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UM DESEJO A MAIS
    Anne Mather
    Harlequin Paixão 70
    Autora Best Seller

    ISBN978-85-7687-466-9
    PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES
    Copyright © 2006 by Anne Mather
    Título original: STAY THROUGH THE NIGHT
    Originalmente publicado em 2006 por Mills & Boon Modern Romance
    Editoração eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda.
    Impressão: RR DONNELLEY
    Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil:
    Fernando Chinaglia Distribuidora S/A
    Editora HR Ltda.



                                                 Sombras na noite…

                             Liam Jameson é um sexy escritor de livros de terror
                                conhecido internacionalmente. Mas a fama lhe
                               cobrou um alto preço, e o fez viver isolado numa
                                            remota ilha da Escócia…
                             Até que Rosa Chantry bate à sua porta e transforma
                               o seu mundo. Seu desejo por ela é forte. Porém,
                              mais forte ainda é a convicção de não ser capaz de
                                manter uma mulher ao seu lado. Mas Rosa está
                             determinada a afastar dele o medo de não ser aceito
                                                  tal como é…


                             A autora best seller Anne Mather já publicou mais de
                              150 romances, que ultrapassaram a marca de 100
                             milhões de exemplares vendidos em todo o mundo.


                              PROJETO REVISORAS

        Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
                      Cultura: um bem universal.

                      Doação do livro: Manuela Carneiro
                          Digitalização: Palas Atenéia
                                Revisão: Edith Suli
                                             1
CAPÍTULO UM


     FAZIA frio. Na verdade, muito mais do que Rosa esperava. Quando ela
chegou, na noite anterior, associou o frio à chuva fina, bem como a sua
ansiedade e apreensão. Mas de manhã, depois de uma boa noite de descanso
e uma tigela de mingau escocês, não havia desculpas.
     Onde estava o calor que deveria tomar conta do Reino Unido em julho e
agosto? Não ali em Mallaig, com certeza. Enquanto se lamentava, Rosa
observava a sala aconchegante da pousada onde passara a noite.
     É claro que parte daquele desânimo se devia à consciência de que dentro
de poucas horas estaria entrando num território totalmente desconhecido. Uma
ilha a duas horas da costa da Escócia não lhe parecia um lugar agradável. E
era esse o motivo de sua presença em Mallaig, de onde iria para Western Isles.
     Dentro de uma hora estaria num barco — navio? — que a levaria a Kilfoil,
e ainda não sabia se era lá que Sophie estava.
     Felizmente, havia levado algumas roupas de frio, e naquela manhã vestira
uma camiseta, uma camisa e um suéter de lã. Ao sentir o vento frio vindo do
mar, achou que teria de vestir também seu casaco de cachmere para fazer a
travessia até a ilha. Arrependeu-se de não ter levado seu sobretudo de couro,
que era mais longo e manteria suas pernas aquecidas.
     Apesar do frio, a vista era magnífica. A ilha de Skye ficava perto, e ela
imaginou se aquelas montanhas avermelhadas seriam as famosas Cuillins. Não
sabia. Na verdade, sabia muito pouco sobre aquela parte da Escócia. Embora
seu avô Ferrara tivesse ficado preso perto de Edimburgo durante a guerra, ela
nunca havia viajado para o norte além de Glasgow. Tinha tios e tias lá, mas
suas visitas haviam sido poucas e esporádicas.
     Agora se arrependia de não ter tido mais aventuras quando teve a
oportunidade. Mas ingressara na universidade, casara-se com um inglês e
vivera em Yorkshire a maior parte de sua vida. Era fácil encontrar uma
desculpa para sua falta de aventuras na mãe viúva e na irmã mais nova. Mas a
verdade é que nunca gostara de aventuras, e Collin sempre preferia passar as
férias na Espanha, onde podia ficar bronzeado.
     É claro que Collin já não podia mais ser uma desculpa. Três anos antes,
quando descobrira que ele a traía com a secretária de seu chefe, Rosa não
hesitara em pedir o divórcio. Collin implorara para que não destruísse um
casamento de cinco anos por causa de um único erro, mas ela sabia que ele a
traíra outras vezes e que aquela não seria a última.
     Felizmente — ou infelizmente, admitiu — eles não tinham filhos para
sofrer com a separação. Rosa nunca engravidara, mas não sabia se a culpa era
dela ou dele. É claro que durante o divórcio CoHin a culpara por sua
infidelidade. Se ela não passasse tanto tempo naquela maldita escola com
aquelas crianças que não gostavam dela, talvez o casamento tivesse uma
chance. Mas Rosa sabia que era uma desculpa.
     Sem seu salário de professora de inglês, Collin não teria viajado tanto pela
Europa como gostava.
     Agora aquilo fazia parte do passado, pensou. Embora as coisas que Collin
fizera ainda doessem um pouco, ela seguia sua vida. Até aquele telefonema na

                                       2
véspera, que a levava àquela procura difícil em Kilfoil. Mas sua mãe estava
desesperada, e Rosa sabia que não tinha outra escolha a não ser atender a seu
pedido.
     Ela suspirou, pondo as mãos sobre a cerca e observando a água como se
ali pudesse encontrar respostas. E se sua mãe estivesse errada? E se Sophie
não estivesse na ilha? Haveria alguma pensão ou hospedaria na ilha onde ela
pudesse passar a noite para tomar a balsa de volta no dia seguinte?
     Ela só poderia comprar a passagem para Kilfoil a partir das 9h, mas não
teria problemas. Apenas turistas e mochileiros iam para aquela ilha. A maioria
dos passageiros ia para Skye. Ó, Deus, pensou, parecia um lugar tão remoto!
Desejou que sua mãe estivesse ali. Seria tão bom ter alguém conhecido para
conversar…

     LIAM parou seu Audi no estacionamento e pôs as pernas para fora do
carro. Em seguida, apoiando uma das mãos no teto e a outra no alto da porta,
levantou-se e olhou em volta.
     O vento vindo do mar era cortante, mas ele não notou. Nascera em
Hampstead, mas vivia na Escócia havia dez anos, desde o sucesso estrondoso
de seu primeiro livro. E se acostumara ao clima. Um famoso diretor de
Hollywood gostara do livro e o transformara num filme de sucesso. Mas isso
acontecera quando sua vida em Londres começara a ficar aos poucos — e
depois violentamente — insustentável.
     Ele pôs uma das mãos sobre a coxa, sentido o sulco de carne rígida que
se destacava abaixo.da virilha embora usasse jeans. Tivera sorte, refletiu. Dos
muitos ferimentos que sofrerá, aquele poderia tê-lo matado. Mas embora a
faca tivesse atingido seriamente sua artéria femoral, causando-lhe uma perda
de sangue quase fatal, rompendo nervos e tendões e tornando sua perna
esquerda permanentemente fraca, ele sobrevivera. Fora o atacante a morrer,
esfaqueando a si próprio depois de confirmar que atingira seu objetivo.
     Liam fez uma careta, afastando os pensamentos. Aquilo acontecera havia
muito tempo, e desde então nenhum de seus livros tinha sido muito bem
recebido por seus leitores. Respirou fundo o ar frio do mar, feliz por ter
decidido voltar de Londres durante a noite para embarcar na balsa naquela
manhã. Só haveria outra balsa quinta-feira, e ele estava impaciente para
voltar para Kilfoil e trabalhar.
     Olhando seu carro, flexionou os ombros e esticou as pernas, sentindo a
rigidez dos ossos depois de dirigir quase dez horas sem parar. Sua atenção se
desviou para uma mulher solitária inclinada sobre a cerca no fim do cais. O
cabelo dela o atraíra: bem ruivo e encaracolado, rebelando-se contra a faixa
amarrada à nuca. Mas ela parecia não se importar. Observava a ilha de Skye
como se procurasse alguma resposta na neblina sobre as montanhas.
     Liam deu de ombros. Obviamente era uma visitante. Vestida para o verão
nas Highlands, pensou com ironia.
     Jack Macleod, que alugava veleiros a turistas, saudou Liam quando ele
desceu do carro e começou a cruzar o terminal da balsa.
     — Estávamos começando a achar que você havia desistido de voltar —
disse.
     — Voltei assim que pude. Já não gosto de ficar muito tempo em cidades
superlotadas.

                                      3
— Ouvi dizer que você foi a Londres para ir ao médico. Espero que não
seja nada sério.
     — Só um check-up — disse Liam rapidamente, sem querer discutir seus
problemas particulares em público. Ele sabia que suas vozes haviam chamado
a atenção da mulher no cais, e ela os olhava sobre os ombros.
     Rosa percebeu que eles haviam notado seu interesse e desviou o olhar,
não antes de Liam registrar seu rosto oval e os olhos excepcionalmente pretos
para uma mulher de sua cor. É claro que provavelmente a cor de seu cabelo
não era natural, e, embora fosse alta, não era magra demais.
     — Então você vai pegar o barco esta manhã — continuou Jack, sem notar
que Liam se distraíra e obrigando-o a ouvi-lo.
     — Se eu conseguir — disse Liam.
     Quando ele olhou novamente para trás, a mulher já não estava lá.
     ROSA voltou para a pousada, arrumou suas coisas e retornou ao terminal
na hora de comprar sua passagem para Kilfoil. Achou que parecia uma turista,
de jeans, tênis e mochila no ombro. Os outros mochileiros, fazendo fila para
comprar passagem, nem repararam nela. Diferentemente dos dois homens que
ela vira mais cedo no estacionamento. Bem, pelo menos um deles a olhara
com atenção.
     E a achara interessante. Com certeza ela teria percebido se ele não
tivesse gostado do que viu. Mas não sabia ao certo se ele a havia notado por
ter percebido que ela os observava.
     De qualquer modo, ele era atraente, admitiu, com mais de 1,80m,
calculou, e os ombros largos se destacando sob o cabelo despenteado.
Imaginou que fosse um dos poucos pescadores que ainda trabalhavam
naquelas águas. Não parecia um turista, e o homem que estava com ele
calçava galochas, pensou.
     Era provável que não os visse novamente, a não ser que um deles fosse
capitão do barco que tomaria. Talvez alguém na balsa se lembrasse de uma
menina loura bonita que teria viajado para Kilfoil na semana anterior. Ela
deveria ousar perguntar sobre Liam Jameson? Não, achou melhor. Diziam que
ele vivia recluso. Mas então o que estivera fazendo num festival de música pop
em Glastonbury? Pesquisando? Achou que não.
     Sua mente se confundiu, o que sempre acontecia quando se lembrava do
que sua mãe lhe dissera. Sophie já fizera tolices, mas nunca uma loucura
daquelas.
     Rosa achava que sua irmã finalmente estava tomando juízo, e que ela e
Mark Champion passariam a viver juntos. Mas agora aquele relacionamento
estava ameaçado por causa de um homem que Sophie conhecera no festival.
     Rosa apanhou seu bilhete e saiu novamente. A chuva diminuíra e o sol já
brilhava sobre as águas. Um bom presságio, pensou, procurando pela balsa
que deveria partir em 45 minutos. Os pedestres embarcariam antes dos
veículos.
     Ela viu aquele homem novamente enquanto esperava em fila no cais. Ele
estava num dos carros que aguardavam o embarque. Inesperadamente, seu
coração começou a bater mais forte. Então ele estaria no mesmo barco. Que
coincidência! Mas era improvável que fosse para Kilfoil. De acordo com a
senhora Har-ris, da pousada, Kilfoil permanecera deserta por vários anos, até
um escritor rico comprar a propriedade e restaurar o castelo em ruínas para

                                      4
ocupá-lo.
     Liam Jameson, é claro, concluíra Rosa, sem querer, porém, perguntar
detalhes àquela senhora para não ter que explicar o motivo que a levava à
ilha. Dissera a ela que faria umas fotos para uma reportagem sobre o
desenvolvimento da ilha. Mas a senhora Harris advertira que a ilha era
propriedade particular e que ela precisaria de uma autorização para tirar fotos.
     Rosa perdeu Liam de vista quando embarcava na balsa. Ela tremia de frio.
Céus, pensou, como alguém pode escolher viver aqui tendo dinheiro para
comprar uma ilha ? Barbados, sim. Caymans, talvez. Mas Kilfoil? Deve ser
louco.
     Ela só conseguia pensar que a ilha lhe dava inspiração para escrever suas
histórias de terror. E, de acordo com sua irmã, estavam fazendo um filme dele
na ilha. Será que isso fazia sentido? Será que Sophie e Mark tinham dito a
verdade? Sua mãe acreditara em cada palavra.
     Se Liam não tivesse se envolvido com Sophie…. pensou. Sua irmã se
impressionava com facilidade, e sonhava em se tornar uma atriz de sucesso.
Se ela tivesse encontrado Jameson, teria ficado impressionada, sem dúvida.
Ele vendera milhões de livros. Cada vez que um novo livro era lançado, Sophie
o devorava. E todos os seus filmes haviam feito sucesso. Seu trabalho era
cultuado devido a um fascínio cada vez maior pelo sobrenatural.
     Particularmente os vampiros, que eram sua marca registrada.
     Mas teria ele estado num festival de música pop? Coisas estranhas haviam
acontecido, imaginou, e Sophie certamente convencera Mark de que aquela
era uma chance que não poderia perder. Por que não telefonara para sua mãe
para avisá-la, por que pedira a Mark que se desculpasse por ela? Mas se
Sophie estava mentindo, onde estaria, meu Deus?
     Felizmente havia uma cabine sob o convés onde os passageiros podiam
comprar sanduíches, refrigerantes e bebidas quentes. Rosa entrou e encontrou
um assento perto da janela, de onde podia ver o movimento no cais.
     Logo todos os passageiros entraram e a fila de carros desapareceu.
Devem ter sido colocados na ordem em que serão desembarcados, refletiu,
imaginando se o homem que ela havia visto sabia dessa rotina.
     A balsa seguiria primeiramente para Kilfoil e depois para outras ilhas.
Rosa ficou satisfeita. Isto significava que Kilfoil era a ilha mais próxima. A ilha
de Skye parecia incrivelmente perto quando a viagem começou. Mas logo as
ondas em mar aberto começaram a fazer o barco subir e descer.
     Rosa virou os ombros e viu um grupo de pessoas na cantina. Lamentou
não ter comprado uma bebida antes da confusão se formar. Aquela altura, não
tinha certeza se conseguiria atravessar a cabine sem ficar enjoada. Nunca fora
uma boa tripulante, e a balsa balançava muito mais do que o aerobarco que
ela e Colin haviam tomado certa vez para Bolonha.
     — Você está se sentindo bem?
     Imaginando que devia estar pálida, Rosa virou-se e viu o homem do
estacionamento olhando para ela de cima para baixo. Então ele havia
embarcado, pensou, confusa, notando que ele parecia não se importar com o
balanço do barco. Embora vestisse um casaco de couro comum sobre a
camiseta e o jeans, parecia tão grande e poderoso quanto antes. A camisa saía
do jeans em alguns cantos, expondo sua pele morena e seus pêlos.
     Como ele é sensual, pensou, distraindo-se por um momento de seus

                                        5
problemas. Mas Liam esperava uma resposta e ela forçou um sorriso sem
graça.
      — Eu não imaginava que o mar estaria tão agitado — confessou,
pensando se ele havia notado que os olhos dela estavam na altura de sua
virilha. Esforçou-se para olhar para qualquer outro lugar. — Acho que você
está acostumado — disse.
      Os olhos dele se estreitaram, com os grossos cílios pretos cobrindo a íris
verde esmeralda. Meu Deus, como é bonito, pensou Rosa, observando sua pele
bronzeada, seu queixo firme e sua boca, estranhamente sensual embora
comprimida em uma linha fina. Mas ele falou novamente, com a voz mais
forte, e ela se desviou dos pensamentos ao perceber que ele não tinha sotaque
escocês.
      — Por que você diz isso? — perguntou Liam. Rosa piscou os olhos, sem
conseguir lembrar exatamente o que dissera. Mas logo recordou.
      — Ah, só achei que você conhecia bem a região — confessou, sem jeito.
— Certamente eu estava errada. Você é inglês, não?
      Liam fez uma careta, reprovando-se pelo impulso que o levara a
perguntar se ela estava bem. Rosa estava tão pálida que ele havia sentido
pena. Obviamente não vivia ali. Estava sem roupas à prova d’água, sem botas,
e até a mochila que levava parecia frágil.
      — Nem todos nós falamos gaélico — disse ele, finalmente.
      Ela encolheu os ombros.
      — Está bem — disse Rosa, contendo sua indignação. Pelo menos a
conversa a estava ajudando a afastar os olhos do mar. — Então você vive nas
ilhas?
      — Talvez.
      Ele estava sendo irritantemente reticente. E então, desconcertando-a,
afirmou:
      — Espero que você não pretenda fazer caminhadas vestida dessa
maneira.
      Rosa respirou fundo:
      — Isto não é da sua conta.
      — Não — admitiu ele, arrependido. — Eu só estava pensando alto. Mas
não consegui deixar de notar que você parecia sentir frio hoje mais cedo.
      Então ele a notara. Rosa se sentiu menos hostil a ele.
      — Está muito mais frio do que eu imaginava — admitiu. — Mas espero não
ficar aqui muito tempo.
      — Uma visita rápida?
      — Algo assim.
      Liam franziu a testa.
      — Você tem parentes aqui?
      Rosa prendeu a respiração. Ele estava fazendo muitas perguntas. Mas
então se lembrou que perguntaria a qualquer um sobre sua irmã. Se aquele
homem usava a balsa regularmente, poderia tê-la visto. E ter visto Liam
Jameson. Mas preferiu não mencioná-lo.
      — Na verdade, espero encontrar minha irmã — disse, tentando parecer
informal. — Uma menina loura, bonita. Acho que ela fez essa travessia alguns
dias atrás.
      — Não pode ter feito — disse ele. — Essa balsa só circula às segundas e

                                       6
quintas-feiras. A não ser que ela tenha ido quinta-feira passada.
      Rosa engoliu seco. Quinta-feira Sophie ainda estava em Glastonbury com
Mark. Ele telefonara sábado à noite para avisar à mãe do que acontecera, e
isto levara a senhora Chantry a telefonar para Rosa, histérica.
      — Você tem certeza? — perguntou ela, tentando imaginar se Liam
Jameson teria um avião ou um helicóptero. Provavelmente tinha, pensou. Por
que viajaria como um simples mortal? Deve até ter um barco.
      — Tenho — respondeu ele. — Isto quer dizer que você não acha que sua
irmã esteja aqui?
      — Talvez. — Rosa não queria dividir seus pensamentos com ele. — Falta
muito tempo para chegar?
      — Depende de para onde você está indo — observou Liam, secamente,
embora curioso.
      Rosa achou que não havia problema em lhe dizer seu destino.
      — Ah, Kilfoil — disse, notando que suas palavras o surpreenderam.
      Bem, que ele fique ruminando, pensou com despeito. Ele não havia sido
exatamente delicado com ela.




                                     7
CAPÍTULO DOIS


      LIAM ficou surpreso. Achou que sabia tudo sobre as famílias que haviam
se mudado para a ilha depois de adquiri-la. Inabitadas durante anos, as casas
estavam em ruínas, e ele fizera um esforço descomunal para tornar o lugar
habitável novamente. No processo de instalação de rede elétrica, gerador e
serviços básicos, tornara-se amigo daquelas famílias. Agora Kilfoil tinha uma
economia saudável, com turismo, pesca e fazendas que garantiam a
subsistência de centenas de pessoas.
      Ele queria indagar por que ela achava que a irmã estava na ilha, mas
sabia que já havia feito muitas perguntas. Está bem, ela o intrigava, com seu
ar de desafio tímido e a inocência com que falava sobre a ilha. A não ser que
sua percepção tivesse falhado, havia algo além do desejo de se encontrar com
a irmã. Teria a menina fugido? Talvez com um namorado? Mas por que teria
ido para Kilfoil? Até onde ele sabia, não havia padre na ilha.
      Rosa o viu pôr as mãos nos bolsos traseiros do jeans, aparentemente sem
notar que o botão na cintura estava aberto. Ela pensou em dizer-lhe, mas isto
mostraria que estava olhando, e então desviou o olhar.
      — Mais ou menos uma hora — disse ele, respondendo.
      E então, como se sentisse a ausência dela, afastou-se e foi até o bar no
outro lado da cabine. Discretamente, Rosa viu que ele conversava com o
jovem atendente. Ele recebeu um troco e o jovem lhe entregou duas xícaras
de plástico.
      Duas?
      Rosa rapidamente afastou o olhar. Seria uma das xícaras para ela?
Preferiu não olhar, não ver se ele estava voltando para onde ela estava, caso
estivesse errada.
      — Quer um café?
      Sim. Ele estava diante dela novamente.
      — Ah, não precisava — murmurou, embaraçada. — Obrigada. Por que
você não se senta?
      Liam hesitou. Não costumava comprar café para mulheres estranhas,
dividindo com elas seu espaço. Mas aquela parecia tão deslocada que não
conseguiu deixá-la. Poderia ser uma jornalista atrás de uma notícia, pensou.
Mas se fosse isso, estaria bem à vontade com ele.
      Ela parecia muito vulnerável e, deixando de lado a cautela, ele se sentou a
seu lado. Ao sorver o café, olhou-a discretamente. Ela o observava e Liam
disse:
      — Pelo menos está quente.
      — Está muito bom — assegurou Rosa, sem ser completamente sincera. O
café estava amargo. — Você foi muito gentil.
      — Hospitalidade escocesa — disse ele, com ironia. — Somos conhecidos
por isso.
      Ela o olhou de lado.
      — Então você é escocês? Deve conhecer bem a região. Como é Kilfoil? É
civilizada?
      — Onde você acha que está? No deserto da Mongólia?

                                       8
Ela ficou corada.
     — Não. Mas me fale sobre a ilha. Há casas, lojas, hotéis?
     Liam hesitou, dividido entre o desejo de descrever seu lugar e a vontade
de não parecer familiarizado com a região.
     — É como muitas outras ilhas — disse finalmente. — Há uma vila, e você
pode comprar as coisas que precisar. A correspondência e os artigos de luxo
chegam de balsa. Assim como os turistas, que ficam em hospedarias locais.
     Rosa se sentiu aliviada.
     — Então não é desolado, ou algo assim.
     — É bonito — disse Liam, pensando em o quanto estava aliviado por
voltar. — Todas essas ilhas são bonitas. Eu não viveria em outro lugar.
     As sobrancelhas de Rosa se ergueram.
     — Onde você mora? Ele estava encurralado.
     — Em, Kilfoil — respondeu, com relutância. E decidiu que já havia falado o
suficiente. — Desculpe-me, preciso checar meu carro.
     Rosa ficou pensativa enquanto terminava seu café. O que um homem
como ele faria na ilha? Seria um pescador, como ela especulara? De alguma
maneira isso não parecia provável. Um pensamento lhe ocorreu. Talvez
trabalhe para Liam Jameson. Ou para uma equipe de filmagem, se estiverem
fazendo um filme na ilha.
     Devia ter perguntado se estavam filmando em Kil-foil. Mas aí teria que
explicar por que estava ali. Não. Era melhor esperar antes de começar a fazer
perguntas. Não queria alertar Liam sobre quem era.
     Rosa tremeu ao imaginar o que tinha que fazer. Sua missão, pensou com
ironia. Céus, o que estava pretendendo fazer? As pessoas na ilha lhe diriam se
houvesse uma equipe de filmagem. Já informar onde morava Liam Jameson
era outra história.
     A viagem parecia interminável. Se o que o ele dissera era verdade, não
deveria demorar muito. Ao olhar para a frente do barco, viu uma massa de
terra adiante. Seria Kilfoil? Esperava que sim. Telefonaria para a mãe assim
que chegasse.
     Lúcia Chantry devia estar desesperada por notícias. Sophie era seu bebê,
e embora soubesse que às vezes ela era egoísta e voluntariosa, não escondia
que era sua filha favorita. Sophie nunca agia mal, enquanto Rosa estava
sempre cometendo erros, inclusive quando se casou. Nunca gostara de Colin
Vincent, e não hesitou em dizer eu avisei quando Colin se revelou um calhorda.
     Enquanto a balsa parava lentamente, Rosa se levantou, ansiosa para
observar seu destino. Não é nada impressionante, pensou, apenas um
punhado de casas na encosta. O céu nublado não ajudava.
     Quinze minutos depois ela estava no cais, observando os poucos carros
que desembarcavam na ilha. Acima dela, viu a estrada que serpenteava até a
vila e as encostas escuras de uma cadeira de montanhas por trás. De repente
a ilha parecia muito maior do que imaginara. E se realmente encontrasse
Sophie, se ela não estivesse mentindo? Como conseguiria levá-la para casa?
Se a irmã estivesse encantada com um astro, nada que dissesse adiantaria.
     Rosa acabara de notar uma placa de “Correios” quando viu um Audi cinza
descendo a rampa e indo em sua direção. O homem que lhe comprara café
estava ao volante e ela se virou abruptamente. Não queria que ele achasse —
nem por um momento — que ela o procurava.

