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Coleção Barbara Cartland nº 75
BARBARA CARTLAND
A DERROTA DE LADY LORINDA
“The taming of Lady Lorinda”
Tradução de DAVID JARDIM JÚNIOR
EDIÇÕES DE OURO - 1978
Copia digitalizada por Edna Fiquer - 2006
CAPíTULO I
1794
O Homem da Máscara Verde parou, olhando para o salão de baile, que parecia um caleidoscópio,
brilhando sob os lustres de cristal.
Os convidados tinham tido liberdade de "comparecer de acordo com sua fantasia", e, como era
inevitável, havia uma dúzia de Cleópatras, um grande número de palhaços, e a predominância de
penteados e golas em estilo elisabetano.
Enquanto olhava os pares que dançavam ao som da música executada por uma orquestra localizada na
Galeria dos Menestréis, o Homem da Máscara Verde inteiriçou-se e disse, ao amigo que se encontrava
ao seu lado, com voz que revelava surpresa:
- Pensei que você me tivesse trazido a um baile onde eu pudesse realmente encontrar o beau monde.
-É nele que estamos.
- Mas essas mulheres não são prostitutas?
- É claro que não! São a nata da sociedade, damas de qualidade e ornamentos das mais nobres famílias
do país.
- Custo a acreditar!
Ao falar, o Homem da Máscara Verde não olhava para os lábios vermelhos que se entreabriam sob as
máscaras de veludo, para os olhos que brilhavam através das aberturas ovaladas, ou para os roliços pes -
coços, cobertos de jóias.
Olhava, sim, para os seios pontudos que se exibiam através dos tecidos transparentes, que mais
pareciam revelar que ocultar as curvas dos quadris estreitos e das pernas esculturais que, na maior
parte, estavam nuas.
- Estarei realmente na Inglaterra? - admirou-se, afinal.
O amigo deu uma risada.
- Você esteve fora durante muito tempo, ocorreram muitas mudanças e, como pode ver, muitas delas
para melhor.
- Quando parti para o exterior - observou o Homem da Máscara Verde - as mulheres eram respeitáveis
e dóceis, delicadas e obedientes aos seus maridos,
- Isso está completamente fora de moda - disse-lhe seu informante. - Hoje em dia, as mulheres não são
mais alfenins, participam de corridas de cavalos e de carruagens, tomam parte em caçadas, jogam
críquete contra outras equipes de mulheres e, no caso das princesas reais, até futebol!
- Deus do céu!
- Consideram-se iguais aos homens, e isso se revela em sua própria aparência.
- Notei que os cabelos não estão mais empoados.
- Tanto para as mulheres, como para os homens, graças a Deus! Podemos, sem dúvida, agradecer ao
Príncipe de Gales pela moda do au naturel.
- Sem dúvida, é um alívio, no que nos diz respeito - observou o Homem da Máscara Verde. Mas, quanto
às mulheres, o caso é diferente.
- A nova ordem - replicou o amigo, risonho - exige la victime coiffure, sem dúvida, influência
revolucionária da França.
Fez um gesto significativo, explicando:
- Desapareceram os penteados altos e complicados do velho regime. Temos, agora, os cabelos
cuidadosamente revoltos e, para completar a ilusão, uma estreita fitinha vermelha em torno do pescoço.
- Considerando o horror da guilhotina, acho isso de péssimo gosto! - replicou o Homem da Máscara Verde.
- Meu caro, há muita coisa de mau gosto em voga, mas todos continuam a fazê-lo..
Olhou para o companheiro com uma expressão galhofeira e acrescentou:
- Muitos dos vestidos usados em Carlton House deixam os seios, na verdade, descobertos, ou coberto
por tecidos tão finos que nada mais fica por conta da imaginação.
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O Homem da Máscara Verde não replicou.
Continuou a contemplar os dançarinos, no salão, um pouco abaixo dele, notando que a própria dança
estava se tornando mais frenética e os movimentos dos participantes muito exagerados.
- Pode me achar retrógrado ... - começou a dizer, mas parou no meio da frase.
As altas portas envidraçadas que davam para o jardim estavam abertas, pois aquele baile se realizava em
uma quente noite de junho e, por uma delas, estava entrando na sala, inesperada e surpreendentemente,
um cavalo preto.
Montando-o, vinha uma mulher, que, à primeira vista, parecia estar completamente nua, coberta apenas
pelos compridos cabelos ruivos, que caíam até a cintura.
Somente observando mais de perto, poder-se-ia notar que a sela, de formato mexicano e ornamentada
de prata, era alta adiante e atrás, e que os cabelos estavam dispostos de tal modo, que tudo o que se via
do corpo da amazona eram as pernas e os braços nus.
A mulher, contudo, estava montada no cavalo, e não sentada em um silhão, o que já constituía uma
ousadia, e nem sequer se disfarçara com uma máscara. Seus grandes olhos verdes, que pareciam ocupar o
rosto inteiro, tinham uma expressão galhofeira.
O Homem da Máscara Verde recuperou a voz.
- Meu Deus do céu! Quem é aquela?
- Aquela - informou seu companheiro - é Lady Lorinda Camborne, a mais atrevida de todas.
- Será possível que pertença a uma família respeitável?
- É filha do Conde de Camborne e Cardis.
- Se ele tivesse a menor dose de bom senso, deveria dar uma surra na filha e levá-la para casa.
- É pouco provável que ele veja a filha, pois não levanta os olhos da mesa de jogo!
- É jogador?
- Viciado!
- E aquela moça que idade tem?
- Acho que Lady Lorinda tem vinte anos. Sei que há dois anos é a sensação em St. James.
- É realmente admirada?
- Você está muito moralista! Ela pode comportar-se de um modo um tanto repreensível, e não vou negar
que sua conduta dá margem a muitos mexericos, mas, pelo menos é de uma beleza excepcional,
enlouquecedora.
O Homem da Mascara Verde ficou em silencio. Observava Lady Lorinda andar pela sala de
baile montada no cavalo negro, um animal magnífico.
Os dançarinos haviam parado e a aplaudiam. Todos os homens gritavam, aclamando-a, e alguns atiravam-
lhe flores, quando ela passava.
- As apostas no White's eram que ela não apareceria nua - informou o amigo do Homem da Máscara
Verde. - Pois não só ela ganhou a aposta, como muito dinheiro vai trocar de mãos, como acontece em to -
das as ocasiões que ela apronta das suas.
Tendo rodeado o salão de baile duas vezes, Lady Lorinda recebeu os aplausos da multidão e, tão
inesperadamente quanto chegara, desapareceu por outra das portas envidraçadas, sumindo no jardim.
- Não a veremos mais? - perguntou o Homem da Máscara Verde.
- Veremos sim! Lady Lorinda vai voltar, metida em alguma nova fantasia que, com toda a certeza, de
modo algum a tornará anônima! E vai ser uma das últimas a sair do baile.
- Gosta das festas desse tipo?
Havia um indisfarçável desdém na pergunta.
- Parece que sim. É assim que passa a vida; festas todas as noites, excursões malucas a Vauxhall ou
outras loucuras noturnas. E aonde quer que vá, deixa um rosário de corações amargurados. Contam-se
muitos casos a seu respeito, e o último é que o Marquês de Queensbury ...
- Meu Deus do céu, aquele velho devasso ainda anda aí à solta? - atalhou o mascarado.
- Somente a morte porá fim.à sua devassidão! Mas, como eu estava dizendo, ele teve idéia de fazer o
papel de Páris, julgando quem seria digna de receber a maçã de ouro com a inscrição "A mais bela".
- Três deusas a reclamaram ... se não me esqueci da lenda.
- Exatamente.
- E estavam nuas?
- Naturalmente!
- E uma delas era Lady Lorinda?
- Foi o que me disseram.
- E os homens se apaixonam mesmo por uma mulher assim?
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- É claro que sim! E vou dizer-lhe uma coisa a respeito de Lady Lorinda: ela tem coragem e uma
personalidade que é rara entre as mulheres. Ninguém pode deixar de levá-la em consideração.
- Ou deixar de notá-la - observou ele, secamente.
- Acho que devo apresentá-lo a ela disse o companheiro, sorrindo. - Será bom para Lady Lorinda
conhecer um homem que não se impressionará muito com sua beleza e nem se deixará pisar pelos seus
lindos pezinhos.
Calou-se, olhando para o salão, mas logo acrescentou:
- Estou vendo que o Príncipe de Gales chegou. Venha, quero que o conheça. Sei que ele ficará muito
satisfeito de ouvir as novidades do exterior que você tem a contar.
Mais tarde, o Homem da Máscara Verde deixou o salão de banquete, onde jantara na mesa real, e,
achando que fazia muito calor no salão de baile, saiu para o jardim.
O baile tinha lugar em Hampstead, e ele tinha a impressão de encontrar-se no campo.
Uma leve brisa agitava a copa das árvores frondosas, dos canteiros vinha um perfume de flores e as
estrelas brilhavam no céu.
O homem respirou fundo, pensando quanto aquela atmosfera tão suave era diferente do sufocante
calor da Índia.
De súbito, ouviu uma voz de homem dizendo:
- Pelo amor de Deus, Lorinda, ouça-me! Eu a amo! Case comigo, ou juro que me matarei!
O Homem da Máscara Verde ficou tenso, pois a voz tinha um tom angustiado inconfundível.
- Case comigo, Lorinda, e me fará o homem mais feliz do mundo.
- Esta é a décima ou a undécima vez que eu o recuso, Edward?
O Homem da Máscara Verde percebeu que o par se encontrava logo do outro lado da sebe de teixos. Era
impossível vê-los, devido à escuridão, mas imaginou que deveriam estar sentados, de costas para a moita,
e que ele próprio se encontrava a poucos metros de distância dos dois.
- Já pedi antes e torno a pedir: case comigo!
- E sempre eu recuso. Para falar a verdade, Edward, você já está ficando tremendamente enfadonho!
Quero voltar ao salão de baile.
- Não me deixe, Lorinda! Por favor, fique comigo. Não a importunarei. Farei tudo o que quiser, tudo,
contanto que você se preocupe um pouco comigo.
- Por que haveria de preocupar-me? Se quisesse um cão fraldeiro, compraria um.
Havia desprezo na voz, logo a seguir, veio a advertência:
- Se me tocar, juro que nunca mais falarei com você!
- Lorinda! Lorinda!
Era uma exclamação de desespero. Depois, ouviu-se o ruído dos passos de uma mulher que se afastava, e
os gemidos angustiados do homem, que ficara só.
O Homem da Máscara Verde, compreendendo que terminara a conversa que estivera ouvindo, voltou ao
salão de baile.
Não foi difícil identificar Lady Lorinda, e, no momento em que atravessou a porta envidraçada, ouviu sua
voz, alegre e inteiramente despreocupada com o que se passara pouco antes.
Estava fantasiada de cavaleiro, com o gibão bordado, os calções de cetim, deixando à mostra os
tornozelos delicados. Os cabelos ruivos tinham sido anelados e penteados como uma peruca por trás do
chapéu emplumado.
Trazia uma máscara, que não escondia, porém, o narizinho reto, os lábios de uma curva perfeita e o
queixinho pontudo.
Tinha uma taça de vinho na mão e, quando o mascarado entrou na sala, junto com os que se achavam em
torno dela, bebendo à saúde do anfitrião, estava um homem moreno, de olhar sardônico, já de meia-idade.
O homem agradeceu aos que o brindavam, mas não tirava os olhos de Lady Lorinda, e, quando o brinde
terminou, aproximou-se dela.
_ Venha comigo ao jardim, pois preciso falar-lhe.
Estavam parados perto do Homem da Máscara Verde, que podia ouvir o que diziam.
Acabei de voltar do jardim - disse Lady Lorinda. - Se está querendo intimidades comigo, previno-o de
que não estou disposta a ouvi-lo.
- Por que desconfia que tenho essa intenção?
- Porque a única coisa do que os homens cuidam é do amor – retrucou a moça. – será possível que não
achem outro assunto?
- Não, quando estão conversando com você!
- Acho maçante essa história de amor! É um assunto pelo qual não me interesso e, portanto, se quer
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agradar-me, deve falar de outra coisa,
_ Continua fingindo que não tem coração?
_ Não estou fingindo. Tenho essa sorte. Vamos para o salão de banquete, porque acho que estou com
fome.
Os dois afastaram-se e o Homem da Máscara Verde os ficou olhando.
- Eu lhe havia dito que ela é bela, mas imprevisível - disse uma voz ao seu lado, e ele viu que era o amigo
com quem fora ao baile.
- Todo mundo rasteja assim aos seus pés, e faz o que ela manda? - perguntou o Homem da Máscara
Verde.
- Todo mundo obedece a Lady Lorinda.
- E se não obedecer?
- Ela corta relações com ele. Tal ostracismo, devo dizer, é pior do que a excomunhão!
O forasteiro deu uma risada.
- Tenho a impressão de que, enquanto estive fora, vocês perderam a noção dos valores, ou talvez seja
mais justo dizer, perderam o senso do equilíbrio moral.
Horas depois, quando a maior parte dos convidados já se retirara e os primeiros albores da aurora já
começavam a apagar as estrelas no céu, os dois amigos atravessaram o portão e ganharam a estrada.
Estavam em um faéton, só com um lacaio atrás, e os dois cavalos eram excepcionalmente bons.
- Gostou? - perguntou o dono do faéton.
Seu amigo, que já tirara a máscara, deu uma risada.
_ Foi, sem dúvida, uma revelação! Eu esperava encontrar mudanças, mas não da maneira que deparei
esta noite.
_ Está referindo-se aos homens ou às mulheres?
_ O príncipe surpreendeu-me, sem dúvida. Engordou muito, e devo confessar que não tive boa impressão
de seus joviais companheiros.
_ Quem teria? - concordou o amigo.
_ E, agora, diga-me o que achou das mulheres. Ficou muito escandalizado?
O homem que usara a máscara deu uma risada.
- Garanto-lhe que coisa alguma me escandaliza. Mas, sem dúvida, fico estarrecido, quando imagino que
aquelas criaturas indecentes, irresponsáveis, serão as mães da próxima geração.
_ Está pensando em tomar alguma providência a respeito?
_ Que me sugere fazer?
_ Reformar Lady Lorinda! Que desafio seria para um homem!
_ Não seria impossível.
_ Já tentou domar uma fêmea de tigre? Sou capaz de apostar qualquer quantia com você de que seria
de completa e absoluta impossibilidade.
O homem que usara a máscara verde ficou em silêncio durante algum tempo, depois disse,
pausadamente:
- Mil guinéus.
- Está falando sério? - perguntou o amigo, incrédulo.
Depois, deu uma risada.
- Aceito a aposta! Não iria perder o desfecho dessa tarefa hercúlea, nem por uma importância dez
vezes maior.
Tinham avançado uma pequena distancia, quando ele exclamou:
- Por falar na fêmea de tigre, ei-la logo em nossa frente!
Apontou para onde, subindo a encosta em direção à Estalagem dos Espanhóis, uma carruagem de viagem
preta avançava, ostentando o brasão dos Camborne nas portas. Dificilmente seria percebida, se não
fosse a libré do cocheiro e dos lacaios que viajavam na parte de trás. Em vez das cores habitualmente
usadas pela aristocracia, como o azul, verde ou vermelho-desbotado, as librés dos criados de Lady
Lorinda eram brancas com enfeites prateados.
O homem que usara a máscara verde olhou, atônito.
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A carruagem chegara ao alto da colina e, tendo entrado na estreita passagem entre
a hospedaria e o portão era cobrado o pedágio, tinha parado de súbito.
- O que está acontecendo? – perguntou o homem que dirigia o faéton, e logo
exclamou: - Meu Deus do céu! Salteadores! Lady Lorinda está sendo assaltada!
Chicoteou os cavalos, para que avançassem, mas, ao mesmo tempo, ouviu-se a detonação de uma pistola, e o
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homem que estava de pé junto à porta aberta da carruagem caiu, de costas, à beira do caminho, enquanto o
outro homem que estava junto dele fugia.
Antes que os dois amigos tivessem tido tempo de galgar a encosta e alcançar a carruagem, o lacaio que estava à
sua traseira, de mãos para o alto, foi atirado para frente e o veículo partiu.
O veiculo parou junto ao salteador, que ficara estendido na valeta que ladeava a estrada, com os braços abertos
e ainda segurando a pistola.
Estava mascarado, com o aspecto de um bandido comum e a mancha de sangue que se espalhava em seu peito não
dava margem a dúvidas.
O lacaio desceu da retaguarda do faéton.
- Está bem morto, milorde! - anunciou.
O homem que dirigia o carro chicoteou os cavalos.
- Nesse caso, não é de nossa conta disse, seguindo viagem.
Houve um silêncio, depois o homem recém-egresso perguntou:
- Havia alguém com a moça ou foi ela mesma quem atirou naquele homem?
- Naturalmente, foi ela mesma! - respondeu seu amigo. - E não foi a primeira vez.
Foi como se estivesse achando aquilo muito engraçado que continuou:
- Eis um perfeito exemplo de como as moças de hoje sabem defender-se sozinhas. Ouvi falar sobre a maneira
com que Lady Lorinda enfrentava assaltantes e bandidos, mas, agora, vi com os meus próprios olhos!
Dando uma risada gostosa, observou:
- Parece que, mal o assaltante abre a porta da carruagem, ela atira. Os criados nem se dão ao trabalho de
protegê-la.
- Estou atônito! - confessou o companheiro. - No meu tempo, as mulheres ficavam apavoradas, soluçando, à
espera de que um homem as defendesse.
- Se você prefere, ainda há algumas desse tipo e, com a sua riqueza, será fácil conquistá-las.
Não houve replica,e os dois amigos seguiram em silencio pela charneca de Hampstead.
Lady Lorinda estava recostada no banco da carruagem, com os olhos fechados. Tivera, contudo, a precaução de
tornar a carregas a pistola e coloca-la no regaço, antes de acomodar-se.
A charneca de Mampstead era afamada pelo numero de assaltantes, que a jovem detestava tanto quanto aos
apaixonados que a perseguiam, por mais brutalmente que repelisse seus galanteios.
Lorde Edward Hilton era apenas um dos muitos admiradores, que não se resignavam não serem aceitos.
Lembrando-se do quanto ele fora importuno, durante toda a festa, Lorinda decidiu que, dali para diante,
deixaria bem claro que, se Edward fosse convidado para uma festa, ela não aceitaria o convite.
Nada que dissesse ou fizesse o impedia de continuar insistindo para que se casasse com ele. O anfitrião, Lorde
Wroxford, não era muito melhor mas, pelo menos, não podia falar em casamento. Já era casado e, assim sendo,
suas propostas eram confessadamente desonrosas e, como tal, mais fáceis de serem repelidas.
Podia rir de Ulric com desdém, e ambos sabiam que não havia mais possibilidade de Lorinda aceitar suas
sugestões do que dar um pulo na lua.
Ulric, não obstante, continuava tentando, cínica e despudoradamente, mas, com Edward, o caso era diverso.
Ameaçara tantas vezes suicidar-se, se ela não casasse com ele, que Lorinda já ficava enfadada antes mesmo que
ele abrisse a boca.
Edward, no entanto, era um partido muito conveniente, e sempre havia a possibilidade de tornar-se duque um
dia, caso seu irmão mais velho continuasse a ter filhas e nenhum descendente varão.
“Se fosse sensata, o aceitaria”, pensou Lorinda. “Mas como iria tolerar suas atenções para comigo o resto da
vida?”
Sentia a mesma coisa com relação a muitos outros homens, muitos dos quais tinham a oferecer-lhe não somente
o dinheiro, como também um lugar de destaque na sociedade.
Só Lorinda sabia quanto eram precários os laços que a prendiam a uma sociedade fútil e hedonista, tão pronta a
aclamar como a vilipendiar.
“Que realmente desejo?”, perguntou a jovem a si mesma, enquanto descia o morro de Hamptead, já livre de
qualquer perigo.
Teve a impressão de ver, diante de seus olhos, a interminável sucessão de bailes e festas, com os quais estava
tão familiarizada, viajando de Londres para Brighton; para Newmarket,a fim de assistir às corridas; para Bath,
a estação de águas,e voltando a Londres, para iniciar outra temporada alegre.
Seria aquilo o que ela realmente desejava ou queria na vida?
Sabia muito bem que, no dia seguinte, todas as mães de família que a detestavam iriam comentar, falando como
papagaios, seu aparecimento como Lady Godiva.
Lorde Barrymore, um nobre conhecido por sua devassidão, apostara que ela não seria capaz de fazer tal coisa, e
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isso bastara e constituíra o incentivo de que Lorinda precisava para seus escândalos.
- Posso fazer o que quero! – disse, em voz alta.
Deu uma risada, pensando como o caso, naturalmente sem ser poupado qualquer detalhe, seria levado, pelos
mexericos, até o rei e a rainha, no Castelo de Windsor. Suas Majestades, sem dúvida alguma, iriam
atribuir tal fato ao pernicioso e devasso exemplo do Príncipe de Gales.
- Velhos hipócritas! - exclamou Lorinda, alegremente.
Viu, com alívio, que a viagem terminara e que a carruagem estava diante de Camborne House, em
Hanover Square.
Era uma mansão grande, mas pouco confortável e bastante feia, construída pelo 7.° Conde de
Camborne, avô de Lorinda. Esta fizera o possível para melhorar a casa, com algumas inovações. E,
quando o lacaio abriu a porta, metido na libré branca e prateada que ela mesma desenhara, a moça
pensou que, sem dúvida, o casarão era menos sombrio agora do que quando ela era criança.
- O Sr. Conde está, Thomas? - perguntou.
- Está sim, milady. O Sr. Conde voltou há meia hora, e encontra-se na biblioteca.
- Obrigada, Thomas.
Lorinda atirou o casaco para um lado, sem notar que o lacaio estava olhando, horrorizado, para o seu
traje masculino, enquanto ela caminhava pelo chão de mármore, rumo à biblioteca.
Abriu a porta.
Seu pai estava sentado diante de sua secretária, no centro do aposento, carregando uma pistola de
duelo.
O Conde de Camborne e Cardis olhou surpreso para a filha. Era um homem bonito, de cabelos grisalhos,
mas com a palidez de quem nunca aproveitava o ar livre. As salas de jogo eram, notoriamente, abafadas
...
Baixou a pistola, que tinha na mão, depressa demais para ser um gesto natural, enquanto dizia:
- Não estava esperando que você voltasse tão cedo, Lorinda.
- O que aconteceu, papai? Não vá me dizer que pretende bater-se em duelo!
