou e afastou-se, indo ao escritório à procura do secretário. Um dos lacaios informou-o que o Sr. Martin fora até as cocheiras para verificar se lady Carol teria ido ver os cavalos. — Minha filha não seria tão idiota a ponto de ir esconder-se numa das baias — retrucou o conde, zangado. Pouco depois informaram-no, discretamente, que uma das carruagens e os quatro cavalos mais velozes, bem como John Hart, haviam desaparecido. A essa altura a igreja estava lotada e o duque achava-se do lado do altar esperando pela noiva. Entretanto, com lady Carol desaparecida, o casamento teve de ser cancelado. A notícia espalhou-se como um rastilho de pólvora. Foi um escândalo! No dia seguinte, os jornais publicaram manchetes sensacionalistas:
  • 17. "NOIVA FOGE NA HORA DO CASAMENTO." "CANCELADO IMPORTANTE CASAMENTO DA TEMPORADA." "DUQUE É ABANDONADO NO ALTAR." "A NOIVA DESAPARECEU NO ÚLTIMO MOMENTO." "SEM A NOIVA, NÃO HOUVE CASAMENTO." Havia muitas outras nos jornais menos importantes, principalmente nos de Derbyshire e condados vizinhos. Ao ler as manchetes e as notícias, o conde quase teve um ataque cardíaco. Atirou os jornais no chão, pisou sobre eles e ordenou que os queimassem. O duque de Denholme foi ridicularizado e viu-se obrigado a refugiar-se no campo durante meses. Ninguém sabia onde lady Carol se encontrava. Entretanto, para aqueles que trabalhavam para o conde, estava claro que Sua Senhoria fugira com John Hart. Só não sabiam para onde eles tinham ido. Furioso, muito abalado, com o orgulho ferido e humilhado», o conde mandou seus empregados procurarem a filha ,e John Hart. Não quis recorrer à polícia para não haver ainda mais escândalo. Os fugitivos não foram encontrados. Cinco dias depois do desaparecimento de lady Carol e John Hart, o conde recebeu a notícia de que sua carruagem e os quatro cavalos estavam à sua disposição em Dover e que podia mandar buscá-los. Diante disso, Sua Senhoria deduziu que a filha teria embarcado num navio em Dover e atravessado o canal da Mancha. Portanto, devia estar na França ou outro país do continente. Bastaria ele entrar em contato com as embaixadas para localizar lady Carolina Hurstwood. Na noite da fuga, John Hart rumou com lady Carol para Dover, onde deixou a carruagem e os cavalos do conde. Pagou ao dono das cocheiras de aluguel e recomendou-lhe que só depois de três dias avisasse o conde de Hurstwood para mandar buscar o veículo e os animais. Sendo muito inteligente e esperto, John teve certeza de que o conde iria imaginar que a filha teria deixado a Inglaterra e ido para outro país. Mas, na verdade, os fugitivos seguiram, numa carruagem alugada, para a Cornualha, onde John tinha um grande amigo, dono de uma fazenda de criação de cavalos. No caminho, pararam numa igreja e John explicou to vigário que ele e a noiva precisaram viajar com urgência e queriam se casar. O sacerdote não ficou particularmente interessado em saber quem eram eles nem para onde iam, e celebrou o casamento sem perda de tempo. Foi uma cerimônia breve, simples, porém tocante. Emocionada, Carol recebeu a aliança que pertencera à mãe, e no momento da bênção agradeceu a Deus por salvá-la da vida infeliz que certamente teria casando-se com o duque.
  • 18. O Sr. Watson, o amigo de John, ficou muito contente em revê-lo, ofereceu-lhe emprego e deu aos recém-casados um sobrado para morar. Não querendo usar as economias do marido, Carol vendeu algumas jóias e empregou o dinheiro na decoração do sobrado. Graças ao seu bom gosto tornou-o lindo, aconchegante e sempre enfeitado com flores. A vida de Carol e John era um verdadeiro paraíso. Ambos se amavam e, embora não tivessem luxo, tinham conforto e fartura. Sob a administração de John Hart a fazenda tornou-se cada vez mais próspera, deixando o Sr. Watson exultante. Em menos de dois anos o número dos cavalos dobrou e John contratou mais cavalariços e peões para ajudá-lo a cuidar dos animais e a adestrá-los. Os puros-sangues preparados pelo Sr. Hart, como John passou a ser conhecido, eram exibidos em feiras e exposições oficiais e, invariavelmente, ganhavam os melhores prêmios. Merecidamente, o Sr. Hart granjeou fama e respeito como preparador de cavalos e os animais da fazenda Watson tornaram-se sinônimos de boa raça e beleza incomparável. Entretanto, ninguém tinha idéia de que o Sr. Hart era o homem que fugira com lady Carolina Hurstwood, na véspera do seu casamento com o duque de Denholme. Por precaução, Carol não saía de casa, a não ser para cavalgar p ela fazenda, fazer compras na vila ou na cidade vizinha, e ir à igreja. Vivia muito feliz com o marido e nada mais lhe fazia falta. Quando a filha, Celina, nasceu, a felicidade do casal foi ainda maior. E os belos cavalos passaram a ser vendidos, não apenas na Inglaterra, mas também na Holanda, França e Alemanha. Reconhecendo o valor do empregado e amigo, o Sr. Watson dobrou-lhe o ordenado e passou a dar-lhe uma pequena porcentagem nas vendas. Estando em boa situação financeira, John contratou mais uma criada para cuidar da casa, de modo que a esposa pudesse dedicar mais tempo à filhinha. Mas Carol fazia questão de preparar as refeições e tinha uma mocinha para ajudá- la. Logo que se casara, como não tinha prática, comprara livros de culinária e aprendera a fazer até mesmo pratos exóticos. Também se tornara excelente doceira e pelo Natal e Páscoa fazia bolos, doces, chocolates e bombons para presentear os amigos. O marido gostava demais da comida de Carol, mas tinha preferência pelo rosbife que, segundo ele, a esposa sabia preparar melhor do que qualquer chef francês. Os anos passaram-se e John, cada vez mais ambicioso, quis conquistar o mercado de outros países distantes da Inglaterra. O primeiro foi a Itália que ficou maravilhada com os excelentes cavalos vindos da fazenda Watson. Pouco depois, países do Mediterrâneo se interessaram pelos cavalos da Cornualha, considerados os melhores da Europa. Para John, foi um triunfo quando o Sr. Watson recebeu a visita de um dos homens mais importantes e ricos do Egito.
  • 19. O milionário egípcio disse, em seu inglês perfeito, que ouvira falar sobre os magníficos cavalos e viera à Inglaterra para conhecê-los e adquirir alguns deles. — Quero o que houver de melhor — exigiu o egípcio quando o Sr. Watson levou-o até o Sr. Hart para ver os animais. Muito bem impressionado com os cavalos, o comprador egípcio levou para o Cairo quatro puros-sangues extraordinários. Por força da profissão, John Hart viajava muito, porém a esposa e a filha nunca o acompanhavam. — Não quero que a vejam nem vejam nossa filha — John dizia. — Ambas são preciosas como jóias e receio que as tirem de mim. Carol compreendia que John ainda tinha medo de que alguém descobrisse que a Sra. Hart era, na verdade, lady Carolina, filha do conde de Hurstwood. Ao mesmo tempo, Carol vivia imensamente feliz com o marido e a filha e não desejava afastar-se da casa que, embora pequena, era linda, confortável e cercada de jardins. Quando Celina completou doze anos, os pais compreenderam que estava na hora de a menina aprimorar sua educação e isso não seria possível na pequena vila pertencente à propriedade do Sr. Watson. Com a mãe, Celina aprendera a ler e escrever, bem como aritmética, história, geografia e francês. Também estava tendo aulas de canto e piano. Depois de muito procurar, Carol descobriu em Plymouth uma professora de sessenta anos, viúva e aposentada, que havia lecionado durante muito tempo em Londres, em um colégio para moças da alta sociedade. A professora, que ainda era muito ativa, ficou contentíssima ao saber que teria uma aluna. — Não gosto de ficar parada e muito menos de solidão — disse a professora. — Será um grande prazer e muito estimulante lecionar para sua filha, Sr. Hart. Já percebi que a jovem Celina é muito inteligente. — Celina virá a cavalo para as aulas, todas as manhãs. Quero que a senhora lhe ensine as matérias básicas de um bom colégio — pediu Carol. — Faço questão de que minha filha aprenda outros idiomas, pois o pai viaja com freqüência e mais tarde ela poderá acompanhá-lo. Celina já tem boa base de francês. — Falo italiano, francês e alemão fluentemente — assegurou a professora. — Nasci aqui e gosto deste lugar, embora o considere pequeno e provinciano, mas tive a chance de estudar fora e de viajar muito. A pedido de Carol, a professora encontrou para Celina uma senhora para continuar com as lições de música. As aulas particulares, com professoras do mais alto nível, custavam caro demais, porém Carol não se importou de vender outras jóias para pagar as aulas da filha. Para ela, proporcionar a Celina a melhor educação que um jovem poderia ter, era uma forma de compensá-la por privar-se do mundo ao qual teria direito, caso a mãe fosse uma duquesa, e não a esposa de um simples empregado de fazenda.