                                      9
Para seu alívio, o carrão passou rapidamente por ela. Mas, em seguida,
freou e deu ré. Parou a seu lado e a porta se abriu. Ele pôs as pernas para
fora, levantou-se com visível esforço e se virou para ela.
     Rosa notou que ele forçava a perna esquerda, o que não observara na
balsa. O balanço do barco impediria qualquer observação desse tipo.
     Enquanto isso, Liam se reprovava por ser tolo a ponto de parar o carro.
Mas ainda tinha a impressão de que um vento a derrubaria. E certamente ela
não estava interessada nele. Liam percebera que ela deliberadamente havia se
virado de costas para ele. Então por que bancava o cavaleiro errante
novamente?
     — Algum problema? — perguntou, forçando-a a olhar para ele.
     — Espero que não — disse Rosa firmemente, desejando que ele
simplesmente fosse embora.
     Mas, se por acaso a ajudasse, ficaria grata.
     — Ah, eu só estava procurando os correios. Queria perguntar onde fica o
castelo de Kilfoil.
     — Castelo de Kilfoil — Liam agora estava desconfiado. — Por quê? Não
está aberto ao público.
     — Sei disso — disse Rosa, e suspirou. Em seguida, cedendo ao desejo de
confiar nele, acrescentou:
     — Você sabe se há uma equipe de filmagem trabalhando lá?
     — Uma equipe de filmagem? — agora Liam estava realmente preocupado.
Estaria o tempo todo equivocado em relação a ela?
     — Sim, uma equipe de filmagem — repetiu Rosa. — Acho que estão
filmando um dos livros de Liam Jameson na ilha.
     Diabos!
     Liam a fitou, tentando descobrir se ela era tão ingênua quanto parecia.
     — Por que você acha que Liam Jameson permitiria que uma equipe de
filmagem profanasse sua casa? Sei que fazem filmes sobre seus livros, mas
não são filmados aqui.
     Era sua imaginação ou os ombros dela haviam desabado diante da
notícia? O que estava acontecendo? Ela esperava encontrar a irmã num set de
filmagem?
     — Acho que você está equivocada — disse ele, gentilmente. — Alguém lhe
deu uma informação errada. Posso assegurar que não há nenhuma equipe de
filmagem no castelo nem em qualquer outro lugar na ilha.
     Rosa balançou a cabeça.
     — Tem certeza?
     — Sim.
     — Você não está querendo me afastar?
     — Claro que não! — Liam a fitou com compaixão. — Entendo que eu possa
decepcioná-la, mas não acho que sua irmã esteja aqui.
     As sobrancelhas de Rosa se juntaram.
     — Não me lembro de ter-lhe dito que minha irmã estava com a equipe de
filmagem.
     — Não, mas não é preciso ser um matemático para somar dois mais dois.
     Rosa mordeu os lábios.
     — Está bem. Talvez eu tenha pensado que Sophie pudesse estar com eles.
Mas se não está, talvez esteja em outro lugar.

                                    10
Liam a fitou.
     — Na ilha?
     — Sim — Rosa ergueu a cabeça. — Talvez você pudesse me indicar onde
é o castelo de Kilfoil. Eu poderia pegar um táxi ou algo assim se for muito
longe?
     Liam piscou os olhos.
     — Por que razão você acha que sua irmã está no castelo de Kilfoil? —
perguntou, tentando não se mostrar ultrajado com a suposição.
     Ela suspirou.
     — Porque aparentemente ela se encontrou com Liam Jameson dias atrás,
no festival de Glastonbury. Ele disse a ela que estavam fazendo um filme sobre
seu último livro na Escócia e a convidou para um teste de atriz.
     DIZER que Liam estava chocado seria pouco. Era como se de repente
Rosa tivesse começado a falar numa língua estranha e ele não conseguisse
entender. Até a manhã de domingo estivera numa clínica em Londres, fazendo
um tratamento muscular para tentar reduzir os espasmos na perna. Além
disso, nunca estivera num festival de música pop na vida.
     Percebendo que Rosa esperava que dissesse algo, Liam tentou se
concentrar.
     Era óbvio que ela acreditava no que dizia. Sua aparência de incerteza e
expectativa era convincente demais. Mas, que diabos, se sua irmã inventara
essa história, por que ela acreditara? Qualquer pessoa que conhecesse Liam
Jameson saberia que era mentira.
     Mas talvez ela não soubesse. Com certeza não o reconhecera. E,
convenhamos, não era tão absurdo. Dois de seus filmes haviam sido filmados
na Escócia. Mas não em Kilfoil.
     — Liam Jameson vive aqui, não?
     Rosa esperava que ele dissesse algo, em vez de ficar olhando-a com
aqueles olhos verdes penetrantes, que pareciam observar sua alma. Ela se
sentiu desconfortável diante de seu olhar escrutinador. Liam provavelmente
não percebia, mas ela estava ficando realmente excitada.
     — Sim — disse ele, finalmente. — Ele mora no castelo de Kilfoil, como
você deve saber. Mas não há como ter proposto um teste a sua irmã. Ele não
se envolve em filmes. Se ela lhe disse isso, estava errada.
     — Como você sabe? — Embora Rosa estivesse pronta para aceitar que ele
estava certo, ficou curiosa sobre aquela certeza dele. — Você o conhece
pessoalmente?
     Liam esperava por aquilo.
     — Sei sobre ele — disse, relutando em lhe contar quem era. — É meio
recluso e, pelo que sei, nunca foi a Glastonbury. Sua irmã deve ser jovem.
Liam tem 42 anos.
     — Quarenta e dois!
     Se ele imaginasse que ela pudesse saber sua idade, estava errado. Rosa
emendou:
     — Isso tudo?
     — Não é tão velho assim — resmungou Liam, sem disfarçar uma pontada
de indignação. — Que idade tem sua irmã?
     — Quase 18. Você acha que Liam Jameson gosta de meninas novas?
     — Ele não é um pervertido — disse Liam, com severidade, e mudando de

                                     11
tom. — E, convenhamos, você não tem nenhuma prova de que ela está com
Jameson.
     — Eu sei disso — afirmou Rosa. — Mas onde ela poderia estar? — Rosa
molhou os lábios, sua língua se movendo numa provocação inconsciente. — De
qualquer modo, se me indicar onde fica o castelo, vou até lá para saber se o
senhor Liam Jameson tem uma resposta.
     Foi quando Liam deveria tê-la impedido. Deveria ter explicado quem era e
como sabia que Liam Jameson nunca fora a Glastonbury, mas não teve
coragem. Havia ido longe demais para simplesmente confessar que era quem
ela procurava. E seu senso de privacidade inato o tornara vítima de sua própria
mentira.
     — Olhe, acho que você está perdendo seu tempo — disse ele,
cuidadosamente. — Jameson nunca foi a um festival de música pop. Até onde
eu sei.
     — Você sabe um bocado sobre ele — disse Rosa, com curiosidade. — Tem
certeza de que não é amigo dele?
     — Tenho — afirmou Liam, desejando que nunca tivesse começado aquilo.
— Mas eu moro na ilha. É um lugar pequeno.
     — Não parece tão pequeno. E não estou ansiosa para encontrar esse
homem, se quer saber a verdade. Ele escreve umas coisas terríveis.
Fantasmas, lobisomens…
     — Vampiros — corrigiu Liam, sem pensar.
     — … Coisas assim — murmurou Rosa, demonstrando que não prestava
atenção nele. — Provavelmente foi por isso que Sophie se impressionou tanto
com ele. Ela lê tudo o que ele escreve.
     — É mesmo?
     Liam não conseguiu esconder um ar de satisfação. Por mais que seu
agente e seu editor dissessem que era um bom escritor, nunca acreditava
realmente.
     — Ah, sim. Sophie é louca por livros, TV e cinema. Quer ser atriz, veja
você. Se esse homem esteve em contato com ela, certamente Sophie não o
largou.
     — Mas ele não esteve com ela — afirmou Liam — Você não acredita
realmente nisso, não é?
     — Talvez não. — Rosa tinha que ser honesta. — Mas se não se importa,
eu prefiro ouvir isso do próprio Liam Jameson.
     Liam franziu a testa e pressionou a ponta de sua bota contra uma pedra,
consciente de que a qualquer momento alguém poderia chegar e falar com ele,
e então não teria como se explicar.
     — Olhe — disse relutantemente —, por que você não toma a próxima
balsa e vai para casa? Se sua irmã quiser lhe dizer onde está, dirá. Enquanto
isso não acontecer, provavelmente você será mais inteligente se não acusar
pessoas de coisas que não pode provar.
     Rosa tremeu.
     — Entrar numa balsa de novo? Acho que não.
     — A próxima só sai na quinta-feira, como eu disse.
     Rosa tentou não demonstrar seu desalento.
     — Agora não há nada que eu possa fazer. E Liam Jameson é a única pista
que tenho.

                                      12
Liam suspirou.
     — Está bem, está bem. Se esta é sua palavra final, eu a levo.
     — Me leva aonde?
     — Ao castelo de Kilfoil. Não é onde você quer ir?
     — É. Mas você acha que o senhor Jameson me receberá?
     — Eu asseguro que sim — disse Liam secamente. — Vamos.
     — Mas eu nem sei quem você é — protestou Rosa, a idéia de entrar num
carro com um estranho assumindo de repente uma importância maior do que
tinha antes.
     — Sou… Luther Killian — murmurou Liam, sem graça, esperando que ela
reconhecesse o nome de seu principal personagem.
     Mas não houve reação. A irmã podia ter lido seus livros. Rosa, com
certeza, não.




                                   13
CAPÍTULO TRÊS


     ROSA hesitou.
     — Ah, é longe? — arriscou, recebendo um olhar de impaciência de Liam.
     — Leva um bom tempo caminhando, se é o que você está pensando —
respondeu ele. — Tem o velho McAllister, é claro. Ele trabalha como taxista, se
necessário. Mas seu carro não é muito confiável.
     Rosa olhou sua bolsa pesada.
     — Está bem, obrigada — disse, com certo receio. — Se não for muito fora
de seu caminho.
     Não me faça favores, pensou Liam, irritado, apanhando a bolsa de Rosa e
colocando-a no porta-malas. Ele se sentou no carro e indicou para ela o
assento ao lado. Sua perna doía por ter ficado muito tempo em pé.
     Para Rosa, a ilha pareceu bem maior do que imaginara no momento em
que o Audi subiu a encosta fora da vila. Eles chegaram a um amplo platô
verdejante, com pequenos lagos que brilhavam com os intermitentes raios de
sol. À esquerda, as montanhas que ela vira do cais pareciam grandes e
imponentes.
     — Ali é o pântano de Kilfoil — informou Liam, apontando para um terreno
do outro lado da estrada. — Não se iluda com sua aparência. Em alguns
lugares é um brejo. Nem os carneiros pastam ali.
     — O senhor é fazendeiro, senhor Killian?
     Fazendeiro! Liam disfarçou um riso no canto da boca.
     — Tenho algumas terras — concordou, nem admitindo, nem negando. E
procurou mudar de assunto. — A ilha é muito mais bonita do outro lado do
pântano
     — E alguém que caminhava por ali já afundou no pântano? — perguntou
Rosa.
     Liam lançou-lhe um olhar zombeteiro:
     — Só nos livros de Jameson, acho. Rosa fez uma careta.
     — Ele parece estranho. Acho que morando aqui pode fazer praticamente o
que quer.
     — Ele é um escritor — disse Liam, irritado com o comentário. — Escreve
sobre monstros, mas isto não significa que seja um monstro!
     Rosa reconheceu que o isolamento a amedrontava. O grito de um pássaro
fez um frio percorrer sua espinha. Um bando de faisões, assustados com o
barulho do carro, levantou vôo abruptamente. Ela fez um ruído estranho, e
Liam voltou-se para ela:
     — Alguma coisa errada?
     — Eu estava pensando no que você disse — afirmou, sem ser
completamente sincera. — Acho que concordo com você. Liam Jameson não
traria Sophie para cá.
     — Não? — perguntou ele, com cuidado.
     — Não, quer dizer — e apontou para o pântano —, não consigo imaginar
um homem que vive aqui indo a um lugar frenético como o festival. Você
consegue?
     Liam comprimiu os lábios.

                                      14
— Acho que me lembro de ter dito isso meia hora atrás — reagiu.
     — Oh, sim, você disse, — Rosa fez uma careta. — Sinto muito. Acho que
eu deveria ter ouvido você.
     Liam balançou a cabeça. Não sabia o que ela esperava que dissesse. Mas
se esperava que desse meia volta e a levasse para a vila, estava enganada.
Estava cansado. Diabos! Acabara de percorrer mais de 800 km. Se ela
quisesse voltar, Sam a levaria. No momento, precisava de um café-da-manhã,
um banho e cama, não necessariamente nessa ordem.
     Ou pelo menos foi o que disse a si mesmo. Na verdade, curiosamente
relutava em abandoná-la. Sentia pena dela, pensou. Rosa chegara ali numa
procura impossível e ficaria bastante ressentida quando descobrisse que ele a
estava enganando também.
     Seus pensamentos o surpreenderam, porém. Aquele sempre fora seu
retiro, seu santuário. O único lugar onde conseguia escapar da correria louca
em Londres. O que estava fazendo levando uma estranha para casa? Não era
uma adolescente! Era uma mulher crescida o suficiente para tomar conta de si
própria.
     — De qualquer modo — disse ela de repente —, vou perguntar se ele sabe
onde ela pode estar. Se estão fazendo um filme aqui, ele saberá, não acha?
     Os dedos de Liam apertaram o volante. Por que não dizia a ela quem era?,
pensou impacientemente. Por que não admitia que escondera sua identidade
porque temia que ela tivesse outro motivo para estar ali? Rosa poderia não
acreditar nele, mas seria melhor do que se sentir uma fraude completa cada
vez que ela mencionava seu nome.
     — Olhe, senhorita…
     — Chantry. Rosa Chantry.
     — Sim, senhorita Chantry — hesitou. — Olhe, tem uma coisa que eu…
     Mas antes que pudesse terminar a frase, ela o interrompeu.
     — Oh, meu Deus! — exclamou apavorada, e por um momento Liam achou
que ela o reconhecera.
     Mas então ela apanhou a bolsa e retirou dela o celular.
     — Prometi que ligaria para minha mãe assim que chegasse. Desculpe-me
um minuto. Tenho que telefonar antes que ela comece a achar que perdeu
duas filhas, e não uma.
     — Sim, mas… — começar a tentar lhe explicar que celulares não pegavam
na ilha quando ela expressou sua frustração.
     — Ora, a bateria deve ter acabado. Não há sinal nenhum.
     — É porque não há celulares na ilha. Durante anos esse lugar esteve
deserto, e, embora as coisas tenham mudado, preferimos não despejar na ilha
todo o lixo do século XXI.
     — Você quer dizer que não vou conseguir ligar para minha mãe?
     — Não. Há linhas fixas.
     — Então você acha que Liam Jameson vai me deixar telefonar de seu
castelo?
     — Estou certo de que sim — murmurou Liam, sabendo que estava se
afastando do personagem que criara. — Não fique achando que a ilha é um
lugar atrasado. Desde que se modernizou, é um lugar agradável para se viver.
     Rosa ergueu as sobrancelhas bem mais escuras que seu cabelo.
     — Por isso veio para cá? Para escapar da correria louca?

                                     15
— De certa maneira.
      — E você gosta de morar aqui? Não fica entedia-do?
      — Nunca fico entediado — disse Leam secamente. — Você fica?
      — Não tenho tempo para ficar entediada — respondeu ela, com tristeza.
— Sou professora. Meu trabalho me mantém ocupada.
      — Ah — compreendeu Liam. Ele achou que aquilo explicava muitas coisas.
      Como o fato de ela estar ali no meio de agosto e por que ela às vezes
parecia tão metódica. O pântano agora se distanciava e eles começavam a
descer uma estrada sinuosa para um vale. Ele apontou para a frente. — Lá
está o castelo. O que você acha?
      Rosa prendeu a respiração.
      — É… bonito — disse.
      E era. Grande e sólido, debruçado sobre o mar. Era magnífico.
      — Muito impressionante — repetiu Rosa. Não era o que ela esperava. —
Mas como alguém pode morar num lugar desses? Deve ter mais de cem
cômodos.
      — Na verdade, 53 — disse Lean sem pensar. — Ou quase isso, ouvi dizer
— corrigiu-se.
      — Cinqüenta e três? — Rosa balançou a cabeça. — Ele deve ser muito
rico.
      — Alguns são apenas ante-salas — disse Liam, ressentindo-se da
necessidade de se defender, mas sem conseguir evitar. — Estou certo de que
ele não usa todos.
      — Acho que não — concordou Rosa. — Ele é casado?
      — Não.
      Liam não hesitou em dizer isso a ela. Afinal, era uma informação que
aparecia em sua biografia presente em todos os seus livros.
      — Ele mora sozinho? — insistia Rosa. — Tem namorada? Ou namorado? —
acrescentou, com uma careta. — Hoje, nunca se sabe.
      — Ele não é gay — disse Liam, incomodado. — E tem empregados que
cuidam do lugar. Portanto, dificilmente está sozinho.
      — É sempre assim. Aposto que paga bem aos empregados para mantê-los
ali.
      Liam apertou o queixo e não respondeu. Poderia ter dito que muitos dos
empregados fugiam de Londres, assim como ele. Não empregava nativos. Os
ilhéus só queriam trabalhar em meio expediente, para cuidar de seus próprios
interesses. Eram bastante independentes, e preferiam a pesca e a agricultura a
trabalhos caseiros.
      Eles se aproximaram do castelo passando por um campo com carneiros e
gado. Rosa viu pequenas casas na encosta, com fumaça nas chaminés. Um
riacho, que provavelmente nascia nas montanhas, descia sobre pedras até o
mar. E lá embaixo havia uma praia limpa e totalmente deserta.
      Rosa pensou que qualquer pessoa que não conhecesse aquele lado da
Escócia ficaria encantada com a beleza. O mar era calmo, e em alguns trechos
tão verde quanto… os olhos de Luther Killian. E tão intrigante quanto, embora
provavelmente gélido.
      De perto, o castelo era ainda mais explêndido. A reforma não havia
alterado o estilo e o charme daquela construção. Eles passaram numa ponte de
madeira sobre um canal seco e estacionaram no jardim, próximo às portas de

                                     16
madeira cheias de detalhes.
      Uma das portas se abriu imediatamente e um homem e vários cães
apareceram. Os cachorros — dois golden retrievers e um spaniel — desceram
os degraus para saudá-los, com os rabos abanando de excitação.
      Liam saltou do carro. Novamente, sua perna se enrijeceu e ele lamentou
sua dificuldade de desfrutar um dos prazeres da vida. Sempre gostara de
dirigir e tinha muitos carros. Preferia-os ao helicóptero que seu agente insistia
que era essencial. E alugava o avião ao serviço de socorro médico local mais
do que o usava.
      Lutando contra a dor, caminhou até Sam Devlin, que cuidava da
propriedade para ele com eficiência.
      — Liam — disse Sam, ao que seu patrão reagiu erguendo o dedo diante
dos lábios, num sinal para que ficasse quieto. — É bom vê-lo de novo —
emendou, confuso. — Há algo errado?
      Liam olhou para trás e Sam viu Rosa saindo do carro.
      — Temos uma visitante? — perguntou, surpreso. Ele sabia, mais do que
ninguém, que Liam nunca levava estranhos a Kilfoil.
      — Temos — disse Liam, em voz baixa, depois de apertar a mão do homem
mais velho. — Ela está aqui porque quer perguntar a Liam Jameson onde está
sua irmã.
      — O quê? — Sam o fitou. — Mas você…
      — Ela não sabe — suspirou Liam. — É uma longa história, Sam, mas não é
hora de contá-la. Pretendo contar a ela, mas não agora.
      Sam se recompôs quando Rosa se aproximou devagar enquanto os cães a
farejavam.
      — Bem-vinda a Kilfoil, senhorita — disse. Liam apresentou um ao outro.
      — Este é Sam Davlin, braço direito de Liam Jameson. Sam, esta é a
senhorita Rosa Chantry. Talvez a senhora Wilson faça a gentileza de convidá-la
para o almoço — disse Liam.
      — Na verdade — disse ela — eu gostaria apenas de uma palavra rápida
com o senhor Jameson.
      — O senhor Jameson está ocupado no momento — disse Sam, olhando de
lado para seu patrão. — Vou mostrar-lhe onde pode esperar por ele.
      — Mas o senhor acha que ele me atenderá?
      Sam olhou para seu patrão e disse:
      — É possível. Acompanhe-me, por favor.
      Rosa hesitou, voltando-se para Liam com um sorriso.
      — Obrigado pela carona. Até logo, senhor Killian.
      Liam inclinou a cabeça, certo de que Sam o fitava boquiaberto.
      — Foi um prazer — respondeu, percebendo que de fato havia sido um
prazer.
      Liam se virou enquanto Sam levava Rosa para o interior do castelo. Ela
não ficaria muito feliz ao descobrir quem ele realmente era.
      Enquanto isso, Rosa lamentava, de um modo que não compreendia, o fato
de que não veria Luther Killian novamente. Ele havia sido gentil, apesar de sua
ingratidão. Gostaria de ter perguntado onde morava. Afinal, o que quer que
acontecesse, ela ficaria na ilha pelo menos dois dias.
      Rosa acompanhou o empregado pelo castelo com relutância. Embora
quisesse falar com Jameson, era um tanto amedrontador estar ali. Castiçais

                                       17
iluminavam bem o saguão por onde passavam, e havia uma lareira acesa, mas
era intimidante. O teto alto e as paredes com tapetes pendurados a fizeram
lembrar que o homem que procurava ganhava a vida assustando seus leitores.
     — Usamos o saguão apenas como sala de recepção. O resto do castelo é
muito mais aconchegante. De outro modo, seria impossível manter o lugar
aquecido.
     Rosa não podia acreditar.
     — O senhor Jameson vive aqui o ano inteiro?
     — A maior parte do ano — disse Sam. — Exceto quando está fora para
cuidar dos negócios ou para se distrair. Por favor, acompanhe-me.
     Para surpresa de Rosa, e um certo medo, eles cruzaram o saguão até o
lugar onde uma sinuosa escada de pedras levava ao segundo andar.
     — Não seria mais fácil esperar aqui pelo senhor Jameson? — perguntou
ela.
     — Sinto lhe dizer que não — afirmou Sam, educado mas determinado. —
Neste andar do castelo estão a cozinha, a despensa e os quartos de todos os
empregados.
     — Entendo — reagiu Rosa.
     Sem alternativa, seguiu o homem escada acima.
     — Oh, não é maravilhoso? — exclamou, parando diante de uma janela
para olhar a vista.
     A janela dava para a frente do castelo e ela ficou surpresa ao ver que o
carro de Luther Killian ainda estava ali. Olhando para Sam Devlin, comentou:
     — O senhor Killian ainda está aqui.
     — Está? — reagiu Sam, demonstrando pouco interesse.
     Rosa se lembrou que Killian dissera que falaria ele próprio com Jameson.
Devia estar explicando a situação. Se fosse isso, teria mais um motivo para lhe
agradecer. Talvez antes de ir embora perguntasse a Sam onde Killian morava.
     Mas pensando nisso lembrou-se de que não telefonara para a mãe.
     — Eu poderia usar o telefone enquanto espero?
     — Há um telefone aqui — disse Sam, abrindo uma porta que dava para o
que parecia ser uma biblioteca. — Fique à vontade. Pedirei à senhora Wilson
que providencie um refresco.
     — Poderia avisar ao senhor Jameson que estou aqui? — perguntou Rosa,
notando uma curiosidade em seu olhar.
     — Vou avisar — respondeu ele. — Com licença. Rosa tentou não ficar
apreensiva quando a porta se fechou. Então, ali estava ela. Chegara a seu
destino. Se as circunstâncias não fossem as que esperava, não era sua culpa.
Ao redor, viu paredes cobertas de livros, uma mesa com tampo de granito,
cercada de papéis, um laptop e várias cadeiras de couro. Aproximando-se das
prateleiras, puxou um livro pesado com o título Mitos de vampiros do século
XV, e rapidamente o pôs de volta no lugar. Estava perdendo tempo, pensou,
ao ver o telefone. Enquanto esperava a ligação completar, observou os jardins
do castelo e duas estufas de vidro. Era um lugar auto-suficiente, pensou.
Apesar de sua reação inicial, invejou Jameson por viver ali. Era um lugar
tranqüilo como poucos atualmente.
     — Rosa? É você? — perguntou sua mãe ao telefone. — Encontrou Sophie?
Ela está bem?
     — Não a encontrei — Rosa preferiu não mentir. — Não há equipe de

                                      18
filmagem na ilha, mãe. Sophie devia estar inventando.
     — Ela não faria isso — disse a ingênua senhora Chauntry. — Mark deve
ter se confundido. A Escócia é grande. Devem estar filmando em outro lugar.
     — Mas onde?
     — Não sei. Você tem que descobrir.
     — Talvez — esquivou-se Rosa. — Talvez eu saiba mais depois de falar
com Liam Jameson.
     — Você não falou com ele pessoalmente?
     — Como poderia? Acabei de chegar. Foi uma longa viagem.
     — Onde você está? Em algum bar em Mallaig?
     — Estou na ilha. No castelo de Kilfoil. E tenho certeza de que não há nada
acontecendo aqui.
     — Então o senhor Jameson não está aí.
     — Não disse isso — interrompeu Rosa. — Eu não falei que saberei mais
depois que falar som ele?
     Rosa tentava ser paciente. Ouviu a porta se abrindo.
     — Mãe, tenho que desligar. Telefono mais tarde, assim que tiver notícias.
     Levantando-se da cadeira junto à janela, Rosa viu Luther Killian à porta.
Ele estava mudado. A camisa amarrotada e o jeans haviam sido trocados por
uma blusa de tricô roxa e uma calça de algodão leve. A julgar pelas gotas de
água em seu cabelo preto, havia tomado banho. Rosa estava boquiaberta, mas
rapidamente se recompôs.
     — Ah, oi — disse, confusa. — Achei que você tinha ido embora.
     Liam sorriu com cautela.
     — Está tudo bem em casa? — perguntou, imaginando o telefonema. Ele
pôs as pontas dos dedos nos bolsos da calça. — Você parece surpresa por me
ver.
     — Estou — Rosa achou que não fazia sentido mentir. — Você falou com
Liam Jameson. Ele concordou em me ver?
     — Sim — disse Liam, tendo mais dificuldade do que esperava. — Sinto
desapontá-la, Rosa, mas eu sou Liam Jameson.
     Rosa o olhou, perplexa.
     — Você está brincando!
     — Não. — Liam fez uma careta, desfez sua pose desajeitada e caminhou
até ficar atrás da mesa. — Eu não queria enganá-la. De início, não. As coisas
acabaram acontecendo desse jeito.