Como o conde não respondeu, a jovem caminhou até junto dele, e baixou os olhos.
- Diga-me, papai!
A princípio, o conde não pareceu disposto a atender ao pedido da filha. Depois, recostando-se na
cadeira, disse, desafiadoramente:
- Eu ia dar um tiro na cabeça!
- Não está falando sério, papai!
- Perdi tudo que temos.
Durante um momento, Lorinda ficou imóvel. Depois, sentou-se na cadeira em frente ao pai.
- Diga-me exatamente o que aconteceu.
- Estive jogando com Charles Fox respondeu o conde.
Lorinda cerrou os lábios.
Sabia muito bem que Charles James Fox era o mais perigoso adversário que seu pai poderia ter
escolhido.
Político whig, de notável eloqüência, Charles Fox, gordo, barrigudo, desgracioso, com uma papada no
queixo e sobrancelhas espessas e arrepiadas, era um homem dotado de extraordinária simpatia.
Detestado pelo rei, tornara-se, em conseqüência, amigo íntimo do Príncipe de Gales. Na verdade, houve
ocasião em que o príncipe o olhava quase que com idolatria.
Filho de um homem riquíssimo, Charles Fox adquirira, quando estudante em Eton, insaciável paixão pelo
jogo, e, quando tinha dezesseis anos, ele e seu irmão perderam trinta e duas mil libras esterlinas em
uma noite!
Era uma ironia do destino, pensou Lorinda, que uma das poucas vezes em que Charles Fox ganhara no
jogo, em toda a sua vida, fora à custa de seu pai.
Suas palavras seguintes confirmaram o que ela temia.
- Eu estava ganhando, Lorinda disse o conde, com voz cansada. - Estava ganhando uma quantia
considerável, quando a sorte de Fox mudou. Achei que aquilo não iria durar, mas, quando me levantei,
não tinha mais nada para apostar.
Houve uma pausa, depois Lorinda perguntou, com voz bem firme:
- Quanto perdeu?
- Cem mil libras!
Não era uma quantia astronômica, para muitos dos que jogavam no White's Club, mas Lorinda sabia, tão
bem quanto o pai, que, para eles, aquilo significava a catástrofe.
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Tinha a casa de Londres e a mansão da família na Cornualha, mas a renda era relativa
- Eu estava ganhando, Lorinda - disse o conde, com voz cansada. - Estava ganhando uma quantia
considerável, quando a sorte de Fox mudou. Achei que aquilo não iria durar, mas, quando me levantei,
não tinha mais nada para apostar.
Houve uma pausa, depois Lorinda perguntou, com voz bem firme:
- Quanto perdeu?
- Cem mil libras!
Não era uma quantia astronômica, para muitos dos que jogavam no White's Club, mas Lorinda sabia, tão
bem quanto o pai, que, para eles, aquilo significava a catástrofe.
Tinha a casa de Londres e a mansão da família na Cornualha, mas a renda era relativamente pequena, e,
embora parecessem opulentos e vivessem de maneira extravagante, era apenas porque, sempre
otimistas, acreditavam que "aconteceria alguma coisa".
Quando o conde ganhava nas mesas de jogo, Lorinda tratava de tomar-lhe o dinheiro ganho, antes que
ele o perdesse de novo. Jamais, porém, suas pernas tinham sequer se aproximado de cem mil libras es-
terlinas.
- Só me resta uma coisa para fazer - concluiu o conde, com voz soturna. - É dar um tiro na cabeça. Fox
não pode exigir que eu salde a dívida, se já não estiver neste mundo.
- O senhor sabe perfeitamente, papai, que é uma dívida de honra e que, de uma maneira ou de outra, eu
teria que pagar - replicou Lorinda.
- O que está querendo dizer?
- Estou querendo dizer é que seria muita covardia sua, se me deixasse sozinha para consertar o que fez!
A voz da moça era desdenhosa. Tendo falado, ela se levantou, chegou até a janela e abriu as pesadas
cortinas de veludo.
O dia nascera, e os primeiros e pálidos raios do Sol iluminavam os telhados das casas.
- Pensei - disse o conde, atrás dela, com a voz hesitante - que, se eu morresse, Fox cancelaria a dívida e
tudo se resolveria.
- Seria fácil para o senhor, mas não para mim - disse Lorinda, sem se exaltar. - E seja o que for que os
Camborne possam ter sido, pusilânimes nunca foram!
- Bolas! Não admito que você me chame assim! - explodiu o pai.
- Não posso admitir maior covardia do que o senhor sumir, deixando as dificuldades para mim - replicou
a jovem.
o pai empurrou a pistola pára um lado, impaciente.
- Se acha assim, deveria pensar em uma solução.
- É evidente, não é? - replicou Lorinda, deixando a janela, para ir assentar-se de novo à mesa.
- Não vejo nada de evidente.
- Pois então, vou dizer-lhe - retrucou a moça. - Venderemos esta casa, com tudo que tem. Com isso,
apuraremos uma quantia considerável, e iremos, então, morar na Cornualha.
- Na Cornualha?
- Por que não? Até vendermos o priorato, se encontrarmos alguém que se interesse em comprá-lo.
O conde deu um murro na mesa com tanta força que o tinteiro deu um pulo.
- Não venderei o lar que pertenceu aos meus antepassados, desde antes da conquista normanda! - gritou.
- Embora ele não esteja vinculado, nenhum Camborne jamais chegou tão baixo até o ponto de vender a
casa de seus ancestrais.
Lorinda encolheu os ombros.
- Podemos ter que fazê-lo - replicou. - Duvido que esta casa, com tudo que contém, inclusive as jóias de
mamãe, nos permita apurar ao menos cinqüenta mil libras!
o conde escondeu o rosto nas mãos.
- Meu Deus do céu! - exclamou. - Por que maldição fui tão louco?
- O arrependimento não resolve nada
- observou Lorinda, friamente. - Temos de encarar a situação com espírito prático, e segundo presumo,
isso quer dizer que terei de providenciar tudo. O senhor deve pedir um prazo a Charles Fox para pagar,
pois, evidentemente, não vai poder entregar-lhe as cem mil libras dentro do prazo estabelecido de duas
semanas.
- Terei de pedir-lhe de joelhos, assim como sofrer todas as outras humilhações? - perguntou o conde,
furioso.
- A dívida é uma - lembrou Lorinda.
O pai, encarando-a, notou em seus olhos uma expressão que o levou a exclamar, irritado:
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- Meu Deus do céu! Você deveria mostrar-se um pouco mais solidária e compreensiva! Não sente afeto
por mim ou por ninguém?
- Quer saber de uma coisa? - perguntou Lorinda. - Para falar a verdade, eu o desprezo.
Como o pai ficou calado, ela acrescentou:
- Eu o desprezo, como desprezo todos os homens. Todos são os mesmos, muito bonzinhos quando tudo
corre de acordo com os seus desejos, mas que esperam que as mulheres sofram pelas leviandades que
cometem e chorem por causa das atrapalhações que vocês mesmos provocam. Fique sabendo que não
farei nem uma coisa nem outra.
Pegou a pistola que estava em cima da mesa, dizendo asperamente:
- Vou levar isto comigo, pois o senhor não merece confiança sequer para guardá-la. Amanhã, vou tratar
de vender a única casa que conheci como lar, ver se arranjo uma oferta razoável para os tesouros que
os nossos antepassados acumularam e as jóias que deram tanto prazer à minha mãe.
Encaminhou-se para a porta, mas virou-se para encarar o pai, com a luz das velas iluminando em cheio
seus cabelos ruivos.
- Se está muito preocupado - disse, desdenhosamente - sugiro que parta imediatamente para a
Cornualha e procure dar um certo aspecto de ordem às ruínas que nos restam ali.
*** <
Na manhã seguinte, depois de um sono profundo, quando a criada abriu as cortinas, Lorinda lembrou-se
das tarefas que tinha pela frente.
Não se sentiu apavorada, como qualquer outra moça de sua idade sentiria, face às grandes dificuldades
que teria de defrontar, e a incapacidade de seu pai de resolver qualquer delas.
Sua mãe morrera quando contava doze anos. Embora lembrasse dela com saudade, sabia que pouco
tinha de comum com aquela mulher tímida e delicada, que achava o marido maravilhoso e sempre es -
tivera disposta a aceitar seu precário modo de vida, sem fazer coisa alguma para alterá-lo.
Lorinda herdara as qualidades de seus antepassados Camborne, que tinham travado batalhas contra
inúmeros inimigos.
A Cornualha fora a última parte da Grã-Bretanha, no sul, a subjugar os invasores saxões, e os
Camborne tinham lutado contra o Rei Egberto, negando-se a reconhecer sua supremacia. Noventa anos
mais tarde, haviam ajudado Aethelstan a expulsar os galeses ocidentais de Exeter, tornando Tamar o
limite de seu território.
Durante todos os tempos, os Camborne mostraram-se ferozmente independentes: tinham combatido
em apoio à causa de Lancaster e se destacado entre as tropas de Sir Bevil Grenville, quando derrotou
as forças do Parlamento em Bradock.
Havia, nas veias de Lorinda, um sangue ardoroso, que não parecia ter recebido de seu pai. Não se
submetia a nenhum domínio e sempre se revoltava contra qualquer autoridade, desde criança.
_ Você se nega sempre a fazer o que lhe mandam, como aqueles lutadores da Cornualha que combateram
em Agincourt _ disse-lhe sua babá, quando ela era bem pequena.
E agora, naquele momento de dificuldades, procurava lutar contra o comodismo de aceitar o inevitável,
como seu pai estava disposto a fazer, evidentemente.
Lorinda ficou em silêncio, enquanto a criada a ajudava a vestir-se e a penteava, de acordo com a moda
de cabelos revoltos, que parecia ter sido adotada, de propósito, para fazer destacar a beleza de seu
rostinho em forma de coração.
Não era baixa, ao contrário, era mais alta do que a maioria das mulheres. Era, porém, tão esbelta e
graciosa que os homens, instintivamente. desejavam protegê-la, encontrando, porém, uma vontade de
ferro e um orgulho invencível, que não combinavam muito com sua beleza excepcional, de extrema
feminilidade.
Ninguém poderia negar que ela era bela, mas, ao olhar-se no espelho, Lorinda perguntava a si mesma se
sua beleza lhe trouxera alguma felicidade.
Não tinha a menor dúvida de que, se pedisse o conselho de qualquer uma das nobres damas que a
acompanharam, tantas vezes, a pedido do pai, depois que passara a freqüentar a alta sociedade
londrina, sua resposta seria a mesma:
- Case-se com um homem rico.
Tinha a impressão de as estar ouvindo aconselhar tal coisa, sabendo que lhe seria facílimo aceitar
Edward Hinton, Anthony Dawlish, Christopher Conway ou qualquer um dos outros jovens aristocratas
que imploravam o seu amor.
Todos eles, incontestavelmente, pensava Lorinda, viriam correndo à sua casa, se lhes escrevesse um
bilhete chamando-os.
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O orgulho, o próprio brio que herdara dos antepassados, porém, faziam-na repelir a idéia de aceitar um
marido, simplesmente, como uma solução.
Desceu ao andar térreo, de cabeça erguida, com o cérebro trabalhando intensamente, planejando,
manobrando, quase como se fosse um militar que iria participar de uma batalha, em vez de uma mulher
que não deveria conceber tais táticas.
Entrando na biblioteca, verificou que seu pai não se deitara. Dormira em uma poltrona, junto da lareira,
e uma garrafa vazia perto dele contava o que acontecera.
Lorinda sacudiu-o pelo ombro.
- Acorde, papai!
Quando conversara com ele na noite anterior; notara que andara bebendo, mas o que tomara depois que
ela se separara dele, o tinha deixado com os olhos congestionados e com bafo alcoólico.
- Acorde, papai! - tornou a dizer, e o conde abriu os olhos ..
- Ah, é você, Lorinda? O que deseja?
- Desejo que você lave o rosto e se componha - respondeu a moça. - Já é de manhã e o café está
servido, se é que se interessa por isso.
O conde estremeceu.
- Dê-me primeiro um gole de bebida! Lorinda não discutiu com ele. Foi até a bandeja de bebidas, que
estava a um canto da biblioteca, e serviu uma dose farta de conhaque, que lhe entregou, desdenhosa-
mente.
o conde bebeu-o de uma só vez. - Que horas são? - perguntou.
- Nove horas. O senhor vai à Cornualha, ou vai ficar aqui comigo? Devo avisá-lo de que não vai ser muito
confortável, pois pretendo despedir os criados logo depois do café.
Fortalecido pelo conhaque, o conde pôs-se de pé.
Os raios do Sol entravam pelas janelas, uma das quais dava para o pequeno jardim, no fundo da casa.
Os canteiros estavam repletos de flores, e Lorinda ficou pensando quanto custara plantar e cuidar
daquelas plantas, o que ficara a cargo de um jardineiro, que trabalhava quatro vezes por semana.
- Há uma coisa que não lhe disse ontem à noite - falou o conde, depois de hesitar por algum tempo.
- O que é?
- Você impediu-me de executar o que a honra me ditava, e que eu tencionava fazer - disse o conde. -
Assim, é melhor que fique sabendo da verdade.
- Que verdade? - perguntou Lorinda, rispidamente.
- No fim do jogo, comecei a trapacear!
- Trapacear?! - exclamou a moça, quase gritando.
- Eu estava bêbado e desesperado e nem ao menos pude trapacear direito.
- Quantas pessoas ficaram sabendo?
- Fox e mais três outros sócios do White's, que estavam na mesa. São todos meus amigos, e acho que
vão ficar calados, mas não terei coragem de voltar ao clube, durante muito tempo.
Era um golpe com que Lorinda não contava.
Sabia muito bem que um homem apanhado trapaceando no jogo tornava-se um proscrito social, um pária
entre seus pares.
Como seu pai era muito bem relacionado, havia uma possibilidade, simples e única, de que os que haviam
presenciado o acontecido atribuíssem o fato à ,embriaguez, e não o comentassem com outras pessoas.
Sabia, porém, que seu pai tinha razão, ao afirmar que não poderia mais voltar ao White's.
Durante um momento, quase se arrependeu de não tê-lo deixado suicidar-se, como pretendia. De fato
tal desfecho era considerado como a única solução honrosa para situações semelhantes.
Refletindo melhor, porém, Lorinda concluiu Que suicidar-se seria apenas agir com mais covardia ainda.
- O senhor nada pode fazer, a não ser partir imediatamente para a Cornualha disse, com voz firme. -
Leve um dos criados, qualquer um, à sua escolha, e dois dos melhores cavalos. O resto será vendido.
Sua voz era muito calma, ao acrescentar:
- Levarei comigo seus objetos particulares, junto com os meus, na carruagem de viagem.
- E o meu faéton?
- Como é mais novo que o resto de nossos veículos, é o que deverá render mais dinheiro e tem que ficar
aqui. Vou tomar café, e depois conversar com a criadagem. Se precisar de mim, estou na sala de estar.
Caminhou em direção à porta. Ao alcançá-la, ouviu o pai dizer, em voz baixa:
- Desculpe-me, Lorinda.
Ela saiu, sem olhar para trás.
***
9
CAPíTULO 11
Lorinda olhou para a mesa do vestíbulo, inteiramente vazia, e sorriu com amargura. Parecia incrível que,
apenas uma semana antes, estivesse coberta de cartões de visita, convites para festas e inúmeros bu-
quês de flores, enviados por seus ardentes admiradores.
Se alguma coisa a pudesse fazer detestar os homens mais do que já o fazia, pensou, seria o que tinha
acontecido, logo que se falou, em Londres, que o Conde de Camborne e Cardis estava vendendo tudo que
tinha.
Lorinda esperava o que acontecera, mas, ainda assim, ficara chocada.
No dia seguinte ao da festa de Hampstead, ela havia recebido o número habitual de bilhetes
bajulatórios e uma profusão de flores, e não cessaram as pancadas à porta de Hanover Square.
Seu pai não estava em condições de viajar, mas Lorinda o obrigou a escreveu uma carta a Charles Fox,
dizendo-lhe que a dívida seria paga o mais depressa possível, e que o dinheiro apurado na venda de seus
bens lhe seria encaminhado pela firma encarregada.
- Ele vai ter sorte se receber o resto! resmungou o conde, ao terminar a carta.
- Não posso permitir que o senhor o lese, papai - replicou Lorinda. - Teremos de arranjar o dinheiro, de
qualquer modo, mesmo que leve a vida inteira.
O conde, murmurando uma praga, tomou outro gole de conhaque.
Dois dias depois, partia para a Cornualha, levando consigo os dois melhores cavalos e o palafreneiro de
mais confiança.
Lorinda achou que mesmo uma concessão tão pequena era, de certo modo, uma fraude contra o homem
a quem devia tanto dinheiro, mas não protestou. Não pôde, por outro lado, deixar de pensar que era
bem típico de seu pai ter partido sem sequer perguntar-lhe como iria providenciar tudo, sozinha.
Sem dúvida, a presença de seu pai iria ser mais um transtorno do que uma ajuda, mas, de qualquer
modo, não era ligeira a tarefa de vender a casa e encaixotar todas as coisas que precisaria levar para a
Cornualha.
Dois dos criados mais velhos, que estavam havia muito tempo na casa, concordaram em ajudar Lorinda,
até que ela também partisse. O resto fora despedido e ainda foi preciso escrever cartas dando boas
referências a todos, a fim de que não tivessem dificuldade em arranjar outro emprego.
A firma encarregada da transação felizmente mostrou-se bastante otimista, admitindo que seria
arrecadada uma importância considerável. Lorinda receara que, pelo seu grande tamanho, a mansão pu-
desse transformar-se num "elefante branco", mas o fato é que, logo depois de posta à venda, os
corretores imobiliários começaram a enviar muitos clientes interessados.
Embora Lorinda estivesse desconfiada de que a mansão não continuaria a ser uma residência
particular, mas se destinaria a ser clube de jogo, não estava disposta a discutir o assunto.
Havia alguns quadros de grande valor, e os móveis que não se tinham estragado com o passar do
tempo podiam ser vendidos. O conde, contudo, não pudera substituir os tapetes já muito gastos e as
cortinas desbotadas e, para estes, era indiscutível não conseguirem achar comprador.
Se estivesse inclinada a lamentar ou sentir-se abatida com o que ocorria em torno dela, Lorinda
certamente teria pouco tempo para tal.
Durante todos os momentos do dia, um dos criados estava indagando b que poderia ser encaixotado e
o que deveria ser deixado, e constantemente os homens encarregados de inventariar os móveis
estavam por lá, examinando e marcando os objetos.
Uma coisa que, inexplicavelmente magoou Lorinda, embora ela própria talvez não se apercebesse
disso, foi a conduta de Lorde Edward Hinton. Embora o tivesse sempre tratado asperamente, não
esquecera os seus protestos de amor e pensou que, ao menos ele seria leal, mesmo quando todos os
outros fingissem ignorar suas dificuldades.
No entanto, dois dias depois da festa de Hampstead, recebera um bilhete dele, dizendo o seguinte:
Lorinda:
Devido a circunstâncias independentes de minha vontade, tenho de sair de Londres. Sabe
perfeitamente quais foram meus sentimentos por você nestes últimos doze meses e, embora tenha
deixado bem claro que não me correspondia, não pude partir sem dizer-lhe adeus.
Adeus, linda Lorinda de olhos verdes. Sempre me lembrarei de você.
Edward
Lorinda olhou para o bilhete durante muito tempo, depois foi procurar o pai, que ainda não partira
para a Cornualha.
- Diga-me uma coisa, papai - perguntou. - Quais eram os amigos que estavam no White's quando o
senhor perdeu aquele dinheiro todo para Charles Fox e, por cúmulo do azar, ainda o viram
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trapaceando?
Viu gravado no rosto do pai o ressentimento provocado pela pergunta, mas esperou a resposta. Um
momento depois, o conde respondeu, com a voz abafada:
- Davenport e Charles Lambeth estavam lá.
- E o Duque de Dorset? - perguntou Lorinda.
Seu pai inclinou a cabeça.
A jovem afastou-se, sem dizer mais nada.
Tivera a explicação do bilhete de Edward.
O Duque e a Duquesa de Dorset nunca tinham gostado dela, e não podiam resignar-se a tê-la como nora.
O duque era um puritano, e de modo algum admitiria qualquer relacionamento com um trapaceiro.
Edward dependia inteiramente do pai, e o duque devia ter agido sem demora.
Lorinda tinha certeza que Edward, ou fora mandado para o exterior, ou o brigado a passar algum tempo
na propriedade rural do duque, até que o escândalo tivesse passado.
"Por que eu iria esperar que alguém ficasse ao meu lado?", pensou Lorinda.
Por outro lado, nunca se sentira tão só e isolada. Não vendo ninguém bater à sua porta, a não ser os
homens interessados em comprar e vender, disse a si mesma, com um sorriso sarcástico:
"Quanto maior a altura, maior a queda!"
Ouviu uma batida à entrada e achou que deveria ser um dos homens que estava preparando a casa para o
leilão do dia seguinte. As criadas estavam em cima, separando os objetos que pretendia levar para a
Cornualha, de sorte que ela mesma foi abrir a porta.
Do lado de fora, com um sorriso mais sardônico do que o habitual, estava Lorde Wroxford.
Lorinda encarou-o durante um momento, depois disse:
- Não estou em casa, Ulric.
- Preciso falar com você, Lorinda replicou Ulric. - Posso entrar?
Lorinda hesitou, depois abriu a porta inteiramente.
- Veio para espionar, ou quer reservar algum objeto especial pelo qual sua fantasia interessou-se? -
perguntou, sarcástica.
Sabia que a mansão de Lorde Wroxford em Hampstead estava repleta de preciosidade e que ele não
conseguia interessar-se por coisa alguma de sua própria casa.
- Quero conversar com você - disse ele, pondo o chapéu em cima de uma mesa.
- Vou tentar encontrar-lhe uma cadeira, mas vai ser difícil, pois as cadeiras todas já estão separadas
para o leilão - replicou Lorinda.
Encaminhou o visitante para a biblioteca, que oferecia um espetáculo particularmente deprimente, com
suas estantes vazias, pois todos os livros já tinham sido removidos.
Os tapetes enrolados, as cadeiras amontoadas umas sobre as outras e os quadros encostados à parede.
Lorde Wroxford, porém, só olhava para Lorinda, achando-a mais bela do que de costume, com seus
cabelos ruivos e revoltos fazendo destacar a alvura da cútis.
A moça parou no meio da sala.
- Então, o que me tem a dizer? - perguntou, com indiferença.