  • 20. Não satisfeita apenas com as duas professoras particulares, Carol estimulava a filha a ler bons livros, dava-lhe aulas de etiqueta, de dança, corrigia-lhe até 0 modo de andar e não se cansava de orientar a garota. "Uma lady não faz isso", "Uma lady não faz aquilo", dizia Carol com bondade, ensinando ou corrigindo a filha. A Sra. Hart também era muito rigorosa quanto ao modo de falar de Celina. Não admitia termos vulgares, exigia que seu tom de voz fosse baixo, suave e que ela se dirigisse aos outros, mesmo às pessoas simples, com atenção e palavras gentis. Para a filha não era difícil aprender, pois além de inteligente, tinha a mãe como modelo de perfeita lady. Quanto às aulas que recebia em Plymouth, as adorava, e vivia para os estudos. Alguns meses antes de Celina completar dezoito anos, Carol começou a se preocupar com a vida social da filha. Conversou com o marido sobre a necessidade de Celina divertir-se, ir a festas e fazer amigos. John reconheceu que a esposa tinha razão. — Nós escolhemos viver isolados, mas não temos o direito de privar nossa filha dos divertimentos próprios da juventude — John admitiu. -— Podemos organizar uma festa mais simples, no jardim, e quando Celina fizer dezoito anos, ofereceremos a ela um bonito baile. O que você acha? Carol, naturalmente, concordou com a sugestão do marido. — Nossa filha dança muito bem. Mas não podia ser de outra forma, sendo a mãe excelente bailarina — prosseguiu John. — Desagradam-me as moças que não sabem dançar; são tão pesadonas e desajeitadas. — Por que diz isso? Não acredito que você tenha grande experiência em matéria de bailes e dançarinas — Carol observou, rindo. — Não tenho, é verdade, mas quando vamos a bailes comparo as outras moças e senhoras a você. Nenhuma é tão leve nem tão graciosa. Lisonjeada, Carol abraçou o marido e ambos passaram a trocar idéias sobre a festa a ser realizada ao ar livre. Na semana seguinte, John recebeu do Egito o pedido de quatro cavalos. O comprador era nada mais, nada menos do que o quediva Ismail. Ele estava disposto a pagar muito bem pelos animais, porém exigia os melhores e mais bem adestrados que houvesse na fazenda. — Terei de levar os cavalos ao Cairo. Não posso deixar animais tão valiosos aos cuidados de um dos empregados — disse John à esposa. — Nesse caso eu o acompanharei, querido — propôs Carol. John meneou a cabeça. — Não convém. Será uma viagem desconfortável, pois terei de ficar a maior parte do tempo perto dos animais, atento. Em caso de uma tempestade, por exemplo, eles certamente ficarão assustados e poderão me machucar. — Oh, querido, será uma viagem bem mais longa do que as outras e não suportarei ficar tantas semanas longe de você — Carol queixou-se.
  • 21. — Prometo não me demorar mais do que o necessário. Diante do tom firme do marido, a esposa não argumentou. Beijou-o apaixonadamente e, no dia seguinte, acompanhou-o a Plymouth, onde se despediram. De volta ao sobrado, Carol achou-o vazio e triste sem o marido. Seu consolo era a filha que se tornava mais linda a cada dia que passava. Ambas tocavam piano, faziam passeios a cavalo ou a pé e, ocasionalmente, iam juntas a Plymouth para compras. Um mês se passou sem que Carol recebesse cartas do marido, o que a deixou preocupada. Sempre que viajava, John lhe escrevia com freqüência, ainda que lessem apenas algumas linhas para falar de seu amor pela esposa, pela filha, e da saudade que sentia de ambas. Então Carol recebeu a terrível notícia. John Hart entregara os cavalos e o quediva ficara radiante com a compra. Infelizmente, John contraíra uma doença que não raramente ocorria no Egito, no verão, e que matava em poucos dias. A morte do marido deixou Carol num estado de profunda depressão. Para ela, a vida perdera o sentido. — A senhora deve pensar em mim, mamãe — Celina dizia, tentando reanimar a mãe. — Preciso da senhora. Não posso ficar sozinha neste mundo, sem parentes e tendo tão poucos amigos. — Oh, meu Deus, como John pôde morrer tão jovem e tão longe de casa? — Carol lamentava, soluçando. Receando que a mãe também morresse, Celina sugeriu que ambas fossem ao Egito. — A senhora verá onde papai foi enterrado e, se for o caso, mandará fazer um túmulo para ele — Celina alegou carinhosamente. Carol achou que a filha tinha razão. Não poderia, claro, ver o marido nem falar com ele mas, pelo menos, não ficaria a tantas milhas de distância de seus restos mortais. Ajoelharia no lugar onde ele fora sepultado, rezaria por sua alma, e iria sentir-se mais perto dele do que se achava no momento. Um pouquinho mais animada, Carol começou a pensar na viagem ao Egito. Passou a calcular o que iria gastar com as passagens de navio, a hospedagem num hotel e a despesa com o túmulo. Depois, passou a contar o dinheiro que tinha consigo e no banco. Embora a situação financeira de John fosse boa, uma viagem tão longa seria muito cara. Além disso, parte do seu dinheiro estava aplicada. — Vai ser muito bom viajarmos, mamãe — Celina falou com entusiasmo. — Sempre tive vontade de conhecer os países nos quais papai esteve, bem como aqueles descritos nos livros de geografia e história. — Iremos ao Egito, minha filha — afirmou Carol. — Seu pai queria que você conhecesse outros países e tinha planos de, no futuro, levar-nos com ele em suas viagens. Se nos faltar dinheiro, posso dispor de mais algumas jóias. Entretanto, dinheiro não seria problema, pois, o Sr. Watson, consternado com a perda do amigo e empregado, dispôs-se a ajudar a viúva e a filha de John.