                                      19
CAPÍTULO QUATRO


     — VOCÊ não está pensando seriamente em permitir que ela fique aqui até
conseguir pegar a balsa de volta, está? — perguntou Sam, preocupado. —
Você não sabe nada sobre essa mulher. Como ter certeza de que não foi
apenas um truque para vir ao castelo?
     — Não sei — disse Liam, acabando de comer um prato de bacon com ovos
e apanhando uma caneca de café. — Mas, respondendo a sua pergunta, ela
partirá esta manhã. Logo que arrumar sua bagagem.
     — Graças a Deus — disse Sam. — Não acreditei quando Edith me disse
que ela passaria a noite aqui. Não que ela não seja honesta. É que você não
costuma convidar estranhos.
     — Eu sei — Liam percebia seu tom afiado, mas não gostava que Sam lhe
dissesse o que já sabia. — De qualquer modo, duvido que você tivesse gostado
de levá-la à vila na noite passada.
     — Você poderia ter chamado McAllíster.
     — Mas não chamei. E se quer saber, não acho que ela tenha algum motivo
oculto para estar aqui. Ela nem sabia quem eu era até eu lhe contar.
     — Isso é o que você diz.
     — Eu sei.
     — Está bem, está bem — Sam recuou. — Mas sempre suspeito de
estranhas supostamente inocentes que surgem do nada. Quem seria estúpido
o suficiente para achar que você permitira uma filmagem em Kilfoil?
     — A irmã adolescente dela, talvez?
     — Mas você não se envolve com filmes.
     — Eu disse a ela.
     — Então por que a trouxe aqui?
     — Ela insistiu em falar pessoalmente com Liam Jameson.
     — Foi quando se fantasiou de Luther Killian? — Sam bufou. — Não sei o
que estava pensando, Liam. Você não é um adolescente. Devia saber o que
faz. Se fosse o tipo que sai por aí com moças, seria diferente. Sei que se
diverte de vez em quando, mas nunca trouxe suas conquistas para casa. Pelo
menos desde Kayla.
     — Não entre nesse assunto, Sam.
     Liam ficou inquieto e Sam notou sua reprovação. Fazia anos que não
pensava em Kayla Stevens, a mulher com quem planejara se casar antes de
sofrer o ataque que quase o matara.
     Eles haviam se conhecido num almoço de seu editor, quando seu primeiro
livro chegou ao topo das listas de best sellers. Kayla era modelo, contratada
por sua agente para proporcionar glamour a eventos como aquele. Ela parecia
deslocada, inocente demais para ser forçada a ganhar a vida daquela maneira.
Liam sentiu pena dela, em grande parte como se sentia agora em relação a
Rosa Chantry, pensou ele. Mas acabou percebendo que Kayla sempre estivera
atrás de uma boa oportunidade.
     Embora ela tivesse ido algumas vezes ao hospital depois do ataque, a
idéia de se unir a um homem com cicatrizes, que poderia ficar impotente ou
paralítico, e que com certeza precisaria de muitos cuidados para se recuperar,

                                     20
não a atraiu. Seis meses depois, se casou com um jogador de pólo da América
do Sul com dinheiro suficiente para manter o estilo de vida ao qual se
acostumara. O fato de que sem Liam ela não teria conhecido um homem como
aquele não teve a menor importância.
     Agora Sam estava cabisbaixo, e Liam teve pena dele.
     — Veja, isto não tem nada a ver com Kayla, certo? Tem a ver com ajudar
uma pessoa. A mãe de Rosa não sabe onde sua filha mais nova está. Deve
estar muito preocupada.
     — Então por que não vai à polícia?
     — Para dizer o quê? Que a filha sumiu com outro homem e que o
namorado está com ciúmes? Sam, adolescentes são imprevisíveis.
Provavelmente ela estará de volta em dois dias e negará tudo.
     — Então por que você se envolveu nisso? Boa pergunta.
     — Tenho me perguntado isso — admitiu Liam. — Não sei. Segundo Rosa,
a irmã é minha fã. Talvez eu esteja lisonjeado. De qualquer modo, ela está
indo embora hoje.

     A LUZ do sol a despertou. Quando finalmente havia se deitado, passava
da meia-noite. Achou que não fosse conseguir dormir, e a luz da lua a
confortara. Mas devia estar mais cansada do que pensava, tanto mental
quanto fisicamente. Do contrário, por que teria aceitado a ajuda de Liam?
     A descoberta de que ele era Liam Jameson lhe havia tirado o equilíbrio. E
a enfurecera também, admitiu. Ele não tinha o direito de mentir sobre quem
era, embora estivesse desesperado para se manter anônimo.
     O fato de ele ter ficado chocado com a suposição de que encontrara sua
irmã no festival e de que lhe oferecera um teste de atriz até que era
desculpável. Mas ela não estaria ali se Liam tivesse sido honesto desde o
começo.
     Rosa afastou o edredom, levantou-se e caminhou descalça até a janela. O
chão estava frio, mas ela pensou que nunca se cansaria daquela vista. Via o
mar do alto, quebrando nas pedras. O sol tingia as ondas de dourado. Mas
havia nuvens no horizonte, prenunciando uma chuva, talvez à tarde, pensou,
imaginando onde dormiria a próxima noite.
     Custou a perceber que era mais tarde do que pensava. Ou talvez o aroma
de pão quente a tenha feito se lembrar que não comia desde a noite anterior.
     Logo reparou que havia uma bandeja na cômoda junto à porta.
     Evidentemente, alguém a pusera ali. Teria sido aquilo que a acordara? Ao
olhar o relógio, viu que já eram 9h30. Espantou-se. Devia ter dormido pelo
menos oito horas.
     Ela hesitou, dividida entre tomar banho e se vestir e investigar o conteúdo
da bandeja. A bandeja venceu. Rosa a pegou e se sentou junto à janela. Uma
jarra de café logo a atraiu. Havia ainda leite e creme em jarras pequenas,
açúcar mascavo e uma cesta de pães quentes. Era dali que vinha o cheiro,
percebeu, tocando neles com cuidado. Os pães cheiravam a passas e canela.
     Teria Liam Jameson preparado tudo aquilo para ela? Era mais provável
que tivesse sido a senhora Wilson, pensou, lembrando-se do quanto fora rude
com seu anfitrião no dia anterior. Mas descobrir que ele era Liam Jameson fora
tão humilhante! Ao saber quem ele era, ficara fora de si.
     — Você? Você é Liam Jameson?! Não pode ser! — disse, incrédula.

                                      21
Ele respondeu estranhamente lacônico.
     — Por que não?
     — Porque não se parece com a imagem do retrato — protestou Rosa,
lembrando-se do jovem de bigodes e barba rala que vira na contracapa de um
de seus romances.
     Aquele homem não tinha barba, exceto um pouco no queixo.
     — Bem, sinto desapontá-la, mas eu realmente sou Liam Jameson — disse
ele — A foto é de 12 anos atrás.
     — Então você tem que atualizá-la — ordenou ela. Como se pudesse! Liam
deu de ombros.
     — Como lhe disse antes, sou uma pessoa bastante reclusa. Prefiro não ser
reconhecido.
     — E Sophie? Sabe onde ela está?
     — É óbvio que não! — Era clara a irritação em sua voz. — Se eu soubesse,
não acha que eu teria lhe dito?
     — Não sei o que pensar. Você me traz aqui sob falsos pretextos e…
     — Espere um pouco… — Liam não sabia por que as palavras dela lhe
atingiam tanto.
     Mas era o que ele havia feito. Tomando outra direção, continuou:
     — Você teria acreditado em mim se eu tivesse lhe dito quem sou? Você
acaba de me acusar de não me parecer com meu retrato — fez uma pausa. —
Se quer saber, eu sinto pena de você. Obviamente perdeu tempo nessa
viagem e, o que quer que eu dissesse, você teria que ficar aqui por mais três
dias.
     Rosa ergueu o rosto diante disso.
     — Não havia a menor necessidade de sentir pena de mim, senhor
Jameson.
     — Não? — Liam não conseguia deixar de admirar a coragem dela.
Obviamente a julgara mal quando achara que ela era frágil. Prosseguiu: — Se
tivesse lhe dito quem sou você teria simplesmente ido para uma hospedaria
para esperar a balsa de quinta-feira? Não suspeitaria de que eu não estivesse
falando a verdade?
     — Eu teria lhe perguntado sobre Sophie — disse Rosa, os ombros caídos.
— Você deveria ter me dito quem era. Afinal, quem é Luther Killian? Alguém
que trabalha para você?
     — Mais ou menos isso. — Um traço de humor passou pelo rosto de Liam,
Rosa ficou perturbada ao sentir que o charme dele a agradava. — Luther Killian
é o personagem principal de todos os meus romances. O que só mostra que
você não é minha fã.
     — Eu lhe disse. Sophie é quem lê seus livros. — Ela balançou a cabeça,
contrariada. — Você deve me achar uma tola.
     — Por que eu pensaria isso?
     Ele parecia indignado, mas Rosa explicou:
     — Porque fui uma estúpida por não suspeitar de nada. Mesmo quando
ficou óbvio que você sabia demais sobre Liam Jameson para não estar
envolvido. — Rosa respirou fundo. — Por que fez isso, senhor Jameson? Era
apenas um jogo? Fazer de mim uma tola o divertiu?
     De onde saíra aquilo?
     Rosa ainda o encarava, horrorizada com o que dissera, quando bateram

                                     22
na porta. Por um momento ela temeu que Liam Jameson ignorasse a batida, se
virou e atravessou a sala. Mais uma vez, arrastou uma perna, mas Rosa estava
aflita demais para sentir compaixão por ele. Certamente ele pensaria que ela
era igual à irmã.
      A governanta esperava do lado de fora. Carregava uma bandeja com chá
e sanduíches, e Liam deixou que ela entrasse, com controlada educação.
      — Esta é a senhora Wilson — disse ele, friamente. — Bom apetite. Falo
com você mais tarde.

      MAS na verdade ele não havia falado com ela mais tarde. Quando a
senhora Wilson voltou para recolher a bandeja, informou que o senhor
Jameson estava descansando. Aparentemente ele pedira à governanta que
providenciasse um quarto onde ela pudesse descansar. E foi assim que
aconteceu de Rosa ainda estar ali, quase 24 horas depois de chegar à ilha.
      Não que ela esperasse passar a noite ali. Depois de se servir de tantos
chás e sanduíches quanto podia, com sua consciência fazendo um esforço cada
vez que enchia a boca, ela se aventurou a descer as escadas com a bandeja,
esperando encontrar seu anfitrião. Mas a única pessoa que viu foi Sam Devlin,
que lhe disse que o senhor Jameson estava indisposto e não tinha condições
de falar com ela naquela tarde.
      Naturalmente, Rosa se culpou pelo estado de Jameson, certa de que seu
comportamento contribuíra para seu mal-estar. Quando perguntou como
poderia voltar para a vila, Devlin relutantemente admitiu que seu patrão não
queria que partisse antes de conversar com ele novamente.
      — O senhor Jameson sugere que passe algum tempo aqui, conhecendo o
castelo — explicou ele. — Posso lhe acompanhar, se quiser. Se não, a
senhorita tem liberdade para relaxar na biblioteca. Há muitos livros para ler e
a senhora Wilson pode lhe fornecer qualquer coisa que precisar.
      Rosa concordou em dar uma caminhada, mas não com Sam Devlin.
Conseguiu convencer o circunspecto escocês de que não se perderia e passeou
no jardim, encantada com as flores do verão, tendo apenas os cães como
companhia.
      De volta ao castelo, e sem saber o que mais fazer, refugiou-se na
biblioteca. Não para ler. Sabia que tipo de livros havia na estante e não queria
ter pesadelos. Ficou ligeiramente perturbada quando a senhora Wilson a
informou que o jantar seria servido às 7 horas, na sala de jantar. Não esperava
ficar para o jantar, e não ficou completamente surpresa quando descobriu que
comeria sozinha.
      — O senhor Jameson sugeriu que passe a noite aqui — explicou a senhora
Wilson, gentilmente. — Disse que a verá de manhã. Está bem?
      É claro que Rosa sabia que deveria recusar o convite, e que aceitar
qualquer coisa de Liam Jameson a colocaria em dívida com ele, o que não
queria. Mas também sabia que lhe devia desculpas, e resolveu ficar.
      Agora ela suspirava. Aceitara a hospitalidade de Liam e mais cedo ou mais
tarde apresentaria suas desculpas e partiria. Mas sua relutância seria apenas
por constrangimento ou, como suspeitava, curiosamente não desejava dizer
adeus?
      Ela tremeu. Que ridículo! Liam Jameson não significava nada para ela, e
estava certa de que ele ficaria feliz quando ela partisse. E que maneira de

                                      23
retribuir a gentileza dele! Certo, ele deveria ter dito quem era — mas, como
ele mesmo disse, ela acreditaria nele? Rosa ponderou. Na balsa, ela lhe disse
muito pouco sobre o motivo que a levava à ilha, e mesmo depois do
desembarque, não aceitou tão bem a sua ajuda. Quando lhe confessou por que
estava ali, ele já havia lhe dito que apenas conhecia Liam Jameson.
      A situação realmente não era propícia a confianças, admitiu. Teria sido por
isso que Liam havia escondido sua identidade? Certamente isto fazia mais
sentido do que a acusação que fizera a ele. Sem querer pensar na cena da
biblioteca, Rosa terminou o café e entrou no banho. Ao ver seu cabelo
desarrumado, convenceu-se de que não poderia ficar diante de Jameson
naquelas condições. Precisaria recuperar o controle antes de encontrá-lo.
      O banheiro era tão elegante quanto o quarto, com uma banheira com pés
e paredes espelhadas. O box de vidro poderia acomodar pelo menos três
pessoas, e as janelas eram de vidro claro.
      A idéia de que alguém pudesse vê-la no banheiro a levou imediatamente
às janelas, mas ali, no segundo andar do castelo, não havia o risco de alguém
a observar. Havia espaços abertos em todas as direções.
      Ao despir a camiseta larga que comprara para dormir, deparou-se com
seu reflexo nas paredes espelhadas. As pernas longas, os seios pequenos e os
ossos salientes não eram exatamente um ideal de beleza, entristeceu-se. Mas
tinha uma boa aparência, olhos pretos e nenhuma sarda. Porém a boca era
grande demais, o nariz muito longo e naquele momento havia linhas entre as
sobrancelhas. Lembrou que havia achado Liam bonito quando pensava que ele
era Luther Killian. Agora que sabia quem era, não ficaria surpresa se Sophie se
apaixonasse por ele.
      Sophie!
      Rosa sentiu vergonha de si mesma. Ali estava ela, pensando em Liam
Jameson, quando ainda não tinha a menor idéia de onde estava sua irmã.
Telefonaria para a mãe novamente, decidiu.
      Quando voltou para o quarto, notou que a bandeja já não estava lá.
Lembrando-se que não havia fechado a porta do banheiro, temeu que alguém
a tivesse visto. Mas teria sido a senhora Wilson, assegurou a si mesma. Não
havia a menor possibilidade de Liam Jameson ter recolhido a bandeja.
      E se tivesse sido ele?, perguntou a si própria, contrariada. Felizmente,
havia um secador de cabelos na penteadeira antiga. Assim como o banheiro, o
quarto era uma mistura de objetos antigos e modernos. O espelho era
vitoriano e a cama tinha quatro postes, mas o modelo do colchão era do século
XXI. Rosa demorou algum tempo para secar os cabelos. Ela se recusara a
admitir que o estilo sério do suéter e do jeans que escolheu para vestir não era
muito feminino. Era importante parecer confiante, por mais insegura que
estivesse.
      Desceu as escadas, que já lhe eram familiares. A sala de jantar estava
vazia. Rosas no centro da longa mesa eram o único sinal de vida. Ela pensou
se deveria ir até a sala de recepção, mas duvidou que pudesse encontrar seu
anfitrião lá. Lembrou-se da escrivaninha e do computador na biblioteca. Talvez
fosse lá que escrevesse seus livros.
      Bateu à porta da biblioteca. Não ouviu barulho algum, a sala parecia estar
num silêncio assustador. Por que usara esse adjetivo? Repreendeu-se. Não
havia sentido nenhuma presença estranha no castelo.

                                       24
Só havia uma maneira de descobrir. Pôs a mão na maçaneta e a girou. Só
percebeu que não estava sozinha segundos antes de alguém falar atrás.
    — Procurando por mim? — perguntou Liam Jameson com voz suave.
    Ela quase pôs o coração pela boca.




                                   25
CAPÍTULO CINCO


     — EU… Sim. — disse Rosa, a respiração descontrolada e ofegante.
     Ela se virou para vê-lo, amparando-se na porta pesada. Depois, ao notar
seu sorriso zombeteiro, esqueceu todas as promessas que havia feito a si
mesma.
     — Fez isso de propósito? — perguntou, irritada.
     — Isso o quê?
     Liam tinha uma expressão inocente, mas podia perceber pelo rosto de
Rosa que ela sabia que havia sido proposital.
     — Tentar me assustar — exclamou ela, pressionando a mão sobre o peito,
onde o coração ainda estava acelerado. — Honestamente, você quase me fez
ter um ataque cardíaco.
     — Sinto muito.
     Mas ele não parecia realmente sentir muito, e Rosa recuou
instintivamente quando Liam se inclinou sobre ela e abriu a porta.
     — Você primeiro — disse, aparentemente sem perceber que uma de suas
mãos havia esbarrado nos seios dela.
     Os seios de Rosa se arrepiaram, mas ele pareceu indiferente àquela
reação. Porém, não estava, e ficou feliz quando ela se virou e entrou na sala à
sua frente. Meu Deus!, pensou, tão perturbado quanto Rosa. Ela se
comportava como uma virgem ultrajada e ele experimentava uma sensação
patética, como se fosse um adolescente.
     O que estava errado com ele? Não tinha interesse algum em solteironas
reprimidas. Mulheres que sabiam pouco sobre sexo, e que ficavam rígidas e
assustadas com o que sabiam. Quando precisava de uma mulher, preferia uma
que fosse experiente.
     Ainda assim, uma vozinha dentro dele o provocava. Seria divertido ver
como ela reagiria se ele a abordasse. Há anos não usava o sexo como outra
coisa além de uma necessidade ocasional, com bons motivos para isso. E o
fato de Rosa Chantry intrigá-lo não era razão para pensar que algo havia
mudado. Ela ficaria tão horrorizada quanto Kayla ao ver suas cicatrizes. Mas
seria tão bom retirar os grampos de seu cabelo e sentir aqueles fios brilhantes
se derramando em suas mãos…
     Mais uma vez se controlou diante daquele tipo de loucura. Apesar da
pressão entre as pernas, estava determinado a não lhe dar motivos para
acusá-lo de perturbá-la. Ora, ele não precisava daquele tipo de aborrecimento.
Mas se aquela reação infantil e masculina tinha a intenção de impedir qualquer
pensamento de natureza sexual, estava tendo exatamente o efeito oposto.
     Liam fechou a porta, encostando-se nela e tentando controlar seu
repentino desejo. Rosa havia caminhado pela sala, obviamente procurando
manter uma distância segura entre ambos. Quando sentiu que atingira seu
objetivo, voltou-se para ele.
     — Eu estava lhe procurando — disse, cruzando as mãos na cintura,
inconsciente de que aquela era uma posição de proteção. — Queria lhe
agradecer.
     — Agradecer? — Liam não conseguia pensar em nenhuma razão para

                                      26
agradecimento, mas Rosa apertava os lábios.
      — Por me permitir passar a noite aqui — disse ela, com precisão. — Você
não precisava fazer isso.
      — Ah! — Liam estava aliviado por sentir a pressão em sua calça diminuir,
e se afastou da porta. — Não há de quê. Foi confortável?
      — Muito confortável, obrigada.
      — Então — Liam avançou pela sala. — Sinto muito por tê-la deixado
sozinha ontem. Adormeci e só acordei depois da meia-noite.
      Rosa teve vontade de dizer: Como é apropriado estar consciente do que
fez. — mas não disse. Ela estava prevenida em relação a ele, e um convite à
intimidade não seria algo inteligente. Em vez disso, disse:
      — Está tudo bem. Sua governanta cuidou de mim. Dormi muito bem.
      — Você não teve medo de eu me transformar num vampiro no meio da
noite e raptá-la? — Liam não pôde resistir à vontade de provocá-la, e ela
corou.
      — Só um pouquinho — replicou Rosa, surpreendendo-o novamente. —
Mas estou certa de que vampiros não viajam em balsas nem dirigem carros à
luz do dia.
      — Luther Killian faz isso — disse ele, e Rosa lançou-lhe um olhar recatado.
      — Luther Killian não existe — disse ela. — Ou existe apenas em sua
imaginação.
      — Você acha?
      — Não vá me dizer que acredita em vampiros, senhor Jameson.
      — Há muitos relatos sobre isso, tanto aqui quanto na Europa Oriental. E
se você fosse a Nova Orleans…
      — O que eu não vou fazer… — disse ela, percebendo que ele a estava
desviando de seu objetivo. Ela deveria estar lhe pedindo para telefonar
novamente, e não discutindo sobre monstros míticos. — Sei muito pouco sobre
essas coisas, senhor Jameson. Mas imagino que fazem sucesso em seus livros.
      — Você acha que é só isso? Ele estava indignado.
      — Bem, eu não sei. Nada sei sobre vampiros.
      — Você sabe que eles não saem à luz do dia .
      — Todo mundo sabe isso. — E, incapaz de resistir, ela emendou: — Luther
Killian aparentemente é uma exceção.
      — Ah, mas Luther é só metade desumano. A mãe era uma feiticeira
quando conheceu o pai dele.
      Rosa não conseguiu evitar um sorriso.
      — E ele a converteu, suponho.
      — Os vampiros sempre convertem suas vítimas — concordou Liam,
estreitando o espaço entre eles. — Quer que eu lhe mostre?
      Rosa recuou.
      — Eu sei como, senhor Jameson — murmurou, sem saber se ele estava
brincando ou não. — Por favor — disse, estendendo as mãos à sua frente. —
Não sou um personagem de seus livros.
      — Não — concordou ele, consciente de que corria o risco de permitir que a
relação entre eles se transformasse em algo que não era.
      Liam se voltou para a escrivaninha, ouvindo a respiração aliviada de Rosa.
      — Você obviamente não acredita — disse. Rosa suspirou. Não queria
ofendê-lo.