- Vim para fazer uma sugestão que pode livrá-la de todo este aborrecimento.
Lorinda encarou o visitante com os olhos fuzilando, mas nada disse, e ele prosseguiu:
- Poderemos ir para o exterior, fora do alcance dos mexericos maldosos. Estou convencido, como
sempre estive, de que nos daremos muito bem juntos.
Lorinda sorriu.
- É muita bondade sua sugerir-me isso, Ulric, mas acho que já sabe a minha resposta.
- O que você terá a perder? - perguntou Ulric. - Apenas esta confusão em que seu pai a meteu.
Lorinda inclinou a cabeça para um lado, ligeiramente.
- Não sei quanto tempo levaria antes de você se enfarar de mim - disse. - Acho que você não é do tipo
que acha que o amor compensa tudo, Ulric.
- Se você me amasse, acredito, sinceramente, que eu não desejaria mais voltar para a Inglaterra, e nem
ao menos sentiria saudades.
- Se!. .. - exclamou Lorinda. - É uma palavra muito prática! Sabe, tão bem quanto eu, que também ficaria
enfarada de você antes mesmo de começarmos.
- Eu a quero, Lorinda! Posso ensiná-la a amar-me.
Lorinda deu uma gargalhada.
- Você é mesmo bobo a ponto de acreditar nisso? Detesto todos os homens, e jamais amarei nenhum
deles! Não conheço o amor nem me interesso por ele.
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Lorde Wroxford caminhou em direção à jovem.
- Com todos os diabos, Lorinda! Você esgota a paciência de um santo!
- E você não é santo!
Encarou-o, com uma expressão maliciosa nos olhos.
_ Eu o conheço muito bem, Ulric, e sei que me fez esta proposta, esperando, no fundo, que eu não
aceitasse.
_ Não é verdade! - protestou Ulric. - Você me excita até à loucura, sempre excitou! Se você tiver o
mínimo juízo, virá comigo e deixará que eu a proteja.
_ Nunca tive juízo, e sei melhor do que você que já estaríamos brigando antes de atravessar o canal da
Mancha - replicou Lorinda. - Você iria querer tocar-me, e detesto ser tocada!
Falava com tal veemência, que apagou o fogo que lavrara nos olhos de Lorde Wroxford.
_ Pode haver alguém mais insensata e intratável? - perguntou ele.
Lorinda não respondeu, e caminhava, agitada, pelo soalho nu, enquanto o outro prosseguia:
_ Já imaginou o que vai ser sua vida, na Cornualha, tendo que agüentar seu pai, desesperado por não
poder jogar?
Pela expressão dos olhos da jovem, achou que tocara no ponto nevrálgico.
_ Sem festas, sem admiradores - insistiu. - A não ser que você arranje alguns roceiros.
Fez uma pausa, e acrescentou, maldoso:
- Em tais circunstâncias, Lorinda, a beleza não dura muito tempo.
Sentiu, embora não tivesse certeza, que nos olhos da jovem havia uma expressão diferente, de
preocupação, e, aproximando-se dela, passou o braço em torno de seus ombros.
- Venha comigo - disse, em voz baixa. - Havemos de nos divertir, de qualquer maneira. Poderemos
mesmo ir ao Oriente, que sempre tive vontade de conhecer.
Lorinda não se afastou dele, mas Lorde Wroxford percebeu que ela se inteiriçara.
- E quando tivermos esgotado o Oriente? - perguntou ela. - E então?
- Minha mulher pode morrer. Não goza de boa saúde.
Lorinda deu uma risadinha e afastou-se do homem.
- Ora, Ulric! Isso é uma bobagem tão grande como dizer que ela não o compreende. As pessoas não
morrem só porque a gente tem vontade disso.
Lorde Wroxford encarou-a, hesitante. A luz do Sol, atravessando as vidraças, iluminara-lhe os cabelos
e dava a impressão de que ela estava envolta em uma auréola.
_ Meu Deus, como você é bonita! exclamou ele. - Quero-a, Lorinda! Quero-a, mais do que achava
possível desejar qualquer mulher, e estou disposto a possuí-Ia!
Lorinda olhou-o com desdém.
_ Minha velha babá costumava dizer que nem sempre querer é poder, e esta é minha resposta.
_ Você não pode estar pensando assim! - insistiu o lorde. - Você não pode ser tão idiota, a ponto de
rejeitar a única oferta que receberá nas circunstâncias presentes.
Fechou a cara, ao acrescentar:
_ Ouvi dizer que Edward vai ser levado para o campo, enquanto os outros rapazes que se lançavam aos
seus pés estão procurando outra moça para idolatrar.
Viu o sorriso de troça nos lábios de Lorinda, e isso o enfureceu.
_ Sou riquíssimo, Lorinda, e estou disposto a gastar com você até o último níquel de minha fortuna.
Você é mesmo tão inacreditavelmente idiota a ponto de me recusar?
_ Eu sabia que acabaríamos chegando ao seu famoso dinheiro, mais cedo ou mais tarde - disse Lorinda,
desdenhosamente. Se amanhã eu for posta à venda, tenho certeza de que você será um dos licitantes.
Talvez possa comprar-me barato! Mas, enquanto a decisão estiver comigo, não estou interessada.
- Se eu estivesse em meu juízo perfeito, deveria ir-me embora logo, sem lhe dizer mais nada - disse
Lorde Wroxford, com amargura. - Mas vou dar-lhe mais uma oportunidade. Quer vir comigo?
Lorinda estendeu a mão.
- Meu caro Ulric, nunca hei de esquecer-me que você me fez uma oferta, seja ela qual for, quando
ninguém mais se lembrou de mim.
- Insiste mesmo em dizer não?
- Quando eu estiver sentada na solidão da Cornualha, contemplando o mar e imaginando como
arranjaremos uma fatia de pão, sem dúvida hei de lembrar-me de sua riqueza e ficarei muito alegre
por saber que você ainda tem dinheiro suficiente para me comprar.
- O que está querendo dizer com isso? - perguntou Lorde Wroxford.
- Estou querendo dizer que você não tem a oferecer-me nada que eu precise, nada pelo qual eu devesse
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me vender.
Não estou compreendendo. Talvez seja bom. Adeus, Ulric.
- Está mesmo falando sério?
- Estou. Obrigada por ter vindo.
Como se não pudesse refrear-se por mais tempo, Lorde Wroxford deu um passo para a frente e
estendeu os braços, mas Lorinda conseguiu escapar.
- Agora, você já está ficando importuno - disse, rispidamente. - Vá, Ulric, que tenho muita coisa para
fazer, e não posso perder mais tempo.
- Com todos os diabos! - praguejou ele. - Estou falando sério. Você não pode mandar-me embora desta
maneira!
- Pode retirar-se e adeus!
Assim falando, Lorinda abriu a porta da biblioteca, saiu, e Lorde Wroxford ouviu seus passos, subindo a
escada sem tapete.
Ficou imóvel, durante algum tempo, tendo no rosto uma expressão não apenas de frustração, como
também de surpresa. Estava certo de que Lorinda preferiria aceitar sua proposta do que se meter na
solidão da Cornualha.
Aguardou por alguns momentos, como se ainda tivesse esperança de que ela voltasse. Mas reinava
apenas um silêncio completo e, atravessando o vestíbulo, pisando forte, saiu pela porta da rua.
* * *
o leilão foi mais concorrido do que o próprio leiloeiro esperava. Embora estivesse marcado para as onze
horas da manhã, às dez já estava chegando gente suficiente para encher a casa.
Realizou-se no grande salão e as cadeiras que tinham sido arrumadas já estavam ocupadas, muito antes
de começar a venda.
Lorinda sabia que metade das pessoas presentes viera por pura curiosidade. Reconheceu um bom
número de seus inimigos, de ambos os sexos, visivelmente satisfeitos com a situação em que ela se
encontrava.
Havia os que ela desprezara e ignorara, os que censuravam o seu comportamento e um certo número de
mulheres que, no íntimo, a admiravam por fazer o que elas próprias desejariam, mas não tinham coragem
de fazer.
Havia, também, constatou Lorinda com satisfação, muitos compradores de verdade, que competiam
entre si, fazendo com que os preços se elevassem.
- Quer mesmo assistir ao leilão, milady? perguntara o leiloeiro.
- Faço questão! - respondeu Lorinda.
- Acho que a senhora pode sentir-se pouco à vontade. Em geral, essas coisas ficam inteiramente por
nossa conta.
- Estou com vontade de ver de quanto serão os lances.
Sabia que a maioria das pessoas iria achar incrível que ela assistisse ao leilão, mas o orgulho não
permitiu que fugisse, como seu pai tinha feito.
"Podem pensar o que quiserem," disse a si mesma. "Mas não vou permitir que pensem que estou
morrendo de abatimento ou chorando em cima de uma cama."
Estava linda, com um ar de desafio, usando um vestido que lhe caía perfeitamente e um chapéu de
abas largas, enfeitado de plumas, enquanto se mantinha sentada ao lado do leiloeiro, anotando o lance
de cada lote.
Mostrou-se, na realidade, de todo indiferente diante de cada lote posto à venda, até que as jóias de
sua mãe foram trazidas para a sala.
Então, pela primeira vez, sentiu um aperto no coração.
- Você brilha como uma fada, mamãe - dissera à mãe, quando criança, certa noite em que fora dizer-
lhe boa-noite, antes do jantar.
- Este colar pertenceu à minha tetravó - dissera a mãe, acariciando as esmeraldas que tinha em torno
do pescoço. - Um dia serão suas, minha filha, e irão combinar com a cor de seus olhos.
Olhou, agora, para as esmeraldas, e sentiu-se pesarosa por nunca tê-las usado, mas sabia que seria
ostentação de mau gosto para uma mocinha usar o colar e sempre se orgulhara de ter bom gosto para
vestir.
Muitas vezes, porém, lembrara-se das esmeraldas e, quando retirava do cofre as jóias menores,
pensava que, quando se casasse, usaria o fantástico colar. Deveria fazer um efeito espetacular,
pousado em sua cútis muito clara e combinando com as grandes pedras pendentes das orelhas.
Agora, as lindas pedras verdes seriam vendidas "ao correr do martelo", e imaginava qual das mulheres
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presentes as compraria.
Sabia muito bem que não precisava tê-las colocado em leilão. As jóias lhe pertenciam e, depois da
morte de sua mãe, não permitira que seu pai as vendesse ou empenhasse, como muitas vezes desejara.
- Elas são minhas, papai - dissera, sempre que ele sugerira tal coisa. - Pertenceram à família de
mamãe e nada têm a ver com os Camborne.
- Deixe-me arranjar algum dinheiro com elas - pedira o pai, às vezes. - Dentro em pouco as trarei de
volta.
Lorinda, porém, sempre se recusara, e, se agora as pusera à venda, fora simplesmente por sentir-se
envergonhada do pai tentar fugir ao pagamento de uma dívida de honra.
Quando, afinal, as esmeraldas foram vendidas, sentiu como se uma parte de sua mocidade, com seus
ideais, tivesse desaparecido para sempre. Aquela jóia tinha para ela uma significação muito especial,
embora não a pudesse definir exatamente por meio de palavras, e sentiu um grande alívio, vendo que não
fora comprada por alguém conhecido.
O comprador foi um homem idoso, que parecia um alto funcionário, e que deveria ser um joalheiro, com
intenção de revendê-la.
"Pelo menos, não vou ver nenhuma de minhas conhecidas usando o colar de mamãe", pensou, aflita para
que terminasse o leilão.
Quando terminou, afinal, seu alívio foi, realmente, indizível.
- Um resultado muito satisfatório, na minha opinião, milady - observou o leiloeiro, quando ficaram
sozinhos no salão vazio.
- Quanto alcançou o total das vendas? - perguntou Lorinda.
- Cerca de quarenta e cinco mil libras e, se a senhora aceitar vinte mil libras oferecidas pela casa hoje
de manhã, terá o total de sessenta e cinco mil libras, antes de deduzir a nossa comissão.
- Já lhe dei instruções para fazer o pagamento ao Right Honourable Charles Fox.
- É o que se fará, milady.
Lorinda pegou a capa de viagem e pô-la nos ombros.
- Vai-se embora, milady? - perguntou o leiloeiro.
- Vou sim - respondeu a jovem. Saiu, sem olhar para trás.
A carruagem de viagem a aguardava, diante da porta, entregue a um criado muito jovem, que ela
escolhera porque seu ordenado era inferior ao dos outros.
A carruagem estava repleta de canastras, malas e caixas, e uma coleção variada de terrinas de lata e
utensílios de cozinha, que não valeriam nada, se postas à venda. Lorinda contemplou-os sorrindo e,
subindo à boléia, pegou as rédeas.
Não havia muita gente ainda fora da casa, mas, ao afastar-se de Hanover Square, a jovem tinha certeza
de que, antes do jantar, o beau monde, estaria comentando a aventura final de Lady Camborne.
Em Piccadilly, havia uma multidão de basbaques vendo sua passagem. Todos estavam acostumados às
coloridas librés da criadagem da aristocracia, mas quem já vira uma dama de estirpe com plumas no
chapéu, guiando uma carruagem de viagem, e, ainda mais, com admirável perícia?
Estando descansados, 0s cavalos atravessaram a boa velocidade as ruas movimentadas, e avançaram
ainda mais depressa, quando encontraram a estrada desimpedida.
Quando já não havia espectadores, Lorinda passou as rédeas para o criado.
- Segure estas rédeas por um tempo, Bem – disse – Temos que viajar muito, e preciso ficar mais a
vontade.
O criado obedeceu, e Lorinda tirou o chapéu, que guardou embaixo do banco, e cobriu a cabeça com uma
encharpe, amarrada sob o queixo.
- Uma aventura e tanto, hem, milady? – perguntou com uma caretinha.
- Uma aventura no desconhecido - concordou Lorinda. - E, como não haverá regresso, tratemos de nos
deleitar com ela.
Dizendo estas palavras, olhou para o horizonte azul, que se estendia no rumo do sudoeste.
Sabia que dissera a verdade a Ben: não haveria regresso.
Era o fim de um capítulo de sua vida.
* * *
A viagem foi longa, e Lorinda sentiu-se cansada muito antes de chegarem à Cornualha.
Como não queria trocar os cavalos nas estações de muda, teve de resignar-se a não viajar tão depressa
quanto queria. Tinham de chegar cedo a cada pouso, e deixar os animais descansarem bastante, para
partirem no dia seguinte cedo.
Como precisava economizar, Lorinda não procurou as hospedarias maiores e mais caras, e sim as
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menores e menos confortáveis, onde o seu aparecimento provocava emoção, pois eram raros os
hóspedes de qualidade.
Em sua maior parte, os proprietários faziam questão de agradar, e por mais sem conforto que fosse o
leito e mais grosseira que fosse a roupa de cama, ela conseguia dormir profundamente, e acordar bem des-
cansada na manhã seguinte.
Trocara o melhor vestido, que usara durante o leilão, por um menos bonito e mais prático. Chegou a pensar que
ficaria muito mais à vontade usando vestes masculinas, mas refletiu que, se aparecesse vestida como homem,
iria escandalizar a maioria das pessoas que encontrasse. Manteve, pois, seu aspecto feminil, embora a falta de
um chapéu parecesse surpreender muitos dos donos de hospedaria e suas esposas.
Algumas das estradas eram más, porém, o tempo estava seco, e, pelo menos, as rodas da desajeitada carruagem
não se atolavam na lama, o que constituía uma das maiores dificuldades das viagens no inverno.
Caíam, às vezes, pancadas de chuva, mas Lorinda negava-se a seguir a sugestão de Ben, de que entrasse na
carruagem enquanto ele dirigia. pois sua capa, que tinha um capuz, consistia uma proteção suficiente contra os
elementos naturais,
Em certas ocasiões, fazia muito calor, e as moscas atormentavam os cavalos, de sorte que Lorinda tinha de
parar e descansar durante uma hora, depois da refeição do meio-dia.
A jovem não conversava muito com Ben, e ficava a maior parte do tempo pensando no que teria que enfrentar,
refletindo como seria difícil arranjar as quarenta mil libras que ainda devia a Charles Fox.
Estava certa de que ele não iria exigir, de imediato, o pagamento da dívida, pois era, segundo se dizia, um
homem de bom coração, e ele próprio já estivera às voltas com dívidas de jogo, sabendo que não era fácil
arranjar muito dinheiro de uma hora para a outra. O fato, porém, é que era uma dívida de honra que, custasse o
que custasse, deveria ser saldada.
Quando começaram a atravessar a árida e rochosa charneca de Bodmin, Lorinda teve a impressão de que
entrara em um mundo novo.
Há muitos anos não via o estuário do Fal, e esquecera quanto era belo, e como eram lindas suas flores, em
comparação com outras quaisquer do país.
O clima quente, que parecia, às vezes, semitropical, tornava possível o cultivo de flores e plantas que não
vingavam em qualquer outra parte da Inglaterra. Naquela época do ano, eram mais abundantes e mais coloridas
do que em qualquer outra ocasião.
Deleitada, Lorinda reconheceu limoeiros e laranjeiras, e mesmo uma bananeira. Sob as árvores, a relva
estava coberta de flores, cujos nomes ela ignorava, e orquídeas silvestres, cujos tons cor-de-rosa e
roxo lhe traziam lembranças da infância.
Quando sua mãe era viva, costumavam ficar muito tempo na Cornualha, e somente depois de sua morte
foi que o conde se negara a sair de Londres.
O prior ato fora fechado, a partir de então, havendo apenas um casal que tomava conta, a troco de
uma ninharia, porque se dava por bastante feliz tendo um teto onde se abrigar.
Sabendo perfeitamente que seu pai iria mostrar-se muito exigente, Lorinda deu instruções ao criado
que levara, sobre a maneira com que deveria agir.
Esperava ser bem recebida, pois o conde sabia que, com a sua chegada, a situação dele próprio se
tomaria mais confortável.
Os cavalos alcançaram o alto da colina e, olhando para o vale abaixo, Lorinda, apontando com o chicote,
disse a Ben:
- Lá está o priorato!
Havia um leve tom de orgulho em sua voz, ao ver a beleza da paisagem.
A velha casa fora um priorato ligado ao castelo, que se transformara em ruínas, havia séculos.
Muito branca, no meio da verdura das árvores que a cercavam, parecia desafiar o tempo, majestosa, e,
para além dela, como contraste natural, ficava o mar, de um azul muito vivo.
- É sua casa, milady? - perguntou Ben, surpreso.
- É, sim! - respondeu Lorinda, pensando que o criado ficaria menos impressionado, quando visse a casa
de perto.
O abandono já era evidente quando desceram a encosta, pela estrada cheia de buracos e margeada por
árvores velhas e maltratadas.
O pátio diante da porta de entrada estava coberto de ervas daninhas, e uma parte das grades, outrora
douradas, tinha caído.
Lorinda parou a carruagem diante da porta, sentindo os braços doloridos, por ter dirigido durante tão
longa distância. No íntimo, dava graças a Deus por não terem de ir mais longe.
Desceu do carro, e o criado que acompanhara seu pai apareceu, seguido por um casal de velhos,
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naturalmente os caseiros. Cumprimentou-os e entrou na casa.
O estado da casa era ainda pior do que imaginara. As paredes tinham infiltrações e para os tetos nem valia
a pena olhar. Os móveis não eram envernizados havia anos, evidentemente, e não havia dúvida de que nunca
tinham sido espanados.
Lorinda seguiu adiante, adivinhando que seu pai devia estar ocupando o quarto de que sua mãe sempre
gostara, cujas largas janelas davam para o jardim, e que contava com uma bela lareira de mármore.
De fato, o conde lá estava, sentado em uma poltrona, com uma mesinha de jogo em sua frente. Estava
jogando paciência.
- Aqui estou, papai.
O conde não se levantou, limitando-se a encará-la, e ela percebeu que ele andara bebendo.
- Como você, cheguei sã e salva acrescentou Lorinda. – E, uma vez que se mostra tão interessado em saber,
posso informar que a viagem foi relativamente confortável e tranqüila!
- Trouxe algum dinheiro? - perguntou O conde.
- Todo o dinheiro apurado no leilão foi remetido, como o senhor devia saber, a Mr. Charles Fox.
- Todo o dinheiro?
- Naturalmente.
- Mas que absurdo! - observou o conde. - Como é que você acha que nós vamos viver?
- Realmente, não pensei nisso - replicou Lorinda, friamente. - Tenho algumas libras para as nossas
necessidades imediatas, e espero que se possa colher no quintal alguma coisa para a gente comer.
- Se está disposta a comer erva daninha ...
Lorinda chegou à janela e contemplou a selva em que o belo jardim e o quintal se haviam transformado. Os
gramados, que antes pareciam um manto de veludo, tinham virado um matagal; as flores e arbustos mais
pareciam uma floresta tropical, numa confusão de folhas e de cores sem qualquer ordem ou disposição.
No entanto, o Sol brilhava, e ela não deixava de ter a sensação de haver voltado para casa.
Saiu para o ar livre, como se esperasse ouvir a voz da mãe chamando-a. Depois, como se não quisesse
relembrar o passado, voltou para o quarto onde seu pai se encontrava.
- Vou examinar a casa - disse - e gostaria de jantar cedo. Estou morrendo de fome. Desde manhã
cedinho que não como nada.
- A comida é horrível! - disse o conde. - Não há ninguém na casa que saiba cozinhar.
Lorinda não esperou que ele acabasse de falar. Começou a examinar a casa, que ainda estava pior do que
esperava.
- Espero que seja tragável - disse o conde, no jantar, servindo-se de uma travessa oferecida pela velha
caseira.
- Eu é que fiz quase tudo - disse Lorinda. - Amanhã, vou dar algumas lições à Sr.a
Dogman, para que a
gente, pelo menos, não passe fome.
- Sem dúvida, está melhor do que o que andei comendo estes últimos dias replicou o conde, com a boca
cheia.
- O senhor não tentou matar alguns coelhos? - perguntou Lorinda. - Vi muitos no parque.
- Ainda não encontrei uma espingarda - informou o pai.
- O que andou fazendo, meu pai?
- Estive na aldeia.
- Sem dúvida, para visitar o "Penryn Arms" - observou Lorinda.
- Aonde mais poderia ir? - disse o conde. - Não encontrei nada para beber nesta casa.
E explicou, muito calmo:
- Lá, pelo menos, há um excelente conhaque!
Como Lorinda mostrasse surpresa, ele esclareceu:
- Vem da França. De onde poderia ser? - Quer dizer que é contrabando?
- Sempre foi. Na Cornualha sempre foi assim.