  • 22. — É claro que deve ir ao Cairo, Sra. Hart — o Sr. Watson animou Carol. — O quediva Ismail escreveu-me dizendo que sentiu profundamente a morte tão repentina do Sr. Hart e mencionou onde o sepultaram. Na carta, ele também elogiou o modo como John cuidou dos cavalos numa viagem desconfortável e tempestuosa. Celina providenciou tudo para a viagem. Conseguiu dinheiro suficiente para comprar as duas passagens de navio para o Cairo e mandou fazer roupas pretas para ela e a mãe. Por isso, não aceitou a ajuda do Sr. Watson. Sobre as roupas de luto, Carol observara antes de a filha ir a Plymouth: — Seu pai detestava que eu me vestisse de preto e eu também acho essa cor deprimente. Mas todos esperam que uma viúva use luto no mínimo durante nove meses e não vou contrariar as convenções sociais. — E claro que não, mamãe — tornara Celina. — Mas a senhora tem a pele clara e cabelos loiros, portanto, roupas pretas lhe assentam muito bem. Nos dias que precederam a viagem, Celina sentia-se cada vez mais feliz porque iria passar pelos países do Mediterrâneo sobre os quais havia lido. Estava ansiosa para fugir da monotonia que tinha sido sua vida até então. Só não demonstrava seu contentamento em respeito à dor da mãe. Finalmente, as roupas de luto da viúva e da filha ficaram prontas e Celina foi buscá- las na loja de Plymouth onde as encomendara. Ao voltar, encontrou a mãe deitada, o que achou estranho. Carol não costumava repousar durante o dia e era sempre muito ativa. Quando Celina entrou no quarto, a mãe lhe disse: — Espero não ser um transtorno nessa viagem, mas estou com forte dor de garganta e uma dor de cabeça que se torna mais intensa a cada dez minutos. Comecei a sentir-me mal pela manhã, assim que você saiu de casa. — Vou fazer-lhe um remédio com mel que será bom para a garganta, e um chá de ervas para a dor de cabeça. Se a senhora não melhorar, a levarei até Plymouth para ser examinada por um médico — Celina prontificou-se e foi depressa para a cozinha. Minutos depois, quando voltou, encontrou a mãe gemendo. Carol tomou o remédio e o chá que a filha lhe trouxe, mas não apresentou melhoras. "Talvez eu deva chamar o médico", Celina pensou. No mesmo instante considerou que não seria conveniente deixar a mãe sozinha, pois já era noite. "Se mamãe não melhorar até amanhã, irei logo cedo chamar o médico. As criadas já terão chegado e cuidarão dela durante a minha ausência", a filha decidiu. Indo novamente para a cozinha, Celina preparou uma sopa substanciosa, mas fácil de engolir. Carol piorou tanto que não conseguiu tomar a sopa. — A dor de cabeça está insuportável — queixou-se. — E agora também sinto dor no peito. Sem saber o que fazer, Celina ajeitou os travesseiros, cobriu a mãe e foi correndo à casa do Sr. Watson. Ao saber da situação da Sra. Hart, ele prontificou-se:
  • 23. — Fique tranqüila, Celina, vou mandar chamar o médico imediatamente. Volte para casa e cuide de sua mãe. Vocês precisam de mais alguma coisa? — Não, obrigada, apenas do médico. — Bem, terei de viajar logo ao amanhecer. Mas minha esposa ficará em casa e a ajudará no que for preciso. Não hesite e procurá-la, caso sua mãe não melhore — acrescentou o> Sr. Watson. De Volta para casa, Celina encontrou a mãe dormindo; parecia sonhar e dizia muito baixinho: —Amo você, John! Amo-o muito. Tudo o que Celina podia fazer era aguardar a chegada do médico. Sentou-se do lado da cama e esperou durante horas; nem sinal do médico. Tarde da noite vieram avisá-la que o médico havia saído para atender uma parturiente e ainda não voltara. Só na manhã seguinte, por volta das onze horas, o médico apareceu. Tarde demais: Carol estava morta. Ele atestou que a paciente sofrerá um ataque cardíaco. Carolina Hart foi enterrada, numa cerimônia simples, no cemitério da igreja da vila. Celina parou de chorar. Continuou perto da janela e olhou para o jardim que havia sido o orgulho da mãe. Estava órfã e não sabia o que fazer. Provavelmente, não poderia ficar no sobradinho; era natural que o Sr. Watson precisasse da casa para o novo empregado que viria substituir John Hart. O mais sensato a fazer, pensou, seria entrar em contato com os parentes maternos, embora a mãe não tivesse tido notícias deles naqueles vinte anos. Celina nem sequer sabia se o avô estava vivo ou se já falecera. Caso o avô tivesse falecido, o novo conde de Hurstwood também seria um parente e, com certeza, a receberia em Hurstwood Park. Entretanto, ele também poderia mandá-la embora, o que seria uma grande humilhação. Afinal, a fuga de lady Carolina Hurstwood, no dia do casamento, envergonhara não só o conde e o duque de Denholme, mas todos os parentes, de ambos os lados. Começava a escurecer e Celina foi para o jardim. Andou pelos caminhos entre os canteiros lembrando-se dos pais e de como haviam sido apaixonados um pelo outro e tão felizes. Subitamente, como se os pais a inspirassem, soube o que fazer. A idéia que lhe ocorreu era tão extraordinária e ousada que ela se considerou maluca por ter cogitado de pô-la em prática. Não podia negar, porém, que se tudo corresse como estava imaginando, iria viver uma aventura fantástica. Restava saber se teria coragem para viver tal aventura. Achou que sim. Entrando em casa, foi até a escrivaninha do pequeno escritório onde o pai fazia suas contas e a mãe ocasionalmente escrevia cartas. Numa das gavetas encontrou o que procurava: o passaporte da mãe. Carol o havia conseguido em Plymouth pouco antes de o marido partir para o Egito, pois estava
  • 24. pensando em viajar com ele dali por diante, uma vez que sua situação financeira o permitia e a filha estava na melhor idade para acompanhá-los. Encostando o passaporte no peito, Celina refletiu, pesarosa, que a mãe não chegara a usá-lo. Embora triste, disse a si mesma que os pais haviam feito planos para a filha viajar e agora, com o passaporte e o dinheiro deixado pela mãe, teria a oportunidade de concretizar tais planos. Por um momento, Celina deu asas à imaginação. Ficou empolgada ao pensar que iria ver as pirâmides e passar por vários países do Mediterrâneo. Imaginou que seria emocionante ver os rochedos de Gibraltar e recordar que a colônia tinha sido tão importante na história do Império Britânico. Também havia aprendido tanto sobre a França e desejava conhecer aquele país ainda mais do que os outros. Agora não poderia ir a Paris, como era seu sonho mas, pelo menos, veria Marselha. Caso navio parasse algumas horas no porto, ela poderia desembarcar e conhecer um pouco da cidade. Como se estivesse viajando mentalmente, Celina pensou na Itália e desejou ter a chance de um dia visitar Roma. Durante sua viagem ela também passaria pela Grécia. Quando era pequena, ficava fascinada ao ouvir as histórias que a mãe lhe contava sobre os deuses e deusas gregos. Depois de alfabetizada, Celina lia muito sobre a Grécia, seus filósofos, e sobre a mitologia grega. Aprendera, assim, a admirar aquele país que havia contribuído para dar ao mundo mais beleza, mais amor e sabedoria. "Nada me fará desistir desta viagem, nada. Será uma aventura fascinante e inesquecível", disse Celina a si mesma, colocando o passaporte sobre a escrivaninha. Continuou, durante alguns minutos, absorta, como se estivesse vendo imagens dos países que desejava conhecer. Suas dúvidas se dissiparam. Uma voz interior lhe segredava que realizaria a viagem de seus sonhos e encontraria a felicidade. O que poderia temer? CAPÍTULO III A casa estava tão silenciosa que uma batida na porta sobressaltou Celina. Pondo-se de pé, foi atender; vendo que era o Sr. Watson, convidou-o para entrar.
  • 25. — Cheguei esta tarde de viagem e fiquei sabendo que a Sra. Hart morreu. Lamento não ter estado presente ao funeral. Posso avaliar o que está sentindo por perder sua mãe. Sua morte tão repentina, certamente, foi um terrível choque para você — disse ele com simpatia. — Foi um choque, sem dúvida — Celina assentiu. — Porém, acredito que mamãe esteja feliz com papai, no céu. O Sr. Watson colocou a mão sobre o ombro da órfã. — Vejo que está conformada, Srta. Celina. Não é de admirar, pois você sempre foi uma garota sensata. Sinto muito a falta de seu pai e está sendo difícil encontrar outro empregado com tanto talento para lidar com cavalos. O homem que fui ver em Yorkshire, me decepcionou. E um incompetente. — Lamento que esteja com esse problema, Sr. Watson. Mas, sem dúvida, papai era excepcional para cuidar de cavalos e adestrá-los. — De fato. Acabei contratando um peão que me havia procurado antes de eu viajar para Yorkshire. Apesar de ele assegurar-me que tem grande experiência, posso apostar que não chega aos pés de seu pai. Acredito que não haja outro como meu amigo John Hart. Celina reconheceu que era verdade e sentiu orgulho ao ouvir as palavras elogiosas do Sr. Watson. —Bem, agora devemos pensar no seu futuro, Srta. Celina, uma vez que ficou sozinha — prosseguiu o Sr. Watson. — O que pretende fazer? Talvez seja mais seguro procurar os parentes. Celina inspirou fundo. — Está querendo dizer que vai precisar desta casa para o novo empregado? — Sim, Srta. Celina. O novo empregado tem mulher e dois filhos e este sobrado é o melhor que há na propriedade. Compreenda, senhorita, que não deve ficar sozinha. O mais sensato, a meu ver, será procurar os parentes — argumentou o Sr. Watson. — Posso armazenar os móveis e utensílios que pertenceram a seus pais até que os mande buscar. O que acha? — Não sei o que fazer, Sr. Watson — respondeu Celina, hesitante. — Ainda estou atordoada e confusa. Tudo aconteceu tão de repente... — E natural que se sinta assim — tornou o Sr. Watson com bondade. — Enquanto não decide para onde ir, minha sugestão é que se mude para a Casa Grande e me ajude na educação de minhas duas filhas menores. Elas estão deixando a pobre babá fora de si. Sei que você recebeu uma educação excelente e desempenhará muito bem a função de preceptora. Será vantajoso para você, pois terá onde morar, além de um ordenado. Desta forma, não precisará usar as economias de seu pai. Era uma oferta tentadora. Porém, pensando na viagem ao Egito, Celina falou com sinceridade: — É muita bondade sua, Sr. Watson. Entretanto, como o senhor sabe, mamãe havia planejado ir comigo ao Cairo para visitar a sepultura de papai. Estando morta, cumpre a mim fazer essa viagem. Quando eu voltar, aceitarei com prazer dar aulas para seus filhos.