                                       27
— Não acredito em quê? — perguntou.
     Ele se virou e apoiou o quadril na escrivaninha. Cruzando os braços,
respondeu cuidadosamente:
     — No sobrenatural. Como foi que você disse no caminho para cá?
Fantasmas e lobisomens, que aliás são chamados de metamorfos, seres que se
transformam.
     — E você acredita?
     — Oh, com certeza. Qualquer pessoa que encontrou o mal em sua forma
mais pura tem que acreditar.
     Rosa franziu a testa.
     — Está me dizendo que você encontrou o mal?
     Oh, sim.
     Por um momento, Liam achou que tivesse falado alto, mas o olhar curioso
de Rosa o assegurou que não. Graças a Deus!
     — Acho que todos nós encontramos o mal de uma forma ou de outra —
disfarçou, sem querer discutir suas experiências com ela. Ele já havia ido longe
demais, e recuou. — Luther certamente encontrou.
     — Ah, Luther é apenas um personagem de seus livros.
     — O personagem principal — corrigiu ele. — E o que se chamaria de anti-
herói. Ele mata, mas suas intenções são sempre boas.
     — Não é uma contradição? Como pode alguém, ou algo, que vive de
matar pessoas ser considerado bom?
     Liam deu de ombros, e quando fez isto Rosa viu o reflexo de algo
prateado em seu pescoço. Ou era uma marca de nascença ou algum tipo de
cicatriz. Rosa sentiu a boca seca. Ocorreu-lhe que aquilo poderia ter sido feito
pelos dentes de alguém, ou de alguma criatura.
     Oh, meu Deus!
     — Acho que depende de sua definição de bom e mau — respondeu ele,
distraindo-a. — Livrar o mundo de indivíduos maus não é algo digno de
respeito?
     Rosa lutou para recuperar sua objetividade.
     — É disso que seus livros tratam? Algum tipo de vampiro que caça
criminosos para tornar o mundo um lugar melhor?
     — Um lugar mais seguro — concordou Liam. — Não critique. Nunca se
sabe o que fazer quando se está diante do mal primitivo.
     — E você sabe? — Ela soava cética, e Liam teve que se conter para não
lhe dizer o que realmente acontecera com ele. — Espere aí, senhor Jameson.
Nós dois sabemos que o senhor tem uma vida repleta de encantos.
     Liam teve que prender os dedos embaixo dos braços para não rasgar suas
roupas e mostrar a ela o tipo de mal que encontrara.
     — Talvez — controlou-se. — Mas nem sempre vivi na Escócia, senhorita
Chantry.
     — Eu sei — ela relaxou um pouco. — Li sobre você na Internet. Você não
trabalhava na Bolsa de Valores, ou algo assim?
     — Na verdade era um banco mercantil.
     Rosa estava feliz por voltar à realidade.
     — Imagino que tivesse um bom salário. Depois ganhou muito dinheiro
com seu primeiro livro e comprou seu próprio castelo. Que tipo de dificuldade
enfrentou?

                                      28
Liam ficou tenso.
     — Se é isso que você quer pensar… — disse, arrumando papéis na mesa.
— Isso me lembra que tenho de trabalhar.
     Rosa sentiu-se envergonhada. Não lhe dizia respeito o modo como ele
vivia.
     — Olhe — disse ela, aproximando-se dele —, admito que não sei nada
sobre você, verdade. E se você diz que sabe como é enfrentar o mal
verdadeiro, acredito. Mas…
     — Mas você não acredita em mim — disse Liam, bruscamente, voltando-
se para ela novamente. Rosa notou, constrangida, que os dois estavam a um
palmo de distância um do outro. — Você está rindo de mim, senhorita Chantry,
e não gosto disso. Não preciso de sua aprovação.
     Rosa molhou os lábios secos.
     — Eu só estava sendo educada — protestou. — Não é minha culpa se você
é sensível em relação à veracidade de seus livros.
     — Sensível em relação à veracidade — Liam a fitou com raiva. — Não tem
idéia do que está falando. — Ele respirou com calma e tentou falar
naturalmente: — Vamos dizer que eu senti o mal na pele. Mas prefiro não
discutir isso, está bem?
     Rosa ergueu os ombros.
     — Eu não tinha a menor idéia — disse.
     — E por que deveria? — Liam não sabia se gostava do olhar simpático
dela. — Esqueça. Eu já esqueci.
     Mas ele duvidava de que um dia o faria de fato. Rosa hesitou.
     — Não quis dizer que não se pode acreditar em seus livros — persistiu ela,
colocando uma das mãos sobre o ombro dele. — Sinto muito se o ofendi.
     Me ofendeu?
     Liam expirou com força. Embora estivesse vestindo um suéter, sentia o
toque dos dedos de Rosa em sua pele. Os músculos de seu braço se retesaram
quase instintivamente, os tendões se aquecendo e expandindo, assim como
outros músculos entre suas pernas.
     — Isto não é importante — murmurou ele, concentrando-se no cheiro
feminino da pele de Rosa.
     Mas então ergueu os olhos e se deparou com aqueles olhos negros
ansiosos, e sentiu que mergulhava na suave profundeza deles. Meio
inconsciente do que fazia, ergueu uma das mãos e passou o dedo polegar
sobre os lábios entreabertos de Rosa. A umidade aderiu a seu dedo e Liam não
pensou antes de colocar o dedo em sua própria boca, para sentir o gosto dela.
     Rosa ficou paralisada diante daquelas ações. Não imaginava que uma
tentativa inocente de confortá-lo teria um resultado tão perturbador. Todo o
seu corpo estava quente e trêmulo, e ela percebeu Liam como nunca antes. Ou
estaria apenas se iludindo? Ela o percebera desde o início!
     Quando Rosa passou a língua pelos lábios, foi porque eles haviam ficado
secos de repente, e não para absorver qualquer vestígio do cheiro de Liam.
Mas ela o fez. Rosa o ouviu inspirando ar e imaginou o que ele estava
pensando. Meu Deus, isto não estava acontecendo. Mas ela sabia que Colin
jamais a fizera sentir nada como aquilo.
     Quando Liam falou, porém, seu tom foi sério.
     — Eu não deveria ter feito isso. Desculpe.

                                      29
Agora era Rosa quem inspirava com dificuldade.
     — Não tem importância — disse ela, olhando para o telefone atrás dele.
Tenho que me acalmar, falou para si mesma. — Será que…
     Mas não conseguiu continuar a frase.
     — Tem importância, sim — retrucou ele, ajeitando o cabelo para trás. —
Você deve estar pensando que estou desesperado por uma mulher!
     Liam notou como suas palavras a haviam atingido antes de terminar de
falar. O fato de estar tentando assegurar a si próprio que suas emoções não
estavam envolvidas não era desculpa. Ele percebeu, tarde demais, que o que
havia dito podia ter duas interpretações, e não ficou surpreso quando ela o
fitou.
     — Sei que você não está — disse Rosa, passando os braços por seu
próprio corpo delgado, de modo que seus seios pequenos se eriçaram de
maneira inconscientemente provocativa. — Também não estou desesperada
por um homem.
     Liam conteve um gemido. Será que ela não percebeu que minha intenção
não era ofendê-la? Evidentemente que não. Agora cabia a ele desfazer o
constrangimento que criara, e ao encará-la percebeu que não seria fácil.
     — Olhe — disse ele —, não era minha intenção insultá-la. Ao contrário.
Não gostaria que pensasse que eu esperava algum pagamento por minha
hospitalidade.
     — Nós dois sabemos o que você quis dizer, senhor Jameson. Não sou tola.
Você não precisa me dizer. Não sou o tipo de mulher que alguém como você
acharia atraente.
     Liam sentiu uma pontada de indignação. Apesar da advertência da voz da
consciência, que dizia para não continuar com aquilo, ele se ofendeu com o
que ouvira. Quem ela pensava que era para fazer julgamentos errados sobre
ele? Rosa não o conhecia. Nada sabia sobre seus gostos por mulheres. Mas
estava sugerindo que ele era algum tipo de tolo que só pensava em sexo.
     O fato de que aquilo era exatamente o que estava fazendo não foi algo
que Liam considerou no momento.
     — Cuidado, senhorita Chantry. Começo a achar que você está
desapontada por eu ter parado o que estava fazendo.
     — Como ousa?
     Rosa não conseguia raciocinar quando ficava furiosa. Uma de suas mãos
se fechou automaticamente e bateu na barriga dele. Achou que havia
machucado mais a ela própria do que a ele, mas não importava. Liam não
tinha o direito de ridicularizá-la. Não depois de fazê-la se sentir tão bem.
     Liam não se surpreendeu com o ataque.
     — Você precisa controlar seu temperamento, senhorita Chantry —
comentou, estranhando sua respiração ofegante. — Qual é o seu problema? O
que foi que eu disse para merecer essa resposta?
     — Você sabe o que disse.
     Rosa tremia.
     — Ah, é? — Liam parecia estar sendo compelido por um demônio. — E
não é verdade?
     Rosa o encarou, imaginando como poderia ter se sentido atraída por ele.
     — Tem uma opinião muito exagerada sobre si próprio, senhor Jameson —
afirmou ela, friamente, fazendo um esforço para manter a voz baixa. Seria

                                    30
muito melhor gritar com ele. — Se me permiti, só por um momento, ceder, foi
simplesmente porque sinto pena do senhor. Quero dizer, não deve ser muito
divertido viver aqui sozinho, apenas com suas empregadas para se divertir.
     A maneira como Liam se sentiu ultrajado, lembrando-se da forma como
Kayla o abandonara, fez com que uma onda de raiva tomasse conta dele.
     Esquecendo-se de que ele é quem estava errado, e que os insultos de
Rosa eram apenas um contra-ataque a seu sarcasmo, agarrou os pulsos dela e
os torceu atrás de suas costas.
     — Você é apenas um poço de amargura, não, senhorita Chantry? Não é
por acaso que nunca se casou. Nenhum homem decente agüentaria uma
mulher rancorosa como você.
     Rosa engoliu seco. O instinto de corrigir o que ele dissera foi oprimido pelo
temor que sentiu por estar presa num abraço violento. Tentou se libertar, mas
com a respiração quente dele quase sufocando-a, e uma das coxas apertada
contra suas pernas, ficara indefesa.
     Ambos respiravam rapidamente, e por alguns segundos travou-se uma
batalha silenciosa.
     Mas não era realmente uma batalha, reconheceu Rosa. Ela estava nas
mãos dele, e Liam sabia disso. Estranhamente, porém, ele não parecia apreciar
essa situação. Ao contrário, quando seus olhos encontraram os dela, Rosa
notou uma mistura de confusão e arrependimento.
     — Diabos — disse ele, rispidamente. — Isto não deveria acontecer.
     — Então me deixe ir — pediu Rosa, meio sem ar, mas não completamente
imune ao apelo daqueles olhos verdes. Assim, tão perto, ela conseguia ver a
cicatriz prateada que observara antes.
     — Sim, eu deveria — concordou Liam, perturbando-a, com o olhar fixo em
sua boca. — Mas sabe o quê? — Liam ajeitou a posição em que estava e Rosa
teve quase certeza de que ele estava tendo uma ereção. — Não quero —
completou ele. — Isso não é incrível?
     Liam sentiu enjôo enquanto observava a reação de Rosa a sua confissão.
Será que ela tinha alguma idéia da onda de calor e desejo que o invadia,
tornando o que começara como um desejo de puni-la numa vontade insana de
mostrar o que ela estava perdendo? Ele percebia que Rosa tremia, embora
tentando se desvencilhar, e os seios que admirara antes se arrepiavam sob o
suéter.
     — Por favor — disse Rosa, instável.
     Mas para Liam a voz dela parecia distante. Agora ele segurava os dois
pulsos dela com uma das mãos. Pôs a outra mão nos seios de Rosa e
pressionou os dedos sobre o mamilo intumescido. Sentiu que ela recuou
tremendo, mas sentiu também uma corrente de sangue chegar à sua virilha.
     Estava sendo receptiva, percebeu, incrédulo, imaginando há quanto tempo
ela não teria a companhia de um homem. Se é que algum dia já teve, pensou,
embora não acreditasse que ela fosse virgem.
     Entretanto, Liam desejava que a tivesse conhecido em outras
circunstâncias, que não tivesse sido cruel ao comentar que ela não se casara.
Porque estava atraído por ela, por mais que negasse. Rosa não era linda, é
claro, mas tinha um charme misterioso que acendera seu romantismo. E não
havia como negar que imaginava aquele cabelo magnífico se espalhando sobre
o travesseiro em sua cama.

                                       31
Rosa sentia como se suas pernas não pudessem agüentar seu próprio
peso por muito tempo mais. Liam voltara sua atenção para o outro seio,
cobrindo-o com uma das mãos e pressionando o mamilo intumescido. Aquilo a
fez se sentir tonta como se estivesse nua, pensou, excitada.
     Sentia a umidade entre suas pernas, estava desconcertada. O que havia
de errado com ela? Sempre soubera, mesmo quando fazia amor
apaixonadamente com Colin, que uma parte sua se mantinha distante e
acompanhava o que se passava com certa objetividade.
     Mas não conseguia ser objetiva com Liam. Quando ele olhava para ela da
maneira que estava olhando agora, não conseguia nem pensar direito. Sentia-
se fraca, possuída, consumida por um desejo que mal sabia que existia, de
modo que quando Liam curvou a cabeça sobre ela, seus lábios se abriram
instintivamente para receber um beijo.
     Liam passou a boca sobre a curva do pescoço dela, e a dureza de seu
queixo arranhou seu rosto, mas ele não a beijou. Não na boca. Com certo
temor, Rosa sentiu que Liam repentinamente se afastou. Soltou seus quadris e
ela perdeu o equilíbrio, só então percebendo que se apoiava nele. Enquanto
Rosa recuperava o equilíbrio, ele se virou de costas e se inclinou sobre a mesa.




                                      32
CAPÍTULO SEIS


     LIAM esperava que Rosa não percebesse por que ele dera-lhe as costas.
Deixá-la não havia sido fácil, e seu corpo ainda não aceitava o que sua mente
lhe dizia. Instintos exigiam ser satisfeitos, mas, embora a tentação fosse
grande, o bom senso insistia para que ele se controlasse.
     Droga, disse a si próprio. Além do fato de que mal conhecia Rosa, ele
realmente queria se expor ao ridículo novamente? Mas quando ela estava em
seus braços, quando sentia seu cheiro, seu corpo delgado, tinha sido tão fácil
se iludir e pensar que dessa vez daria certo. Todos os feromônios em seu
corpo responderam a ela, e Liam queria tanto possuí-la, descobrir se ela era
tão ardente quanto parecia!
     Isso era loucura, reconheceu. Por acaso queria que ela contasse a todos
sobre o monstro que ele era? Um monstro que não conseguia manter a calça
fechada, pensou com amargura. Sim, os tablóides teriam um amplo material.
     É claro que finalmente ele teve que olhar para trás. Sem ouvir o menor
sinal da respiração de Rosa, parecia que ela nem estava ali. Mas estava, e
merecia uma explicação, embora não soubesse o que dizer.
     Depois de checar se não havia nenhuma evidência de sua excitação,
encarou-a. Rosa ainda estava rubra, notou, o que lhe dava uma beleza
inesperada, mas se esforçava para se comportar como se ele não tivesse sido
um completo idiota.
     Rosa se refez quando ele se virou. Se Liam pretendia culpá-la pelo que
havia acontecido, já tinha uma resposta pronta. Ela não havia pedido para que
ele a tocasse e ele não tinha o direito de tratá-la com tão pouco respeito. Oh,
ele ainda pensava que ela nunca se casara. O que faria se soubesse a
verdade?
     Se pelo menos houvesse uma maneira de sair dali… Para isso, dependia
dele, ou de um telefone, tanto para pedir um táxi quanto para falar com sua
mãe. Depois do que havia acontecido, Rosa não gostava da idéia de ter de
agradecer a ele por qualquer coisa.
     Liam suspirou. Aquela era uma experiência nova, da qual ele não gostava.
Não gostava mesmo. Quando precisava de uma mulher, procurava uma que
soubesse o que estava fazendo. Nunca havia levado uma mulher ao castelo,
jamais havia feito qualquer coisa que violasse a atmosfera de seu lar.
     Até aquele momento.
     Engolindo seu orgulho, disse, seco:
     — Sei que você não vai acreditar em mim, mas não costumo agir desse
modo.
     Antes que pudesse continuar, Rosa o interrompeu.
     — Você está certo — disse. — Não acredito em você, senhor Jameson.
Posso ser ingênua, mas não venha me dizer que nunca se aproveitou de uma
mulher.
     — Ora! — Liam conteve a respiração. — Eu não me aproveitei de você. Se
tivesse feito isso, você saberia. E me chame de Liam, por favor. Não imagina
como soa ridícula me chamando de senhor Jameson depois do que aconteceu.
Você pode ser virgem ainda, mas eu não sou.

                                      33
Aquilo era indesculpável, mas ele achava que havia feito um bem a Rosa.
Ela participara daquela aproximação, ele sabia. E não esqueceria aquele
momento por um longo tempo.
     — Ah, estou certa de que tudo que me diz respeito parece ridículo para
você — replicou Rosa, ferida pela crítica injusta. — Mas se quer saber, eu fui
casada, senhor Jameson. Divorciei-me há três anos.
     Liam a fitou com um olhar vazio.
     — Você foi casada? — perguntou, incrédulo.
     — Durante cinco anos — respondeu Rosa, feliz por finalmente chocá-lo.
     — Não parece ter idade para isso.
     — Mas tenho. Tenho 32 anos, senhor Jameson. Idade suficiente.
     Liam estava surpreso. E decepcionado. Achava que ela não tinha mais do
que 25 anos. Porém ficou mais perturbado com o modo como aquela notícia o
afetara. Se soubesse quem ela realmente era, e que havia sido casada…
     Mas não devia continuar. Não era suficiente ter agido como um tolo e
criado uma situação inoportuna?
     — Olhe — disse ele — vamos concordar que ambos cometemos erros aqui.
Eu não deveria tê-la agarrado, admito. Mas você não deveria ter me deixado
fora de controle a ponto de eu não pensar no que estava fazendo.
     Rosa queria argumentar que fora ele quem a levara para ali e que, se
tivesse sido honesto desde o começo, nada daquilo teria acontecido. Mas a
consciência relutante de que não havia exatamente reagido a manteve em
silêncio.
     — Eu poderia usar seu telefone, então?
     Liam teve uma vontade de rir. As palavras dela eram tão inesperadas, tão
prosaicas, como se nas últimas horas estivessem conversando sobre o tempo.
Mas percebeu que o humor não seria adequado naquele momento.
     — Por que não?
     — Obrigada. Só quero ligar para minha mãe.
     Liam ergueu as sobrancelhas:
     — E dizer que sua irmã não está aqui?
     — Sim.
     — Está bem.
     Ele lhe passou o telefone da escrivaninha. Rosa hesitou:
     — Talvez eu devesse telefonar para o táxi também? Como se chama o
taxista?
     — McAllister? Não há necessidade — Liam caminhou para a porta,
tentando esconder que sua perna reclamava do movimento repentino. — Sam
vai à vila esta manhã. Você pode ir com ele.
     Rosa não estava certa se queria aquilo. Sam não fora exatamente
receptivo a ela.
     — Se não se importa, telefonarei para McAllister. Não quero incomodar —
disse.
     Liam fez uma pausa, suas sobrancelhas se juntaram.
     — O que Sam andou dizendo a você?
     — Ah, nada.
     E era verdade. Liam ficou pensativo.
     — Você não quer uma indicação sobre onde ficar?
     — Isso seria útil.

                                     34
— Está bem. Vou pedir a Sam que lhe dê um endereço.
      Liam abriu a porta, tentando não arrastar o pé enquanto se movia.
      — Mas… — disse Rosa
      — Sim?
      Rosa chegou a pensar em lhe perguntar sobre a perna, mas se conteve.
      — Você não me deu o número do telefone do senhor McAllister —
comentou.
      — Sam vai lhe dar. Tenha uma boa viagem de volta.
      — Oh! — mais uma vez Rosa o detinha. — Não vou vê-lo novamente
antes de partir?
      Era uma pergunta tola, levando em conta que ele já lhe desejara boa
viagem. Mas agora que chegava a hora, Rosa resistia a deixá-lo.
      Liam se apoiou firmemente na porta.
      — Não vai me dizer que lamenta ter de partir, vai? Porque, francamente,
vai ser difícil acreditar.
      Rosa recebeu seu olhar zombeteiro de maneira defensiva. Em seguida,
para sua surpresa, viu-se dizendo:
      — Suponho que ficará feliz ao me ver partir.
      Liam engoliu ar. Como deveria responder?
      — Bastante — admitiu finalmente. — Você me distraiu muito.
      — Ah, sim. Você quer dizer que já gastei muito de seu tempo.
      — Eu não disse isso.
      — Não precisava.
      Rosa se voltou para a mesa. Ao apanhar o telefone, disse:
      — Espero que sua perna melhore logo.
      Liam piscou, mas ela já não o olhava. E embora tivesse vontade de
perguntar o que ela sabia sobre seus ferimentos, ficou calado.
      A porta se fechou e Rosa deu um suspiro de alívio. Quanto antes partisse,
melhor. Apesar do que havia pensado, Liam era perigoso para sua paz de
espírito.
      Sua mãe atendeu logo.
      — Sophie? Oh, querida, eu esperava que me ligasse de volta.
      De volta ?
      Rosa estava espantada.
      — Quer dizer que você sabe onde ela está?
      Houve um momento de silêncio.
      — Rosa? É você?
      — Quem mais poderia ser? O que está acontecendo? Você tem notícias de
Sophie?
      — Sim, ela telefonou ontem à noite. Você não imagina como fiquei
aliviada. Está na Escócia. Está adorando. E há uma chance de conseguir um
papel na produção. Não é incrível?
      — Inacreditável, com certeza — disse Rosa, secamente, imaginando que
sua mãe era uma tola por acreditar em Sophie.
      Quem empregaria uma adolescente sem o mínimo de talento?
      — Eu devia saber que você diria algo assim — comentou a senhora
Chantry, irritada. — Só porque Sophie não está na ilha, como você esperava,
você desconta sua frustração em mim. A Escócia é grande.
      — Não foi minha a idéia de vir para essa ilha. A idéia foi sua — disse Rosa.