Lorinda ficou em silêncio, e o conde acrescentou, depois de refletir um pouco:
- Nós mesmos podíamos tentar fazer um pouco de contrabando! Dizem que os contrabandistas ganham
fortunas, algumas vezes multiplicam o investimento inicial cinco vezes!
- É verdade? - perguntou Lorinda. Lembrou-se de que os aldeães sempre viviam empenhados no
contrabando ou preocupados com ele. Ouvira falar que os lucros compensavam o risco, mas não a tal
ponto.
- O contrabando pelo menos tornaria menos monótona a vida neste buraco - observou o conde.
Falava agressivamente e, não querendo discussões, Lorinda perguntou:
- Devem ter ficado surpresos de vê-lo na aldeia. Houve muitas mudanças, depois que estivemos aqui pela
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última vez?
- Nenhuma, que eu saiba - respondeu seu pai. - A não ser que muita gente morreu, e o resto já deveria
ter morrido.
Lorinda deu uma risada.
_ Anime-se, papai. Aqui pode não ser Carlton House ou o White's, mas é a nossa casa, e, como temos de
morar aqui, devemos tirar o máximo proveito dela.
- Não há proveito nenhum que se possa tirar do nada - resmungou o conde. - Não estou recordando
muito bem, mas, antigamente, tínhamos vizinhos - observou Lorinda.
- Se existem, não os conheço ainda.
- Não devem saber que o senhor está aqui. Procure lembrar-se de seus nomes.
O conde encolheu os ombros, como se não estivesse interessado, mas depois disse, como que relutando
em transmitir a informação:
- Há uma novidade.
- O que é? - perguntou Lorinda.
- Algum maluco, pois só pode ser maluco, está restaurando o Castelo de Penryn.
- Não acredito! - exclamou a moça.
- É algum dos Penryn?
- Não. Ouvi falar que ele se chama Hayle, Durstan Hayle, e que veio da Índia.
- Deve ser muito rico para poder restaurar o castelo - observou Lorinda. - Lembro-me de que ele já
estava mais estragado do que esta casa.
- Na aldeia, dizem que ele está nadando em dinheiro. Será que joga cartas?
- O que é isso, papai? - advertiu a jovem. - O senhor sabe muito bem que não poderá jogar, enquanto não
pagar a dívida.
- E como é que vamos pagá-la? perguntou o conde. - O único meio de ganhar dinheiro que conheço, é o
jogo.
- O senhor não pode jogar, se não tem dinheiro para apostar - lembrou Lorinda, como se estivesse
ralhando com uma criança.
- Se esse indiano quiser jogar, posso perfeitamente jogar com ele - replicou o conde. - Posso ganhar
muito dinheiro dele.
Lorinda conteve a respiração. "Não adianta discutir", pensou.
Não conseguiria fazer com que seu pai compreendesse quanto era censurável, e mesmo desonroso,
querer jogar sem pagar o dinheiro que devia.
- Estou com vontade de ver o Castelo de Penryn - disse, em voz alta. - O que foi que o senhor ficou
sabendo a respeito de Mr. Hayle?
- Apenas que ele é muito rico.
- Por que será que está interessado no castelo? Quase todos os homens que ganham dinheiro no Oriente
querem ficar em Londres ou lá por perto.
- Imagino só a confusão que ele vai fazer - disse o conde, sombriamente. Lembro-me de que, quando eu
era menino, o castelo era um dos lugares onde se realizavam as melhores festas de toda a região!
Ficou pensativo por um instante, depois continuou:
- Costumavam oferecer bailes no inverno, recepções ao ar livre no verão, e o velho Lorde Penryn recebia
com uma hospitalidade que já não se vê hoje em dia.
Parecia muito animado, e, para estimulá-lo, Lorinda disse:
- O senhor deve ter se divertido muito naquele tempo, papai.
- Vou dizer-lhe uma coisa: tínhamos cavalos excelentes! - observou o conde. E, quando Penryn herdou o
título, eu e ele costumávamos organizar caçadas a cavalo e corridas de obstáculos. Eram divertidís-
simas, embora diversos corredores acabassem caindo do animal.
Deu um suspiro, exasperado.
- Não creio que esse tal sujeito saiba distinguir uma extremidade da outra de um cavalo. Deve estar
acostumado a montar elefantes!
Estava visivelmente irritado, evidentemente porque Mr. Hayle era rico, ao passo que ele estava
arruinado.
O conde era muito mesquinho, às vezes, e Lorinda fez votos para que ele não começasse a implicar com
o novo vizinho, antes mesmo de conhecê-lo.
A não ser que o condado tivesse mudado muito, depois de sua infância, Lorinda sabia que os vizinhos
eram poucos e muito espalhados, e, fosse quem fosse o recém vindo, seria aconselhável manter boas
relações com ele.
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"Talvez seja resultante da idade de papai", pensou. "Mas espero que não vire beberrão, pois não
podemos gastar muito dinheiro com vinhos!"
Terminado o jantar, voltou com o pai para a sala de estar, e começou a imaginar como conseguiria tornar
apresentável pelo menos aquele aposento.
Não era aconselhável reabrir muitos dos cômodos, tendo apenas o casal de velhos para limpá-los. O mais
sensato seria misturar os melhores móveis, os sofás e cadeiras ainda confortáveis, e fechar o resto da
casa.
Como se adivinhasse o que ela estava pensando, seu pai exclamou, de súbito, com violência:
- Não posso agüentar isto aqui, Lorinda! Não posso ficar aqui encarcerado, a léguas de distância de
qualquer pessoa com quem se possa conversar, e vendo apenas uns roceiros em cuja companhia se possa
tomar alguns goles.
Sua voz denotava tanto desgosto, que, pela primeira vez, Lorinda teve pena dele.
- Não posso fazer coisa alguma, papai - replicou. - Temos de ficar aqui, a não ser que consigamos vender
a casa e as terras. Encarreguei os corretores de procurar compradores, antes de sair de Londres, mas
não é preciso dizer que eles não se mostraram muito otimistas.
O conde não fez comentários, e Lorinda prosseguiu, um momento depois:
- Logo que tiver tempo, irei a Falmouth, para conversar com os corretores imobiliários de lá, e talvez
possamos colocar um anúncio no jornal local.
Esperava um acesso de fúria do pai, por não aceitar a idéia, como ocorrera em Londres. Em vez disso,
porém, ele disse, apático:
- Faça o que quiser! Só posso dizer que, se tiver de suportar isto aqui por muito tempo, vou mesmo
meter uma bala na cabeça!
Sentou-se na poltrona, ao mesmo tempo em que dava um murro na mesa, fazendo voar para .todos os
lados as cartas com que estivera jogando paciência.
Como se tivesse perdido os últimos resquícios de autodomínio, o conde começou a praguejar,
violentamente, e, por vezes, de maneira obscena.
Lorinda não se dispôs a escutar e saiu pela porta envidraçada indo para o jardim.
O Sol estava desaparecendo em um esplendor de beleza, tingindo o céu de vermelho e dourado.
A moça ouviu o silvo estridente de um morcego e viu suas asas pontudas desenhadas contra o céu.
Afastou-se da casa, até já não ouvir a voz de seu pai e, então, respirou fundo.
- Não me deixarei derrotar! - disse alto, mas a voz se perdeu entre os espessos galhos das árvores.
CAPíTULO III
Estava escuro no bosque, e apenas um pálido clarão do céu estrelado se filtrava através dos ramos das
árvores.
Lorinda, porém, achava ter encontrado o caminho, seguindo, cegamente, o trilho sinuoso que, partindo
do priorato e atravessando o bosque, chegava até o mar.
Tropeçou e ouviu o tilintar das moedas no bolso do casaco. Pensou com satisfação que, se seu pai
tivesse razão, poderia aumentá-las cem vezes, antes de recebê-las de volta.
Fora uma aventura desesperada pela qual se decidira, mas sentia que era uma solução que lhe fora
imposta, porque, de fato, não haveria outra, de que pudesse viver.
O dinheiro que trouxera de Londres não iria durar muito tempo, e ela sabia que, muito em breve, teria
de contar apenas com o que pudesse ser cultivado no quintal ou caçado nos campos. Não haveria,
evidentemente, dinheiro para a bebida que seu pai não podia dispensar, e não havia a menor dúvida de
que ele já fizera uma dívida considerável na "Penryn Arms".
Durante a viagem, ficara sabendo que havia pagamentos por parte dos arrendatários da terra que
viviam na fazenda. Imaginara que deveria haver dívidas bastante consideráveis a serem recebidas;
muito embora tivesse de reconhecer que se tratava de uma esperança muito precária.
Os arrendatários estavam, sem dúvida, com os pagamentos atrasados, mas quando os visitou, Lorinda
não teve coragem de cobrar-lhes o que deviam.
Com efeito, eles logo reclamaram uma série de reparos que deviam ser feitos por conta do
proprietário, e não precisavam dizer-lhe, pois ela via com os próprios olhos o estado lamentável dos
telhados das casas e celeiros.
Não haveria, portanto, pagamento por parte dos arrendatários. Como viveriam, então, ela e seu pai?
Lorinda sempre se mostrara disposta a assumir qualquer ação corajosa, ou mesmo escandalosa, e os
contrabandistas estavam em condições de oferecer ambas as coisas.
Ela conseguira esconder o dinheiro do pai, cuidadosamente, mas tirou vinte guinéus de ouro do
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decrescente montante, e, por meio de informações discretamente colhidas, ficou sabendo onde os
contrabandistas desembarcavam, quando regressavam de sua longa viagem à costa francesa.
Logo que lhe disseram que era na enseada de Keverne, lembrou-se muito bem do local: um discreto
braço de mar, entre altos rochedos, perto do qual, muitas vezes, fizera piqueniques em companhia de
sua mãe ou da babá.
Enquanto Lorinda caminhava, o céu começou a clarear e as estrelas a se apagarem. A aurora já se
avizinhava, e, naturalmente, os contrabandistas iriam aproximar-se do litoral, protegidos pela
escuridão, para evitar a guarda costeira, e deveriam desembarcar na enseada aos primeiros alvores da
madrugada, uma vez que também não poderiam desembarcar no escuro.
A jovem lady avançou, imaginando se algum dos homens se lembraria dela. Tinha certeza, porém, que,
logo que dissesse quem era, eles se mostrariam inteiramente dispostos a receber seu dinheiro, a fim
de comprar com ele o conhaque, tabaco, rendas e sedas, que alcançavam preços tão elevados nos
mercados ingleses.
O contrabando estava entranhado no sangue dos habitantes da Cornualha, que o praticavam não
apenas visando o lucro, como também pelas emoções que trazia, e que estava bem de acordo com sua
natureza aventurosa.
Lorinda percebia, agora, o arrastar de pequenos animais contra o solo, o ruflar de asas que deixavam
as árvores... Um pouco adiante, pôde ouvir o barulho das ondas quebrando-se de encontro aos
rochedos, misturado com o canto das aves que despertavam.
Lorinda movimentava-se com facilidade, pois não era dificultada por nenhuma saia. Sempre preferira
as vestes masculinas, e encontrara, nas canastras guardadas no sótão do priorato, muitas roupas que
seu pai usara quando rapaz.
As saias rodadas eram pouco práticas, ao passo que os calções, que se ajustavam perfeitamente ao
seu corpo, eram o de que necessitava em uma aventura como aquela.
Encontrou um casaco para cobrir a fina camisa, e, embora velho e estragado, serviu-lhe muito bem.
Refletindo que seria conveniente que parecesse, realmente, um rapaz, até que os contrabandistas
ficassem sabendo quem ela era, escondeu os cabelos ruivos sob um gorro de veludo preto, que devia
ter sido usado por um dos batedores de seu avô.
Olhou-se no espelho, antes de sair do quarto, e achou que, realmente, seu aspecto estava bem:
masculino e que somente olhada mais de perto a beleza de seu rosto a trairia.
Agora, à medida que o barulho das ondas ia se tornando mais forte, as árvores rareavam, e ela
avistou, à esquerda, o recortado contorno dos rochedos.
O terreno começou a descer na direção da enseada, mas Lorinda se manteve escondida pelas árvores,
refletindo que, quando os contrabandistas chegassem, poderiam se assustar, se encontrassem alguém
à sua espera.
Havia a possibilidade de que, pela suspeita de ser um espião ou um guarda aduaneiro, ela recebesse
uma bala no corpo, antes que pudesse explicar sua missão.
O mato tornou-se mais espesso na encosta, mas Lorinda pôde ver a enseada perfeitamente. O braço
de mar, estendendo-se terra adentro, entre rochedos elevados, constituía um esconderijo ideal para
um barco de contrabandistas, não podendo ser visto do; mar.
De onde estava, porém, foi fácil para a moça verificar que a enseada estava vazia, e que, portanto, os
contrabandistas ainda não haviam chegado.
Enfiando a mão no bolso, a fim de certificar-se de que a bolsa de ouro ainda continuava lá, encostou-se
ao tronco de uma árvore, para esperar.
As estrelas já haviam quase se apagado, e a primeira claridade da aurora imprimia a tudo uma beleza
etérea, quase indescritível.
De súbito, sentindo o coração bater com mais força, Lorinda viu o ponto negro no mar aproximar-se
cada vez mais, até que penetrou na enseada e avançou até perto de onde ela estava observando.
O barco era comprido e estreito, e tinha vinte remadores. Lorinda podia distinguir perfeitamente suas
cabeças, desenhadas contra o céu cinzento, mas seus rostos ainda estavam envoltos pela escuridão, e
todos eles guardavam um silêncio profundo, movendo os remos sem fazer o menor barulho.
Dois homens, que vinham à proa, pularam na água, a fim de puxar o barco para uma praia pedregosa.
Lorinda notou que a popa da embarcação estava repleta de mercadorias'. Nesse momento, um
movimento em terra atraiu-lhe a atenção e, olhando por cima das árvores do bosque, ela pôde ver um
certo número de potrinhos, conduzidos por meninotes, que se encaminhavam para a enseada.
Como todos os homens já haviam desembarcado, Lorinda achou que chegara o momento de procurá-los.
Deu alguns passos para a frente, depois escancarou a boca, para dar um grito de horror, que foi,
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porém, abafado, antes de escapar.
A mão de alguém tampara-lhe a boca, e um braço duro como aço cingia-lhe o corpo.
Não vira ninguém aproximar-se, e a surpresa petrificou-a de assombro, durante um momento.
Depois, começou a lutar. Lutou, dando pontapés e contorcendo-se, inutilmente, pois o braço que a
apertava era tão forte, que ela mal conseguia respirar e a mão que lhe cobria a boca era brutal.
Continuou a lutar, silenciosa e desesperadamente, tanto mais amedrontada quanto não podia ver seu
captor. Sabia apenas que ele ali estava e que não adiantava querer escapar de seu domínio.
Com a luta, o gorro lhe caiu da cabeça e seus cabelos ruivos tombaram em cascata até os ombros.
Pela primeira vez, o atacante emitiu um som e deu uma gargalhada, que causou a Lorinda mais pavor do
que se tivesse sido uma ameaça.
Sentiu-se, de súbito, exausta com o esforço que fizera para desvencilhar-se. Lutara
desesperadamente, mas sem qualquer resultado. Quase sem poder respirar, sentiu o corpo desfalecer
sobre o do homem, que disse, em voz baixa:
- Esta espécie de trabalho não lhe serve. Volte para casa!
Lorinda ficou furiosa com o tom autoritário de sua voz.
Recomeçou a lutar, embora soubesse que era de todo inútil.
O homem carregou-a nos braços, e não ficou afetado com os pontapés que lhe tentou acertar. Levou-a
de volta pelo caminho por onde ela viera e, quando atingiu a parte mais fechada do bosque, onde a luz
do Sol não penetrara ainda, pô-la de pé no chão.
- Volte para casa! - ordenou. - E guarde seu dinheiro para algum melhor empreendimento.
Tirou a mão da boca de Lorinda enquanto falava, e a moça percebeu, então, quanto ele a machucara.
Embora estivesse bem escuro, quis virar-se e enfrentá-lo.
As mãos do homem, porém, aferraram-se em seus ombros, empurrando-a para a frente e, como não
houvesse outra alternativa no momento, a moça seguiu pelo caminho que ele queria.
Caminhou, assim, algumas jardas. Depois, sentindo-se furiosa, ao lembrar-se que estava obedecendo às
ordens de um estranho, e com a brutalidade com que fora tratada, virou as costas.
Estava escuro dentro do bosque, e era quase impossível distinguir 'sequer o contorno das árvores.
Lorinda olhou, pensando que o homem deveria ter ficado parado, depois que a empurrara, mas nada viu.
Não havia sinal do desconhecido, nem se ouvia o menor ruído.
Lorinda parou indecisa, sem saber se o desafiaria e voltaria a procurar os contrabandistas.
Refletiu, depois, que talvez o homem fizesse parte do bando. Quem mais poderia adivinhar que ela
trouxera dinheiro consigo? Dinheiro que ela queria que os próprios contrabandistas aplicassem em sua
próxima viagem à França.
Ficou parada, durante alguns minutos, sem saber o que deveria fazer.
O homem machucara-lhe muito a boca e o queixo, e o aperto de seu braço talvez lhe tivesse até
quebrado alguma costela. Em uma competição de força, ela não teria oportunidade, e, portanto, teria
de aceitar o inevitável.
Sentia-se sufocar, com aquela raiva que não podia dominar, pois, pela primeira vez na vida, fora
derrotada e impedida de fazer o que tencionava.
O pior era saber que, não apenas seu atacante era um estranho, como nem sequer fazia a menor idéia
de como era ele.
* * *
Lorinda saiu da cocheira com as faces em brasa e um sorriso nos lábios.
Acabara de voltar ao priorato, depois de passar a manhã amansando um potro bravo, para um dos seus
arrendatários.
O homem lhe dissera que comprara o animal na feira de cavalos, que se realizara em Falmouth, na
semana anterior, e que somente quando o trouxera para a casa constatara que era inteiramente
selvagem.
- Comprei-o muito barato, milady, mas estou vendo que joguei fora meu dinheiro - lamentou-se o
homem.
- Eu o amanso para o senhor - prometeu Lorinda, com os olhos brilhando.
- Eu lhe ficaria muito grato, milady. Mas acho muito perigoso.
- Não vai me acontecer nada - afirmou Lorinda, confiante.
Foi uma luta que durou duas horas, mas da qual não havia dúvida de que Lorinda saíra vitoriosa.
Ainda haveria muita coisa a fazer, mas o potro já estava começando a reconhecer a superioridade da
domadora, e não levaria muito tempo para obedecer às suas ordens.
Quando Chegou em casa, notou que lá estava um faéton elegantíssimo, puxado por uma parelha de
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cavalos castanhos, que a fizeram ficar boquiaberta de admiração. Junto dos cavalos, estava um
palafreneiro, e Lorinda deduziu que o dono da carruagem devia estar no interior, com seu pai.
Apressou os passos, ao atravessar o vestíbulo, imaginando quem poderia ser.
Nem lhe passou pela cabeça a idéia de que deveria trocar os calções de montar que usava, e que tinham
sido de seu pai, e tirar as botas com esporas de prata.
Como o dia estava quente, o busto estava coberto apenas por uma camisa de homem, com um lenço de
seda amarrado em torno do pescoço.
Estava vestida bem a propósito, para amansar um potro fogoso, embora tivesse notado que o
arrendatário a olhara muito espantado, levando-a a pensar que, mais cedo ou mais tarde, aquela gente
teria que se acostumar com sua aparência.
Teria sido impossível para ela fazer a façanha daquela manhã metida em uma amazona, que as mulheres
usavam para andar a cavalo, ou sentada em um silhão, em vez de estar montada em uma sela.
Os cabelos tinham sido penteados formando na nuca um coque que se desfizera durante a luta com o
cavalo, caindo soltos pelos ombros.
Sem pensar, contudo, em sua aparência, Lorinda abriu a porta da sala de estar.
Como esperava, seu pai não estava só, e os dois homens achavam-se de pé junto à janela, conversando.
Viraram-se, quando Lorinda entrou, e a moça viu que o visitante era um homem alto, de ombros largos
e, embora não compreendesse bem por que, achou-o diferente de todos os outros homens que
conhecera até então.
Não era exatamente bonito, mas tinha um rosto extremamente simpático e, por baixo das
sobrancelhas fortemente acentuadas, os olhos escuros eram vivos e observadores.
Encarou a jovem de um modo que ela achou que refletia mais impertinência do que admiração e, quando
ela se aproximou, havia algo de sarcástico no leve sorriso que lhe entreabriu os lábios finos, que a
levou a irritar-se.
- Ah! É você, Lorinda?! - exclamou o conde. - Estivemos ontem conversando a respeito de Mr. Dustan
Hayle, e ei-lo em pessoa!
Lorinda estendeu a mão.
- Muito prazer!
O visitante apertou-lhe a mão com força e, pela primeira vez, ela pensou que deveria ter mudado a
roupa e posto um vestido. Naturalmente, Mr. Hayle esperava que ela fizesse uma cortesia, o que seria
inconcebível com aqueles calções de montaria.
- Estive amansando um potro para o nosso arrendatário Trevin - disse ela, quase que aborrecida consigo
mesma, por ter achado necessária uma explicação..
Instintivamente, levantou a cabeça, e seus olhos tinham uma expressão de desafio, quando encontraram
os de Mr. Hayle.
Algo, evidentemente, o divertiu, antes que ele afastasse os olhos, para dirigir-se ao conde.
- Tenho que me retirar, milorde, para que reflita sobre a proposta que lhe fiz. Desejaria saber a
resposta hoje à noite, ou, no mais tardar, amanhã cedo.
- Que proposta? - perguntou Lorinda.
- Seu pai lhe dirá, depois que eu me tiver retirado - respondeu Durstan Hayle.
Essa resposta enfureceu Lorinda, embora, afinal de contas, ela soubesse muito bem que seu pai não
decidiria coisa alguma, sem consultá-la.
- Gostaria de saber do que se trata - insistiu.
Mr. Hayle encarou-a, e, mais uma vez, ela sentiu que havia algo de impertinente na maneira com que a
olhava, incontestavelmente crítica.
Estendeu a mão ao conde.
- Estou muito interessado em saber a sua decisão, milorde - falou, saindo da sala sem sequer olhar para
Lorinda.
Esta olhou-o, atônita.
Não era aquela, sem dúvida, a maneira com que os homens habitualmente a tratavam, e ela sentiu-se
ainda mais irritada ao admitir que o visitante possuía uma distinção que ela não esperava encontrar no
campo.