  • 26. — Muito bem, Srta. Celina. Realize o desejo da Sra. Hart e mande construir um túmulo digno do prezado amigo John. Aguardaremos a sua volta — o Sr. Watson concordou. — Mas quando pretende partir? Se não estou enganado, sua mãe já estava com tudo pronto para a viagem. — Estou pensando em ir a Plymouth amanhã. Acredito que chegarei na cidade a tempo de embarcar no navio com destino ao Egito — respondeu Celina. — A propósito, você tem dinheiro suficiente para a viagem? Se não tiver, posso ajudá-la. — Sim, tenho. Obrigada, Sr. Watson — Celina murmurou. — Naturalmente, você não viajará sozinha. Um de seus parentes deve acompanhá- la — aconselhou o Sr. Watson. — Você é muito bonita para viajar pelo mundo sem ter quem a proteja. — Espero não me ausentar por muito tempo. E obrigada por se preocupar comigo, Sr. Watson — Celina agradeceu, deixando de mencionar que viajaria sozinha. — Sim, volte logo. Sei que você será uma excelente preceptora para minhas filhas. Prometo-lhe que terá um quarto confortável e uma sala de estar, além da sala de aula, onde ensinará as garotas. — O Sr. Watson levantou-se e despediu-se: — Bon voyage! Estaremos esperando ansiosos por você. Assim que o Sr. Watson saiu, Celina respirou aliviada. Se a conversa se prolongasse, ele, possivelmente, iria perguntar o nome da pessoa que iria acompanhá-la na viagem. Voltando à escrivaninha, ela pegou novamente o passaporte da mãe e admirou-o. Era muito bonito e tinha impresso, no alto, um brasão. Este ostentava, do lado esquerdo, um leão rampante e, do direito, um unicórnio, também erguido sobre as patas traseiras. Ambos tinham as patas dianteiras apoiadas em um escudo redondo. Sobreposta no escudo havia uma viseira encimada por uma coroa e, sobre esta, achava-se um outro leão. Na parte inferior do brasão via-se uma faixa com a legenda: Dieu et Mon Droit. Um outro brasão ornamentava o final da página. Tinha também um escudo no centro, no qual estava representado, do lado esquerdo, Pégaso, o cavalo alado, e do direito, uma corça. Uma coroa encimava o escudo e, sobre esta, havia uma grande ave. A inscrição impressa na faixa, abaixo das figuras, dizia: Sans Changer. Entre os dois símbolos heráldicos lia-se o texto, impresso: "Nós, Edward Henry Spencer, conde de Derby, o barão Stanley de Bickerstaff, par e baronete da Inglaterra, um membro do Honorável Conselho Privado de Sua Majestade e o ministro das relações exteriores de Sua Majestade, Requeremos e exigimos, em nome de Sua Majestade, a quem de direito, permissão para..." O texto impresso terminava e, nas linhas abaixo, escritas a mão, com tinta preta, seguiam-se as palavras:
  • 27. "Sra. Hart, acompanhada da filha, passar livremente, sem nenhum impedimento, receber todo tipo de assistência e proteção de que possa precisar." Durante um longo tempo Celina ficou com o passaporte na mão, olhando-o, relendo-o e refletindo sobre a idéia que lhe ocorrera. Iria usá-lo como se fosse a Sra. Hart e, para isso, precisaria alterá-lo. Lembrou-se de que a mãe costumava dizer que em certas ocasiões lamentava não poder usar seu título, pois se o mencionasse receberia outro tipo de tratamento. Por fim, Celina decidiu o que fazer. Apagou cuidadosamente a abreviatura "Sra.", escrita no passaporte, e substituiu-a por "Lady". Escreveu com tinta preta e imitou perfeitamente a caligrafia da pessoa que preenchera o passaporte. Em seguida, com a mesma tinta, riscou as palavras: "acompanhada da filha". Como havia espaço adiante do sobrenome "Hart", Celina acrescentou as letras: "ington", tornando-o "Hartington". Por fim, sob o segundo brasão, no lugar reservado ao nome do portador do passaporte, assinou: "Celina Hartington". "Pronto! Ficou perfeito", pensou, contente com o resultado de seu trabalho. "Viajarei como se fosse uma lady casada, ou melhor, viúva. Isso me protegerá e dispensará uma chaperon. E, usando o sobrenome Hartington, não correrei o risco de alguém associá-lo ao de John Hart, com quem mamãe fugiu há vinte anos." Terminando de alterar o passaporte, foi à casa de um dos ajudantes do pai e pediu- lhe que pela manhã a levasse de carruagem até Plymouth. Só então passou a cuidar da bagagem, o que demorou muito mais tempo do que ela havia imaginado. Já era madrugada quando se deitou. As sete e meia, estava de pé e vestida para a viagem. Usava um conjunto preto e gracioso chapéu também preto, debruado de branco. Ao olhar-se no espelho disse a si mesma que, realmente, parecia uma viúva. Na bolsa, levava os óculos de leitura da mãe. Pretendia usá-los na viagem para parecer mais velha. Ela também não se esquecera de colocar na mão esquerda | aliança da mãe. Quando Celina desceu, o empregado que iria levá-la a Plymouth já estava à sua espera e subiu para pegar OS dois baús, a mala, e colocá-los na carruagem. Minutos depois, Celina deixava para trás o sobrado onde nascera e fora criada. Os cavalos eram velozes e a viagem até Plymouth foi feita em pouco tempo. Uma vez na cidade, a grande preocupação de Celina foi saber se haveria algum navio com destino ao Egito c se conseguiria uma passagem. O que menos desejava no momento era ter de ir para um hotel ou voltar para o sobrado. No porto, informaram-na que o navio atracado navegaria pelo Mediterrâneo e sua partida estava prevista para a tarde. Feliz com a informação, Celina subiu a escada de costado e foi até o escritório do comissário de bordo. 'Teve de esperar na fila, do lado de fora, pois havia cinco outras pessoas querendo adquirir passagens.
  • 28. Chegando a sua vez, Celina apresentou-se com o passaporte na mão. Estava tranqüila, certa de que a alteração ficara perfeita. — Primeira classe ou segunda? — indagou o comissário de bordo. Olhando no passaporte, adiantou: — Oh, sim, vejo que deseja uma cabine de primeira classe, milady. — Não, obrigada. Prefiro viajar na segunda classe, desde que tenha uma cabine só para mim — pediu Celina, percebendo que o navio estava lotado. Em tais casos, os passageiros tinham, por vezes, de repartir a cabine com outra pessoa, o que seria desagradável. Durante algum tempo o comissário consultou a longa lista de passageiros; por fim declarou: — Lamento, milady, mas a única cabine para uma pessoa que resta, não tem vigias. — Está bem. Fico com essa — Celina aceitou. Cerca de vinte minutos depois, estava na cabine pequena e abafada do convés inferior, recebendo a bagagem que foi empilhada a um canto para não ocupar muito espaço. Não se sentia confortável, porém dava graças a Deus por estar a bordo e porque tudo havia corrido bem até o momento. "Passarei a maior parte do tempo no convés", decidiu, conformada. "Seria um erro eu pagar quase o dobro por uma cabine de primeira classe." O pensamento de que iria conhecer vários lugares sobre os quais havia lido e ouvira os pais descreverem, deixou-a empolgada. Só lamentou que a mãe não estivesse com ela. Faltava pouco para o navio deixar o porto quando Celina subiu para o convés superior. O movimento era grande. Os últimos passageiros embarcaram, apressados; os carregadores e camareiros não tinham parada. Por fim, o navio começou a mover-se entre gritos de despedidas e acenos tanto dos que se achavam a bordo, como dos que estavam em terra. Para Celina, aquele era o momento de comemorar sua primeira vitória. Mesmo desacompanhada, achava-se naquele navio a caminho do Cairo. Reconheceu que havia estado temerosa de que, no último instante algo desse errado e ela teria de voltar, humilhada, para a fazenda do Sr. Watson. No mesmo instante, riu de si mesma por suas apreensões tão tolas. "Será uma aventura maravilhosa e inesquecível", pensou, confiante. "Afinal, estou, pela primeira vez, afastando-me do lugar onde nasci e cresci." Celina só deixou o convés quando faltava uma hora para o jantar. Tomou banho, vestiu outro traje de luto, fez um penteado discreto e severo, próprio para uma viúva. Antes de ir para o salão de jantar colocou os óculos que haviam pertencido à mãe e, não se acostumando com eles, pois tinham grau, guardou-os na gaveta da penteadeira. Chegando ao salão, ficou parada à porta, aguardando que um dos funcionários lhe indicasse onde se sentar. Enquanto isso, correu os olhos pelas mesas. Ficou nervosa ao constatar que eram, em sua maioria, ocupadas por homens.