                                       35
— Ela disse onde está?
     — Não exatamente. Você sabe como Sophie é.
     — Mãe, não há produção de filme nenhum. Ou se há, Liam Jameson não
sabe. Ele saberia — explicou Rosa, impaciente.
     — Você perguntou a ele?
     — Sim.
     Rosa se deu conta de que não havia perguntado se ele dera alguma
permissão para que filmassem em outro lugar. Mas se tivesse dado, não teria
lhe dito?
     — E ele insistiu que nunca viu Sophie?
     — Sim. Mas vou falar com ele novamente.
     — Sabia que podia confiar em você. Não se esqueça de descobrir onde
estão filmando.
     Rosa desligou o telefone atordoada. A perspectiva de falar novamente
com Liam fazia seu coração bater acelerado. Mas onde estaria ele?
     Ao sair da sala, Rosa se deparou com Sam Devlin. Estaria ele ouvindo a
conversa? Não, pensou. Algo lhe dizia que aquele escocês corpulento não
estava interessado em nada que ela dissesse, e isto se confirmou quando ele
disse bruscamente:
     — McAllister está vindo. Deve chegar em meia hora. Quer que eu carregue
sua bagagem?
     — Ah, não precisa. Na verdade, queria falar com o senhor Jameson antes
de ir.
     — Sinto muito, mas é impossível. O senhor Jameson está trabalhando e a
tranqüilidade dele vale mais do que o meu emprego.
     Rosa duvidou. Os dois pareciam ter um ótimo relacionamento.
     — É só por um minuto.
     — Sinto muito.
     Sam não se movia e Rosa o olhou, decepcionada. Se pelo menos soubesse
onde era o escritório de Liam… Evidentemente não trabalhava na biblioteca,
como pensara. Num castelo daquele tamanho ele poderia estar em qualquer
lugar.
     — Diga-me o que quer perguntar e eu transmito sua mensagem quando
ele estiver desocupado — sugeriu Sam.
     Mas Rosa não confiava nele.
     — É pessoal — disse. Uma outra idéia lhe ocorreu. — Você poderia me dar
o número do telefone dele? Eu ligo mais tarde.
     — Não posso fazer isso, senhorita. O senhor Jameson não fornece seu
número particular para ninguém.
     — Então me dê o seu — sugeriu Rosa. — Vou informá-lo sobre onde estou
e então o senhor Jameson pode me telefonar.
     — O senhor Jameson sabe onde a senhorita vai ficar — disse Sam. — Ele
me pediu para lhe dar esse endereço.
     Só então Rosa viu um papel na mão dele.
     — Ah, obrigada.
     Ela apanhou o papel.
     — O senhor McAllister sabe onde fica isso?
     — Todo mundo sabe onde fica a hospedaria de Katie Ferguson — disse
Sam, com desdém. — Não estamos em Londres, senhorita.

                                    36
— Eu não moro em Londres — retrucou Rosa. — Venho de uma cidade
pequena em North Yorkshire, senhor Devlin. Não de uma metrópole, como o
senhor parece pensar.
     — Sinto muito. Eu achei…
     — O senhor não deveria achar nada — retrucou Rosa, satisfeita por deixá-
lo na defensiva desta vez. — Obrigada por isso.
     Sem dizer mais nada, Sam fechou a porta.




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70 anne mather - um desejo a mais (paixao 70)