Sua roupa era bem-feita e estava no rigor da moda, mas ele a usava com uma displicência que lhe era
intrínseca, e que mostrava quanto tinha confiança em si mesmo e que pouco-caso fazia da opinião alheia.
Lorinda não refletiu muito em como já sabia tanto a seu respeito. Era um conhecimento instintivo, e mal
a porta se fechou, deixando-a sozinha em companhia do pai, virou-se para este, com uma voz inespera-
damente áspera:
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- O que foi que ele lhe propôs, papai? Para sua surpresa, o conde atravessou a sala e foi sentar-se na
poltrona de costume, antes de responder.
Parecia incapaz de encontrar as palavras convenientes, e Lorinda fitou-o, apreensiva.
- E então? - perguntou. - Evidentemente, é alguma coisa fora do comum, senão ele não faria tanto
segredo.
Falou com desdém, e o pai parecia sem coragem de encará-la. Lorinda, aproximando-se dele, insistiu,
decidida:
- Diga-me o que é, papai. Vou ter de saber, mais cedo ou mais tarde.
- Hayle propôs comprar o priorato e todas as terras!
Os olhos de Lorinda brilharam.
- Isso seria a solução de todos os nossos problemas! Quanto foi que ele ofereceu?
- Oitenta mil libras!
- Oitenta mil libras? - repetiu Lorinda, estarrecida. - Ele deve estar doido! Não vale a metade!
- Ele me disse que, com quarenta mil libras, pagaria a dívida para com Charles Fox, e sobrariam
quarenta mil para mim mesmo. Você tem de concordar que foi uma oferta generosa.
- É claro que é generosa! Aquele homem deve ser doido varrido, ou então tem algum outro motivo para
andar jogando dinheiro fora. Naturalmente, o senhor aceitou, não é mesmo?
- Achei que deveria primeiro conversar com você.
- Devia estar cansado de saber que eu não iria discordar - disse a moça. - É muito mais do que
esperávamos. O senhor ficaria livre da dívida e, se soubéssemos gastar com moderação, poderíamos
viver perfeitamente com quarenta mil libras.
- Hayle sugeriu que eu fosse para a Irlanda - disse o conde. - Naturalmente, eu nada disse, mas parece
que ele sabe que não desejo voltar para Londres, por enquanto.
- Como foi que ele soube disso? - perguntou Lorinda.
O conde encolheu os ombros.
- Não faço a menor idéia e, evidentemente, não toquei no assunto com ele.
- Realmente, o senhor não pode voltar, nem mesmo depois que a dívida for paga, e a Irlanda é, sem
dúvida, uma boa alternativa - concordou Lorinda. - Não há lugar melhor para caçadas. Eu vou gostar
muito.
Houve um pequeno silêncio, depois o conde observou:
- Você não iria comigo.
- Não iria com o senhor? - replicou Lorinda. - O que está querendo dizer?
- Há uma condição para ultimar a transação.
Era, evidentemente, algo constrangedor, e Lorinda olhou, perplexa, para o pai, antes de perguntar:
- Qual é a condição?
- Que você se case com ele!
Lorinda arregalou os olhos.
Durante um momento, ficou de todo sem voz, depois conseguiu articular:
- O senhor está brincando, papai?
- Não. Foi a oferta de Hayle: que ele compraria o priorato e as terras e, como não há outro Camborne
para manter a tradição, ele se casaria com você, para que você ficasse proprietária em parte.
- Ele deve estar doido! - exclamou Lorinda. - Nunca ouvi falar de uma coisa tão insensata em minha vida!
Estendeu o braço, para se apoiar na lareira, como se estivesse precisando de apoio, e acrescentou:
- Presumo que o senhor tenha discutido com ele, papai. Disse-lhe que estamos dispostos a vender-lhe a
casa e as terras por menos, se ele não incluir a condição?
- Ele deixou bem claro que só a compraria se você se tornasse sua esposa disse o conde.
- Não podia estar falando sério! Não me conhecia até hoje, e, se já me tinha visto antes de conhecer-
me pessoalmente, hoje não deu a menor demonstração de estar apaixonado por mim.
Isso, aliás, pensou, não era muito surpreendente, em vista da maneira como se achava vestida. Mas, se
ele ficara chocado, tanto melhor. Iria desistir de sua idéia ridícula.
Na verdade, poderia comprar o priorato e as terras por trinta mil libras. Lorinda, aliás, não esperava
nem isso.
Por outro lado, casar-se com aquele estranho, um homem a respeito do qual nada sabia, era uma
proposta absurda demais para ser sequer cogitada.
- Tenho de conversar com ele! - exclamou.
Seu pai remexeu-se, inquieto.
- Hayle deixou bem claro que só queria entender-se comigo. Acho que ele não gosta de mulheres que se
22
metem em negócios.
- Então, vai ficar sabendo que está enganado.
- Ele faz questão de que a resposta seja dada hoje à noite ou amanhã cedo. Acho que pretende sair do
castelo amanhã à tarde.
- Está impondo condições, que, como o senhor sabe muito bem, papai, são inaceitáveis!
O conde levantou-se da cadeira.
- Com todos os diabos, Lorinda! Não pode exigir uma coisa dessas! Você sabe muito bem que não vamos
receber oferta melhor. Qual seria a outra pessoa capaz de oferecer oitenta mil libras por uma casa ar-
ruinada e umas terras que necessitam o emprego de muito dinheiro para serem aproveitadas?
Lorinda sabia que era verdade.
- Além disso, assim eu poderia ir-me embora - disse o conde. - Não agüentarei isto aqui por muito mais
tempo! Na verdade, Lorinda, juro que se você não aceitar essa proposta, eu me suicidarei, como pre-
tendia fazer, quando você se intrometeu.
Caminhou até a janela.
- Execro o campo sem dinheiro! Sem cavalos, sem uma casa aonde possa receber convidados, sem poder
caçar! Eu poderia ter tudo isso na Irlanda, e jogar com gente de minha classe.
- E para que possa fazer isso tudo, espera que eu me sacrifique? - retrucou Lorinda, asperamente.
- Você terá que casar-se algum dia disse o conde. - Já recusou muitos pretendentes. Por que diabo iria
recusar um marido rico, quando tem oportunidade?
Lorinda respirou fundo. Não tinha resposta.
- Se eu tivesse cumprido meu dever de pai, já a teria obrigado a casar-se, há muito tempo - prosseguiu
o conde. - Afinal de contas, o que é que você está esperando? Que o anjo Gabriel desça do céu? Que o
Xá da Pérsia lhe ofereça seu trono? Você não passa de uma mulher e, como toda mulher, precisa de um
lar e de um marido para dirigi-la.
- E acha que Mr. Hayle está capacitado para isso? - perguntou Lorinda, com desdém.
Mal dissera estas palavras, lembrou-se da dureza dos olhos do seu vizinho e do seu sorriso sarcástico.
- Não me casarei com ele! - disse. Não vou me sacrificar para que o senhor goze a vida!
Houve um silêncio, depois o conde fechou a cara.
- Você irá casar-se com ele! - exclamou. - Desta vez, não vai me desafiar, Lorinda, e não estou disposto
a ouvir mais seus argumentos.
Lorinda fez menção de falar, mas seu pai não lhe deu oportunidade.
- Vou aceitar a proposta de Hayle, e o casamento se realizará quando for da conveniência dele. Você
fala demais acerca de honra da família. Pois muito bem. Quando eu estiver com o dinheiro bem seguro
no bolso, você poderá fazer o que lhe der na telha, para cumprir a sua parte do contrato.
Mal acabara de falar, o conde virou as costas e afastou-se.
- O senhor não pode fazer isto, papai! - protestou Lorinda.
Ele não respondeu, limitando-se a sair da sala, batendo a porta com força. A jovem sentou-se, com o
rosto entre as mãos.
- Não vou me casar com ele! Não vou! - disse, e repetiu várias vezes, durante o resto da tarde.
Quando viu um dos criados esperando junto à porta de entrada, cerca das cinco horas, entendeu o
motivo.
- Correndo à sala, encontrou o pai fechando uma carta que acabara de escrever e percebeu que ele
estava inteiramente bêbado.
- Aceitei a proposta de Hayle! - anunciou ele, com a voz pastosa. - Você não poderá fazer mais coisa
alguma!
Lorinda encarou-o e, vendo o seu estado, percebeu que seria inútil qualquer discussão. Era duvidoso que,
logo depois, ele se recordasse de qualquer coisa que fora dita.
Tomou uma resolução.
Dê- me esta carta - disse.
- Se você rasgá-la, escreverei outra.
- Não tenho intenção de rasgá-la - replicou Lorinda. - Eu mesmo a entregarei a Mr. Hayle.
Estendeu o braço, e o conde, embora relutante, entregou-lhe a carta.
- Se você me impedir de receber aquele dinheiro para ir para a Irlanda, juro que a estrangularei! -
ameaçou o conde. Era isto que eu deveria ter feito, quando você nasceu!
- O senhor queria um filho, e eu o decepcionei - replicou Lorinda. - É tarde demais para fazer qualquer
coisa, mas não é tarde demais para eu dizer a Mr. Hayle o que penso dele.
E saiu da sala, sem esperar pela resposta do pai.
23
Antes do chá, trocara a roupa de montar por um vestido muito bem-feito, de saia rodada, e com um
fichu branco. Não estava disposta a trocar de roupa de novo. Mandou o palafreneiro arrear o cavalo
com um silhão, e disse-lhe que seus serviços estavam dispensados.
Não se preocupava com o que vestia para andar a cavalo e, sem chapéu ou luvas, levando apenas um
chicotinho, partiu na direção do Castelo de Penryn.
A distância entre o castelo e o priorato era apenas de duas milhas, atalhando pelos campos, embora
fosse muito mais longe pela estrada.
O calor do dia desaparecera, e as sombras se faziam maiores sobre a relva coberta de flores. Se não
estivesse tão preocupada, Lorinda teria apreciado a beleza da paisagem, mas sentia-se apreensiva de
uma maneira que nunca experimentara até então.
Tinha a angustiante impressão de que iria ser arrastada por uma onda e que coisa alguma a poderia
salvar. Era uma ironia do destino que, depois de ter recusado, durante dois anos, todos os
pretendentes que de joelhos lhe ofereciam o coração, tivesse sido apanhada por uma armadilha. Estava
ameaçada de ser levada ao altar à força, quando todos os instintos de seu corpo se revoltavam contra
isso.
"Poderá haver alguma coisa mais incrivelmente absurda?", perguntava a si mesma.
Procurava acreditar, como pensara a princípio, que se tratava de uma brincadeira, mas Durstan Hayle
parecia realmente disposto a levar a sério tudo que fazia.
"Não o suporto e acho insuportável a idéia de me casar com ele!", pensou.
Muito antes de se aproximar do castelo, divisou-o à distância.
Fora construído em uma colina, nos dias em que era sempre conveniente ver a aproximação dos
inimigos, e já existia há séculos. A construção original tinha sido uma fortificação relativamente
pequena, que fora, porém, sendo ampliada, através dos séculos. Embora houvesse sido conservada a
grande fortaleza de pedra original, a casa era elisabetana, com acréscimos posteriores nos estilos da
Rainha Ana e georgiano.
Depois que Lorinda nascera, porém, nenhum Penryn residira no castelo. Seus enormes aposentos
vazios, com os tetos ameaçando cair, e as escadas em caracol, que pareciam ter sido construídas
apenas para serem usadas por fantasmas, tinham constituído a alegria e o deleite de sua infância.
Lorinda lembrava-se de perseguir os companheiros de brinquedo de sala em sala, brincando de
esconder, e gritando, para ouvir o eco repetir-lhe a voz, no enorme prédio vazio.
Agora, ao aproximar-se, viu que as janelas tinham sido envidraçadas de novo e os jardins restaurados.
Os gramados tinham sido aparados e, embora a tarde já estivesse muito avançada, ainda havia um bom nú-
mero de homens trabalhando nos canteiros.
"O dinheiro pode comprar tudo!", pensou Lorinda, desdenhosamente, lembrando-se, com pesar, do
abandonado jardim do priorato, que fora outrora o orgulho de sua mãe.
Aproximando-se da enorme porta de entrada com suas guarnições de bronze, um criado correu a segurar
seu cavalo, enquanto ela apeava e subia a escada.
À porta que se abriu, a jovem viu o mordomo que a esperava, ladeado por vários lacaios de libré.
- Quero falar com Mr. Durstan Hayle - disse, com voz clara e imperiosa.
- Pois não, milady - disse o mordomo. - Pode dizer-me o seu nome?
- Lady Lorinda Camborne - respondeu a moça, notando, pela expressão de seu rosto, que o mordomo a
conhecia de nome e devia ser, portanto, da Cornualha.
Levou-a, caminhando com certa pose, através do vestíbulo, que havia sido restaurado de um modo que
despertou a admiração de Lorinda. Pela primeira vez, pode apreciar os maravilhosos trabalhos de estuque,
que antes estavam sujos e quebrados; todos os nichos continham estátuas, e a escada curva, de madeira
trabalhada, já não estava cheia de buracos.
O mordomo abriu a porta de uma sala que sempre parecera mais vazia do que as outras, porque, sendo
destinada à biblioteca, só continha estantes destroçadas para dar a perceber a sua condição.
Durante um momento, Lorinda ficou atônita com a transformação ocorrida.
O teto fora pintado de novo, por mão de mestre, e livros cobriam todas as paredes. Uma magnífica lareira
de mármore, de que Lorinda lembrava negra e suja, agora resplandecia, muito clara, e, em vez de fogo,
havia flores no fogão.
- Lady Lorinda Camborne, sir! - anunciou o mordomo, e Mr. Hayle levantou-se de uma cadeira, onde
estivera lendo um jornal.
A moça encaminhou-se para ele, percebendo em seus olhos a mesma expressão penetrante, que a fez
lamentar não ter posto um chapéu sobre a cabeleira ruiva.
Lorinda fez uma cortesia, que Hayle retribuiu.
24
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  • 1. Coleção Barbara Cartland nº 75 BARBARA CARTLAND A DERROTA DE LADY LORINDA “The taming of Lady Lorinda” Tradução de DAVID JARDIM JÚNIOR EDIÇÕES DE OURO - 1978 Copia digitalizada por Edna Fiquer - 2006 CAPíTULO I 1794 O Homem da Máscara Verde parou, olhando para o salão de baile, que parecia um caleidoscópio, brilhando sob os lustres de cristal. Os convidados tinham tido liberdade de "comparecer de acordo com sua fantasia", e, como era inevitável, havia uma dúzia de Cleópatras, um grande número de palhaços, e a predominância de penteados e golas em estilo elisabetano. Enquanto olhava os pares que dançavam ao som da música executada por uma orquestra localizada na Galeria dos Menestréis, o Homem da Máscara Verde inteiriçou-se e disse, ao amigo que se encontrava ao seu lado, com voz que revelava surpresa: - Pensei que você me tivesse trazido a um baile onde eu pudesse realmente encontrar o beau monde. -É nele que estamos. - Mas essas mulheres não são prostitutas? - É claro que não! São a nata da sociedade, damas de qualidade e ornamentos das mais nobres famílias do país. - Custo a acreditar! Ao falar, o Homem da Máscara Verde não olhava para os lábios vermelhos que se entreabriam sob as máscaras de veludo, para os olhos que brilhavam através das aberturas ovaladas, ou para os roliços pes - coços, cobertos de jóias. Olhava, sim, para os seios pontudos que se exibiam através dos tecidos transparentes, que mais pareciam revelar que ocultar as curvas dos quadris estreitos e das pernas esculturais que, na maior parte, estavam nuas. - Estarei realmente na Inglaterra? - admirou-se, afinal. O amigo deu uma risada. - Você esteve fora durante muito tempo, ocorreram muitas mudanças e, como pode ver, muitas delas para melhor. - Quando parti para o exterior - observou o Homem da Máscara Verde - as mulheres eram respeitáveis e dóceis, delicadas e obedientes aos seus maridos, - Isso está completamente fora de moda - disse-lhe seu informante. - Hoje em dia, as mulheres não são mais alfenins, participam de corridas de cavalos e de carruagens, tomam parte em caçadas, jogam críquete contra outras equipes de mulheres e, no caso das princesas reais, até futebol! - Deus do céu! - Consideram-se iguais aos homens, e isso se revela em sua própria aparência. - Notei que os cabelos não estão mais empoados. - Tanto para as mulheres, como para os homens, graças a Deus! Podemos, sem dúvida, agradecer ao Príncipe de Gales pela moda do au naturel. - Sem dúvida, é um alívio, no que nos diz respeito - observou o Homem da Máscara Verde. Mas, quanto às mulheres, o caso é diferente. - A nova ordem - replicou o amigo, risonho - exige la victime coiffure, sem dúvida, influência revolucionária da França. Fez um gesto significativo, explicando: - Desapareceram os penteados altos e complicados do velho regime. Temos, agora, os cabelos cuidadosamente revoltos e, para completar a ilusão, uma estreita fitinha vermelha em torno do pescoço. - Considerando o horror da guilhotina, acho isso de péssimo gosto! - replicou o Homem da Máscara Verde. - Meu caro, há muita coisa de mau gosto em voga, mas todos continuam a fazê-lo.. Olhou para o companheiro com uma expressão galhofeira e acrescentou: - Muitos dos vestidos usados em Carlton House deixam os seios, na verdade, descobertos, ou coberto por tecidos tão finos que nada mais fica por conta da imaginação. 1
  • 2. O Homem da Máscara Verde não replicou. Continuou a contemplar os dançarinos, no salão, um pouco abaixo dele, notando que a própria dança estava se tornando mais frenética e os movimentos dos participantes muito exagerados. - Pode me achar retrógrado ... - começou a dizer, mas parou no meio da frase. As altas portas envidraçadas que davam para o jardim estavam abertas, pois aquele baile se realizava em uma quente noite de junho e, por uma delas, estava entrando na sala, inesperada e surpreendentemente, um cavalo preto. Montando-o, vinha uma mulher, que, à primeira vista, parecia estar completamente nua, coberta apenas pelos compridos cabelos ruivos, que caíam até a cintura. Somente observando mais de perto, poder-se-ia notar que a sela, de formato mexicano e ornamentada de prata, era alta adiante e atrás, e que os cabelos estavam dispostos de tal modo, que tudo o que se via do corpo da amazona eram as pernas e os braços nus. A mulher, contudo, estava montada no cavalo, e não sentada em um silhão, o que já constituía uma ousadia, e nem sequer se disfarçara com uma máscara. Seus grandes olhos verdes, que pareciam ocupar o rosto inteiro, tinham uma expressão galhofeira. O Homem da Máscara Verde recuperou a voz. - Meu Deus do céu! Quem é aquela? - Aquela - informou seu companheiro - é Lady Lorinda Camborne, a mais atrevida de todas. - Será possível que pertença a uma família respeitável? - É filha do Conde de Camborne e Cardis. - Se ele tivesse a menor dose de bom senso, deveria dar uma surra na filha e levá-la para casa. - É pouco provável que ele veja a filha, pois não levanta os olhos da mesa de jogo! - É jogador? - Viciado! - E aquela moça que idade tem? - Acho que Lady Lorinda tem vinte anos. Sei que há dois anos é a sensação em St. James. - É realmente admirada? - Você está muito moralista! Ela pode comportar-se de um modo um tanto repreensível, e não vou negar que sua conduta dá margem a muitos mexericos, mas, pelo menos é de uma beleza excepcional, enlouquecedora. O Homem da Mascara Verde ficou em silencio. Observava Lady Lorinda andar pela sala de baile montada no cavalo negro, um animal magnífico. Os dançarinos haviam parado e a aplaudiam. Todos os homens gritavam, aclamando-a, e alguns atiravam- lhe flores, quando ela passava. - As apostas no White's eram que ela não apareceria nua - informou o amigo do Homem da Máscara Verde. - Pois não só ela ganhou a aposta, como muito dinheiro vai trocar de mãos, como acontece em to - das as ocasiões que ela apronta das suas. Tendo rodeado o salão de baile duas vezes, Lady Lorinda recebeu os aplausos da multidão e, tão inesperadamente quanto chegara, desapareceu por outra das portas envidraçadas, sumindo no jardim. - Não a veremos mais? - perguntou o Homem da Máscara Verde. - Veremos sim! Lady Lorinda vai voltar, metida em alguma nova fantasia que, com toda a certeza, de modo algum a tornará anônima! E vai ser uma das últimas a sair do baile. - Gosta das festas desse tipo? Havia um indisfarçável desdém na pergunta. - Parece que sim. É assim que passa a vida; festas todas as noites, excursões malucas a Vauxhall ou outras loucuras noturnas. E aonde quer que vá, deixa um rosário de corações amargurados. Contam-se muitos casos a seu respeito, e o último é que o Marquês de Queensbury ... - Meu Deus do céu, aquele velho devasso ainda anda aí à solta? - atalhou o mascarado. - Somente a morte porá fim.à sua devassidão! Mas, como eu estava dizendo, ele teve idéia de fazer o papel de Páris, julgando quem seria digna de receber a maçã de ouro com a inscrição "A mais bela". - Três deusas a reclamaram ... se não me esqueci da lenda. - Exatamente. - E estavam nuas? - Naturalmente! - E uma delas era Lady Lorinda? - Foi o que me disseram. - E os homens se apaixonam mesmo por uma mulher assim? 2