  • 29. O modo de trajar dos passageiros e suas maneiras revelavam que pertenciam a uma classe social inferior. O pior, Celina notou, era que, a viagem mal começara e quase todos já haviam bebido mais do que seria aconselhável. Um dos criados de bordo não tardou a aproximar-se de Celina para transmitir-lhe o convite do comandante do navio: — Boa noite, milady. O capitão envia-lhe os cumprimentos e manda-lhe dizer que será uma honra tê-la à sua mesa para o jantar. O convite surpreendeu Celina. O pai já lhe dissera que só as pessoas importantes sentavam-se à mesa do capitão. E ela, apesar de ser, para todos os efeitos, lady Hartington, estava viajando na segunda classe. Envaidecida, subiu a escada, atrás do criado. O salão de jantar do convés superior era muito diferente daquele onde ela havia estado. Além de mais luxuoso e bem decorado, as pessoas ali presentes trajavam-se com elegância, falavam baixo, e eram, certamente, bem-educadas. As senhoras, quase todas idosas, ostentavam jóias caras. O criado conduziu Celina à mesa do capitão. Este levantou-se, apertou-lhe a mão, convidou-a para sentar-se à sua esquerda e falou em tom de desculpa: — Lamento que não esteja numa cabine confortável, lady Hartington. O comissário explicou-me que quando você chegou todas as outras cabines, exceto aquela, da segunda classe, já estavam ocupadas. — Espero acomodar-me bem — tornou Celina. — Por sorte, temos uma cabine vaga na primeira classe e tomei a liberdade de mandar transferir sua bagagem para lá — prosseguiu o capitão. — Não é uma das cabines mais espaçosas, mas estou certo de que você terá muito mais conforto do que está tendo no momento. — E muita bondade de sua parte. Só espero não ter de pagar uma grande diferença por ela — Celina observou, cautelosa. — Não haverá diferença nenhuma no preço, uma vez que a cabine iria permanecer desocupada. Um dos passageiros desistiu da viagem na última hora. A companhia não terá prejuízo e você estará mudando para melhor — alegou o capitão. — Fico-lhe muitíssimo grata, senhor. Eu estava tão ansiosa para fazer esta viagem que ficaria muito triste se não pudesse realizá-la. — Bem, aqui está, em alto-mar, e agora terá maior comodidade. Espero que aprecie a viagem. — Apreciarei, sem dúvida. — Está indo para o Cairo? — indagou o capitão. — Estou. Vou visitar a sepultura de meu marido — Celina respondeu, a voz traindo sua emoção ao lembrar-se dos pais mortos. O capitão ficou em silêncio por um instante. Certamente não esperava aquela resposta. Disse, afinal, sensibilizado:
  • 30. — Aceite meus pêsames, lady Hartington. Posso imaginar o seu sofrimento por perder o marido, sendo tão jovem. — Obrigada — Celina agradeceu sucintamente. Receava continuar a conversa e dizer alguma coisa contraditória, o que não seria difícil acontecer, uma vez que não estava habituada a mentir. Felizmente, o cavalheiro sentado à direita do capitão fez-lhe uma pergunta e ambos conversaram durante algum tempo. Foi grande a surpresa de Celina ao saber que o cavalheiro sentado à sua frente era o marquês Andrew de Merryfield, de quem o pai sempre falava. Veio-lhe à mente a conversa mantida entre John Hart e a esposa: — O marquês de Merryfield herdou o título ainda jovem e os puros-sangues de suas cocheiras são fantásticos. Vi alguns dos cavalos. Se eu tivesse a chance de treiná-los, posso assegurar que venceriam todas as corridas importantes, desde a de Ascot, pela Taça de Ouro, até a Grande Nacional. — Tenho certeza de que se o marquês o conhecesse, iria fazer questão de contratá-lo para cuidar dos animais — Carol respondera, incentivando o marido. — Não há treinador melhor do que você e se os cavalos da fazenda Watson são famosos até no exterior, é graças ao seu esforço e talento. — Obrigado pelo incentivo. Você me faz sentir confiante — tornara John Hart, beijando a esposa. Afastando tais lembranças, Celina refletiu que era mesmo uma grande coincidência viajar com o marquês de Merryfield, cujos cavalos o pai tanto havia admirado. Observou discretamente o marquês e o capitão conversando sobre viagens. A certa altura, o marquês comentou: — Embarquei neste navio porque ouvi os maiores elogios sobre ele. Disseram-me que é o mais rápido da companhia. — Não só o mais rápido, mas também o maior e mais luxuoso — assegurou o capitão com orgulho. — Imagino que Vossa Senhoria esteja indo ao Cairo para a semana de corridas. — Exatamente — assentiu o marquês. — Ouvi dizer que o quediva adquiriu excelentes cavalos na Inglaterra, há poucos meses. — E verdade. Os cavalos viajaram neste mesmo navio — informou o capitão. — O próprio treinador os acompanhou para entregá-los em perfeitas condições ao quediva Ismail. Nunca vi animais tão magníficos. — O quediva sempre faz questão de ter o que há de melhor — disse o marquês. — Por certo, Vossa Senhoria já ouviu falar nesse preparador, um homem chamado John Hart. Fiquei sabendo que não houve na Inglaterra outro melhor do que ele — mencionou o capitão. — Sim, o Sr. Hart tornou-se famoso na profissão. Eu queria muito conhecê-lo, mas me informaram que já morreu. O capitão assentiu com a cabeça.
  • 31. — Infelizmente, faleceu no Cairo, nessa viagem sobre a qual lhe falei. Foi vítima de uma dessas febres do Oriente, que tanto tememos. Foi uma grande perda para a Inglaterra, no que diz respeito ao turfe. — Homens como o Sr. Hart são raros. Não será fácil substituí-lo — apontou o marquês. Atenta à conversa, Celina ficou contente por ter mudado o sobrenome no passaporte. "O que; diria o marquês se eu lhe revelasse quem sou realmente?", Celina questionou-se. Teve vontade de rir só de pensar em como o marquês ficaria constrangido ao saber da história de lady Carolina Hurstwood, que havia desistido de tornar-se uma duquesa e fugira na véspera do casamento com o homem que amava, mesmo sendo pobre. Imaginou que o marquês ficaria atônito e iria achar que lady Carol cometera uma loucura ao deixar o luxo e o conforto para tornar-se a esposa de um simples empregado de fazenda. Ao mesmo tempo, Celina sentia orgulho do pai. Desejou poder, durante a viagem, falar a sós com o marquês. Se surgisse tal oportunidade, ela iria fazer o possível para voltar ao assunto do treinador de cavalos chamado John Hart. "Tantas coisas aconteceram desde que mamãe fugiu com papai", Celina continuou com suas conjeturas. "Espero que meu avô, caso esteja vivo, bem como os demais parentes, desconheçam que eu existo." O capitão, homem loquaz, espontâneo e simpático, parecia ter sempre o que dizer aos que estavam perto dele. Quando o marquês virou-se para dar atenção à senhora do seu lado, o capitão voltou-se para Celina. — Fale-me sobre você, milady. Permita-me dizer que, sendo tão jovem, não devia estar viajando sozinha. Você poderia ter, pelo menos, uma criada como acompanhante. — Tive de viajar inesperadamente. Estou certa de que encontrarei amigos quando chegar ao Cairo — Celina respondeu. — Quanto a isso, pode ficar tranqüila. Nesta época do ano há centenas de visitantes ingleses no Cairo — informou o capitão. Curioso, ele quis saber onde Celina morava, se ia a Londres com freqüência e se tinha filhos. Sempre atenta, receando cair em contradição, ela respondeu da forma mais geral possível. Ansiosa para obter uma informação segura sobre onde hospedar-se quando chegasse ao Cairo, pediu ao capitão: — O senhor poderia indicar-me um bom hotel, no Cairo? Nunca estive naquela cidade e meus amigos chegarão alguns dias depois de mim. Sem se fazer de rogado, o capitão citou os nomes de vários hotéis, não deixando de mencionar onde ficavam localizados, quais as características, vantagens e desvantagens de cada um.