  • 1. UM DESEJO A MAIS Anne Mather Harlequin Paixão 70 Autora Best Seller ISBN978-85-7687-466-9 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES Copyright © 2006 by Anne Mather Título original: STAY THROUGH THE NIGHT Originalmente publicado em 2006 por Mills & Boon Modern Romance Editoração eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. Impressão: RR DONNELLEY Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Editora HR Ltda. Sombras na noite… Liam Jameson é um sexy escritor de livros de terror conhecido internacionalmente. Mas a fama lhe cobrou um alto preço, e o fez viver isolado numa remota ilha da Escócia… Até que Rosa Chantry bate à sua porta e transforma o seu mundo. Seu desejo por ela é forte. Porém, mais forte ainda é a convicção de não ser capaz de manter uma mulher ao seu lado. Mas Rosa está determinada a afastar dele o medo de não ser aceito tal como é… A autora best seller Anne Mather já publicou mais de 150 romances, que ultrapassaram a marca de 100 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. PROJETO REVISORAS Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos. Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida. Cultura: um bem universal. Doação do livro: Manuela Carneiro Digitalização: Palas Atenéia Revisão: Edith Suli 1
  • 2. CAPÍTULO UM FAZIA frio. Na verdade, muito mais do que Rosa esperava. Quando ela chegou, na noite anterior, associou o frio à chuva fina, bem como a sua ansiedade e apreensão. Mas de manhã, depois de uma boa noite de descanso e uma tigela de mingau escocês, não havia desculpas. Onde estava o calor que deveria tomar conta do Reino Unido em julho e agosto? Não ali em Mallaig, com certeza. Enquanto se lamentava, Rosa observava a sala aconchegante da pousada onde passara a noite. É claro que parte daquele desânimo se devia à consciência de que dentro de poucas horas estaria entrando num território totalmente desconhecido. Uma ilha a duas horas da costa da Escócia não lhe parecia um lugar agradável. E era esse o motivo de sua presença em Mallaig, de onde iria para Western Isles. Dentro de uma hora estaria num barco — navio? — que a levaria a Kilfoil, e ainda não sabia se era lá que Sophie estava. Felizmente, havia levado algumas roupas de frio, e naquela manhã vestira uma camiseta, uma camisa e um suéter de lã. Ao sentir o vento frio vindo do mar, achou que teria de vestir também seu casaco de cachmere para fazer a travessia até a ilha. Arrependeu-se de não ter levado seu sobretudo de couro, que era mais longo e manteria suas pernas aquecidas. Apesar do frio, a vista era magnífica. A ilha de Skye ficava perto, e ela imaginou se aquelas montanhas avermelhadas seriam as famosas Cuillins. Não sabia. Na verdade, sabia muito pouco sobre aquela parte da Escócia. Embora seu avô Ferrara tivesse ficado preso perto de Edimburgo durante a guerra, ela nunca havia viajado para o norte além de Glasgow. Tinha tios e tias lá, mas suas visitas haviam sido poucas e esporádicas. Agora se arrependia de não ter tido mais aventuras quando teve a oportunidade. Mas ingressara na universidade, casara-se com um inglês e vivera em Yorkshire a maior parte de sua vida. Era fácil encontrar uma desculpa para sua falta de aventuras na mãe viúva e na irmã mais nova. Mas a verdade é que nunca gostara de aventuras, e Collin sempre preferia passar as férias na Espanha, onde podia ficar bronzeado. É claro que Collin já não podia mais ser uma desculpa. Três anos antes, quando descobrira que ele a traía com a secretária de seu chefe, Rosa não hesitara em pedir o divórcio. Collin implorara para que não destruísse um casamento de cinco anos por causa de um único erro, mas ela sabia que ele a traíra outras vezes e que aquela não seria a última. Felizmente — ou infelizmente, admitiu — eles não tinham filhos para sofrer com a separação. Rosa nunca engravidara, mas não sabia se a culpa era dela ou dele. É claro que durante o divórcio CoHin a culpara por sua infidelidade. Se ela não passasse tanto tempo naquela maldita escola com aquelas crianças que não gostavam dela, talvez o casamento tivesse uma chance. Mas Rosa sabia que era uma desculpa. Sem seu salário de professora de inglês, Collin não teria viajado tanto pela Europa como gostava. Agora aquilo fazia parte do passado, pensou. Embora as coisas que Collin fizera ainda doessem um pouco, ela seguia sua vida. Até aquele telefonema na 2
  • 3. véspera, que a levava àquela procura difícil em Kilfoil. Mas sua mãe estava desesperada, e Rosa sabia que não tinha outra escolha a não ser atender a seu pedido. Ela suspirou, pondo as mãos sobre a cerca e observando a água como se ali pudesse encontrar respostas. E se sua mãe estivesse errada? E se Sophie não estivesse na ilha? Haveria alguma pensão ou hospedaria na ilha onde ela pudesse passar a noite para tomar a balsa de volta no dia seguinte? Ela só poderia comprar a passagem para Kilfoil a partir das 9h, mas não teria problemas. Apenas turistas e mochileiros iam para aquela ilha. A maioria dos passageiros ia para Skye. Ó, Deus, pensou, parecia um lugar tão remoto! Desejou que sua mãe estivesse ali. Seria tão bom ter alguém conhecido para conversar… LIAM parou seu Audi no estacionamento e pôs as pernas para fora do carro. Em seguida, apoiando uma das mãos no teto e a outra no alto da porta, levantou-se e olhou em volta. O vento vindo do mar era cortante, mas ele não notou. Nascera em Hampstead, mas vivia na Escócia havia dez anos, desde o sucesso estrondoso de seu primeiro livro. E se acostumara ao clima. Um famoso diretor de Hollywood gostara do livro e o transformara num filme de sucesso. Mas isso acontecera quando sua vida em Londres começara a ficar aos poucos — e depois violentamente — insustentável. Ele pôs uma das mãos sobre a coxa, sentido o sulco de carne rígida que se destacava abaixo.da virilha embora usasse jeans. Tivera sorte, refletiu. Dos muitos ferimentos que sofrerá, aquele poderia tê-lo matado. Mas embora a faca tivesse atingido seriamente sua artéria femoral, causando-lhe uma perda de sangue quase fatal, rompendo nervos e tendões e tornando sua perna esquerda permanentemente fraca, ele sobrevivera. Fora o atacante a morrer, esfaqueando a si próprio depois de confirmar que atingira seu objetivo. Liam fez uma careta, afastando os pensamentos. Aquilo acontecera havia muito tempo, e desde então nenhum de seus livros tinha sido muito bem recebido por seus leitores. Respirou fundo o ar frio do mar, feliz por ter decidido voltar de Londres durante a noite para embarcar na balsa naquela manhã. Só haveria outra balsa quinta-feira, e ele estava impaciente para voltar para Kilfoil e trabalhar. Olhando seu carro, flexionou os ombros e esticou as pernas, sentindo a rigidez dos ossos depois de dirigir quase dez horas sem parar. Sua atenção se desviou para uma mulher solitária inclinada sobre a cerca no fim do cais. O cabelo dela o atraíra: bem ruivo e encaracolado, rebelando-se contra a faixa amarrada à nuca. Mas ela parecia não se importar. Observava a ilha de Skye como se procurasse alguma resposta na neblina sobre as montanhas. Liam deu de ombros. Obviamente era uma visitante. Vestida para o verão nas Highlands, pensou com ironia. Jack Macleod, que alugava veleiros a turistas, saudou Liam quando ele desceu do carro e começou a cruzar o terminal da balsa. — Estávamos começando a achar que você havia desistido de voltar — disse. — Voltei assim que pude. Já não gosto de ficar muito tempo em cidades superlotadas. 3
  • 4. — Ouvi dizer que você foi a Londres para ir ao médico. Espero que não seja nada sério. — Só um check-up — disse Liam rapidamente, sem querer discutir seus problemas particulares em público. Ele sabia que suas vozes haviam chamado a atenção da mulher no cais, e ela os olhava sobre os ombros. Rosa percebeu que eles haviam notado seu interesse e desviou o olhar, não antes de Liam registrar seu rosto oval e os olhos excepcionalmente pretos para uma mulher de sua cor. É claro que provavelmente a cor de seu cabelo não era natural, e, embora fosse alta, não era magra demais. — Então você vai pegar o barco esta manhã — continuou Jack, sem notar que Liam se distraíra e obrigando-o a ouvi-lo. — Se eu conseguir — disse Liam. Quando ele olhou novamente para trás, a mulher já não estava lá. ROSA voltou para a pousada, arrumou suas coisas e retornou ao terminal na hora de comprar sua passagem para Kilfoil. Achou que parecia uma turista, de jeans, tênis e mochila no ombro. Os outros mochileiros, fazendo fila para comprar passagem, nem repararam nela. Diferentemente dos dois homens que ela vira mais cedo no estacionamento. Bem, pelo menos um deles a olhara com atenção. E a achara interessante. Com certeza ela teria percebido se ele não tivesse gostado do que viu. Mas não sabia ao certo se ele a havia notado por ter percebido que ela os observava. De qualquer modo, ele era atraente, admitiu, com mais de 1,80m, calculou, e os ombros largos se destacando sob o cabelo despenteado. Imaginou que fosse um dos poucos pescadores que ainda trabalhavam naquelas águas. Não parecia um turista, e o homem que estava com ele calçava galochas, pensou. Era provável que não os visse novamente, a não ser que um deles fosse capitão do barco que tomaria. Talvez alguém na balsa se lembrasse de uma menina loura bonita que teria viajado para Kilfoil na semana anterior. Ela deveria ousar perguntar sobre Liam Jameson? Não, achou melhor. Diziam que ele vivia recluso. Mas então o que estivera fazendo num festival de música pop em Glastonbury? Pesquisando? Achou que não. Sua mente se confundiu, o que sempre acontecia quando se lembrava do que sua mãe lhe dissera. Sophie já fizera tolices, mas nunca uma loucura daquelas. Rosa achava que sua irmã finalmente estava tomando juízo, e que ela e Mark Champion passariam a viver juntos. Mas agora aquele relacionamento estava ameaçado por causa de um homem que Sophie conhecera no festival. Rosa apanhou seu bilhete e saiu novamente. A chuva diminuíra e o sol já brilhava sobre as águas. Um bom presságio, pensou, procurando pela balsa que deveria partir em 45 minutos. Os pedestres embarcariam antes dos veículos. Ela viu aquele homem novamente enquanto esperava em fila no cais. Ele estava num dos carros que aguardavam o embarque. Inesperadamente, seu coração começou a bater mais forte. Então ele estaria no mesmo barco. Que coincidência! Mas era improvável que fosse para Kilfoil. De acordo com a senhora Har-ris, da pousada, Kilfoil permanecera deserta por vários anos, até um escritor rico comprar a propriedade e restaurar o castelo em ruínas para 4
  • 5. ocupá-lo. Liam Jameson, é claro, concluíra Rosa, sem querer, porém, perguntar detalhes àquela senhora para não ter que explicar o motivo que a levava à ilha. Dissera a ela que faria umas fotos para uma reportagem sobre o desenvolvimento da ilha. Mas a senhora Harris advertira que a ilha era propriedade particular e que ela precisaria de uma autorização para tirar fotos. Rosa perdeu Liam de vista quando embarcava na balsa. Ela tremia de frio. Céus, pensou, como alguém pode escolher viver aqui tendo dinheiro para comprar uma ilha ? Barbados, sim. Caymans, talvez. Mas Kilfoil? Deve ser louco. Ela só conseguia pensar que a ilha lhe dava inspiração para escrever suas histórias de terror. E, de acordo com sua irmã, estavam fazendo um filme dele na ilha. Será que isso fazia sentido? Será que Sophie e Mark tinham dito a verdade? Sua mãe acreditara em cada palavra. Se Liam não tivesse se envolvido com Sophie…. pensou. Sua irmã se impressionava com facilidade, e sonhava em se tornar uma atriz de sucesso. Se ela tivesse encontrado Jameson, teria ficado impressionada, sem dúvida. Ele vendera milhões de livros. Cada vez que um novo livro era lançado, Sophie o devorava. E todos os seus filmes haviam feito sucesso. Seu trabalho era cultuado devido a um fascínio cada vez maior pelo sobrenatural. Particularmente os vampiros, que eram sua marca registrada. Mas teria ele estado num festival de música pop? Coisas estranhas haviam acontecido, imaginou, e Sophie certamente convencera Mark de que aquela era uma chance que não poderia perder. Por que não telefonara para sua mãe para avisá-la, por que pedira a Mark que se desculpasse por ela? Mas se Sophie estava mentindo, onde estaria, meu Deus? Felizmente havia uma cabine sob o convés onde os passageiros podiam comprar sanduíches, refrigerantes e bebidas quentes. Rosa entrou e encontrou um assento perto da janela, de onde podia ver o movimento no cais. Logo todos os passageiros entraram e a fila de carros desapareceu. Devem ter sido colocados na ordem em que serão desembarcados, refletiu, imaginando se o homem que ela havia visto sabia dessa rotina. A balsa seguiria primeiramente para Kilfoil e depois para outras ilhas. Rosa ficou satisfeita. Isto significava que Kilfoil era a ilha mais próxima. A ilha de Skye parecia incrivelmente perto quando a viagem começou. Mas logo as ondas em mar aberto começaram a fazer o barco subir e descer. Rosa virou os ombros e viu um grupo de pessoas na cantina. Lamentou não ter comprado uma bebida antes da confusão se formar. Aquela altura, não tinha certeza se conseguiria atravessar a cabine sem ficar enjoada. Nunca fora uma boa tripulante, e a balsa balançava muito mais do que o aerobarco que ela e Colin haviam tomado certa vez para Bolonha. — Você está se sentindo bem? Imaginando que devia estar pálida, Rosa virou-se e viu o homem do estacionamento olhando para ela de cima para baixo. Então ele havia embarcado, pensou, confusa, notando que ele parecia não se importar com o balanço do barco. Embora vestisse um casaco de couro comum sobre a camiseta e o jeans, parecia tão grande e poderoso quanto antes. A camisa saía do jeans em alguns cantos, expondo sua pele morena e seus pêlos. Como ele é sensual, pensou, distraindo-se por um momento de seus 5
  • 6. problemas. Mas Liam esperava uma resposta e ela forçou um sorriso sem graça. — Eu não imaginava que o mar estaria tão agitado — confessou, pensando se ele havia notado que os olhos dela estavam na altura de sua virilha. Esforçou-se para olhar para qualquer outro lugar. — Acho que você está acostumado — disse. Os olhos dele se estreitaram, com os grossos cílios pretos cobrindo a íris verde esmeralda. Meu Deus, como é bonito, pensou Rosa, observando sua pele bronzeada, seu queixo firme e sua boca, estranhamente sensual embora comprimida em uma linha fina. Mas ele falou novamente, com a voz mais forte, e ela se desviou dos pensamentos ao perceber que ele não tinha sotaque escocês. — Por que você diz isso? — perguntou Liam. Rosa piscou os olhos, sem conseguir lembrar exatamente o que dissera. Mas logo recordou. — Ah, só achei que você conhecia bem a região — confessou, sem jeito. — Certamente eu estava errada. Você é inglês, não? Liam fez uma careta, reprovando-se pelo impulso que o levara a perguntar se ela estava bem. Rosa estava tão pálida que ele havia sentido pena. Obviamente não vivia ali. Estava sem roupas à prova d’água, sem botas, e até a mochila que levava parecia frágil. — Nem todos nós falamos gaélico — disse ele, finalmente. Ela encolheu os ombros. — Está bem — disse Rosa, contendo sua indignação. Pelo menos a conversa a estava ajudando a afastar os olhos do mar. — Então você vive nas ilhas? — Talvez. Ele estava sendo irritantemente reticente. E então, desconcertando-a, afirmou: — Espero que você não pretenda fazer caminhadas vestida dessa maneira. Rosa respirou fundo: — Isto não é da sua conta. — Não — admitiu ele, arrependido. — Eu só estava pensando alto. Mas não consegui deixar de notar que você parecia sentir frio hoje mais cedo. Então ele a notara. Rosa se sentiu menos hostil a ele. — Está muito mais frio do que eu imaginava — admitiu. — Mas espero não ficar aqui muito tempo. — Uma visita rápida? — Algo assim. Liam franziu a testa. — Você tem parentes aqui? Rosa prendeu a respiração. Ele estava fazendo muitas perguntas. Mas então se lembrou que perguntaria a qualquer um sobre sua irmã. Se aquele homem usava a balsa regularmente, poderia tê-la visto. E ter visto Liam Jameson. Mas preferiu não mencioná-lo. — Na verdade, espero encontrar minha irmã — disse, tentando parecer informal. — Uma menina loura, bonita. Acho que ela fez essa travessia alguns dias atrás. — Não pode ter feito — disse ele. — Essa balsa só circula às segundas e 6
  • 7. quintas-feiras. A não ser que ela tenha ido quinta-feira passada. Rosa engoliu seco. Quinta-feira Sophie ainda estava em Glastonbury com Mark. Ele telefonara sábado à noite para avisar à mãe do que acontecera, e isto levara a senhora Chantry a telefonar para Rosa, histérica. — Você tem certeza? — perguntou ela, tentando imaginar se Liam Jameson teria um avião ou um helicóptero. Provavelmente tinha, pensou. Por que viajaria como um simples mortal? Deve até ter um barco. — Tenho — respondeu ele. — Isto quer dizer que você não acha que sua irmã esteja aqui? — Talvez. — Rosa não queria dividir seus pensamentos com ele. — Falta muito tempo para chegar? — Depende de para onde você está indo — observou Liam, secamente, embora curioso. Rosa achou que não havia problema em lhe dizer seu destino. — Ah, Kilfoil — disse, notando que suas palavras o surpreenderam. Bem, que ele fique ruminando, pensou com despeito. Ele não havia sido exatamente delicado com ela. 7
  • 8. CAPÍTULO DOIS LIAM ficou surpreso. Achou que sabia tudo sobre as famílias que haviam se mudado para a ilha depois de adquiri-la. Inabitadas durante anos, as casas estavam em ruínas, e ele fizera um esforço descomunal para tornar o lugar habitável novamente. No processo de instalação de rede elétrica, gerador e serviços básicos, tornara-se amigo daquelas famílias. Agora Kilfoil tinha uma economia saudável, com turismo, pesca e fazendas que garantiam a subsistência de centenas de pessoas. Ele queria indagar por que ela achava que a irmã estava na ilha, mas sabia que já havia feito muitas perguntas. Está bem, ela o intrigava, com seu ar de desafio tímido e a inocência com que falava sobre a ilha. A não ser que sua percepção tivesse falhado, havia algo além do desejo de se encontrar com a irmã. Teria a menina fugido? Talvez com um namorado? Mas por que teria ido para Kilfoil? Até onde ele sabia, não havia padre na ilha. Rosa o viu pôr as mãos nos bolsos traseiros do jeans, aparentemente sem notar que o botão na cintura estava aberto. Ela pensou em dizer-lhe, mas isto mostraria que estava olhando, e então desviou o olhar. — Mais ou menos uma hora — disse ele, respondendo. E então, como se sentisse a ausência dela, afastou-se e foi até o bar no outro lado da cabine. Discretamente, Rosa viu que ele conversava com o jovem atendente. Ele recebeu um troco e o jovem lhe entregou duas xícaras de plástico. Duas? Rosa rapidamente afastou o olhar. Seria uma das xícaras para ela? Preferiu não olhar, não ver se ele estava voltando para onde ela estava, caso estivesse errada. — Quer um café? Sim. Ele estava diante dela novamente. — Ah, não precisava — murmurou, embaraçada. — Obrigada. Por que você não se senta? Liam hesitou. Não costumava comprar café para mulheres estranhas, dividindo com elas seu espaço. Mas aquela parecia tão deslocada que não conseguiu deixá-la. Poderia ser uma jornalista atrás de uma notícia, pensou. Mas se fosse isso, estaria bem à vontade com ele. Ela parecia muito vulnerável e, deixando de lado a cautela, ele se sentou a seu lado. Ao sorver o café, olhou-a discretamente. Ela o observava e Liam disse: — Pelo menos está quente. — Está muito bom — assegurou Rosa, sem ser completamente sincera. O café estava amargo. — Você foi muito gentil. — Hospitalidade escocesa — disse ele, com ironia. — Somos conhecidos por isso. Ela o olhou de lado. — Então você é escocês? Deve conhecer bem a região. Como é Kilfoil? É civilizada? — Onde você acha que está? No deserto da Mongólia? 8
  • 9. Ela ficou corada. — Não. Mas me fale sobre a ilha. Há casas, lojas, hotéis? Liam hesitou, dividido entre o desejo de descrever seu lugar e a vontade de não parecer familiarizado com a região. — É como muitas outras ilhas — disse finalmente. — Há uma vila, e você pode comprar as coisas que precisar. A correspondência e os artigos de luxo chegam de balsa. Assim como os turistas, que ficam em hospedarias locais. Rosa se sentiu aliviada. — Então não é desolado, ou algo assim. — É bonito — disse Liam, pensando em o quanto estava aliviado por voltar. — Todas essas ilhas são bonitas. Eu não viveria em outro lugar. As sobrancelhas de Rosa se ergueram. — Onde você mora? Ele estava encurralado. — Em, Kilfoil — respondeu, com relutância. E decidiu que já havia falado o suficiente. — Desculpe-me, preciso checar meu carro. Rosa ficou pensativa enquanto terminava seu café. O que um homem como ele faria na ilha? Seria um pescador, como ela especulara? De alguma maneira isso não parecia provável. Um pensamento lhe ocorreu. Talvez trabalhe para Liam Jameson. Ou para uma equipe de filmagem, se estiverem fazendo um filme na ilha. Devia ter perguntado se estavam filmando em Kil-foil. Mas aí teria que explicar por que estava ali. Não. Era melhor esperar antes de começar a fazer perguntas. Não queria alertar Liam sobre quem era. Rosa tremeu ao imaginar o que tinha que fazer. Sua missão, pensou com ironia. Céus, o que estava pretendendo fazer? As pessoas na ilha lhe diriam se houvesse uma equipe de filmagem. Já informar onde morava Liam Jameson era outra história. A viagem parecia interminável. Se o que o ele dissera era verdade, não deveria demorar muito. Ao olhar para a frente do barco, viu uma massa de terra adiante. Seria Kilfoil? Esperava que sim. Telefonaria para a mãe assim que chegasse. Lúcia Chantry devia estar desesperada por notícias. Sophie era seu bebê, e embora soubesse que às vezes ela era egoísta e voluntariosa, não escondia que era sua filha favorita. Sophie nunca agia mal, enquanto Rosa estava sempre cometendo erros, inclusive quando se casou. Nunca gostara de Colin Vincent, e não hesitou em dizer eu avisei quando Colin se revelou um calhorda. Enquanto a balsa parava lentamente, Rosa se levantou, ansiosa para observar seu destino. Não é nada impressionante, pensou, apenas um punhado de casas na encosta. O céu nublado não ajudava. Quinze minutos depois ela estava no cais, observando os poucos carros que desembarcavam na ilha. Acima dela, viu a estrada que serpenteava até a vila e as encostas escuras de uma cadeira de montanhas por trás. De repente a ilha parecia muito maior do que imaginara. E se realmente encontrasse Sophie, se ela não estivesse mentindo? Como conseguiria levá-la para casa? Se a irmã estivesse encantada com um astro, nada que dissesse adiantaria. Rosa acabara de notar uma placa de “Correios” quando viu um Audi cinza descendo a rampa e indo em sua direção. O homem que lhe comprara café estava ao volante e ela se virou abruptamente. Não queria que ele achasse — nem por um momento — que ela o procurava. 9
  • 10. Para seu alívio, o carrão passou rapidamente por ela. Mas, em seguida, freou e deu ré. Parou a seu lado e a porta se abriu. Ele pôs as pernas para fora, levantou-se com visível esforço e se virou para ela. Rosa notou que ele forçava a perna esquerda, o que não observara na balsa. O balanço do barco impediria qualquer observação desse tipo. Enquanto isso, Liam se reprovava por ser tolo a ponto de parar o carro. Mas ainda tinha a impressão de que um vento a derrubaria. E certamente ela não estava interessada nele. Liam percebera que ela deliberadamente havia se virado de costas para ele. Então por que bancava o cavaleiro errante novamente? — Algum problema? — perguntou, forçando-a a olhar para ele. — Espero que não — disse Rosa firmemente, desejando que ele simplesmente fosse embora. Mas, se por acaso a ajudasse, ficaria grata. — Ah, eu só estava procurando os correios. Queria perguntar onde fica o castelo de Kilfoil. — Castelo de Kilfoil — Liam agora estava desconfiado. — Por quê? Não está aberto ao público. — Sei disso — disse Rosa, e suspirou. Em seguida, cedendo ao desejo de confiar nele, acrescentou: — Você sabe se há uma equipe de filmagem trabalhando lá? — Uma equipe de filmagem? — agora Liam estava realmente preocupado. Estaria o tempo todo equivocado em relação a ela? — Sim, uma equipe de filmagem — repetiu Rosa. — Acho que estão filmando um dos livros de Liam Jameson na ilha. Diabos! Liam a fitou, tentando descobrir se ela era tão ingênua quanto parecia. — Por que você acha que Liam Jameson permitiria que uma equipe de filmagem profanasse sua casa? Sei que fazem filmes sobre seus livros, mas não são filmados aqui. Era sua imaginação ou os ombros dela haviam desabado diante da notícia? O que estava acontecendo? Ela esperava encontrar a irmã num set de filmagem? — Acho que você está equivocada — disse ele, gentilmente. — Alguém lhe deu uma informação errada. Posso assegurar que não há nenhuma equipe de filmagem no castelo nem em qualquer outro lugar na ilha. Rosa balançou a cabeça. — Tem certeza? — Sim. — Você não está querendo me afastar? — Claro que não! — Liam a fitou com compaixão. — Entendo que eu possa decepcioná-la, mas não acho que sua irmã esteja aqui. As sobrancelhas de Rosa se juntaram. — Não me lembro de ter-lhe dito que minha irmã estava com a equipe de filmagem. — Não, mas não é preciso ser um matemático para somar dois mais dois. Rosa mordeu os lábios. — Está bem. Talvez eu tenha pensado que Sophie pudesse estar com eles. Mas se não está, talvez esteja em outro lugar. 10
  • 11. Liam a fitou. — Na ilha? — Sim — Rosa ergueu a cabeça. — Talvez você pudesse me indicar onde é o castelo de Kilfoil. Eu poderia pegar um táxi ou algo assim se for muito longe? Liam piscou os olhos. — Por que razão você acha que sua irmã está no castelo de Kilfoil? — perguntou, tentando não se mostrar ultrajado com a suposição. Ela suspirou. — Porque aparentemente ela se encontrou com Liam Jameson dias atrás, no festival de Glastonbury. Ele disse a ela que estavam fazendo um filme sobre seu último livro na Escócia e a convidou para um teste de atriz. DIZER que Liam estava chocado seria pouco. Era como se de repente Rosa tivesse começado a falar numa língua estranha e ele não conseguisse entender. Até a manhã de domingo estivera numa clínica em Londres, fazendo um tratamento muscular para tentar reduzir os espasmos na perna. Além disso, nunca estivera num festival de música pop na vida. Percebendo que Rosa esperava que dissesse algo, Liam tentou se concentrar. Era óbvio que ela acreditava no que dizia. Sua aparência de incerteza e expectativa era convincente demais. Mas, que diabos, se sua irmã inventara essa história, por que ela acreditara? Qualquer pessoa que conhecesse Liam Jameson saberia que era mentira. Mas talvez ela não soubesse. Com certeza não o reconhecera. E, convenhamos, não era tão absurdo. Dois de seus filmes haviam sido filmados na Escócia. Mas não em Kilfoil. — Liam Jameson vive aqui, não? Rosa esperava que ele dissesse algo, em vez de ficar olhando-a com aqueles olhos verdes penetrantes, que pareciam observar sua alma. Ela se sentiu desconfortável diante de seu olhar escrutinador. Liam provavelmente não percebia, mas ela estava ficando realmente excitada. — Sim — disse ele, finalmente. — Ele mora no castelo de Kilfoil, como você deve saber. Mas não há como ter proposto um teste a sua irmã. Ele não se envolve em filmes. Se ela lhe disse isso, estava errada. — Como você sabe? — Embora Rosa estivesse pronta para aceitar que ele estava certo, ficou curiosa sobre aquela certeza dele. — Você o conhece pessoalmente? Liam esperava por aquilo. — Sei sobre ele — disse, relutando em lhe contar quem era. — É meio recluso e, pelo que sei, nunca foi a Glastonbury. Sua irmã deve ser jovem. Liam tem 42 anos. — Quarenta e dois! Se ele imaginasse que ela pudesse saber sua idade, estava errado. Rosa emendou: — Isso tudo? — Não é tão velho assim — resmungou Liam, sem disfarçar uma pontada de indignação. — Que idade tem sua irmã? — Quase 18. Você acha que Liam Jameson gosta de meninas novas? — Ele não é um pervertido — disse Liam, com severidade, e mudando de 11
  • 12. tom. — E, convenhamos, você não tem nenhuma prova de que ela está com Jameson. — Eu sei disso — afirmou Rosa. — Mas onde ela poderia estar? — Rosa molhou os lábios, sua língua se movendo numa provocação inconsciente. — De qualquer modo, se me indicar onde fica o castelo, vou até lá para saber se o senhor Liam Jameson tem uma resposta. Foi quando Liam deveria tê-la impedido. Deveria ter explicado quem era e como sabia que Liam Jameson nunca fora a Glastonbury, mas não teve coragem. Havia ido longe demais para simplesmente confessar que era quem ela procurava. E seu senso de privacidade inato o tornara vítima de sua própria mentira. — Olhe, acho que você está perdendo seu tempo — disse ele, cuidadosamente. — Jameson nunca foi a um festival de música pop. Até onde eu sei. — Você sabe um bocado sobre ele — disse Rosa, com curiosidade. — Tem certeza de que não é amigo dele? — Tenho — afirmou Liam, desejando que nunca tivesse começado aquilo. — Mas eu moro na ilha. É um lugar pequeno. — Não parece tão pequeno. E não estou ansiosa para encontrar esse homem, se quer saber a verdade. Ele escreve umas coisas terríveis. Fantasmas, lobisomens… — Vampiros — corrigiu Liam, sem pensar. — … Coisas assim — murmurou Rosa, demonstrando que não prestava atenção nele. — Provavelmente foi por isso que Sophie se impressionou tanto com ele. Ela lê tudo o que ele escreve. — É mesmo? Liam não conseguiu esconder um ar de satisfação. Por mais que seu agente e seu editor dissessem que era um bom escritor, nunca acreditava realmente. — Ah, sim. Sophie é louca por livros, TV e cinema. Quer ser atriz, veja você. Se esse homem esteve em contato com ela, certamente Sophie não o largou. — Mas ele não esteve com ela — afirmou Liam — Você não acredita realmente nisso, não é? — Talvez não. — Rosa tinha que ser honesta. — Mas se não se importa, eu prefiro ouvir isso do próprio Liam Jameson. Liam franziu a testa e pressionou a ponta de sua bota contra uma pedra, consciente de que a qualquer momento alguém poderia chegar e falar com ele, e então não teria como se explicar. — Olhe — disse relutantemente —, por que você não toma a próxima balsa e vai para casa? Se sua irmã quiser lhe dizer onde está, dirá. Enquanto isso não acontecer, provavelmente você será mais inteligente se não acusar pessoas de coisas que não pode provar. Rosa tremeu. — Entrar numa balsa de novo? Acho que não. — A próxima só sai na quinta-feira, como eu disse. Rosa tentou não demonstrar seu desalento. — Agora não há nada que eu possa fazer. E Liam Jameson é a única pista que tenho. 12