  • 3. - É claro que sim! E vou dizer-lhe uma coisa a respeito de Lady Lorinda: ela tem coragem e uma personalidade que é rara entre as mulheres. Ninguém pode deixar de levá-la em consideração. - Ou deixar de notá-la - observou ele, secamente. - Acho que devo apresentá-lo a ela disse o companheiro, sorrindo. - Será bom para Lady Lorinda conhecer um homem que não se impressionará muito com sua beleza e nem se deixará pisar pelos seus lindos pezinhos. Calou-se, olhando para o salão, mas logo acrescentou: - Estou vendo que o Príncipe de Gales chegou. Venha, quero que o conheça. Sei que ele ficará muito satisfeito de ouvir as novidades do exterior que você tem a contar. Mais tarde, o Homem da Máscara Verde deixou o salão de banquete, onde jantara na mesa real, e, achando que fazia muito calor no salão de baile, saiu para o jardim. O baile tinha lugar em Hampstead, e ele tinha a impressão de encontrar-se no campo. Uma leve brisa agitava a copa das árvores frondosas, dos canteiros vinha um perfume de flores e as estrelas brilhavam no céu. O homem respirou fundo, pensando quanto aquela atmosfera tão suave era diferente do sufocante calor da Índia. De súbito, ouviu uma voz de homem dizendo: - Pelo amor de Deus, Lorinda, ouça-me! Eu a amo! Case comigo, ou juro que me matarei! O Homem da Máscara Verde ficou tenso, pois a voz tinha um tom angustiado inconfundível. - Case comigo, Lorinda, e me fará o homem mais feliz do mundo. - Esta é a décima ou a undécima vez que eu o recuso, Edward? O Homem da Máscara Verde percebeu que o par se encontrava logo do outro lado da sebe de teixos. Era impossível vê-los, devido à escuridão, mas imaginou que deveriam estar sentados, de costas para a moita, e que ele próprio se encontrava a poucos metros de distância dos dois. - Já pedi antes e torno a pedir: case comigo! - E sempre eu recuso. Para falar a verdade, Edward, você já está ficando tremendamente enfadonho! Quero voltar ao salão de baile. - Não me deixe, Lorinda! Por favor, fique comigo. Não a importunarei. Farei tudo o que quiser, tudo, contanto que você se preocupe um pouco comigo. - Por que haveria de preocupar-me? Se quisesse um cão fraldeiro, compraria um. Havia desprezo na voz, logo a seguir, veio a advertência: - Se me tocar, juro que nunca mais falarei com você! - Lorinda! Lorinda! Era uma exclamação de desespero. Depois, ouviu-se o ruído dos passos de uma mulher que se afastava, e os gemidos angustiados do homem, que ficara só. O Homem da Máscara Verde, compreendendo que terminara a conversa que estivera ouvindo, voltou ao salão de baile. Não foi difícil identificar Lady Lorinda, e, no momento em que atravessou a porta envidraçada, ouviu sua voz, alegre e inteiramente despreocupada com o que se passara pouco antes. Estava fantasiada de cavaleiro, com o gibão bordado, os calções de cetim, deixando à mostra os tornozelos delicados. Os cabelos ruivos tinham sido anelados e penteados como uma peruca por trás do chapéu emplumado. Trazia uma máscara, que não escondia, porém, o narizinho reto, os lábios de uma curva perfeita e o queixinho pontudo. Tinha uma taça de vinho na mão e, quando o mascarado entrou na sala, junto com os que se achavam em torno dela, bebendo à saúde do anfitrião, estava um homem moreno, de olhar sardônico, já de meia-idade. O homem agradeceu aos que o brindavam, mas não tirava os olhos de Lady Lorinda, e, quando o brinde terminou, aproximou-se dela. _ Venha comigo ao jardim, pois preciso falar-lhe. Estavam parados perto do Homem da Máscara Verde, que podia ouvir o que diziam. Acabei de voltar do jardim - disse Lady Lorinda. - Se está querendo intimidades comigo, previno-o de que não estou disposta a ouvi-lo. - Por que desconfia que tenho essa intenção? - Porque a única coisa do que os homens cuidam é do amor – retrucou a moça. – será possível que não achem outro assunto? - Não, quando estão conversando com você! - Acho maçante essa história de amor! É um assunto pelo qual não me interesso e, portanto, se quer 3
  • 4. agradar-me, deve falar de outra coisa, _ Continua fingindo que não tem coração? _ Não estou fingindo. Tenho essa sorte. Vamos para o salão de banquete, porque acho que estou com fome. Os dois afastaram-se e o Homem da Máscara Verde os ficou olhando. - Eu lhe havia dito que ela é bela, mas imprevisível - disse uma voz ao seu lado, e ele viu que era o amigo com quem fora ao baile. - Todo mundo rasteja assim aos seus pés, e faz o que ela manda? - perguntou o Homem da Máscara Verde. - Todo mundo obedece a Lady Lorinda. - E se não obedecer? - Ela corta relações com ele. Tal ostracismo, devo dizer, é pior do que a excomunhão! O forasteiro deu uma risada. - Tenho a impressão de que, enquanto estive fora, vocês perderam a noção dos valores, ou talvez seja mais justo dizer, perderam o senso do equilíbrio moral. Horas depois, quando a maior parte dos convidados já se retirara e os primeiros albores da aurora já começavam a apagar as estrelas no céu, os dois amigos atravessaram o portão e ganharam a estrada. Estavam em um faéton, só com um lacaio atrás, e os dois cavalos eram excepcionalmente bons. - Gostou? - perguntou o dono do faéton. Seu amigo, que já tirara a máscara, deu uma risada. _ Foi, sem dúvida, uma revelação! Eu esperava encontrar mudanças, mas não da maneira que deparei esta noite. _ Está referindo-se aos homens ou às mulheres? _ O príncipe surpreendeu-me, sem dúvida. Engordou muito, e devo confessar que não tive boa impressão de seus joviais companheiros. _ Quem teria? - concordou o amigo. _ E, agora, diga-me o que achou das mulheres. Ficou muito escandalizado? O homem que usara a máscara deu uma risada. - Garanto-lhe que coisa alguma me escandaliza. Mas, sem dúvida, fico estarrecido, quando imagino que aquelas criaturas indecentes, irresponsáveis, serão as mães da próxima geração. _ Está pensando em tomar alguma providência a respeito? _ Que me sugere fazer? _ Reformar Lady Lorinda! Que desafio seria para um homem! _ Não seria impossível. _ Já tentou domar uma fêmea de tigre? Sou capaz de apostar qualquer quantia com você de que seria de completa e absoluta impossibilidade. O homem que usara a máscara verde ficou em silêncio durante algum tempo, depois disse, pausadamente: - Mil guinéus. - Está falando sério? - perguntou o amigo, incrédulo. Depois, deu uma risada. - Aceito a aposta! Não iria perder o desfecho dessa tarefa hercúlea, nem por uma importância dez vezes maior. Tinham avançado uma pequena distancia, quando ele exclamou: - Por falar na fêmea de tigre, ei-la logo em nossa frente! Apontou para onde, subindo a encosta em direção à Estalagem dos Espanhóis, uma carruagem de viagem preta avançava, ostentando o brasão dos Camborne nas portas. Dificilmente seria percebida, se não fosse a libré do cocheiro e dos lacaios que viajavam na parte de trás. Em vez das cores habitualmente usadas pela aristocracia, como o azul, verde ou vermelho-desbotado, as librés dos criados de Lady Lorinda eram brancas com enfeites prateados. O homem que usara a máscara verde olhou, atônito. ********************************* A carruagem chegara ao alto da colina e, tendo entrado na estreita passagem entre a hospedaria e o portão era cobrado o pedágio, tinha parado de súbito. - O que está acontecendo? – perguntou o homem que dirigia o faéton, e logo exclamou: - Meu Deus do céu! Salteadores! Lady Lorinda está sendo assaltada! Chicoteou os cavalos, para que avançassem, mas, ao mesmo tempo, ouviu-se a detonação de uma pistola, e o 4
  • 5. homem que estava de pé junto à porta aberta da carruagem caiu, de costas, à beira do caminho, enquanto o outro homem que estava junto dele fugia. Antes que os dois amigos tivessem tido tempo de galgar a encosta e alcançar a carruagem, o lacaio que estava à sua traseira, de mãos para o alto, foi atirado para frente e o veículo partiu. O veiculo parou junto ao salteador, que ficara estendido na valeta que ladeava a estrada, com os braços abertos e ainda segurando a pistola. Estava mascarado, com o aspecto de um bandido comum e a mancha de sangue que se espalhava em seu peito não dava margem a dúvidas. O lacaio desceu da retaguarda do faéton. - Está bem morto, milorde! - anunciou. O homem que dirigia o carro chicoteou os cavalos. - Nesse caso, não é de nossa conta disse, seguindo viagem. Houve um silêncio, depois o homem recém-egresso perguntou: - Havia alguém com a moça ou foi ela mesma quem atirou naquele homem? - Naturalmente, foi ela mesma! - respondeu seu amigo. - E não foi a primeira vez. Foi como se estivesse achando aquilo muito engraçado que continuou: - Eis um perfeito exemplo de como as moças de hoje sabem defender-se sozinhas. Ouvi falar sobre a maneira com que Lady Lorinda enfrentava assaltantes e bandidos, mas, agora, vi com os meus próprios olhos! Dando uma risada gostosa, observou: - Parece que, mal o assaltante abre a porta da carruagem, ela atira. Os criados nem se dão ao trabalho de protegê-la. - Estou atônito! - confessou o companheiro. - No meu tempo, as mulheres ficavam apavoradas, soluçando, à espera de que um homem as defendesse. - Se você prefere, ainda há algumas desse tipo e, com a sua riqueza, será fácil conquistá-las. Não houve replica,e os dois amigos seguiram em silencio pela charneca de Hampstead. Lady Lorinda estava recostada no banco da carruagem, com os olhos fechados. Tivera, contudo, a precaução de tornar a carregas a pistola e coloca-la no regaço, antes de acomodar-se. A charneca de Mampstead era afamada pelo numero de assaltantes, que a jovem detestava tanto quanto aos apaixonados que a perseguiam, por mais brutalmente que repelisse seus galanteios. Lorde Edward Hilton era apenas um dos muitos admiradores, que não se resignavam não serem aceitos. Lembrando-se do quanto ele fora importuno, durante toda a festa, Lorinda decidiu que, dali para diante, deixaria bem claro que, se Edward fosse convidado para uma festa, ela não aceitaria o convite. Nada que dissesse ou fizesse o impedia de continuar insistindo para que se casasse com ele. O anfitrião, Lorde Wroxford, não era muito melhor mas, pelo menos, não podia falar em casamento. Já era casado e, assim sendo, suas propostas eram confessadamente desonrosas e, como tal, mais fáceis de serem repelidas. Podia rir de Ulric com desdém, e ambos sabiam que não havia mais possibilidade de Lorinda aceitar suas sugestões do que dar um pulo na lua. Ulric, não obstante, continuava tentando, cínica e despudoradamente, mas, com Edward, o caso era diverso. Ameaçara tantas vezes suicidar-se, se ela não casasse com ele, que Lorinda já ficava enfadada antes mesmo que ele abrisse a boca. Edward, no entanto, era um partido muito conveniente, e sempre havia a possibilidade de tornar-se duque um dia, caso seu irmão mais velho continuasse a ter filhas e nenhum descendente varão. “Se fosse sensata, o aceitaria”, pensou Lorinda. “Mas como iria tolerar suas atenções para comigo o resto da vida?” Sentia a mesma coisa com relação a muitos outros homens, muitos dos quais tinham a oferecer-lhe não somente o dinheiro, como também um lugar de destaque na sociedade. Só Lorinda sabia quanto eram precários os laços que a prendiam a uma sociedade fútil e hedonista, tão pronta a aclamar como a vilipendiar. “Que realmente desejo?”, perguntou a jovem a si mesma, enquanto descia o morro de Hamptead, já livre de qualquer perigo. Teve a impressão de ver, diante de seus olhos, a interminável sucessão de bailes e festas, com os quais estava tão familiarizada, viajando de Londres para Brighton; para Newmarket,a fim de assistir às corridas; para Bath, a estação de águas,e voltando a Londres, para iniciar outra temporada alegre. Seria aquilo o que ela realmente desejava ou queria na vida? Sabia muito bem que, no dia seguinte, todas as mães de família que a detestavam iriam comentar, falando como papagaios, seu aparecimento como Lady Godiva. Lorde Barrymore, um nobre conhecido por sua devassidão, apostara que ela não seria capaz de fazer tal coisa, e 5
  • 6. isso bastara e constituíra o incentivo de que Lorinda precisava para seus escândalos. - Posso fazer o que quero! – disse, em voz alta. Deu uma risada, pensando como o caso, naturalmente sem ser poupado qualquer detalhe, seria levado, pelos mexericos, até o rei e a rainha, no Castelo de Windsor. Suas Majestades, sem dúvida alguma, iriam atribuir tal fato ao pernicioso e devasso exemplo do Príncipe de Gales. - Velhos hipócritas! - exclamou Lorinda, alegremente. Viu, com alívio, que a viagem terminara e que a carruagem estava diante de Camborne House, em Hanover Square. Era uma mansão grande, mas pouco confortável e bastante feia, construída pelo 7.° Conde de Camborne, avô de Lorinda. Esta fizera o possível para melhorar a casa, com algumas inovações. E, quando o lacaio abriu a porta, metido na libré branca e prateada que ela mesma desenhara, a moça pensou que, sem dúvida, o casarão era menos sombrio agora do que quando ela era criança. - O Sr. Conde está, Thomas? - perguntou. - Está sim, milady. O Sr. Conde voltou há meia hora, e encontra-se na biblioteca. - Obrigada, Thomas. Lorinda atirou o casaco para um lado, sem notar que o lacaio estava olhando, horrorizado, para o seu traje masculino, enquanto ela caminhava pelo chão de mármore, rumo à biblioteca. Abriu a porta. Seu pai estava sentado diante de sua secretária, no centro do aposento, carregando uma pistola de duelo. O Conde de Camborne e Cardis olhou surpreso para a filha. Era um homem bonito, de cabelos grisalhos, mas com a palidez de quem nunca aproveitava o ar livre. As salas de jogo eram, notoriamente, abafadas ... Baixou a pistola, que tinha na mão, depressa demais para ser um gesto natural, enquanto dizia: - Não estava esperando que você voltasse tão cedo, Lorinda. - O que aconteceu, papai? Não vá me dizer que pretende bater-se em duelo! Como o conde não respondeu, a jovem caminhou até junto dele, e baixou os olhos. - Diga-me, papai! A princípio, o conde não pareceu disposto a atender ao pedido da filha. Depois, recostando-se na cadeira, disse, desafiadoramente: - Eu ia dar um tiro na cabeça! - Não está falando sério, papai! - Perdi tudo que temos. Durante um momento, Lorinda ficou imóvel. Depois, sentou-se na cadeira em frente ao pai. - Diga-me exatamente o que aconteceu. - Estive jogando com Charles Fox respondeu o conde. Lorinda cerrou os lábios. Sabia muito bem que Charles James Fox era o mais perigoso adversário que seu pai poderia ter escolhido. Político whig, de notável eloqüência, Charles Fox, gordo, barrigudo, desgracioso, com uma papada no queixo e sobrancelhas espessas e arrepiadas, era um homem dotado de extraordinária simpatia. Detestado pelo rei, tornara-se, em conseqüência, amigo íntimo do Príncipe de Gales. Na verdade, houve ocasião em que o príncipe o olhava quase que com idolatria. Filho de um homem riquíssimo, Charles Fox adquirira, quando estudante em Eton, insaciável paixão pelo jogo, e, quando tinha dezesseis anos, ele e seu irmão perderam trinta e duas mil libras esterlinas em uma noite! Era uma ironia do destino, pensou Lorinda, que uma das poucas vezes em que Charles Fox ganhara no jogo, em toda a sua vida, fora à custa de seu pai. Suas palavras seguintes confirmaram o que ela temia. - Eu estava ganhando, Lorinda disse o conde, com voz cansada. - Estava ganhando uma quantia considerável, quando a sorte de Fox mudou. Achei que aquilo não iria durar, mas, quando me levantei, não tinha mais nada para apostar. Houve uma pausa, depois Lorinda perguntou, com voz bem firme: - Quanto perdeu? - Cem mil libras! Não era uma quantia astronômica, para muitos dos que jogavam no White's Club, mas Lorinda sabia, tão bem quanto o pai, que, para eles, aquilo significava a catástrofe. 6
  • 7. Tinha a casa de Londres e a mansão da família na Cornualha, mas a renda era relativa - Eu estava ganhando, Lorinda - disse o conde, com voz cansada. - Estava ganhando uma quantia considerável, quando a sorte de Fox mudou. Achei que aquilo não iria durar, mas, quando me levantei, não tinha mais nada para apostar. Houve uma pausa, depois Lorinda perguntou, com voz bem firme: - Quanto perdeu? - Cem mil libras! Não era uma quantia astronômica, para muitos dos que jogavam no White's Club, mas Lorinda sabia, tão bem quanto o pai, que, para eles, aquilo significava a catástrofe. Tinha a casa de Londres e a mansão da família na Cornualha, mas a renda era relativamente pequena, e, embora parecessem opulentos e vivessem de maneira extravagante, era apenas porque, sempre otimistas, acreditavam que "aconteceria alguma coisa". Quando o conde ganhava nas mesas de jogo, Lorinda tratava de tomar-lhe o dinheiro ganho, antes que ele o perdesse de novo. Jamais, porém, suas pernas tinham sequer se aproximado de cem mil libras es- terlinas. - Só me resta uma coisa para fazer - concluiu o conde, com voz soturna. - É dar um tiro na cabeça. Fox não pode exigir que eu salde a dívida, se já não estiver neste mundo. - O senhor sabe perfeitamente, papai, que é uma dívida de honra e que, de uma maneira ou de outra, eu teria que pagar - replicou Lorinda. - O que está querendo dizer? - Estou querendo dizer é que seria muita covardia sua, se me deixasse sozinha para consertar o que fez! A voz da moça era desdenhosa. Tendo falado, ela se levantou, chegou até a janela e abriu as pesadas cortinas de veludo. O dia nascera, e os primeiros e pálidos raios do Sol iluminavam os telhados das casas. - Pensei - disse o conde, atrás dela, com a voz hesitante - que, se eu morresse, Fox cancelaria a dívida e tudo se resolveria. - Seria fácil para o senhor, mas não para mim - disse Lorinda, sem se exaltar. - E seja o que for que os Camborne possam ter sido, pusilânimes nunca foram! - Bolas! Não admito que você me chame assim! - explodiu o pai. - Não posso admitir maior covardia do que o senhor sumir, deixando as dificuldades para mim - replicou a jovem. o pai empurrou a pistola pára um lado, impaciente. - Se acha assim, deveria pensar em uma solução. - É evidente, não é? - replicou Lorinda, deixando a janela, para ir assentar-se de novo à mesa. - Não vejo nada de evidente. - Pois então, vou dizer-lhe - retrucou a moça. - Venderemos esta casa, com tudo que tem. Com isso, apuraremos uma quantia considerável, e iremos, então, morar na Cornualha. - Na Cornualha? - Por que não? Até vendermos o priorato, se encontrarmos alguém que se interesse em comprá-lo. O conde deu um murro na mesa com tanta força que o tinteiro deu um pulo. - Não venderei o lar que pertenceu aos meus antepassados, desde antes da conquista normanda! - gritou. - Embora ele não esteja vinculado, nenhum Camborne jamais chegou tão baixo até o ponto de vender a casa de seus ancestrais. Lorinda encolheu os ombros. - Podemos ter que fazê-lo - replicou. - Duvido que esta casa, com tudo que contém, inclusive as jóias de mamãe, nos permita apurar ao menos cinqüenta mil libras! o conde escondeu o rosto nas mãos. - Meu Deus do céu! - exclamou. - Por que maldição fui tão louco? - O arrependimento não resolve nada - observou Lorinda, friamente. - Temos de encarar a situação com espírito prático, e segundo presumo, isso quer dizer que terei de providenciar tudo. O senhor deve pedir um prazo a Charles Fox para pagar, pois, evidentemente, não vai poder entregar-lhe as cem mil libras dentro do prazo estabelecido de duas semanas. - Terei de pedir-lhe de joelhos, assim como sofrer todas as outras humilhações? - perguntou o conde, furioso. - A dívida é uma - lembrou Lorinda. O pai, encarando-a, notou em seus olhos uma expressão que o levou a exclamar, irritado: 7
  • 8. - Meu Deus do céu! Você deveria mostrar-se um pouco mais solidária e compreensiva! Não sente afeto por mim ou por ninguém? - Quer saber de uma coisa? - perguntou Lorinda. - Para falar a verdade, eu o desprezo. Como o pai ficou calado, ela acrescentou: - Eu o desprezo, como desprezo todos os homens. Todos são os mesmos, muito bonzinhos quando tudo corre de acordo com os seus desejos, mas que esperam que as mulheres sofram pelas leviandades que cometem e chorem por causa das atrapalhações que vocês mesmos provocam. Fique sabendo que não farei nem uma coisa nem outra. Pegou a pistola que estava em cima da mesa, dizendo asperamente: - Vou levar isto comigo, pois o senhor não merece confiança sequer para guardá-la. Amanhã, vou tratar de vender a única casa que conheci como lar, ver se arranjo uma oferta razoável para os tesouros que os nossos antepassados acumularam e as jóias que deram tanto prazer à minha mãe. Encaminhou-se para a porta, mas virou-se para encarar o pai, com a luz das velas iluminando em cheio seus cabelos ruivos. - Se está muito preocupado - disse, desdenhosamente - sugiro que parta imediatamente para a Cornualha e procure dar um certo aspecto de ordem às ruínas que nos restam ali. *** < Na manhã seguinte, depois de um sono profundo, quando a criada abriu as cortinas, Lorinda lembrou-se das tarefas que tinha pela frente. Não se sentiu apavorada, como qualquer outra moça de sua idade sentiria, face às grandes dificuldades que teria de defrontar, e a incapacidade de seu pai de resolver qualquer delas. Sua mãe morrera quando contava doze anos. Embora lembrasse dela com saudade, sabia que pouco tinha de comum com aquela mulher tímida e delicada, que achava o marido maravilhoso e sempre es - tivera disposta a aceitar seu precário modo de vida, sem fazer coisa alguma para alterá-lo. Lorinda herdara as qualidades de seus antepassados Camborne, que tinham travado batalhas contra inúmeros inimigos. A Cornualha fora a última parte da Grã-Bretanha, no sul, a subjugar os invasores saxões, e os Camborne tinham lutado contra o Rei Egberto, negando-se a reconhecer sua supremacia. Noventa anos mais tarde, haviam ajudado Aethelstan a expulsar os galeses ocidentais de Exeter, tornando Tamar o limite de seu território. Durante todos os tempos, os Camborne mostraram-se ferozmente independentes: tinham combatido em apoio à causa de Lancaster e se destacado entre as tropas de Sir Bevil Grenville, quando derrotou as forças do Parlamento em Bradock. Havia, nas veias de Lorinda, um sangue ardoroso, que não parecia ter recebido de seu pai. Não se submetia a nenhum domínio e sempre se revoltava contra qualquer autoridade, desde criança. _ Você se nega sempre a fazer o que lhe mandam, como aqueles lutadores da Cornualha que combateram em Agincourt _ disse-lhe sua babá, quando ela era bem pequena. E agora, naquele momento de dificuldades, procurava lutar contra o comodismo de aceitar o inevitável, como seu pai estava disposto a fazer, evidentemente. Lorinda ficou em silêncio, enquanto a criada a ajudava a vestir-se e a penteava, de acordo com a moda de cabelos revoltos, que parecia ter sido adotada, de propósito, para fazer destacar a beleza de seu rostinho em forma de coração. Não era baixa, ao contrário, era mais alta do que a maioria das mulheres. Era, porém, tão esbelta e graciosa que os homens, instintivamente. desejavam protegê-la, encontrando, porém, uma vontade de ferro e um orgulho invencível, que não combinavam muito com sua beleza excepcional, de extrema feminilidade. Ninguém poderia negar que ela era bela, mas, ao olhar-se no espelho, Lorinda perguntava a si mesma se sua beleza lhe trouxera alguma felicidade. Não tinha a menor dúvida de que, se pedisse o conselho de qualquer uma das nobres damas que a acompanharam, tantas vezes, a pedido do pai, depois que passara a freqüentar a alta sociedade londrina, sua resposta seria a mesma: - Case-se com um homem rico. Tinha a impressão de as estar ouvindo aconselhar tal coisa, sabendo que lhe seria facílimo aceitar Edward Hinton, Anthony Dawlish, Christopher Conway ou qualquer um dos outros jovens aristocratas que imploravam o seu amor. Todos eles, incontestavelmente, pensava Lorinda, viriam correndo à sua casa, se lhes escrevesse um bilhete chamando-os. 8