  • 32. Pelas descrições, Celina deduziu que todos eram hotéis caros e ela não estava disposta a gastar com luxos. Em primeiro lugar, devia descobrir onde ficava a sepultura do pai, depois iria providenciar seu túmulo. Era essa a finalidade daquela viagem. Feito isso, iria ver as pirâmides. Assim que o capitão voltou a falar com o marquês, Celina distraiu-se, olhando as pessoas sentadas às mesas. Apesar de elegantes, os passageiros lhe pareceram enfadonhos. Havia no salão poucas moças da sua idade. A comida, por outro lado, era excelente e todos tomavam do melhor champanhe. Já era tarde quando o jantar terminou. Antes de os convidados deixarem a mesa, o capitão recomendou a Celina em voz baixa: — Devo alertá-la, milady, para ter muito cuidado durante a viagem. — Cuidado? Por que diz isso, capitão? — indagou Celina, surpresa. — Tenho experiência e conheço vários homens que estão neste navio. Sei que alguns deles, mesmo os mais elegantes e educados, sabem ser encantadores com jovens ladies como você. Quando conquistam a amizade delas, esses malandros conseguem tirar- lhes o dinheiro, seja nas cartas ou de outra maneira, ou as aborrecem e mostram-se atrevidos. — Muito obrigada por avisar-me. — Celina sorriu para o capitão. — Mas fique tranqüilo. Perdi meu marido há pouco tempo e pretendo passar a maior parte da viagem bem quieta na minha cabine. — Compreendo. Seja como for, estarei atento e farei o que estiver ao meu alcance para proporcionar-lhe conforto e evitar-lhe aborrecimentos. — E muita amabilidade de sua parte, capitão. Muito obrigada, mais uma vez. Também lhe agradeço por convidar-me para sentar-me à sua mesa. — Foi um prazer, lady Hartington. Você enfeitou a mesa do capitão com sua beleza — disse ele, lisonjeiro. — Por favor, não me deixe convencida com seus elogios. Tenho vivido muito sossegada, no campo, e não estou acostumada a ouvir galanteios. Todos se levantaram da mesa. Várias pessoas foram para a sala de jogos e outras apenas se sentaram nos sofás do salão vizinho para conversar. Pela primeira vez desde que embarcara, Celina sentiu-se profundamente só. Invadiu-a uma saudade imensa dos pais. Sem a menor vontade de conversar com quem quer que fosse, procurou o comissário para saber onde ficava sua nova cabine e pegar a chave da mesma. Um criado a acompanhou até lá. Ao ver-se num cômodo tão grande, confortável e arejado, ficou muito feliz. Sua bagagem estava ao lado do guarda-roupa. Indo até a vigia, Celina olhou para o mar iluminado pela luz da lua e das estrelas. Eles estavam saindo do canal da Mancha e logo entrariam na baía de Biscaia. Lembrou-se de que o pai dizia, rindo, que naquele trecho da viagem as mulheres desapareciam. Ficavam trancadas em suas cabines, com enjôo, e só davam o ar da graça quando chegavam a Gibraltar.
  • 33. Sendo essa a sua primeira viagem de navio, e estando a noite tão linda, Celina decidiu ir para o convés. "Será que passarei mal com enjôo?", perguntou a si mesma, enquanto caminhava pelo convés, sentindo no rosto o vento frio vindo do mar. Encostando-se no gradil da amurada, ficou absorta, observando as ondas se quebrando contra o casco do navio. Considerou que havia conseguido o que queria. Encontrava-se a bordo de um vapor grande e luxuoso que a levaria ao Cairo. Esse era o início da grande aventura que planejara viver com a mãe. Agora, infelizmente, aventurava-se completamente só. Olhou para o céu e reconheceu que, afinal, era uma pessoa de sorte. Estava fazendo a viagem, tinha dinheiro suficiente para mandar erguer o túmulo do pai, para passar no Cairo dez dias, aproximadamente, e então voltar para casa. Tudo lhe pareceu tão irreal que ela chegou a imaginar que estivesse sonhando. Estava com o pensamento tão distante dali que se sobressaltou ao ouvir uma voz masculina dizendo: — Vendo-a tão absorta, olhando para o céu, perguntei-me o que poderia estar pedindo às estrelas, lady Hartington. Virando a cabeça, Celina viu o marquês de Merryfield.
  • 34. CAPÍTULO IV Creio que, em uma ou outra ocasião, todos nós fazemos pedidos às estrelas — respondeu Celina, voltando-se para o marquês. — Felizmente, meu desejo se realizou. Estando agora tão perto do marquês e podendo vê-lo claramente e de pé, Celina achou-o muito bonito e bem mais alto do que o imaginara. Sem saber por que, ocorreu-lhe que ele devia ser excelente cavaleiro. Depois de um instante pensativo, o marquês opinou: — Suponho que você desejava muito ir ao Egito e pediu às estrelas para que seu desejo se tornasse realidade. — Sua suposição está certa — afirmou Celina. — Durante todo o jantar eu me perguntei por que nunca a tinha visto antes — começou o marquês, fixando em Celina os penetrantes olhos verdes. — Não acredito que você ficava escondida quando ia a Londres. Sendo tão linda, devia ter muitos admiradores. Desabituada a falar com estranhos, muito menos a ouvir galanteios, Celina alarmou-se. Reconheceu que o terreno era perigoso. Sendo um nobre, o marquês poderia muito bem procurar no Registro de Debrett, ou qualquer outro livro com a relação das famílias aristocráticas inglesas, e não encontraria o nome de lady Celina Hartington. Pensando depressa, Celina decidiu que seria melhor não se enredar em mais mentiras. Respondeu: — Nunca estive em Londres. Na verdade, passei toda a minha vida no campo. — Toda a sua vida é, afinal, um período bem curto de tempo, lady Hartington — avaliou o marquês, com um sorriso. — Só posso dizer que Londres perdeu com a sua ausência; em contrapartida, o campo ganhou com a sua presença. Celina não se conteve e riu ante a observação lisonjeira. Foi um riso cristalino e espontâneo, nada pretensioso. — Por que está rindo? — indagou o marquês. — Porque, como eu disse há pouco, sempre morei no campo e não estou acostumada a ouvir galanteios. Deve saber, milorde, que, numa fazenda, os elogios são para os cavalos. Desta vez foi o marquês quem achou graça. — Uma boa resposta! Tenho cavalos excelentes e reconheço que os elogios feitos a eles me enchem de orgulho. Por outro lado, se alguém ignora os animais, fico muito aborrecido. Celina riu novamente. Para desviar a atenção de sua pessoa, pediu-lhe: — Fale-me sobre seus cavalos. Eles já venceram corridas importantes?