  • 13. Liam suspirou. — Está bem, está bem. Se esta é sua palavra final, eu a levo. — Me leva aonde? — Ao castelo de Kilfoil. Não é onde você quer ir? — É. Mas você acha que o senhor Jameson me receberá? — Eu asseguro que sim — disse Liam secamente. — Vamos. — Mas eu nem sei quem você é — protestou Rosa, a idéia de entrar num carro com um estranho assumindo de repente uma importância maior do que tinha antes. — Sou… Luther Killian — murmurou Liam, sem graça, esperando que ela reconhecesse o nome de seu principal personagem. Mas não houve reação. A irmã podia ter lido seus livros. Rosa, com certeza, não. 13
  • 14. CAPÍTULO TRÊS ROSA hesitou. — Ah, é longe? — arriscou, recebendo um olhar de impaciência de Liam. — Leva um bom tempo caminhando, se é o que você está pensando — respondeu ele. — Tem o velho McAllister, é claro. Ele trabalha como taxista, se necessário. Mas seu carro não é muito confiável. Rosa olhou sua bolsa pesada. — Está bem, obrigada — disse, com certo receio. — Se não for muito fora de seu caminho. Não me faça favores, pensou Liam, irritado, apanhando a bolsa de Rosa e colocando-a no porta-malas. Ele se sentou no carro e indicou para ela o assento ao lado. Sua perna doía por ter ficado muito tempo em pé. Para Rosa, a ilha pareceu bem maior do que imaginara no momento em que o Audi subiu a encosta fora da vila. Eles chegaram a um amplo platô verdejante, com pequenos lagos que brilhavam com os intermitentes raios de sol. À esquerda, as montanhas que ela vira do cais pareciam grandes e imponentes. — Ali é o pântano de Kilfoil — informou Liam, apontando para um terreno do outro lado da estrada. — Não se iluda com sua aparência. Em alguns lugares é um brejo. Nem os carneiros pastam ali. — O senhor é fazendeiro, senhor Killian? Fazendeiro! Liam disfarçou um riso no canto da boca. — Tenho algumas terras — concordou, nem admitindo, nem negando. E procurou mudar de assunto. — A ilha é muito mais bonita do outro lado do pântano — E alguém que caminhava por ali já afundou no pântano? — perguntou Rosa. Liam lançou-lhe um olhar zombeteiro: — Só nos livros de Jameson, acho. Rosa fez uma careta. — Ele parece estranho. Acho que morando aqui pode fazer praticamente o que quer. — Ele é um escritor — disse Liam, irritado com o comentário. — Escreve sobre monstros, mas isto não significa que seja um monstro! Rosa reconheceu que o isolamento a amedrontava. O grito de um pássaro fez um frio percorrer sua espinha. Um bando de faisões, assustados com o barulho do carro, levantou vôo abruptamente. Ela fez um ruído estranho, e Liam voltou-se para ela: — Alguma coisa errada? — Eu estava pensando no que você disse — afirmou, sem ser completamente sincera. — Acho que concordo com você. Liam Jameson não traria Sophie para cá. — Não? — perguntou ele, com cuidado. — Não, quer dizer — e apontou para o pântano —, não consigo imaginar um homem que vive aqui indo a um lugar frenético como o festival. Você consegue? Liam comprimiu os lábios. 14
  • 15. — Acho que me lembro de ter dito isso meia hora atrás — reagiu. — Oh, sim, você disse, — Rosa fez uma careta. — Sinto muito. Acho que eu deveria ter ouvido você. Liam balançou a cabeça. Não sabia o que ela esperava que dissesse. Mas se esperava que desse meia volta e a levasse para a vila, estava enganada. Estava cansado. Diabos! Acabara de percorrer mais de 800 km. Se ela quisesse voltar, Sam a levaria. No momento, precisava de um café-da-manhã, um banho e cama, não necessariamente nessa ordem. Ou pelo menos foi o que disse a si mesmo. Na verdade, curiosamente relutava em abandoná-la. Sentia pena dela, pensou. Rosa chegara ali numa procura impossível e ficaria bastante ressentida quando descobrisse que ele a estava enganando também. Seus pensamentos o surpreenderam, porém. Aquele sempre fora seu retiro, seu santuário. O único lugar onde conseguia escapar da correria louca em Londres. O que estava fazendo levando uma estranha para casa? Não era uma adolescente! Era uma mulher crescida o suficiente para tomar conta de si própria. — De qualquer modo — disse ela de repente —, vou perguntar se ele sabe onde ela pode estar. Se estão fazendo um filme aqui, ele saberá, não acha? Os dedos de Liam apertaram o volante. Por que não dizia a ela quem era?, pensou impacientemente. Por que não admitia que escondera sua identidade porque temia que ela tivesse outro motivo para estar ali? Rosa poderia não acreditar nele, mas seria melhor do que se sentir uma fraude completa cada vez que ela mencionava seu nome. — Olhe, senhorita… — Chantry. Rosa Chantry. — Sim, senhorita Chantry — hesitou. — Olhe, tem uma coisa que eu… Mas antes que pudesse terminar a frase, ela o interrompeu. — Oh, meu Deus! — exclamou apavorada, e por um momento Liam achou que ela o reconhecera. Mas então ela apanhou a bolsa e retirou dela o celular. — Prometi que ligaria para minha mãe assim que chegasse. Desculpe-me um minuto. Tenho que telefonar antes que ela comece a achar que perdeu duas filhas, e não uma. — Sim, mas… — começar a tentar lhe explicar que celulares não pegavam na ilha quando ela expressou sua frustração. — Ora, a bateria deve ter acabado. Não há sinal nenhum. — É porque não há celulares na ilha. Durante anos esse lugar esteve deserto, e, embora as coisas tenham mudado, preferimos não despejar na ilha todo o lixo do século XXI. — Você quer dizer que não vou conseguir ligar para minha mãe? — Não. Há linhas fixas. — Então você acha que Liam Jameson vai me deixar telefonar de seu castelo? — Estou certo de que sim — murmurou Liam, sabendo que estava se afastando do personagem que criara. — Não fique achando que a ilha é um lugar atrasado. Desde que se modernizou, é um lugar agradável para se viver. Rosa ergueu as sobrancelhas bem mais escuras que seu cabelo. — Por isso veio para cá? Para escapar da correria louca? 15
  • 16. — De certa maneira. — E você gosta de morar aqui? Não fica entedia-do? — Nunca fico entediado — disse Leam secamente. — Você fica? — Não tenho tempo para ficar entediada — respondeu ela, com tristeza. — Sou professora. Meu trabalho me mantém ocupada. — Ah — compreendeu Liam. Ele achou que aquilo explicava muitas coisas. Como o fato de ela estar ali no meio de agosto e por que ela às vezes parecia tão metódica. O pântano agora se distanciava e eles começavam a descer uma estrada sinuosa para um vale. Ele apontou para a frente. — Lá está o castelo. O que você acha? Rosa prendeu a respiração. — É… bonito — disse. E era. Grande e sólido, debruçado sobre o mar. Era magnífico. — Muito impressionante — repetiu Rosa. Não era o que ela esperava. — Mas como alguém pode morar num lugar desses? Deve ter mais de cem cômodos. — Na verdade, 53 — disse Lean sem pensar. — Ou quase isso, ouvi dizer — corrigiu-se. — Cinqüenta e três? — Rosa balançou a cabeça. — Ele deve ser muito rico. — Alguns são apenas ante-salas — disse Liam, ressentindo-se da necessidade de se defender, mas sem conseguir evitar. — Estou certo de que ele não usa todos. — Acho que não — concordou Rosa. — Ele é casado? — Não. Liam não hesitou em dizer isso a ela. Afinal, era uma informação que aparecia em sua biografia presente em todos os seus livros. — Ele mora sozinho? — insistia Rosa. — Tem namorada? Ou namorado? — acrescentou, com uma careta. — Hoje, nunca se sabe. — Ele não é gay — disse Liam, incomodado. — E tem empregados que cuidam do lugar. Portanto, dificilmente está sozinho. — É sempre assim. Aposto que paga bem aos empregados para mantê-los ali. Liam apertou o queixo e não respondeu. Poderia ter dito que muitos dos empregados fugiam de Londres, assim como ele. Não empregava nativos. Os ilhéus só queriam trabalhar em meio expediente, para cuidar de seus próprios interesses. Eram bastante independentes, e preferiam a pesca e a agricultura a trabalhos caseiros. Eles se aproximaram do castelo passando por um campo com carneiros e gado. Rosa viu pequenas casas na encosta, com fumaça nas chaminés. Um riacho, que provavelmente nascia nas montanhas, descia sobre pedras até o mar. E lá embaixo havia uma praia limpa e totalmente deserta. Rosa pensou que qualquer pessoa que não conhecesse aquele lado da Escócia ficaria encantada com a beleza. O mar era calmo, e em alguns trechos tão verde quanto… os olhos de Luther Killian. E tão intrigante quanto, embora provavelmente gélido. De perto, o castelo era ainda mais explêndido. A reforma não havia alterado o estilo e o charme daquela construção. Eles passaram numa ponte de madeira sobre um canal seco e estacionaram no jardim, próximo às portas de 16
  • 17. madeira cheias de detalhes. Uma das portas se abriu imediatamente e um homem e vários cães apareceram. Os cachorros — dois golden retrievers e um spaniel — desceram os degraus para saudá-los, com os rabos abanando de excitação. Liam saltou do carro. Novamente, sua perna se enrijeceu e ele lamentou sua dificuldade de desfrutar um dos prazeres da vida. Sempre gostara de dirigir e tinha muitos carros. Preferia-os ao helicóptero que seu agente insistia que era essencial. E alugava o avião ao serviço de socorro médico local mais do que o usava. Lutando contra a dor, caminhou até Sam Devlin, que cuidava da propriedade para ele com eficiência. — Liam — disse Sam, ao que seu patrão reagiu erguendo o dedo diante dos lábios, num sinal para que ficasse quieto. — É bom vê-lo de novo — emendou, confuso. — Há algo errado? Liam olhou para trás e Sam viu Rosa saindo do carro. — Temos uma visitante? — perguntou, surpreso. Ele sabia, mais do que ninguém, que Liam nunca levava estranhos a Kilfoil. — Temos — disse Liam, em voz baixa, depois de apertar a mão do homem mais velho. — Ela está aqui porque quer perguntar a Liam Jameson onde está sua irmã. — O quê? — Sam o fitou. — Mas você… — Ela não sabe — suspirou Liam. — É uma longa história, Sam, mas não é hora de contá-la. Pretendo contar a ela, mas não agora. Sam se recompôs quando Rosa se aproximou devagar enquanto os cães a farejavam. — Bem-vinda a Kilfoil, senhorita — disse. Liam apresentou um ao outro. — Este é Sam Davlin, braço direito de Liam Jameson. Sam, esta é a senhorita Rosa Chantry. Talvez a senhora Wilson faça a gentileza de convidá-la para o almoço — disse Liam. — Na verdade — disse ela — eu gostaria apenas de uma palavra rápida com o senhor Jameson. — O senhor Jameson está ocupado no momento — disse Sam, olhando de lado para seu patrão. — Vou mostrar-lhe onde pode esperar por ele. — Mas o senhor acha que ele me atenderá? Sam olhou para seu patrão e disse: — É possível. Acompanhe-me, por favor. Rosa hesitou, voltando-se para Liam com um sorriso. — Obrigado pela carona. Até logo, senhor Killian. Liam inclinou a cabeça, certo de que Sam o fitava boquiaberto. — Foi um prazer — respondeu, percebendo que de fato havia sido um prazer. Liam se virou enquanto Sam levava Rosa para o interior do castelo. Ela não ficaria muito feliz ao descobrir quem ele realmente era. Enquanto isso, Rosa lamentava, de um modo que não compreendia, o fato de que não veria Luther Killian novamente. Ele havia sido gentil, apesar de sua ingratidão. Gostaria de ter perguntado onde morava. Afinal, o que quer que acontecesse, ela ficaria na ilha pelo menos dois dias. Rosa acompanhou o empregado pelo castelo com relutância. Embora quisesse falar com Jameson, era um tanto amedrontador estar ali. Castiçais 17
  • 18. iluminavam bem o saguão por onde passavam, e havia uma lareira acesa, mas era intimidante. O teto alto e as paredes com tapetes pendurados a fizeram lembrar que o homem que procurava ganhava a vida assustando seus leitores. — Usamos o saguão apenas como sala de recepção. O resto do castelo é muito mais aconchegante. De outro modo, seria impossível manter o lugar aquecido. Rosa não podia acreditar. — O senhor Jameson vive aqui o ano inteiro? — A maior parte do ano — disse Sam. — Exceto quando está fora para cuidar dos negócios ou para se distrair. Por favor, acompanhe-me. Para surpresa de Rosa, e um certo medo, eles cruzaram o saguão até o lugar onde uma sinuosa escada de pedras levava ao segundo andar. — Não seria mais fácil esperar aqui pelo senhor Jameson? — perguntou ela. — Sinto lhe dizer que não — afirmou Sam, educado mas determinado. — Neste andar do castelo estão a cozinha, a despensa e os quartos de todos os empregados. — Entendo — reagiu Rosa. Sem alternativa, seguiu o homem escada acima. — Oh, não é maravilhoso? — exclamou, parando diante de uma janela para olhar a vista. A janela dava para a frente do castelo e ela ficou surpresa ao ver que o carro de Luther Killian ainda estava ali. Olhando para Sam Devlin, comentou: — O senhor Killian ainda está aqui. — Está? — reagiu Sam, demonstrando pouco interesse. Rosa se lembrou que Killian dissera que falaria ele próprio com Jameson. Devia estar explicando a situação. Se fosse isso, teria mais um motivo para lhe agradecer. Talvez antes de ir embora perguntasse a Sam onde Killian morava. Mas pensando nisso lembrou-se de que não telefonara para a mãe. — Eu poderia usar o telefone enquanto espero? — Há um telefone aqui — disse Sam, abrindo uma porta que dava para o que parecia ser uma biblioteca. — Fique à vontade. Pedirei à senhora Wilson que providencie um refresco. — Poderia avisar ao senhor Jameson que estou aqui? — perguntou Rosa, notando uma curiosidade em seu olhar. — Vou avisar — respondeu ele. — Com licença. Rosa tentou não ficar apreensiva quando a porta se fechou. Então, ali estava ela. Chegara a seu destino. Se as circunstâncias não fossem as que esperava, não era sua culpa. Ao redor, viu paredes cobertas de livros, uma mesa com tampo de granito, cercada de papéis, um laptop e várias cadeiras de couro. Aproximando-se das prateleiras, puxou um livro pesado com o título Mitos de vampiros do século XV, e rapidamente o pôs de volta no lugar. Estava perdendo tempo, pensou, ao ver o telefone. Enquanto esperava a ligação completar, observou os jardins do castelo e duas estufas de vidro. Era um lugar auto-suficiente, pensou. Apesar de sua reação inicial, invejou Jameson por viver ali. Era um lugar tranqüilo como poucos atualmente. — Rosa? É você? — perguntou sua mãe ao telefone. — Encontrou Sophie? Ela está bem? — Não a encontrei — Rosa preferiu não mentir. — Não há equipe de 18
  • 19. filmagem na ilha, mãe. Sophie devia estar inventando. — Ela não faria isso — disse a ingênua senhora Chauntry. — Mark deve ter se confundido. A Escócia é grande. Devem estar filmando em outro lugar. — Mas onde? — Não sei. Você tem que descobrir. — Talvez — esquivou-se Rosa. — Talvez eu saiba mais depois de falar com Liam Jameson. — Você não falou com ele pessoalmente? — Como poderia? Acabei de chegar. Foi uma longa viagem. — Onde você está? Em algum bar em Mallaig? — Estou na ilha. No castelo de Kilfoil. E tenho certeza de que não há nada acontecendo aqui. — Então o senhor Jameson não está aí. — Não disse isso — interrompeu Rosa. — Eu não falei que saberei mais depois que falar som ele? Rosa tentava ser paciente. Ouviu a porta se abrindo. — Mãe, tenho que desligar. Telefono mais tarde, assim que tiver notícias. Levantando-se da cadeira junto à janela, Rosa viu Luther Killian à porta. Ele estava mudado. A camisa amarrotada e o jeans haviam sido trocados por uma blusa de tricô roxa e uma calça de algodão leve. A julgar pelas gotas de água em seu cabelo preto, havia tomado banho. Rosa estava boquiaberta, mas rapidamente se recompôs. — Ah, oi — disse, confusa. — Achei que você tinha ido embora. Liam sorriu com cautela. — Está tudo bem em casa? — perguntou, imaginando o telefonema. Ele pôs as pontas dos dedos nos bolsos da calça. — Você parece surpresa por me ver. — Estou — Rosa achou que não fazia sentido mentir. — Você falou com Liam Jameson. Ele concordou em me ver? — Sim — disse Liam, tendo mais dificuldade do que esperava. — Sinto desapontá-la, Rosa, mas eu sou Liam Jameson. Rosa o olhou, perplexa. — Você está brincando! — Não. — Liam fez uma careta, desfez sua pose desajeitada e caminhou até ficar atrás da mesa. — Eu não queria enganá-la. De início, não. As coisas acabaram acontecendo desse jeito. 19
  • 20. CAPÍTULO QUATRO — VOCÊ não está pensando seriamente em permitir que ela fique aqui até conseguir pegar a balsa de volta, está? — perguntou Sam, preocupado. — Você não sabe nada sobre essa mulher. Como ter certeza de que não foi apenas um truque para vir ao castelo? — Não sei — disse Liam, acabando de comer um prato de bacon com ovos e apanhando uma caneca de café. — Mas, respondendo a sua pergunta, ela partirá esta manhã. Logo que arrumar sua bagagem. — Graças a Deus — disse Sam. — Não acreditei quando Edith me disse que ela passaria a noite aqui. Não que ela não seja honesta. É que você não costuma convidar estranhos. — Eu sei — Liam percebia seu tom afiado, mas não gostava que Sam lhe dissesse o que já sabia. — De qualquer modo, duvido que você tivesse gostado de levá-la à vila na noite passada. — Você poderia ter chamado McAllíster. — Mas não chamei. E se quer saber, não acho que ela tenha algum motivo oculto para estar aqui. Ela nem sabia quem eu era até eu lhe contar. — Isso é o que você diz. — Eu sei. — Está bem, está bem — Sam recuou. — Mas sempre suspeito de estranhas supostamente inocentes que surgem do nada. Quem seria estúpido o suficiente para achar que você permitira uma filmagem em Kilfoil? — A irmã adolescente dela, talvez? — Mas você não se envolve com filmes. — Eu disse a ela. — Então por que a trouxe aqui? — Ela insistiu em falar pessoalmente com Liam Jameson. — Foi quando se fantasiou de Luther Killian? — Sam bufou. — Não sei o que estava pensando, Liam. Você não é um adolescente. Devia saber o que faz. Se fosse o tipo que sai por aí com moças, seria diferente. Sei que se diverte de vez em quando, mas nunca trouxe suas conquistas para casa. Pelo menos desde Kayla. — Não entre nesse assunto, Sam. Liam ficou inquieto e Sam notou sua reprovação. Fazia anos que não pensava em Kayla Stevens, a mulher com quem planejara se casar antes de sofrer o ataque que quase o matara. Eles haviam se conhecido num almoço de seu editor, quando seu primeiro livro chegou ao topo das listas de best sellers. Kayla era modelo, contratada por sua agente para proporcionar glamour a eventos como aquele. Ela parecia deslocada, inocente demais para ser forçada a ganhar a vida daquela maneira. Liam sentiu pena dela, em grande parte como se sentia agora em relação a Rosa Chantry, pensou ele. Mas acabou percebendo que Kayla sempre estivera atrás de uma boa oportunidade. Embora ela tivesse ido algumas vezes ao hospital depois do ataque, a idéia de se unir a um homem com cicatrizes, que poderia ficar impotente ou paralítico, e que com certeza precisaria de muitos cuidados para se recuperar, 20
  • 21. não a atraiu. Seis meses depois, se casou com um jogador de pólo da América do Sul com dinheiro suficiente para manter o estilo de vida ao qual se acostumara. O fato de que sem Liam ela não teria conhecido um homem como aquele não teve a menor importância. Agora Sam estava cabisbaixo, e Liam teve pena dele. — Veja, isto não tem nada a ver com Kayla, certo? Tem a ver com ajudar uma pessoa. A mãe de Rosa não sabe onde sua filha mais nova está. Deve estar muito preocupada. — Então por que não vai à polícia? — Para dizer o quê? Que a filha sumiu com outro homem e que o namorado está com ciúmes? Sam, adolescentes são imprevisíveis. Provavelmente ela estará de volta em dois dias e negará tudo. — Então por que você se envolveu nisso? Boa pergunta. — Tenho me perguntado isso — admitiu Liam. — Não sei. Segundo Rosa, a irmã é minha fã. Talvez eu esteja lisonjeado. De qualquer modo, ela está indo embora hoje. A LUZ do sol a despertou. Quando finalmente havia se deitado, passava da meia-noite. Achou que não fosse conseguir dormir, e a luz da lua a confortara. Mas devia estar mais cansada do que pensava, tanto mental quanto fisicamente. Do contrário, por que teria aceitado a ajuda de Liam? A descoberta de que ele era Liam Jameson lhe havia tirado o equilíbrio. E a enfurecera também, admitiu. Ele não tinha o direito de mentir sobre quem era, embora estivesse desesperado para se manter anônimo. O fato de ele ter ficado chocado com a suposição de que encontrara sua irmã no festival e de que lhe oferecera um teste de atriz até que era desculpável. Mas ela não estaria ali se Liam tivesse sido honesto desde o começo. Rosa afastou o edredom, levantou-se e caminhou descalça até a janela. O chão estava frio, mas ela pensou que nunca se cansaria daquela vista. Via o mar do alto, quebrando nas pedras. O sol tingia as ondas de dourado. Mas havia nuvens no horizonte, prenunciando uma chuva, talvez à tarde, pensou, imaginando onde dormiria a próxima noite. Custou a perceber que era mais tarde do que pensava. Ou talvez o aroma de pão quente a tenha feito se lembrar que não comia desde a noite anterior. Logo reparou que havia uma bandeja na cômoda junto à porta. Evidentemente, alguém a pusera ali. Teria sido aquilo que a acordara? Ao olhar o relógio, viu que já eram 9h30. Espantou-se. Devia ter dormido pelo menos oito horas. Ela hesitou, dividida entre tomar banho e se vestir e investigar o conteúdo da bandeja. A bandeja venceu. Rosa a pegou e se sentou junto à janela. Uma jarra de café logo a atraiu. Havia ainda leite e creme em jarras pequenas, açúcar mascavo e uma cesta de pães quentes. Era dali que vinha o cheiro, percebeu, tocando neles com cuidado. Os pães cheiravam a passas e canela. Teria Liam Jameson preparado tudo aquilo para ela? Era mais provável que tivesse sido a senhora Wilson, pensou, lembrando-se do quanto fora rude com seu anfitrião no dia anterior. Mas descobrir que ele era Liam Jameson fora tão humilhante! Ao saber quem ele era, ficara fora de si. — Você? Você é Liam Jameson?! Não pode ser! — disse, incrédula. 21
  • 22. Ele respondeu estranhamente lacônico. — Por que não? — Porque não se parece com a imagem do retrato — protestou Rosa, lembrando-se do jovem de bigodes e barba rala que vira na contracapa de um de seus romances. Aquele homem não tinha barba, exceto um pouco no queixo. — Bem, sinto desapontá-la, mas eu realmente sou Liam Jameson — disse ele — A foto é de 12 anos atrás. — Então você tem que atualizá-la — ordenou ela. Como se pudesse! Liam deu de ombros. — Como lhe disse antes, sou uma pessoa bastante reclusa. Prefiro não ser reconhecido. — E Sophie? Sabe onde ela está? — É óbvio que não! — Era clara a irritação em sua voz. — Se eu soubesse, não acha que eu teria lhe dito? — Não sei o que pensar. Você me traz aqui sob falsos pretextos e… — Espere um pouco… — Liam não sabia por que as palavras dela lhe atingiam tanto. Mas era o que ele havia feito. Tomando outra direção, continuou: — Você teria acreditado em mim se eu tivesse lhe dito quem sou? Você acaba de me acusar de não me parecer com meu retrato — fez uma pausa. — Se quer saber, eu sinto pena de você. Obviamente perdeu tempo nessa viagem e, o que quer que eu dissesse, você teria que ficar aqui por mais três dias. Rosa ergueu o rosto diante disso. — Não havia a menor necessidade de sentir pena de mim, senhor Jameson. — Não? — Liam não conseguia deixar de admirar a coragem dela. Obviamente a julgara mal quando achara que ela era frágil. Prosseguiu: — Se tivesse lhe dito quem sou você teria simplesmente ido para uma hospedaria para esperar a balsa de quinta-feira? Não suspeitaria de que eu não estivesse falando a verdade? — Eu teria lhe perguntado sobre Sophie — disse Rosa, os ombros caídos. — Você deveria ter me dito quem era. Afinal, quem é Luther Killian? Alguém que trabalha para você? — Mais ou menos isso. — Um traço de humor passou pelo rosto de Liam, Rosa ficou perturbada ao sentir que o charme dele a agradava. — Luther Killian é o personagem principal de todos os meus romances. O que só mostra que você não é minha fã. — Eu lhe disse. Sophie é quem lê seus livros. — Ela balançou a cabeça, contrariada. — Você deve me achar uma tola. — Por que eu pensaria isso? Ele parecia indignado, mas Rosa explicou: — Porque fui uma estúpida por não suspeitar de nada. Mesmo quando ficou óbvio que você sabia demais sobre Liam Jameson para não estar envolvido. — Rosa respirou fundo. — Por que fez isso, senhor Jameson? Era apenas um jogo? Fazer de mim uma tola o divertiu? De onde saíra aquilo? Rosa ainda o encarava, horrorizada com o que dissera, quando bateram 22
  • 23. na porta. Por um momento ela temeu que Liam Jameson ignorasse a batida, se virou e atravessou a sala. Mais uma vez, arrastou uma perna, mas Rosa estava aflita demais para sentir compaixão por ele. Certamente ele pensaria que ela era igual à irmã. A governanta esperava do lado de fora. Carregava uma bandeja com chá e sanduíches, e Liam deixou que ela entrasse, com controlada educação. — Esta é a senhora Wilson — disse ele, friamente. — Bom apetite. Falo com você mais tarde. MAS na verdade ele não havia falado com ela mais tarde. Quando a senhora Wilson voltou para recolher a bandeja, informou que o senhor Jameson estava descansando. Aparentemente ele pedira à governanta que providenciasse um quarto onde ela pudesse descansar. E foi assim que aconteceu de Rosa ainda estar ali, quase 24 horas depois de chegar à ilha. Não que ela esperasse passar a noite ali. Depois de se servir de tantos chás e sanduíches quanto podia, com sua consciência fazendo um esforço cada vez que enchia a boca, ela se aventurou a descer as escadas com a bandeja, esperando encontrar seu anfitrião. Mas a única pessoa que viu foi Sam Devlin, que lhe disse que o senhor Jameson estava indisposto e não tinha condições de falar com ela naquela tarde. Naturalmente, Rosa se culpou pelo estado de Jameson, certa de que seu comportamento contribuíra para seu mal-estar. Quando perguntou como poderia voltar para a vila, Devlin relutantemente admitiu que seu patrão não queria que partisse antes de conversar com ele novamente. — O senhor Jameson sugere que passe algum tempo aqui, conhecendo o castelo — explicou ele. — Posso lhe acompanhar, se quiser. Se não, a senhorita tem liberdade para relaxar na biblioteca. Há muitos livros para ler e a senhora Wilson pode lhe fornecer qualquer coisa que precisar. Rosa concordou em dar uma caminhada, mas não com Sam Devlin. Conseguiu convencer o circunspecto escocês de que não se perderia e passeou no jardim, encantada com as flores do verão, tendo apenas os cães como companhia. De volta ao castelo, e sem saber o que mais fazer, refugiou-se na biblioteca. Não para ler. Sabia que tipo de livros havia na estante e não queria ter pesadelos. Ficou ligeiramente perturbada quando a senhora Wilson a informou que o jantar seria servido às 7 horas, na sala de jantar. Não esperava ficar para o jantar, e não ficou completamente surpresa quando descobriu que comeria sozinha. — O senhor Jameson sugeriu que passe a noite aqui — explicou a senhora Wilson, gentilmente. — Disse que a verá de manhã. Está bem? É claro que Rosa sabia que deveria recusar o convite, e que aceitar qualquer coisa de Liam Jameson a colocaria em dívida com ele, o que não queria. Mas também sabia que lhe devia desculpas, e resolveu ficar. Agora ela suspirava. Aceitara a hospitalidade de Liam e mais cedo ou mais tarde apresentaria suas desculpas e partiria. Mas sua relutância seria apenas por constrangimento ou, como suspeitava, curiosamente não desejava dizer adeus? Ela tremeu. Que ridículo! Liam Jameson não significava nada para ela, e estava certa de que ele ficaria feliz quando ela partisse. E que maneira de 23
  • 24. retribuir a gentileza dele! Certo, ele deveria ter dito quem era — mas, como ele mesmo disse, ela acreditaria nele? Rosa ponderou. Na balsa, ela lhe disse muito pouco sobre o motivo que a levava à ilha, e mesmo depois do desembarque, não aceitou tão bem a sua ajuda. Quando lhe confessou por que estava ali, ele já havia lhe dito que apenas conhecia Liam Jameson. A situação realmente não era propícia a confianças, admitiu. Teria sido por isso que Liam havia escondido sua identidade? Certamente isto fazia mais sentido do que a acusação que fizera a ele. Sem querer pensar na cena da biblioteca, Rosa terminou o café e entrou no banho. Ao ver seu cabelo desarrumado, convenceu-se de que não poderia ficar diante de Jameson naquelas condições. Precisaria recuperar o controle antes de encontrá-lo. O banheiro era tão elegante quanto o quarto, com uma banheira com pés e paredes espelhadas. O box de vidro poderia acomodar pelo menos três pessoas, e as janelas eram de vidro claro. A idéia de que alguém pudesse vê-la no banheiro a levou imediatamente às janelas, mas ali, no segundo andar do castelo, não havia o risco de alguém a observar. Havia espaços abertos em todas as direções. Ao despir a camiseta larga que comprara para dormir, deparou-se com seu reflexo nas paredes espelhadas. As pernas longas, os seios pequenos e os ossos salientes não eram exatamente um ideal de beleza, entristeceu-se. Mas tinha uma boa aparência, olhos pretos e nenhuma sarda. Porém a boca era grande demais, o nariz muito longo e naquele momento havia linhas entre as sobrancelhas. Lembrou que havia achado Liam bonito quando pensava que ele era Luther Killian. Agora que sabia quem era, não ficaria surpresa se Sophie se apaixonasse por ele. Sophie! Rosa sentiu vergonha de si mesma. Ali estava ela, pensando em Liam Jameson, quando ainda não tinha a menor idéia de onde estava sua irmã. Telefonaria para a mãe novamente, decidiu. Quando voltou para o quarto, notou que a bandeja já não estava lá. Lembrando-se que não havia fechado a porta do banheiro, temeu que alguém a tivesse visto. Mas teria sido a senhora Wilson, assegurou a si mesma. Não havia a menor possibilidade de Liam Jameson ter recolhido a bandeja. E se tivesse sido ele?, perguntou a si própria, contrariada. Felizmente, havia um secador de cabelos na penteadeira antiga. Assim como o banheiro, o quarto era uma mistura de objetos antigos e modernos. O espelho era vitoriano e a cama tinha quatro postes, mas o modelo do colchão era do século XXI. Rosa demorou algum tempo para secar os cabelos. Ela se recusara a admitir que o estilo sério do suéter e do jeans que escolheu para vestir não era muito feminino. Era importante parecer confiante, por mais insegura que estivesse. Desceu as escadas, que já lhe eram familiares. A sala de jantar estava vazia. Rosas no centro da longa mesa eram o único sinal de vida. Ela pensou se deveria ir até a sala de recepção, mas duvidou que pudesse encontrar seu anfitrião lá. Lembrou-se da escrivaninha e do computador na biblioteca. Talvez fosse lá que escrevesse seus livros. Bateu à porta da biblioteca. Não ouviu barulho algum, a sala parecia estar num silêncio assustador. Por que usara esse adjetivo? Repreendeu-se. Não havia sentido nenhuma presença estranha no castelo. 24