  • 9. O orgulho, o próprio brio que herdara dos antepassados, porém, faziam-na repelir a idéia de aceitar um marido, simplesmente, como uma solução. Desceu ao andar térreo, de cabeça erguida, com o cérebro trabalhando intensamente, planejando, manobrando, quase como se fosse um militar que iria participar de uma batalha, em vez de uma mulher que não deveria conceber tais táticas. Entrando na biblioteca, verificou que seu pai não se deitara. Dormira em uma poltrona, junto da lareira, e uma garrafa vazia perto dele contava o que acontecera. Lorinda sacudiu-o pelo ombro. - Acorde, papai! Quando conversara com ele na noite anterior; notara que andara bebendo, mas o que tomara depois que ela se separara dele, o tinha deixado com os olhos congestionados e com bafo alcoólico. - Acorde, papai! - tornou a dizer, e o conde abriu os olhos .. - Ah, é você, Lorinda? O que deseja? - Desejo que você lave o rosto e se componha - respondeu a moça. - Já é de manhã e o café está servido, se é que se interessa por isso. O conde estremeceu. - Dê-me primeiro um gole de bebida! Lorinda não discutiu com ele. Foi até a bandeja de bebidas, que estava a um canto da biblioteca, e serviu uma dose farta de conhaque, que lhe entregou, desdenhosa- mente. o conde bebeu-o de uma só vez. - Que horas são? - perguntou. - Nove horas. O senhor vai à Cornualha, ou vai ficar aqui comigo? Devo avisá-lo de que não vai ser muito confortável, pois pretendo despedir os criados logo depois do café. Fortalecido pelo conhaque, o conde pôs-se de pé. Os raios do Sol entravam pelas janelas, uma das quais dava para o pequeno jardim, no fundo da casa. Os canteiros estavam repletos de flores, e Lorinda ficou pensando quanto custara plantar e cuidar daquelas plantas, o que ficara a cargo de um jardineiro, que trabalhava quatro vezes por semana. - Há uma coisa que não lhe disse ontem à noite - falou o conde, depois de hesitar por algum tempo. - O que é? - Você impediu-me de executar o que a honra me ditava, e que eu tencionava fazer - disse o conde. - Assim, é melhor que fique sabendo da verdade. - Que verdade? - perguntou Lorinda, rispidamente. - No fim do jogo, comecei a trapacear! - Trapacear?! - exclamou a moça, quase gritando. - Eu estava bêbado e desesperado e nem ao menos pude trapacear direito. - Quantas pessoas ficaram sabendo? - Fox e mais três outros sócios do White's, que estavam na mesa. São todos meus amigos, e acho que vão ficar calados, mas não terei coragem de voltar ao clube, durante muito tempo. Era um golpe com que Lorinda não contava. Sabia muito bem que um homem apanhado trapaceando no jogo tornava-se um proscrito social, um pária entre seus pares. Como seu pai era muito bem relacionado, havia uma possibilidade, simples e única, de que os que haviam presenciado o acontecido atribuíssem o fato à ,embriaguez, e não o comentassem com outras pessoas. Sabia, porém, que seu pai tinha razão, ao afirmar que não poderia mais voltar ao White's. Durante um momento, quase se arrependeu de não tê-lo deixado suicidar-se, como pretendia. De fato tal desfecho era considerado como a única solução honrosa para situações semelhantes. Refletindo melhor, porém, Lorinda concluiu Que suicidar-se seria apenas agir com mais covardia ainda. - O senhor nada pode fazer, a não ser partir imediatamente para a Cornualha disse, com voz firme. - Leve um dos criados, qualquer um, à sua escolha, e dois dos melhores cavalos. O resto será vendido. Sua voz era muito calma, ao acrescentar: - Levarei comigo seus objetos particulares, junto com os meus, na carruagem de viagem. - E o meu faéton? - Como é mais novo que o resto de nossos veículos, é o que deverá render mais dinheiro e tem que ficar aqui. Vou tomar café, e depois conversar com a criadagem. Se precisar de mim, estou na sala de estar. Caminhou em direção à porta. Ao alcançá-la, ouviu o pai dizer, em voz baixa: - Desculpe-me, Lorinda. Ela saiu, sem olhar para trás. *** 9
  • 10. CAPíTULO 11 Lorinda olhou para a mesa do vestíbulo, inteiramente vazia, e sorriu com amargura. Parecia incrível que, apenas uma semana antes, estivesse coberta de cartões de visita, convites para festas e inúmeros bu- quês de flores, enviados por seus ardentes admiradores. Se alguma coisa a pudesse fazer detestar os homens mais do que já o fazia, pensou, seria o que tinha acontecido, logo que se falou, em Londres, que o Conde de Camborne e Cardis estava vendendo tudo que tinha. Lorinda esperava o que acontecera, mas, ainda assim, ficara chocada. No dia seguinte ao da festa de Hampstead, ela havia recebido o número habitual de bilhetes bajulatórios e uma profusão de flores, e não cessaram as pancadas à porta de Hanover Square. Seu pai não estava em condições de viajar, mas Lorinda o obrigou a escreveu uma carta a Charles Fox, dizendo-lhe que a dívida seria paga o mais depressa possível, e que o dinheiro apurado na venda de seus bens lhe seria encaminhado pela firma encarregada. - Ele vai ter sorte se receber o resto! resmungou o conde, ao terminar a carta. - Não posso permitir que o senhor o lese, papai - replicou Lorinda. - Teremos de arranjar o dinheiro, de qualquer modo, mesmo que leve a vida inteira. O conde, murmurando uma praga, tomou outro gole de conhaque. Dois dias depois, partia para a Cornualha, levando consigo os dois melhores cavalos e o palafreneiro de mais confiança. Lorinda achou que mesmo uma concessão tão pequena era, de certo modo, uma fraude contra o homem a quem devia tanto dinheiro, mas não protestou. Não pôde, por outro lado, deixar de pensar que era bem típico de seu pai ter partido sem sequer perguntar-lhe como iria providenciar tudo, sozinha. Sem dúvida, a presença de seu pai iria ser mais um transtorno do que uma ajuda, mas, de qualquer modo, não era ligeira a tarefa de vender a casa e encaixotar todas as coisas que precisaria levar para a Cornualha. Dois dos criados mais velhos, que estavam havia muito tempo na casa, concordaram em ajudar Lorinda, até que ela também partisse. O resto fora despedido e ainda foi preciso escrever cartas dando boas referências a todos, a fim de que não tivessem dificuldade em arranjar outro emprego. A firma encarregada da transação felizmente mostrou-se bastante otimista, admitindo que seria arrecadada uma importância considerável. Lorinda receara que, pelo seu grande tamanho, a mansão pu- desse transformar-se num "elefante branco", mas o fato é que, logo depois de posta à venda, os corretores imobiliários começaram a enviar muitos clientes interessados. Embora Lorinda estivesse desconfiada de que a mansão não continuaria a ser uma residência particular, mas se destinaria a ser clube de jogo, não estava disposta a discutir o assunto. Havia alguns quadros de grande valor, e os móveis que não se tinham estragado com o passar do tempo podiam ser vendidos. O conde, contudo, não pudera substituir os tapetes já muito gastos e as cortinas desbotadas e, para estes, era indiscutível não conseguirem achar comprador. Se estivesse inclinada a lamentar ou sentir-se abatida com o que ocorria em torno dela, Lorinda certamente teria pouco tempo para tal. Durante todos os momentos do dia, um dos criados estava indagando b que poderia ser encaixotado e o que deveria ser deixado, e constantemente os homens encarregados de inventariar os móveis estavam por lá, examinando e marcando os objetos. Uma coisa que, inexplicavelmente magoou Lorinda, embora ela própria talvez não se apercebesse disso, foi a conduta de Lorde Edward Hinton. Embora o tivesse sempre tratado asperamente, não esquecera os seus protestos de amor e pensou que, ao menos ele seria leal, mesmo quando todos os outros fingissem ignorar suas dificuldades. No entanto, dois dias depois da festa de Hampstead, recebera um bilhete dele, dizendo o seguinte: Lorinda: Devido a circunstâncias independentes de minha vontade, tenho de sair de Londres. Sabe perfeitamente quais foram meus sentimentos por você nestes últimos doze meses e, embora tenha deixado bem claro que não me correspondia, não pude partir sem dizer-lhe adeus. Adeus, linda Lorinda de olhos verdes. Sempre me lembrarei de você. Edward Lorinda olhou para o bilhete durante muito tempo, depois foi procurar o pai, que ainda não partira para a Cornualha. - Diga-me uma coisa, papai - perguntou. - Quais eram os amigos que estavam no White's quando o senhor perdeu aquele dinheiro todo para Charles Fox e, por cúmulo do azar, ainda o viram 10
  • 11. trapaceando? Viu gravado no rosto do pai o ressentimento provocado pela pergunta, mas esperou a resposta. Um momento depois, o conde respondeu, com a voz abafada: - Davenport e Charles Lambeth estavam lá. - E o Duque de Dorset? - perguntou Lorinda. Seu pai inclinou a cabeça. A jovem afastou-se, sem dizer mais nada. Tivera a explicação do bilhete de Edward. O Duque e a Duquesa de Dorset nunca tinham gostado dela, e não podiam resignar-se a tê-la como nora. O duque era um puritano, e de modo algum admitiria qualquer relacionamento com um trapaceiro. Edward dependia inteiramente do pai, e o duque devia ter agido sem demora. Lorinda tinha certeza que Edward, ou fora mandado para o exterior, ou o brigado a passar algum tempo na propriedade rural do duque, até que o escândalo tivesse passado. "Por que eu iria esperar que alguém ficasse ao meu lado?", pensou Lorinda. Por outro lado, nunca se sentira tão só e isolada. Não vendo ninguém bater à sua porta, a não ser os homens interessados em comprar e vender, disse a si mesma, com um sorriso sarcástico: "Quanto maior a altura, maior a queda!" Ouviu uma batida à entrada e achou que deveria ser um dos homens que estava preparando a casa para o leilão do dia seguinte. As criadas estavam em cima, separando os objetos que pretendia levar para a Cornualha, de sorte que ela mesma foi abrir a porta. Do lado de fora, com um sorriso mais sardônico do que o habitual, estava Lorde Wroxford. Lorinda encarou-o durante um momento, depois disse: - Não estou em casa, Ulric. - Preciso falar com você, Lorinda replicou Ulric. - Posso entrar? Lorinda hesitou, depois abriu a porta inteiramente. - Veio para espionar, ou quer reservar algum objeto especial pelo qual sua fantasia interessou-se? - perguntou, sarcástica. Sabia que a mansão de Lorde Wroxford em Hampstead estava repleta de preciosidade e que ele não conseguia interessar-se por coisa alguma de sua própria casa. - Quero conversar com você - disse ele, pondo o chapéu em cima de uma mesa. - Vou tentar encontrar-lhe uma cadeira, mas vai ser difícil, pois as cadeiras todas já estão separadas para o leilão - replicou Lorinda. Encaminhou o visitante para a biblioteca, que oferecia um espetáculo particularmente deprimente, com suas estantes vazias, pois todos os livros já tinham sido removidos. Os tapetes enrolados, as cadeiras amontoadas umas sobre as outras e os quadros encostados à parede. Lorde Wroxford, porém, só olhava para Lorinda, achando-a mais bela do que de costume, com seus cabelos ruivos e revoltos fazendo destacar a alvura da cútis. A moça parou no meio da sala. - Então, o que me tem a dizer? - perguntou, com indiferença. - Vim para fazer uma sugestão que pode livrá-la de todo este aborrecimento. Lorinda encarou o visitante com os olhos fuzilando, mas nada disse, e ele prosseguiu: - Poderemos ir para o exterior, fora do alcance dos mexericos maldosos. Estou convencido, como sempre estive, de que nos daremos muito bem juntos. Lorinda sorriu. - É muita bondade sua sugerir-me isso, Ulric, mas acho que já sabe a minha resposta. - O que você terá a perder? - perguntou Ulric. - Apenas esta confusão em que seu pai a meteu. Lorinda inclinou a cabeça para um lado, ligeiramente. - Não sei quanto tempo levaria antes de você se enfarar de mim - disse. - Acho que você não é do tipo que acha que o amor compensa tudo, Ulric. - Se você me amasse, acredito, sinceramente, que eu não desejaria mais voltar para a Inglaterra, e nem ao menos sentiria saudades. - Se!. .. - exclamou Lorinda. - É uma palavra muito prática! Sabe, tão bem quanto eu, que também ficaria enfarada de você antes mesmo de começarmos. - Eu a quero, Lorinda! Posso ensiná-la a amar-me. Lorinda deu uma gargalhada. - Você é mesmo bobo a ponto de acreditar nisso? Detesto todos os homens, e jamais amarei nenhum deles! Não conheço o amor nem me interesso por ele. 11
  • 12. Lorde Wroxford caminhou em direção à jovem. - Com todos os diabos, Lorinda! Você esgota a paciência de um santo! - E você não é santo! Encarou-o, com uma expressão maliciosa nos olhos. _ Eu o conheço muito bem, Ulric, e sei que me fez esta proposta, esperando, no fundo, que eu não aceitasse. _ Não é verdade! - protestou Ulric. - Você me excita até à loucura, sempre excitou! Se você tiver o mínimo juízo, virá comigo e deixará que eu a proteja. _ Nunca tive juízo, e sei melhor do que você que já estaríamos brigando antes de atravessar o canal da Mancha - replicou Lorinda. - Você iria querer tocar-me, e detesto ser tocada! Falava com tal veemência, que apagou o fogo que lavrara nos olhos de Lorde Wroxford. _ Pode haver alguém mais insensata e intratável? - perguntou ele. Lorinda não respondeu, e caminhava, agitada, pelo soalho nu, enquanto o outro prosseguia: _ Já imaginou o que vai ser sua vida, na Cornualha, tendo que agüentar seu pai, desesperado por não poder jogar? Pela expressão dos olhos da jovem, achou que tocara no ponto nevrálgico. _ Sem festas, sem admiradores - insistiu. - A não ser que você arranje alguns roceiros. Fez uma pausa, e acrescentou, maldoso: - Em tais circunstâncias, Lorinda, a beleza não dura muito tempo. Sentiu, embora não tivesse certeza, que nos olhos da jovem havia uma expressão diferente, de preocupação, e, aproximando-se dela, passou o braço em torno de seus ombros. - Venha comigo - disse, em voz baixa. - Havemos de nos divertir, de qualquer maneira. Poderemos mesmo ir ao Oriente, que sempre tive vontade de conhecer. Lorinda não se afastou dele, mas Lorde Wroxford percebeu que ela se inteiriçara. - E quando tivermos esgotado o Oriente? - perguntou ela. - E então? - Minha mulher pode morrer. Não goza de boa saúde. Lorinda deu uma risadinha e afastou-se do homem. - Ora, Ulric! Isso é uma bobagem tão grande como dizer que ela não o compreende. As pessoas não morrem só porque a gente tem vontade disso. Lorde Wroxford encarou-a, hesitante. A luz do Sol, atravessando as vidraças, iluminara-lhe os cabelos e dava a impressão de que ela estava envolta em uma auréola. _ Meu Deus, como você é bonita! exclamou ele. - Quero-a, Lorinda! Quero-a, mais do que achava possível desejar qualquer mulher, e estou disposto a possuí-Ia! Lorinda olhou-o com desdém. _ Minha velha babá costumava dizer que nem sempre querer é poder, e esta é minha resposta. _ Você não pode estar pensando assim! - insistiu o lorde. - Você não pode ser tão idiota, a ponto de rejeitar a única oferta que receberá nas circunstâncias presentes. Fechou a cara, ao acrescentar: _ Ouvi dizer que Edward vai ser levado para o campo, enquanto os outros rapazes que se lançavam aos seus pés estão procurando outra moça para idolatrar. Viu o sorriso de troça nos lábios de Lorinda, e isso o enfureceu. _ Sou riquíssimo, Lorinda, e estou disposto a gastar com você até o último níquel de minha fortuna. Você é mesmo tão inacreditavelmente idiota a ponto de me recusar? _ Eu sabia que acabaríamos chegando ao seu famoso dinheiro, mais cedo ou mais tarde - disse Lorinda, desdenhosamente. Se amanhã eu for posta à venda, tenho certeza de que você será um dos licitantes. Talvez possa comprar-me barato! Mas, enquanto a decisão estiver comigo, não estou interessada. - Se eu estivesse em meu juízo perfeito, deveria ir-me embora logo, sem lhe dizer mais nada - disse Lorde Wroxford, com amargura. - Mas vou dar-lhe mais uma oportunidade. Quer vir comigo? Lorinda estendeu a mão. - Meu caro Ulric, nunca hei de esquecer-me que você me fez uma oferta, seja ela qual for, quando ninguém mais se lembrou de mim. - Insiste mesmo em dizer não? - Quando eu estiver sentada na solidão da Cornualha, contemplando o mar e imaginando como arranjaremos uma fatia de pão, sem dúvida hei de lembrar-me de sua riqueza e ficarei muito alegre por saber que você ainda tem dinheiro suficiente para me comprar. - O que está querendo dizer com isso? - perguntou Lorde Wroxford. - Estou querendo dizer que você não tem a oferecer-me nada que eu precise, nada pelo qual eu devesse 12
  • 13. me vender. Não estou compreendendo. Talvez seja bom. Adeus, Ulric. - Está mesmo falando sério? - Estou. Obrigada por ter vindo. Como se não pudesse refrear-se por mais tempo, Lorde Wroxford deu um passo para a frente e estendeu os braços, mas Lorinda conseguiu escapar. - Agora, você já está ficando importuno - disse, rispidamente. - Vá, Ulric, que tenho muita coisa para fazer, e não posso perder mais tempo. - Com todos os diabos! - praguejou ele. - Estou falando sério. Você não pode mandar-me embora desta maneira! - Pode retirar-se e adeus! Assim falando, Lorinda abriu a porta da biblioteca, saiu, e Lorde Wroxford ouviu seus passos, subindo a escada sem tapete. Ficou imóvel, durante algum tempo, tendo no rosto uma expressão não apenas de frustração, como também de surpresa. Estava certo de que Lorinda preferiria aceitar sua proposta do que se meter na solidão da Cornualha. Aguardou por alguns momentos, como se ainda tivesse esperança de que ela voltasse. Mas reinava apenas um silêncio completo e, atravessando o vestíbulo, pisando forte, saiu pela porta da rua. * * * o leilão foi mais concorrido do que o próprio leiloeiro esperava. Embora estivesse marcado para as onze horas da manhã, às dez já estava chegando gente suficiente para encher a casa. Realizou-se no grande salão e as cadeiras que tinham sido arrumadas já estavam ocupadas, muito antes de começar a venda. Lorinda sabia que metade das pessoas presentes viera por pura curiosidade. Reconheceu um bom número de seus inimigos, de ambos os sexos, visivelmente satisfeitos com a situação em que ela se encontrava. Havia os que ela desprezara e ignorara, os que censuravam o seu comportamento e um certo número de mulheres que, no íntimo, a admiravam por fazer o que elas próprias desejariam, mas não tinham coragem de fazer. Havia, também, constatou Lorinda com satisfação, muitos compradores de verdade, que competiam entre si, fazendo com que os preços se elevassem. - Quer mesmo assistir ao leilão, milady? perguntara o leiloeiro. - Faço questão! - respondeu Lorinda. - Acho que a senhora pode sentir-se pouco à vontade. Em geral, essas coisas ficam inteiramente por nossa conta. - Estou com vontade de ver de quanto serão os lances. Sabia que a maioria das pessoas iria achar incrível que ela assistisse ao leilão, mas o orgulho não permitiu que fugisse, como seu pai tinha feito. "Podem pensar o que quiserem," disse a si mesma. "Mas não vou permitir que pensem que estou morrendo de abatimento ou chorando em cima de uma cama." Estava linda, com um ar de desafio, usando um vestido que lhe caía perfeitamente e um chapéu de abas largas, enfeitado de plumas, enquanto se mantinha sentada ao lado do leiloeiro, anotando o lance de cada lote. Mostrou-se, na realidade, de todo indiferente diante de cada lote posto à venda, até que as jóias de sua mãe foram trazidas para a sala. Então, pela primeira vez, sentiu um aperto no coração. - Você brilha como uma fada, mamãe - dissera à mãe, quando criança, certa noite em que fora dizer- lhe boa-noite, antes do jantar. - Este colar pertenceu à minha tetravó - dissera a mãe, acariciando as esmeraldas que tinha em torno do pescoço. - Um dia serão suas, minha filha, e irão combinar com a cor de seus olhos. Olhou, agora, para as esmeraldas, e sentiu-se pesarosa por nunca tê-las usado, mas sabia que seria ostentação de mau gosto para uma mocinha usar o colar e sempre se orgulhara de ter bom gosto para vestir. Muitas vezes, porém, lembrara-se das esmeraldas e, quando retirava do cofre as jóias menores, pensava que, quando se casasse, usaria o fantástico colar. Deveria fazer um efeito espetacular, pousado em sua cútis muito clara e combinando com as grandes pedras pendentes das orelhas. Agora, as lindas pedras verdes seriam vendidas "ao correr do martelo", e imaginava qual das mulheres 13