  • 35. — Este ano um de meus puros-sangues chegou em segundo lugar em Epsom, no Derby — respondeu o marquês. — Nem preciso dizer que fiquei desapontado, pois desejava o primeiro lugar. Mas, agora, tenho dois cavalos excepcionais, muito velozes, que certamente irão vencer todas as corridas das quais participarem. — Imagino que seja emocionante para você possuir campeões. Gosto muito de cavalgar e já montei cavalos que receberam prêmios. Um animal vencedor é o orgulho, não só do dono, como do homem que o preparou — assinalou Celina, lembrando-se do pai. Recordou, com grande saudade, como o pai amava os cavalos que treinava e como vibrava de emoção quando um deles vencia uma corrida. Notando que Celina ficara séria e calada, o marquês perguntou: — Em que está pensando? — No treinamento de cavalos. E uma tarefa árdua. — Mas é gratificante — contrapôs o marquês. — Sei disso por experiência própria. Nada se compara à alegria de ver um cavalo que treinamos vencer uma corrida. Acho que o mérito é do treinador e ele devia receber os elogios, não o animal. — Bem, se o cavalo não for bom, o treinador não conseguirá torná-lo um campeão. Ao mesmo tempo, o treinador é o menos recompensado. Pense bem: o pobre homem trabalha arduamente, para adestrar o cavalo que, por sua vez, se submete a duros exercícios e, na hora da corrida, dá tudo o que tem para vencê-la. Por fim, é o dono do animal quem fica com o prêmio e a glória — Celina ponderou. — Em parte você está certa. Mas devemos considerar que todos têm alguma forma de compensação. Para o treinador, fica a grande alegria de ver seu trabalho coroado de êxito e o reconhecimento de seu empregador. O cavalo recebe um tratamento régio e é cercado de cuidados. Pode ter certeza de que ele não deseja nada mais do que isso. Quanto ao dono, que investiu muito no animal, é justo que tenha o maior quinhão. — Vejo que é um homem prático, milorde — Celina apreciou, sorrindo. — E eu já percebi que você gosta muito de cavalos e se interessa por corridas. Sendo assim, eu gostaria de convidá-la para assistir comigo a uma das corridas na qual algum de meus cavalos esteja inscrito. O primeiro impulso de Celina foi aceitar o convite, porém, controlou-se. Refletiu que, no seu papel de lady e viúva, devia ser mais recatada. De mais a mais, estava percebendo que o marquês parecia muito curioso a seu respeito. Portanto, recusou delicadamente o convite e achou mais seguro voltar ao assunto dos cavalos. — Quantos de seus puros-sangues estão sendo treinados? — perguntou. Antes de responder, o marquês ficou pensativo, com certeza, fazendo a contagem. — Há oito que considero prontos para competir e nos quais tenho grandes esperanças. Além desses, há mais ou menos dez outros que ficam, por assim dizer, logo abaixo, na escala — informou o marquês. — Um grande número, milorde! Deve orgulhar-se de seus cavalos.
  • 36. — Sem dúvida, orgulho-me de possuí-los. — O marquês fez uma pausa, fitou Celina de modo curioso, em seguida disse: —Você me surpreende, lady Hartington. As mulheres, em geral, não se interessam por cavalos. Quando muito cavalgam no Hyde Park, na Rotten Row, simplesmente porque ali é um lugar onde desfilam pessoas elegantes. Mas você parece entender de cavalos e adestramento tanto quanto eu. — Oh, não. E que eu sempre morei no campo, numa fazenda de criação de cavalos de raça. Dali saíram muitos campeões. Meu pai sempre gostou de lidar com cavalos — Celina replicou. — Vejo que a filha saiu ao pai. As mulheres detestam falar sobre cavalos, treinamentos, corridas e coisas do gênero. Para elas, é muito mais agradável ouvir elogios sobre sua beleza. — Eu já lhe disse que sou uma camponesa. É natural que goste de cavalgar e entenda de cavalos. Papai me ensinou a montar assim que aprendi a dar os primeiros passos. Também me ensinou que devemos conversar com o animal que montamos para fazer com que ele nos obedeça — tornou Celina. O marquês riu. Depois observou: — Seu pai estava certo. Você deve ser excelente amazona e, sem dúvida, é a jovem mais extraordinária que já conheci. Não consigo imaginar uma dessas aclamadas debutantes conversando com seu cavalo enquanto passeiam pela Rotten Row. Elas estão, em geral, interessadas em flertar com os dândis e preocupadas com as própria elegância. O modo como ele falou provocou o riso de Celina. — Fale-me sobre sua casa, na Cornualha — o marquês pediu-lhe. — A fazenda é muito bonita. E perfeita para a criação de cavalos porque há ali extensas pradarias. E um lugar tranqüilo, onde se pode cavalgar sem perigo de encontrar salteadores de estrada — Celina descreveu. —-Segundo dizem, há muitos bandidos na Cornualha e nos condados vizinhos. — Embora eu não acredite que haja tantos salteadores de estradas como afirmam, já encontrei um deles nas terras de papai, anos atrás. O bandido estava chorando porque seu cavalo tinha quebrado a perna e teria de ser sacrificado. — Imagino o sofrimento do salteador. Sei que esses homens fora-da-lei consideram seu cavalo um grande amigo e companheiro. E graças ao animal que eles vão de um lugar a outro, o que os livra de serem apanhados pela polícia — Celina observou, penalizada. — Quando eu era pequena, conversei com um desses bandidos no bosque que há perto de minha casa. Ainda era cedo e ele estava dormindo. Acordou assustado quando ouviu meus passos. — Você não saiu correndo, com medo dele? — E claro que não. Perguntei-lhe se eu poderia ajudá-lo em alguma coisa. Ele me disse que estava com fome. Então corri para casa e, chegando à cozinha, peguei pão, manteiga, presunto, frutas, um bule de chá e levei para o pobre homem. Ao receber tanta comida, o salteador ficou muito feliz e me deu em troca um galho de urze branca, dizendo para eu guardá-la que me traria sorte — Celina relatou.
  • 37. — Você é diferente. Qualquer outra mulher ficaria aterrorizada se encontrasse um salteador. — Em outro tom, o marquês perguntou. — Mas, diga-me, a urze branca lhe trouxe sorte? — Naturalmente. Sempre fui muito feliz com meus pais, enquanto eles viveram. — Você se casou logo depois da morte de seu pai? A pergunta surpreendeu Celina. Habilmente, respondeu de maneira evasiva: — O que eu lhe contei sobre o salteador de estradas aconteceu há muito tempo. Acredito que atualmente eu teria medo de falar com um bandido. — Sim, mas conte-me sobre a sua vida depois que você cresceu — o marquês insistiu. Mais uma vez, Celina fugiu do assunto. Dirigiu ao marquês um lindo sorriso e replicou: — Acho que isso ficará para outra ocasião. Já falei muito sobre mim. Mamãe costumava dizer que nada é mais aborrecido do que ouvir uma pessoa falando o tempo todo sobre si mesma. O marquês também riu e o momento embaraçoso passou. — Voltando ao assunto de cavalos, que tanto nos interessa, devo dizer que, por coincidência, tenho dois puros-sangues viajando nos porões deste navio e gostaria que você os visse. Vou levá-los como presente para o quediva Ismail. Fiquei sabendo que o soberano adquiriu, há não muito tempo, quatro cavalos de raça excepcionais de um criador da Cornualha. Talvez você conheça esse criador. — Não creio que o conheça. Há vários criadores na Cornualha — volveu Celina, em tom descuidado. — Os moradores daquele condado, quando não são obcecados por cavalos, têm paixão por barcos e navios. — Ouvi dizer que sim — assentiu o marquês. Depois perguntou: — Você tem filhos, lady Hartington? — Não. Fiquei viúva e não tenho filhos. Uma sombra velou o olhar de Celina ao lembrar-se que estava tão só no mundo, pois era como se os parentes não existissem. — Perdoe-me se a deixei triste — desculpou-se o marquês suavemente, percebendo a mudança na expressão de Celina. — Mas deve esquecer o passado e olhar para o futuro com esperança. — E o que estou tentando fazer. — Você é muito jovem. Pode acreditar que coisas muito boas estão para acontecer em sua vida, lady Hartington. Então o passado perderá gradativamente as cores e a importância e você voltará a ser feliz. Não só as palavras, mas também o modo como foram ditas, surpreenderam Celina. — Por que diz isso? Você já perdeu uma pessoa de quem gostasse muito? — Perdi minha mãe que significava tudo para mim — o marquês revelou. — Reconheço que fui criado com excesso de mimos por ser o único filho. Tenho duas irmãs, casadas, mais velhas do que eu. Minha mãe era linda e a pessoa mais bondosa que poderia
  • 38. existir. Ela ensinou-me a ser compreensivo e a tentar fazer um pouco mais felizes aqueles que me cercavam. — Posso imaginar o que você sofreu porque também perdi minha mãe recentemente. Ela era bem parecida com a sua — Celina observou. — Seu marido também morreu há pouco tempo, não? — Sim, em poucos meses perdi duas pessoas queridas. Mas não vamos falar do passado e, sim, de coisas mais alegres — pediu Celina, ansiosa para mudar de assunto. — Você estava dizendo que dois de seus cavalos estão neste navio. — Você os verá amanhã — prometeu o marquês. — Não convém descermos à terceira classe durante a noite. Além disso, está bem mais agradável aqui no convés. — E verdade, mas já é tarde e devo ir para minha cabine. Dormi muito pouco a noite passada porque estava arrumando a bagagem e, realmente, estou com sono. Celina lembrou-se de que, além da bagagem, acondicionara em caixas e em baús os objetos de valor e as preciosas coleções de livros, deixando tudo pronto para ser levado para a Casa Grande com as peças do mobiliário que haviam pertencido aos pais. A voz do marquês interrompeu-lhe os pensamentos. — Oh, ficou triste novamente, lady Hartington. Por certo, estava pensando no que deixou para trás. Esqueça o que ficou na Inglaterra. Quando você voltar para casa, tudo estará do mesmo jeito, à sua espera. Pense apenas nas aventuras que a aguardam, que a deixarão feliz, e afastarão as lágrimas de seus olhos. O marquês falou com tanta bondade e de modo tão sincero que sensibilizou Celina. Ela disse a si mesma que jamais conhecera um cavalheiro tão encantador. Em todo caso, não se considerava uma boa juíza, uma vez que conhecera poucos cavalheiros. Raramente via os proprietários que vinham à fazenda comprar cavalos, quase não saía de casa e não freqüentava a sociedade. Achando que já havia ficado um tempo longo demais a sós com o marquês, despediu-se. — Boa noite, milorde. Eu já fiz o meu pedido às estrelas e espero que ele se realize até o fim da viagem. Aconselho-o a olhar para o céu e também expressar seu desejo. — O que vou pedir não poderá ser realizado em tão pouco tempo — mencionou o marquês. — Se é assim, estenda o prazo. Para as estrelas isso não fará diferença. Obediente, o marquês olhou para o céu. Disse, um instante depois: — Já fiz o meu pedido. E agora, antes de você ir para sua cabine, convido-a para tomar uma xícara de café ou um drinque. Aceita? — Sim, aceito o café. Obrigada. — Sente-se numa daquelas cadeiras enquanto vou falar com o criado de bordo. Havia algumas cadeiras bem perto do lugar onde eles se achavam. O marquês acompanhou Celina até elas e afastou-se.