  • 25. Só havia uma maneira de descobrir. Pôs a mão na maçaneta e a girou. Só percebeu que não estava sozinha segundos antes de alguém falar atrás. — Procurando por mim? — perguntou Liam Jameson com voz suave. Ela quase pôs o coração pela boca. 25
  • 26. CAPÍTULO CINCO — EU… Sim. — disse Rosa, a respiração descontrolada e ofegante. Ela se virou para vê-lo, amparando-se na porta pesada. Depois, ao notar seu sorriso zombeteiro, esqueceu todas as promessas que havia feito a si mesma. — Fez isso de propósito? — perguntou, irritada. — Isso o quê? Liam tinha uma expressão inocente, mas podia perceber pelo rosto de Rosa que ela sabia que havia sido proposital. — Tentar me assustar — exclamou ela, pressionando a mão sobre o peito, onde o coração ainda estava acelerado. — Honestamente, você quase me fez ter um ataque cardíaco. — Sinto muito. Mas ele não parecia realmente sentir muito, e Rosa recuou instintivamente quando Liam se inclinou sobre ela e abriu a porta. — Você primeiro — disse, aparentemente sem perceber que uma de suas mãos havia esbarrado nos seios dela. Os seios de Rosa se arrepiaram, mas ele pareceu indiferente àquela reação. Porém, não estava, e ficou feliz quando ela se virou e entrou na sala à sua frente. Meu Deus!, pensou, tão perturbado quanto Rosa. Ela se comportava como uma virgem ultrajada e ele experimentava uma sensação patética, como se fosse um adolescente. O que estava errado com ele? Não tinha interesse algum em solteironas reprimidas. Mulheres que sabiam pouco sobre sexo, e que ficavam rígidas e assustadas com o que sabiam. Quando precisava de uma mulher, preferia uma que fosse experiente. Ainda assim, uma vozinha dentro dele o provocava. Seria divertido ver como ela reagiria se ele a abordasse. Há anos não usava o sexo como outra coisa além de uma necessidade ocasional, com bons motivos para isso. E o fato de Rosa Chantry intrigá-lo não era razão para pensar que algo havia mudado. Ela ficaria tão horrorizada quanto Kayla ao ver suas cicatrizes. Mas seria tão bom retirar os grampos de seu cabelo e sentir aqueles fios brilhantes se derramando em suas mãos… Mais uma vez se controlou diante daquele tipo de loucura. Apesar da pressão entre as pernas, estava determinado a não lhe dar motivos para acusá-lo de perturbá-la. Ora, ele não precisava daquele tipo de aborrecimento. Mas se aquela reação infantil e masculina tinha a intenção de impedir qualquer pensamento de natureza sexual, estava tendo exatamente o efeito oposto. Liam fechou a porta, encostando-se nela e tentando controlar seu repentino desejo. Rosa havia caminhado pela sala, obviamente procurando manter uma distância segura entre ambos. Quando sentiu que atingira seu objetivo, voltou-se para ele. — Eu estava lhe procurando — disse, cruzando as mãos na cintura, inconsciente de que aquela era uma posição de proteção. — Queria lhe agradecer. — Agradecer? — Liam não conseguia pensar em nenhuma razão para 26
  • 27. agradecimento, mas Rosa apertava os lábios. — Por me permitir passar a noite aqui — disse ela, com precisão. — Você não precisava fazer isso. — Ah! — Liam estava aliviado por sentir a pressão em sua calça diminuir, e se afastou da porta. — Não há de quê. Foi confortável? — Muito confortável, obrigada. — Então — Liam avançou pela sala. — Sinto muito por tê-la deixado sozinha ontem. Adormeci e só acordei depois da meia-noite. Rosa teve vontade de dizer: Como é apropriado estar consciente do que fez. — mas não disse. Ela estava prevenida em relação a ele, e um convite à intimidade não seria algo inteligente. Em vez disso, disse: — Está tudo bem. Sua governanta cuidou de mim. Dormi muito bem. — Você não teve medo de eu me transformar num vampiro no meio da noite e raptá-la? — Liam não pôde resistir à vontade de provocá-la, e ela corou. — Só um pouquinho — replicou Rosa, surpreendendo-o novamente. — Mas estou certa de que vampiros não viajam em balsas nem dirigem carros à luz do dia. — Luther Killian faz isso — disse ele, e Rosa lançou-lhe um olhar recatado. — Luther Killian não existe — disse ela. — Ou existe apenas em sua imaginação. — Você acha? — Não vá me dizer que acredita em vampiros, senhor Jameson. — Há muitos relatos sobre isso, tanto aqui quanto na Europa Oriental. E se você fosse a Nova Orleans… — O que eu não vou fazer… — disse ela, percebendo que ele a estava desviando de seu objetivo. Ela deveria estar lhe pedindo para telefonar novamente, e não discutindo sobre monstros míticos. — Sei muito pouco sobre essas coisas, senhor Jameson. Mas imagino que fazem sucesso em seus livros. — Você acha que é só isso? Ele estava indignado. — Bem, eu não sei. Nada sei sobre vampiros. — Você sabe que eles não saem à luz do dia . — Todo mundo sabe isso. — E, incapaz de resistir, ela emendou: — Luther Killian aparentemente é uma exceção. — Ah, mas Luther é só metade desumano. A mãe era uma feiticeira quando conheceu o pai dele. Rosa não conseguiu evitar um sorriso. — E ele a converteu, suponho. — Os vampiros sempre convertem suas vítimas — concordou Liam, estreitando o espaço entre eles. — Quer que eu lhe mostre? Rosa recuou. — Eu sei como, senhor Jameson — murmurou, sem saber se ele estava brincando ou não. — Por favor — disse, estendendo as mãos à sua frente. — Não sou um personagem de seus livros. — Não — concordou ele, consciente de que corria o risco de permitir que a relação entre eles se transformasse em algo que não era. Liam se voltou para a escrivaninha, ouvindo a respiração aliviada de Rosa. — Você obviamente não acredita — disse. Rosa suspirou. Não queria ofendê-lo. 27
  • 28. — Não acredito em quê? — perguntou. Ele se virou e apoiou o quadril na escrivaninha. Cruzando os braços, respondeu cuidadosamente: — No sobrenatural. Como foi que você disse no caminho para cá? Fantasmas e lobisomens, que aliás são chamados de metamorfos, seres que se transformam. — E você acredita? — Oh, com certeza. Qualquer pessoa que encontrou o mal em sua forma mais pura tem que acreditar. Rosa franziu a testa. — Está me dizendo que você encontrou o mal? Oh, sim. Por um momento, Liam achou que tivesse falado alto, mas o olhar curioso de Rosa o assegurou que não. Graças a Deus! — Acho que todos nós encontramos o mal de uma forma ou de outra — disfarçou, sem querer discutir suas experiências com ela. Ele já havia ido longe demais, e recuou. — Luther certamente encontrou. — Ah, Luther é apenas um personagem de seus livros. — O personagem principal — corrigiu ele. — E o que se chamaria de anti- herói. Ele mata, mas suas intenções são sempre boas. — Não é uma contradição? Como pode alguém, ou algo, que vive de matar pessoas ser considerado bom? Liam deu de ombros, e quando fez isto Rosa viu o reflexo de algo prateado em seu pescoço. Ou era uma marca de nascença ou algum tipo de cicatriz. Rosa sentiu a boca seca. Ocorreu-lhe que aquilo poderia ter sido feito pelos dentes de alguém, ou de alguma criatura. Oh, meu Deus! — Acho que depende de sua definição de bom e mau — respondeu ele, distraindo-a. — Livrar o mundo de indivíduos maus não é algo digno de respeito? Rosa lutou para recuperar sua objetividade. — É disso que seus livros tratam? Algum tipo de vampiro que caça criminosos para tornar o mundo um lugar melhor? — Um lugar mais seguro — concordou Liam. — Não critique. Nunca se sabe o que fazer quando se está diante do mal primitivo. — E você sabe? — Ela soava cética, e Liam teve que se conter para não lhe dizer o que realmente acontecera com ele. — Espere aí, senhor Jameson. Nós dois sabemos que o senhor tem uma vida repleta de encantos. Liam teve que prender os dedos embaixo dos braços para não rasgar suas roupas e mostrar a ela o tipo de mal que encontrara. — Talvez — controlou-se. — Mas nem sempre vivi na Escócia, senhorita Chantry. — Eu sei — ela relaxou um pouco. — Li sobre você na Internet. Você não trabalhava na Bolsa de Valores, ou algo assim? — Na verdade era um banco mercantil. Rosa estava feliz por voltar à realidade. — Imagino que tivesse um bom salário. Depois ganhou muito dinheiro com seu primeiro livro e comprou seu próprio castelo. Que tipo de dificuldade enfrentou? 28
  • 29. Liam ficou tenso. — Se é isso que você quer pensar… — disse, arrumando papéis na mesa. — Isso me lembra que tenho de trabalhar. Rosa sentiu-se envergonhada. Não lhe dizia respeito o modo como ele vivia. — Olhe — disse ela, aproximando-se dele —, admito que não sei nada sobre você, verdade. E se você diz que sabe como é enfrentar o mal verdadeiro, acredito. Mas… — Mas você não acredita em mim — disse Liam, bruscamente, voltando- se para ela novamente. Rosa notou, constrangida, que os dois estavam a um palmo de distância um do outro. — Você está rindo de mim, senhorita Chantry, e não gosto disso. Não preciso de sua aprovação. Rosa molhou os lábios secos. — Eu só estava sendo educada — protestou. — Não é minha culpa se você é sensível em relação à veracidade de seus livros. — Sensível em relação à veracidade — Liam a fitou com raiva. — Não tem idéia do que está falando. — Ele respirou com calma e tentou falar naturalmente: — Vamos dizer que eu senti o mal na pele. Mas prefiro não discutir isso, está bem? Rosa ergueu os ombros. — Eu não tinha a menor idéia — disse. — E por que deveria? — Liam não sabia se gostava do olhar simpático dela. — Esqueça. Eu já esqueci. Mas ele duvidava de que um dia o faria de fato. Rosa hesitou. — Não quis dizer que não se pode acreditar em seus livros — persistiu ela, colocando uma das mãos sobre o ombro dele. — Sinto muito se o ofendi. Me ofendeu? Liam expirou com força. Embora estivesse vestindo um suéter, sentia o toque dos dedos de Rosa em sua pele. Os músculos de seu braço se retesaram quase instintivamente, os tendões se aquecendo e expandindo, assim como outros músculos entre suas pernas. — Isto não é importante — murmurou ele, concentrando-se no cheiro feminino da pele de Rosa. Mas então ergueu os olhos e se deparou com aqueles olhos negros ansiosos, e sentiu que mergulhava na suave profundeza deles. Meio inconsciente do que fazia, ergueu uma das mãos e passou o dedo polegar sobre os lábios entreabertos de Rosa. A umidade aderiu a seu dedo e Liam não pensou antes de colocar o dedo em sua própria boca, para sentir o gosto dela. Rosa ficou paralisada diante daquelas ações. Não imaginava que uma tentativa inocente de confortá-lo teria um resultado tão perturbador. Todo o seu corpo estava quente e trêmulo, e ela percebeu Liam como nunca antes. Ou estaria apenas se iludindo? Ela o percebera desde o início! Quando Rosa passou a língua pelos lábios, foi porque eles haviam ficado secos de repente, e não para absorver qualquer vestígio do cheiro de Liam. Mas ela o fez. Rosa o ouviu inspirando ar e imaginou o que ele estava pensando. Meu Deus, isto não estava acontecendo. Mas ela sabia que Colin jamais a fizera sentir nada como aquilo. Quando Liam falou, porém, seu tom foi sério. — Eu não deveria ter feito isso. Desculpe. 29
  • 30. Agora era Rosa quem inspirava com dificuldade. — Não tem importância — disse ela, olhando para o telefone atrás dele. Tenho que me acalmar, falou para si mesma. — Será que… Mas não conseguiu continuar a frase. — Tem importância, sim — retrucou ele, ajeitando o cabelo para trás. — Você deve estar pensando que estou desesperado por uma mulher! Liam notou como suas palavras a haviam atingido antes de terminar de falar. O fato de estar tentando assegurar a si próprio que suas emoções não estavam envolvidas não era desculpa. Ele percebeu, tarde demais, que o que havia dito podia ter duas interpretações, e não ficou surpreso quando ela o fitou. — Sei que você não está — disse Rosa, passando os braços por seu próprio corpo delgado, de modo que seus seios pequenos se eriçaram de maneira inconscientemente provocativa. — Também não estou desesperada por um homem. Liam conteve um gemido. Será que ela não percebeu que minha intenção não era ofendê-la? Evidentemente que não. Agora cabia a ele desfazer o constrangimento que criara, e ao encará-la percebeu que não seria fácil. — Olhe — disse ele —, não era minha intenção insultá-la. Ao contrário. Não gostaria que pensasse que eu esperava algum pagamento por minha hospitalidade. — Nós dois sabemos o que você quis dizer, senhor Jameson. Não sou tola. Você não precisa me dizer. Não sou o tipo de mulher que alguém como você acharia atraente. Liam sentiu uma pontada de indignação. Apesar da advertência da voz da consciência, que dizia para não continuar com aquilo, ele se ofendeu com o que ouvira. Quem ela pensava que era para fazer julgamentos errados sobre ele? Rosa não o conhecia. Nada sabia sobre seus gostos por mulheres. Mas estava sugerindo que ele era algum tipo de tolo que só pensava em sexo. O fato de que aquilo era exatamente o que estava fazendo não foi algo que Liam considerou no momento. — Cuidado, senhorita Chantry. Começo a achar que você está desapontada por eu ter parado o que estava fazendo. — Como ousa? Rosa não conseguia raciocinar quando ficava furiosa. Uma de suas mãos se fechou automaticamente e bateu na barriga dele. Achou que havia machucado mais a ela própria do que a ele, mas não importava. Liam não tinha o direito de ridicularizá-la. Não depois de fazê-la se sentir tão bem. Liam não se surpreendeu com o ataque. — Você precisa controlar seu temperamento, senhorita Chantry — comentou, estranhando sua respiração ofegante. — Qual é o seu problema? O que foi que eu disse para merecer essa resposta? — Você sabe o que disse. Rosa tremia. — Ah, é? — Liam parecia estar sendo compelido por um demônio. — E não é verdade? Rosa o encarou, imaginando como poderia ter se sentido atraída por ele. — Tem uma opinião muito exagerada sobre si próprio, senhor Jameson — afirmou ela, friamente, fazendo um esforço para manter a voz baixa. Seria 30
  • 31. muito melhor gritar com ele. — Se me permiti, só por um momento, ceder, foi simplesmente porque sinto pena do senhor. Quero dizer, não deve ser muito divertido viver aqui sozinho, apenas com suas empregadas para se divertir. A maneira como Liam se sentiu ultrajado, lembrando-se da forma como Kayla o abandonara, fez com que uma onda de raiva tomasse conta dele. Esquecendo-se de que ele é quem estava errado, e que os insultos de Rosa eram apenas um contra-ataque a seu sarcasmo, agarrou os pulsos dela e os torceu atrás de suas costas. — Você é apenas um poço de amargura, não, senhorita Chantry? Não é por acaso que nunca se casou. Nenhum homem decente agüentaria uma mulher rancorosa como você. Rosa engoliu seco. O instinto de corrigir o que ele dissera foi oprimido pelo temor que sentiu por estar presa num abraço violento. Tentou se libertar, mas com a respiração quente dele quase sufocando-a, e uma das coxas apertada contra suas pernas, ficara indefesa. Ambos respiravam rapidamente, e por alguns segundos travou-se uma batalha silenciosa. Mas não era realmente uma batalha, reconheceu Rosa. Ela estava nas mãos dele, e Liam sabia disso. Estranhamente, porém, ele não parecia apreciar essa situação. Ao contrário, quando seus olhos encontraram os dela, Rosa notou uma mistura de confusão e arrependimento. — Diabos — disse ele, rispidamente. — Isto não deveria acontecer. — Então me deixe ir — pediu Rosa, meio sem ar, mas não completamente imune ao apelo daqueles olhos verdes. Assim, tão perto, ela conseguia ver a cicatriz prateada que observara antes. — Sim, eu deveria — concordou Liam, perturbando-a, com o olhar fixo em sua boca. — Mas sabe o quê? — Liam ajeitou a posição em que estava e Rosa teve quase certeza de que ele estava tendo uma ereção. — Não quero — completou ele. — Isso não é incrível? Liam sentiu enjôo enquanto observava a reação de Rosa a sua confissão. Será que ela tinha alguma idéia da onda de calor e desejo que o invadia, tornando o que começara como um desejo de puni-la numa vontade insana de mostrar o que ela estava perdendo? Ele percebia que Rosa tremia, embora tentando se desvencilhar, e os seios que admirara antes se arrepiavam sob o suéter. — Por favor — disse Rosa, instável. Mas para Liam a voz dela parecia distante. Agora ele segurava os dois pulsos dela com uma das mãos. Pôs a outra mão nos seios de Rosa e pressionou os dedos sobre o mamilo intumescido. Sentiu que ela recuou tremendo, mas sentiu também uma corrente de sangue chegar à sua virilha. Estava sendo receptiva, percebeu, incrédulo, imaginando há quanto tempo ela não teria a companhia de um homem. Se é que algum dia já teve, pensou, embora não acreditasse que ela fosse virgem. Entretanto, Liam desejava que a tivesse conhecido em outras circunstâncias, que não tivesse sido cruel ao comentar que ela não se casara. Porque estava atraído por ela, por mais que negasse. Rosa não era linda, é claro, mas tinha um charme misterioso que acendera seu romantismo. E não havia como negar que imaginava aquele cabelo magnífico se espalhando sobre o travesseiro em sua cama. 31
  • 32. Rosa sentia como se suas pernas não pudessem agüentar seu próprio peso por muito tempo mais. Liam voltara sua atenção para o outro seio, cobrindo-o com uma das mãos e pressionando o mamilo intumescido. Aquilo a fez se sentir tonta como se estivesse nua, pensou, excitada. Sentia a umidade entre suas pernas, estava desconcertada. O que havia de errado com ela? Sempre soubera, mesmo quando fazia amor apaixonadamente com Colin, que uma parte sua se mantinha distante e acompanhava o que se passava com certa objetividade. Mas não conseguia ser objetiva com Liam. Quando ele olhava para ela da maneira que estava olhando agora, não conseguia nem pensar direito. Sentia- se fraca, possuída, consumida por um desejo que mal sabia que existia, de modo que quando Liam curvou a cabeça sobre ela, seus lábios se abriram instintivamente para receber um beijo. Liam passou a boca sobre a curva do pescoço dela, e a dureza de seu queixo arranhou seu rosto, mas ele não a beijou. Não na boca. Com certo temor, Rosa sentiu que Liam repentinamente se afastou. Soltou seus quadris e ela perdeu o equilíbrio, só então percebendo que se apoiava nele. Enquanto Rosa recuperava o equilíbrio, ele se virou de costas e se inclinou sobre a mesa. 32
  • 33. CAPÍTULO SEIS LIAM esperava que Rosa não percebesse por que ele dera-lhe as costas. Deixá-la não havia sido fácil, e seu corpo ainda não aceitava o que sua mente lhe dizia. Instintos exigiam ser satisfeitos, mas, embora a tentação fosse grande, o bom senso insistia para que ele se controlasse. Droga, disse a si próprio. Além do fato de que mal conhecia Rosa, ele realmente queria se expor ao ridículo novamente? Mas quando ela estava em seus braços, quando sentia seu cheiro, seu corpo delgado, tinha sido tão fácil se iludir e pensar que dessa vez daria certo. Todos os feromônios em seu corpo responderam a ela, e Liam queria tanto possuí-la, descobrir se ela era tão ardente quanto parecia! Isso era loucura, reconheceu. Por acaso queria que ela contasse a todos sobre o monstro que ele era? Um monstro que não conseguia manter a calça fechada, pensou com amargura. Sim, os tablóides teriam um amplo material. É claro que finalmente ele teve que olhar para trás. Sem ouvir o menor sinal da respiração de Rosa, parecia que ela nem estava ali. Mas estava, e merecia uma explicação, embora não soubesse o que dizer. Depois de checar se não havia nenhuma evidência de sua excitação, encarou-a. Rosa ainda estava rubra, notou, o que lhe dava uma beleza inesperada, mas se esforçava para se comportar como se ele não tivesse sido um completo idiota. Rosa se refez quando ele se virou. Se Liam pretendia culpá-la pelo que havia acontecido, já tinha uma resposta pronta. Ela não havia pedido para que ele a tocasse e ele não tinha o direito de tratá-la com tão pouco respeito. Oh, ele ainda pensava que ela nunca se casara. O que faria se soubesse a verdade? Se pelo menos houvesse uma maneira de sair dali… Para isso, dependia dele, ou de um telefone, tanto para pedir um táxi quanto para falar com sua mãe. Depois do que havia acontecido, Rosa não gostava da idéia de ter de agradecer a ele por qualquer coisa. Liam suspirou. Aquela era uma experiência nova, da qual ele não gostava. Não gostava mesmo. Quando precisava de uma mulher, procurava uma que soubesse o que estava fazendo. Nunca havia levado uma mulher ao castelo, jamais havia feito qualquer coisa que violasse a atmosfera de seu lar. Até aquele momento. Engolindo seu orgulho, disse, seco: — Sei que você não vai acreditar em mim, mas não costumo agir desse modo. Antes que pudesse continuar, Rosa o interrompeu. — Você está certo — disse. — Não acredito em você, senhor Jameson. Posso ser ingênua, mas não venha me dizer que nunca se aproveitou de uma mulher. — Ora! — Liam conteve a respiração. — Eu não me aproveitei de você. Se tivesse feito isso, você saberia. E me chame de Liam, por favor. Não imagina como soa ridícula me chamando de senhor Jameson depois do que aconteceu. Você pode ser virgem ainda, mas eu não sou. 33
  • 34. Aquilo era indesculpável, mas ele achava que havia feito um bem a Rosa. Ela participara daquela aproximação, ele sabia. E não esqueceria aquele momento por um longo tempo. — Ah, estou certa de que tudo que me diz respeito parece ridículo para você — replicou Rosa, ferida pela crítica injusta. — Mas se quer saber, eu fui casada, senhor Jameson. Divorciei-me há três anos. Liam a fitou com um olhar vazio. — Você foi casada? — perguntou, incrédulo. — Durante cinco anos — respondeu Rosa, feliz por finalmente chocá-lo. — Não parece ter idade para isso. — Mas tenho. Tenho 32 anos, senhor Jameson. Idade suficiente. Liam estava surpreso. E decepcionado. Achava que ela não tinha mais do que 25 anos. Porém ficou mais perturbado com o modo como aquela notícia o afetara. Se soubesse quem ela realmente era, e que havia sido casada… Mas não devia continuar. Não era suficiente ter agido como um tolo e criado uma situação inoportuna? — Olhe — disse ele — vamos concordar que ambos cometemos erros aqui. Eu não deveria tê-la agarrado, admito. Mas você não deveria ter me deixado fora de controle a ponto de eu não pensar no que estava fazendo. Rosa queria argumentar que fora ele quem a levara para ali e que, se tivesse sido honesto desde o começo, nada daquilo teria acontecido. Mas a consciência relutante de que não havia exatamente reagido a manteve em silêncio. — Eu poderia usar seu telefone, então? Liam teve uma vontade de rir. As palavras dela eram tão inesperadas, tão prosaicas, como se nas últimas horas estivessem conversando sobre o tempo. Mas percebeu que o humor não seria adequado naquele momento. — Por que não? — Obrigada. Só quero ligar para minha mãe. Liam ergueu as sobrancelhas: — E dizer que sua irmã não está aqui? — Sim. — Está bem. Ele lhe passou o telefone da escrivaninha. Rosa hesitou: — Talvez eu devesse telefonar para o táxi também? Como se chama o taxista? — McAllister? Não há necessidade — Liam caminhou para a porta, tentando esconder que sua perna reclamava do movimento repentino. — Sam vai à vila esta manhã. Você pode ir com ele. Rosa não estava certa se queria aquilo. Sam não fora exatamente receptivo a ela. — Se não se importa, telefonarei para McAllister. Não quero incomodar — disse. Liam fez uma pausa, suas sobrancelhas se juntaram. — O que Sam andou dizendo a você? — Ah, nada. E era verdade. Liam ficou pensativo. — Você não quer uma indicação sobre onde ficar? — Isso seria útil. 34
  • 35. — Está bem. Vou pedir a Sam que lhe dê um endereço. Liam abriu a porta, tentando não arrastar o pé enquanto se movia. — Mas… — disse Rosa — Sim? Rosa chegou a pensar em lhe perguntar sobre a perna, mas se conteve. — Você não me deu o número do telefone do senhor McAllister — comentou. — Sam vai lhe dar. Tenha uma boa viagem de volta. — Oh! — mais uma vez Rosa o detinha. — Não vou vê-lo novamente antes de partir? Era uma pergunta tola, levando em conta que ele já lhe desejara boa viagem. Mas agora que chegava a hora, Rosa resistia a deixá-lo. Liam se apoiou firmemente na porta. — Não vai me dizer que lamenta ter de partir, vai? Porque, francamente, vai ser difícil acreditar. Rosa recebeu seu olhar zombeteiro de maneira defensiva. Em seguida, para sua surpresa, viu-se dizendo: — Suponho que ficará feliz ao me ver partir. Liam engoliu ar. Como deveria responder? — Bastante — admitiu finalmente. — Você me distraiu muito. — Ah, sim. Você quer dizer que já gastei muito de seu tempo. — Eu não disse isso. — Não precisava. Rosa se voltou para a mesa. Ao apanhar o telefone, disse: — Espero que sua perna melhore logo. Liam piscou, mas ela já não o olhava. E embora tivesse vontade de perguntar o que ela sabia sobre seus ferimentos, ficou calado. A porta se fechou e Rosa deu um suspiro de alívio. Quanto antes partisse, melhor. Apesar do que havia pensado, Liam era perigoso para sua paz de espírito. Sua mãe atendeu logo. — Sophie? Oh, querida, eu esperava que me ligasse de volta. De volta ? Rosa estava espantada. — Quer dizer que você sabe onde ela está? Houve um momento de silêncio. — Rosa? É você? — Quem mais poderia ser? O que está acontecendo? Você tem notícias de Sophie? — Sim, ela telefonou ontem à noite. Você não imagina como fiquei aliviada. Está na Escócia. Está adorando. E há uma chance de conseguir um papel na produção. Não é incrível? — Inacreditável, com certeza — disse Rosa, secamente, imaginando que sua mãe era uma tola por acreditar em Sophie. Quem empregaria uma adolescente sem o mínimo de talento? — Eu devia saber que você diria algo assim — comentou a senhora Chantry, irritada. — Só porque Sophie não está na ilha, como você esperava, você desconta sua frustração em mim. A Escócia é grande. — Não foi minha a idéia de vir para essa ilha. A idéia foi sua — disse Rosa. 35
  • 36. — Ela disse onde está? — Não exatamente. Você sabe como Sophie é. — Mãe, não há produção de filme nenhum. Ou se há, Liam Jameson não sabe. Ele saberia — explicou Rosa, impaciente. — Você perguntou a ele? — Sim. Rosa se deu conta de que não havia perguntado se ele dera alguma permissão para que filmassem em outro lugar. Mas se tivesse dado, não teria lhe dito? — E ele insistiu que nunca viu Sophie? — Sim. Mas vou falar com ele novamente. — Sabia que podia confiar em você. Não se esqueça de descobrir onde estão filmando. Rosa desligou o telefone atordoada. A perspectiva de falar novamente com Liam fazia seu coração bater acelerado. Mas onde estaria ele? Ao sair da sala, Rosa se deparou com Sam Devlin. Estaria ele ouvindo a conversa? Não, pensou. Algo lhe dizia que aquele escocês corpulento não estava interessado em nada que ela dissesse, e isto se confirmou quando ele disse bruscamente: — McAllister está vindo. Deve chegar em meia hora. Quer que eu carregue sua bagagem? — Ah, não precisa. Na verdade, queria falar com o senhor Jameson antes de ir. — Sinto muito, mas é impossível. O senhor Jameson está trabalhando e a tranqüilidade dele vale mais do que o meu emprego. Rosa duvidou. Os dois pareciam ter um ótimo relacionamento. — É só por um minuto. — Sinto muito. Sam não se movia e Rosa o olhou, decepcionada. Se pelo menos soubesse onde era o escritório de Liam… Evidentemente não trabalhava na biblioteca, como pensara. Num castelo daquele tamanho ele poderia estar em qualquer lugar. — Diga-me o que quer perguntar e eu transmito sua mensagem quando ele estiver desocupado — sugeriu Sam. Mas Rosa não confiava nele. — É pessoal — disse. Uma outra idéia lhe ocorreu. — Você poderia me dar o número do telefone dele? Eu ligo mais tarde. — Não posso fazer isso, senhorita. O senhor Jameson não fornece seu número particular para ninguém. — Então me dê o seu — sugeriu Rosa. — Vou informá-lo sobre onde estou e então o senhor Jameson pode me telefonar. — O senhor Jameson sabe onde a senhorita vai ficar — disse Sam. — Ele me pediu para lhe dar esse endereço. Só então Rosa viu um papel na mão dele. — Ah, obrigada. Ela apanhou o papel. — O senhor McAllister sabe onde fica isso? — Todo mundo sabe onde fica a hospedaria de Katie Ferguson — disse Sam, com desdém. — Não estamos em Londres, senhorita. 36
  • 37. — Eu não moro em Londres — retrucou Rosa. — Venho de uma cidade pequena em North Yorkshire, senhor Devlin. Não de uma metrópole, como o senhor parece pensar. — Sinto muito. Eu achei… — O senhor não deveria achar nada — retrucou Rosa, satisfeita por deixá- lo na defensiva desta vez. — Obrigada por isso. Sem dizer mais nada, Sam fechou a porta. 37