  • 39. "Que sorte a minha! Consegui uma cabine na primeira classe e encontrei um cavalheiro tão amável", Celina pensou. Ocorreu-lhe que se viajasse na segunda classe os homens seriam bem diferentes. Para evitá-los, ela teria de recolher-se logo após o jantar e ficar trancada em sua cabine. Em poucos minutos, o marquês estava de volta. O garçom que o acompanhava serviu o café a Celina e vinho do Porto ao marquês. — Eu gostaria que me acompanhasse, mas suponho que uma pessoa tão jovem como você, seja abstêmia — disse o marquês. — Não gosto de bebidas alcoólicas. Não costumo tomar nem mesmo vinho. Mas como sabe que sou jovem? — Tenho experiência suficiente para poder avaliar a idade de uma mulher. Asseguro que dificilmente erro. Você, por exemplo, não chegou aos vinte anos — aventurou o marquês. — Cuidado com as suas "avaliações" — Celina aconselhou-o, rindo. — As mulheres detestam que se fale de idade e nunca revelam a data do nascimento. Quando têm trinta, fingem ter vinte, e aos quarenta ficam neuróticas, só de pensar que se avizinham dos cinqüenta. — Tem razão — concordou o marquês, rindo também. — Mas não é o seu caso. Muitos e muitos anos passarão até que você comece a preocupar-se com a idade. — Não quero falar sobre mim. Estou mais interessada em saber onde você mora, se treina seus cavalos em sua propriedade ou se mantém os puros-sangues de corrida em Newmarket, como outros criadores. — Custa-me acreditar que você se interesse tanto por cavalos e entenda de animais! — exclamou o marquês, surpreso. — Vejo que ouvirei a opinião abalizada de uma grande conhecedora quando eu lhe mostrar os dois cavalos que tenho no porão do navio. — Mesmo sem vê-los posso afirmar que são excelentes. Você não os ofereceria ao quediva se não fossem magníficos — expôs Celina. — Seu raciocínio está correto. Informaram-me que o quediva é obcecado por cavalos. Diante disso, fiz questão de escolher os melhores para presenteá-lo e ficarei envergonhado se eles não forem considerados iguais ou superiores aos que o soberano já possui. Lembrando-se dos quatro soberbos puros-sangues que o quediva havia comprado do Sr. Watson, e que o pai trouxera para o Cairo, Celina disse a si mesma que os dó marquês poderiam se igualar a eles, mas nunca superá-los. Para mudar de assunto, comentou: — Sempre tive vontade de viajar, mas é esta a primeira vez que saio da Inglaterra. Estou ansiosa para conhecer lugares sobre os quais tenho lido. O primeiro deles será Gibraltar. — Sem dúvida, Gibraltar é fascinante. Os navios sempre fazem escala ali para abastecer. Naturalmente, você já ouviu falar sobre os famosos macacos que todos desejam ver nos rochedos — assinalou o marquês. — Nas lojas você encontrará belíssimos artigos vindos da China a preços muito inferiores aos de qualquer outro lugar.
  • 40. — Espero não ficar decepcionada. Em geral, é o que acontece quando se deseja algo com muita ansiedade. — Pode ter certeza de que irá gostar dos portos onde pararmos — afirmou o marquês. — A primeira viagem que fazemos é sempre empolgante porque tudo tem o sabor da novidade e da aventura. — E exatamente essa a minha opinião. — Imagino que a Grécia seja o lugar que você sempre desejou conhecer. — Acertou. Mas o que o faz pensar assim? — Celina questionou. — E que estou inclinado a acreditar que você seja a reencarnação de uma das deusas e queira visitar o monte Olimpo — respondeu o marquês. — Esse é o maior elogio que já recebi! — Celina exclamou, sorridente. — Sou, porém, realista para saber que não posso me comparar às belíssimas deusas gregas que inspiraram tantas telas, esculturas e outras obras de.arte. — Tenho uma tela representando Afrodite, a deusa do Amor. Foi pintada há quatro séculos e meu avô a conseguiu numa lojinha quando esteve na Grécia. Estava em péssimo estado, mas depois de limpa e restaurada os peritos atestaram que era uma preciosidade. — Que sorte a sua, possuir uma obra de arte como essa! — Muita sorte, realmente. Contaram-me a história dessa tela quando eu ainda era garoto e, a partir daí, desejei encontrar uma mulher tão bela como Afrodite. Cresci com a certeza de que iria encontrá-la. Quando isso acontecesse, eu dizia a mim mesmo, a amaria e ela seria para mim uma inesgotável fonte de inspiração, da mesma forma que a deusa havia sido para o artista que a pintara, quatro séculos atrás. O marquês terminou de falar e Celina levantou-se. Achou melhor não prolongar aquele assunto que se tornava íntimo demais. Afinal, ela e o marquês mal se conheciam. — Estou, realmente, muito cansada e vou dormir — desculpou-se. — Obrigada pelo café, pela companhia e por ter sido tão amável. — Bem, a conversa está muito agradável, mas reconheço que não devo prendê-la, lady Hartington. Enfim, teremos muitos dias de viagem pela frente e nos veremos com freqüência — disse o marquês, tendo ficado de pé e apertado a mão que Celina lhe havia estendido. Em sua cabine, Celina viu tudo na mais perfeita ordem. A bagagem fora desfeita, as roupas e outros objetos haviam sido guardados. Uma camareira não tardou a aparecer e perguntou-lhe se precisava de alguma coisa. — Nada por hora, obrigada — Celina respondeu. — Também lhe agradeço por ter pendurado meus vestidos mo guarda-roupa e por guardar o restante da bagagem nas gavetas. — Espero que se sinta confortável, milady. Não hesite em tocar a campainha, caso deseje algo. Virei atendê-la imediatamente — avisou a camareira, saindo da cabine em seguida. Depois de ter trancado a porta, Celina notou que o navio estava balançando muito. Olhou pela vigia e viu que as ondas estavam mais revoltas. O céu, entretanto, continuava estrelado, sem nenhum sinal de tempestade.