  • 14. presentes as compraria. Sabia muito bem que não precisava tê-las colocado em leilão. As jóias lhe pertenciam e, depois da morte de sua mãe, não permitira que seu pai as vendesse ou empenhasse, como muitas vezes desejara. - Elas são minhas, papai - dissera, sempre que ele sugerira tal coisa. - Pertenceram à família de mamãe e nada têm a ver com os Camborne. - Deixe-me arranjar algum dinheiro com elas - pedira o pai, às vezes. - Dentro em pouco as trarei de volta. Lorinda, porém, sempre se recusara, e, se agora as pusera à venda, fora simplesmente por sentir-se envergonhada do pai tentar fugir ao pagamento de uma dívida de honra. Quando, afinal, as esmeraldas foram vendidas, sentiu como se uma parte de sua mocidade, com seus ideais, tivesse desaparecido para sempre. Aquela jóia tinha para ela uma significação muito especial, embora não a pudesse definir exatamente por meio de palavras, e sentiu um grande alívio, vendo que não fora comprada por alguém conhecido. O comprador foi um homem idoso, que parecia um alto funcionário, e que deveria ser um joalheiro, com intenção de revendê-la. "Pelo menos, não vou ver nenhuma de minhas conhecidas usando o colar de mamãe", pensou, aflita para que terminasse o leilão. Quando terminou, afinal, seu alívio foi, realmente, indizível. - Um resultado muito satisfatório, na minha opinião, milady - observou o leiloeiro, quando ficaram sozinhos no salão vazio. - Quanto alcançou o total das vendas? - perguntou Lorinda. - Cerca de quarenta e cinco mil libras e, se a senhora aceitar vinte mil libras oferecidas pela casa hoje de manhã, terá o total de sessenta e cinco mil libras, antes de deduzir a nossa comissão. - Já lhe dei instruções para fazer o pagamento ao Right Honourable Charles Fox. - É o que se fará, milady. Lorinda pegou a capa de viagem e pô-la nos ombros. - Vai-se embora, milady? - perguntou o leiloeiro. - Vou sim - respondeu a jovem. Saiu, sem olhar para trás. A carruagem de viagem a aguardava, diante da porta, entregue a um criado muito jovem, que ela escolhera porque seu ordenado era inferior ao dos outros. A carruagem estava repleta de canastras, malas e caixas, e uma coleção variada de terrinas de lata e utensílios de cozinha, que não valeriam nada, se postas à venda. Lorinda contemplou-os sorrindo e, subindo à boléia, pegou as rédeas. Não havia muita gente ainda fora da casa, mas, ao afastar-se de Hanover Square, a jovem tinha certeza de que, antes do jantar, o beau monde, estaria comentando a aventura final de Lady Camborne. Em Piccadilly, havia uma multidão de basbaques vendo sua passagem. Todos estavam acostumados às coloridas librés da criadagem da aristocracia, mas quem já vira uma dama de estirpe com plumas no chapéu, guiando uma carruagem de viagem, e, ainda mais, com admirável perícia? Estando descansados, 0s cavalos atravessaram a boa velocidade as ruas movimentadas, e avançaram ainda mais depressa, quando encontraram a estrada desimpedida. Quando já não havia espectadores, Lorinda passou as rédeas para o criado. - Segure estas rédeas por um tempo, Bem – disse – Temos que viajar muito, e preciso ficar mais a vontade. O criado obedeceu, e Lorinda tirou o chapéu, que guardou embaixo do banco, e cobriu a cabeça com uma encharpe, amarrada sob o queixo. - Uma aventura e tanto, hem, milady? – perguntou com uma caretinha. - Uma aventura no desconhecido - concordou Lorinda. - E, como não haverá regresso, tratemos de nos deleitar com ela. Dizendo estas palavras, olhou para o horizonte azul, que se estendia no rumo do sudoeste. Sabia que dissera a verdade a Ben: não haveria regresso. Era o fim de um capítulo de sua vida. * * * A viagem foi longa, e Lorinda sentiu-se cansada muito antes de chegarem à Cornualha. Como não queria trocar os cavalos nas estações de muda, teve de resignar-se a não viajar tão depressa quanto queria. Tinham de chegar cedo a cada pouso, e deixar os animais descansarem bastante, para partirem no dia seguinte cedo. Como precisava economizar, Lorinda não procurou as hospedarias maiores e mais caras, e sim as 14
  • 15. menores e menos confortáveis, onde o seu aparecimento provocava emoção, pois eram raros os hóspedes de qualidade. Em sua maior parte, os proprietários faziam questão de agradar, e por mais sem conforto que fosse o leito e mais grosseira que fosse a roupa de cama, ela conseguia dormir profundamente, e acordar bem des- cansada na manhã seguinte. Trocara o melhor vestido, que usara durante o leilão, por um menos bonito e mais prático. Chegou a pensar que ficaria muito mais à vontade usando vestes masculinas, mas refletiu que, se aparecesse vestida como homem, iria escandalizar a maioria das pessoas que encontrasse. Manteve, pois, seu aspecto feminil, embora a falta de um chapéu parecesse surpreender muitos dos donos de hospedaria e suas esposas. Algumas das estradas eram más, porém, o tempo estava seco, e, pelo menos, as rodas da desajeitada carruagem não se atolavam na lama, o que constituía uma das maiores dificuldades das viagens no inverno. Caíam, às vezes, pancadas de chuva, mas Lorinda negava-se a seguir a sugestão de Ben, de que entrasse na carruagem enquanto ele dirigia. pois sua capa, que tinha um capuz, consistia uma proteção suficiente contra os elementos naturais, Em certas ocasiões, fazia muito calor, e as moscas atormentavam os cavalos, de sorte que Lorinda tinha de parar e descansar durante uma hora, depois da refeição do meio-dia. A jovem não conversava muito com Ben, e ficava a maior parte do tempo pensando no que teria que enfrentar, refletindo como seria difícil arranjar as quarenta mil libras que ainda devia a Charles Fox. Estava certa de que ele não iria exigir, de imediato, o pagamento da dívida, pois era, segundo se dizia, um homem de bom coração, e ele próprio já estivera às voltas com dívidas de jogo, sabendo que não era fácil arranjar muito dinheiro de uma hora para a outra. O fato, porém, é que era uma dívida de honra que, custasse o que custasse, deveria ser saldada. Quando começaram a atravessar a árida e rochosa charneca de Bodmin, Lorinda teve a impressão de que entrara em um mundo novo. Há muitos anos não via o estuário do Fal, e esquecera quanto era belo, e como eram lindas suas flores, em comparação com outras quaisquer do país. O clima quente, que parecia, às vezes, semitropical, tornava possível o cultivo de flores e plantas que não vingavam em qualquer outra parte da Inglaterra. Naquela época do ano, eram mais abundantes e mais coloridas do que em qualquer outra ocasião. Deleitada, Lorinda reconheceu limoeiros e laranjeiras, e mesmo uma bananeira. Sob as árvores, a relva estava coberta de flores, cujos nomes ela ignorava, e orquídeas silvestres, cujos tons cor-de-rosa e roxo lhe traziam lembranças da infância. Quando sua mãe era viva, costumavam ficar muito tempo na Cornualha, e somente depois de sua morte foi que o conde se negara a sair de Londres. O prior ato fora fechado, a partir de então, havendo apenas um casal que tomava conta, a troco de uma ninharia, porque se dava por bastante feliz tendo um teto onde se abrigar. Sabendo perfeitamente que seu pai iria mostrar-se muito exigente, Lorinda deu instruções ao criado que levara, sobre a maneira com que deveria agir. Esperava ser bem recebida, pois o conde sabia que, com a sua chegada, a situação dele próprio se tomaria mais confortável. Os cavalos alcançaram o alto da colina e, olhando para o vale abaixo, Lorinda, apontando com o chicote, disse a Ben: - Lá está o priorato! Havia um leve tom de orgulho em sua voz, ao ver a beleza da paisagem. A velha casa fora um priorato ligado ao castelo, que se transformara em ruínas, havia séculos. Muito branca, no meio da verdura das árvores que a cercavam, parecia desafiar o tempo, majestosa, e, para além dela, como contraste natural, ficava o mar, de um azul muito vivo. - É sua casa, milady? - perguntou Ben, surpreso. - É, sim! - respondeu Lorinda, pensando que o criado ficaria menos impressionado, quando visse a casa de perto. O abandono já era evidente quando desceram a encosta, pela estrada cheia de buracos e margeada por árvores velhas e maltratadas. O pátio diante da porta de entrada estava coberto de ervas daninhas, e uma parte das grades, outrora douradas, tinha caído. Lorinda parou a carruagem diante da porta, sentindo os braços doloridos, por ter dirigido durante tão longa distância. No íntimo, dava graças a Deus por não terem de ir mais longe. Desceu do carro, e o criado que acompanhara seu pai apareceu, seguido por um casal de velhos, 15
  • 16. naturalmente os caseiros. Cumprimentou-os e entrou na casa. O estado da casa era ainda pior do que imaginara. As paredes tinham infiltrações e para os tetos nem valia a pena olhar. Os móveis não eram envernizados havia anos, evidentemente, e não havia dúvida de que nunca tinham sido espanados. Lorinda seguiu adiante, adivinhando que seu pai devia estar ocupando o quarto de que sua mãe sempre gostara, cujas largas janelas davam para o jardim, e que contava com uma bela lareira de mármore. De fato, o conde lá estava, sentado em uma poltrona, com uma mesinha de jogo em sua frente. Estava jogando paciência. - Aqui estou, papai. O conde não se levantou, limitando-se a encará-la, e ela percebeu que ele andara bebendo. - Como você, cheguei sã e salva acrescentou Lorinda. – E, uma vez que se mostra tão interessado em saber, posso informar que a viagem foi relativamente confortável e tranqüila! - Trouxe algum dinheiro? - perguntou O conde. - Todo o dinheiro apurado no leilão foi remetido, como o senhor devia saber, a Mr. Charles Fox. - Todo o dinheiro? - Naturalmente. - Mas que absurdo! - observou o conde. - Como é que você acha que nós vamos viver? - Realmente, não pensei nisso - replicou Lorinda, friamente. - Tenho algumas libras para as nossas necessidades imediatas, e espero que se possa colher no quintal alguma coisa para a gente comer. - Se está disposta a comer erva daninha ... Lorinda chegou à janela e contemplou a selva em que o belo jardim e o quintal se haviam transformado. Os gramados, que antes pareciam um manto de veludo, tinham virado um matagal; as flores e arbustos mais pareciam uma floresta tropical, numa confusão de folhas e de cores sem qualquer ordem ou disposição. No entanto, o Sol brilhava, e ela não deixava de ter a sensação de haver voltado para casa. Saiu para o ar livre, como se esperasse ouvir a voz da mãe chamando-a. Depois, como se não quisesse relembrar o passado, voltou para o quarto onde seu pai se encontrava. - Vou examinar a casa - disse - e gostaria de jantar cedo. Estou morrendo de fome. Desde manhã cedinho que não como nada. - A comida é horrível! - disse o conde. - Não há ninguém na casa que saiba cozinhar. Lorinda não esperou que ele acabasse de falar. Começou a examinar a casa, que ainda estava pior do que esperava. - Espero que seja tragável - disse o conde, no jantar, servindo-se de uma travessa oferecida pela velha caseira. - Eu é que fiz quase tudo - disse Lorinda. - Amanhã, vou dar algumas lições à Sr.a Dogman, para que a gente, pelo menos, não passe fome. - Sem dúvida, está melhor do que o que andei comendo estes últimos dias replicou o conde, com a boca cheia. - O senhor não tentou matar alguns coelhos? - perguntou Lorinda. - Vi muitos no parque. - Ainda não encontrei uma espingarda - informou o pai. - O que andou fazendo, meu pai? - Estive na aldeia. - Sem dúvida, para visitar o "Penryn Arms" - observou Lorinda. - Aonde mais poderia ir? - disse o conde. - Não encontrei nada para beber nesta casa. E explicou, muito calmo: - Lá, pelo menos, há um excelente conhaque! Como Lorinda mostrasse surpresa, ele esclareceu: - Vem da França. De onde poderia ser? - Quer dizer que é contrabando? - Sempre foi. Na Cornualha sempre foi assim. Lorinda ficou em silêncio, e o conde acrescentou, depois de refletir um pouco: - Nós mesmos podíamos tentar fazer um pouco de contrabando! Dizem que os contrabandistas ganham fortunas, algumas vezes multiplicam o investimento inicial cinco vezes! - É verdade? - perguntou Lorinda. Lembrou-se de que os aldeães sempre viviam empenhados no contrabando ou preocupados com ele. Ouvira falar que os lucros compensavam o risco, mas não a tal ponto. - O contrabando pelo menos tornaria menos monótona a vida neste buraco - observou o conde. Falava agressivamente e, não querendo discussões, Lorinda perguntou: - Devem ter ficado surpresos de vê-lo na aldeia. Houve muitas mudanças, depois que estivemos aqui pela 16
  • 17. última vez? - Nenhuma, que eu saiba - respondeu seu pai. - A não ser que muita gente morreu, e o resto já deveria ter morrido. Lorinda deu uma risada. _ Anime-se, papai. Aqui pode não ser Carlton House ou o White's, mas é a nossa casa, e, como temos de morar aqui, devemos tirar o máximo proveito dela. - Não há proveito nenhum que se possa tirar do nada - resmungou o conde. - Não estou recordando muito bem, mas, antigamente, tínhamos vizinhos - observou Lorinda. - Se existem, não os conheço ainda. - Não devem saber que o senhor está aqui. Procure lembrar-se de seus nomes. O conde encolheu os ombros, como se não estivesse interessado, mas depois disse, como que relutando em transmitir a informação: - Há uma novidade. - O que é? - perguntou Lorinda. - Algum maluco, pois só pode ser maluco, está restaurando o Castelo de Penryn. - Não acredito! - exclamou a moça. - É algum dos Penryn? - Não. Ouvi falar que ele se chama Hayle, Durstan Hayle, e que veio da Índia. - Deve ser muito rico para poder restaurar o castelo - observou Lorinda. - Lembro-me de que ele já estava mais estragado do que esta casa. - Na aldeia, dizem que ele está nadando em dinheiro. Será que joga cartas? - O que é isso, papai? - advertiu a jovem. - O senhor sabe muito bem que não poderá jogar, enquanto não pagar a dívida. - E como é que vamos pagá-la? perguntou o conde. - O único meio de ganhar dinheiro que conheço, é o jogo. - O senhor não pode jogar, se não tem dinheiro para apostar - lembrou Lorinda, como se estivesse ralhando com uma criança. - Se esse indiano quiser jogar, posso perfeitamente jogar com ele - replicou o conde. - Posso ganhar muito dinheiro dele. Lorinda conteve a respiração. "Não adianta discutir", pensou. Não conseguiria fazer com que seu pai compreendesse quanto era censurável, e mesmo desonroso, querer jogar sem pagar o dinheiro que devia. - Estou com vontade de ver o Castelo de Penryn - disse, em voz alta. - O que foi que o senhor ficou sabendo a respeito de Mr. Hayle? - Apenas que ele é muito rico. - Por que será que está interessado no castelo? Quase todos os homens que ganham dinheiro no Oriente querem ficar em Londres ou lá por perto. - Imagino só a confusão que ele vai fazer - disse o conde, sombriamente. Lembro-me de que, quando eu era menino, o castelo era um dos lugares onde se realizavam as melhores festas de toda a região! Ficou pensativo por um instante, depois continuou: - Costumavam oferecer bailes no inverno, recepções ao ar livre no verão, e o velho Lorde Penryn recebia com uma hospitalidade que já não se vê hoje em dia. Parecia muito animado, e, para estimulá-lo, Lorinda disse: - O senhor deve ter se divertido muito naquele tempo, papai. - Vou dizer-lhe uma coisa: tínhamos cavalos excelentes! - observou o conde. E, quando Penryn herdou o título, eu e ele costumávamos organizar caçadas a cavalo e corridas de obstáculos. Eram divertidís- simas, embora diversos corredores acabassem caindo do animal. Deu um suspiro, exasperado. - Não creio que esse tal sujeito saiba distinguir uma extremidade da outra de um cavalo. Deve estar acostumado a montar elefantes! Estava visivelmente irritado, evidentemente porque Mr. Hayle era rico, ao passo que ele estava arruinado. O conde era muito mesquinho, às vezes, e Lorinda fez votos para que ele não começasse a implicar com o novo vizinho, antes mesmo de conhecê-lo. A não ser que o condado tivesse mudado muito, depois de sua infância, Lorinda sabia que os vizinhos eram poucos e muito espalhados, e, fosse quem fosse o recém vindo, seria aconselhável manter boas relações com ele. 17
  • 18. "Talvez seja resultante da idade de papai", pensou. "Mas espero que não vire beberrão, pois não podemos gastar muito dinheiro com vinhos!" Terminado o jantar, voltou com o pai para a sala de estar, e começou a imaginar como conseguiria tornar apresentável pelo menos aquele aposento. Não era aconselhável reabrir muitos dos cômodos, tendo apenas o casal de velhos para limpá-los. O mais sensato seria misturar os melhores móveis, os sofás e cadeiras ainda confortáveis, e fechar o resto da casa. Como se adivinhasse o que ela estava pensando, seu pai exclamou, de súbito, com violência: - Não posso agüentar isto aqui, Lorinda! Não posso ficar aqui encarcerado, a léguas de distância de qualquer pessoa com quem se possa conversar, e vendo apenas uns roceiros em cuja companhia se possa tomar alguns goles. Sua voz denotava tanto desgosto, que, pela primeira vez, Lorinda teve pena dele. - Não posso fazer coisa alguma, papai - replicou. - Temos de ficar aqui, a não ser que consigamos vender a casa e as terras. Encarreguei os corretores de procurar compradores, antes de sair de Londres, mas não é preciso dizer que eles não se mostraram muito otimistas. O conde não fez comentários, e Lorinda prosseguiu, um momento depois: - Logo que tiver tempo, irei a Falmouth, para conversar com os corretores imobiliários de lá, e talvez possamos colocar um anúncio no jornal local. Esperava um acesso de fúria do pai, por não aceitar a idéia, como ocorrera em Londres. Em vez disso, porém, ele disse, apático: - Faça o que quiser! Só posso dizer que, se tiver de suportar isto aqui por muito tempo, vou mesmo meter uma bala na cabeça! Sentou-se na poltrona, ao mesmo tempo em que dava um murro na mesa, fazendo voar para .todos os lados as cartas com que estivera jogando paciência. Como se tivesse perdido os últimos resquícios de autodomínio, o conde começou a praguejar, violentamente, e, por vezes, de maneira obscena. Lorinda não se dispôs a escutar e saiu pela porta envidraçada indo para o jardim. O Sol estava desaparecendo em um esplendor de beleza, tingindo o céu de vermelho e dourado. A moça ouviu o silvo estridente de um morcego e viu suas asas pontudas desenhadas contra o céu. Afastou-se da casa, até já não ouvir a voz de seu pai e, então, respirou fundo. - Não me deixarei derrotar! - disse alto, mas a voz se perdeu entre os espessos galhos das árvores. CAPíTULO III Estava escuro no bosque, e apenas um pálido clarão do céu estrelado se filtrava através dos ramos das árvores. Lorinda, porém, achava ter encontrado o caminho, seguindo, cegamente, o trilho sinuoso que, partindo do priorato e atravessando o bosque, chegava até o mar. Tropeçou e ouviu o tilintar das moedas no bolso do casaco. Pensou com satisfação que, se seu pai tivesse razão, poderia aumentá-las cem vezes, antes de recebê-las de volta. Fora uma aventura desesperada pela qual se decidira, mas sentia que era uma solução que lhe fora imposta, porque, de fato, não haveria outra, de que pudesse viver. O dinheiro que trouxera de Londres não iria durar muito tempo, e ela sabia que, muito em breve, teria de contar apenas com o que pudesse ser cultivado no quintal ou caçado nos campos. Não haveria, evidentemente, dinheiro para a bebida que seu pai não podia dispensar, e não havia a menor dúvida de que ele já fizera uma dívida considerável na "Penryn Arms". Durante a viagem, ficara sabendo que havia pagamentos por parte dos arrendatários da terra que viviam na fazenda. Imaginara que deveria haver dívidas bastante consideráveis a serem recebidas; muito embora tivesse de reconhecer que se tratava de uma esperança muito precária. Os arrendatários estavam, sem dúvida, com os pagamentos atrasados, mas quando os visitou, Lorinda não teve coragem de cobrar-lhes o que deviam. Com efeito, eles logo reclamaram uma série de reparos que deviam ser feitos por conta do proprietário, e não precisavam dizer-lhe, pois ela via com os próprios olhos o estado lamentável dos telhados das casas e celeiros. Não haveria, portanto, pagamento por parte dos arrendatários. Como viveriam, então, ela e seu pai? Lorinda sempre se mostrara disposta a assumir qualquer ação corajosa, ou mesmo escandalosa, e os contrabandistas estavam em condições de oferecer ambas as coisas. Ela conseguira esconder o dinheiro do pai, cuidadosamente, mas tirou vinte guinéus de ouro do 18
  • 19. decrescente montante, e, por meio de informações discretamente colhidas, ficou sabendo onde os contrabandistas desembarcavam, quando regressavam de sua longa viagem à costa francesa. Logo que lhe disseram que era na enseada de Keverne, lembrou-se muito bem do local: um discreto braço de mar, entre altos rochedos, perto do qual, muitas vezes, fizera piqueniques em companhia de sua mãe ou da babá. Enquanto Lorinda caminhava, o céu começou a clarear e as estrelas a se apagarem. A aurora já se avizinhava, e, naturalmente, os contrabandistas iriam aproximar-se do litoral, protegidos pela escuridão, para evitar a guarda costeira, e deveriam desembarcar na enseada aos primeiros alvores da madrugada, uma vez que também não poderiam desembarcar no escuro. A jovem lady avançou, imaginando se algum dos homens se lembraria dela. Tinha certeza, porém, que, logo que dissesse quem era, eles se mostrariam inteiramente dispostos a receber seu dinheiro, a fim de comprar com ele o conhaque, tabaco, rendas e sedas, que alcançavam preços tão elevados nos mercados ingleses. O contrabando estava entranhado no sangue dos habitantes da Cornualha, que o praticavam não apenas visando o lucro, como também pelas emoções que trazia, e que estava bem de acordo com sua natureza aventurosa. Lorinda percebia, agora, o arrastar de pequenos animais contra o solo, o ruflar de asas que deixavam as árvores... Um pouco adiante, pôde ouvir o barulho das ondas quebrando-se de encontro aos rochedos, misturado com o canto das aves que despertavam. Lorinda movimentava-se com facilidade, pois não era dificultada por nenhuma saia. Sempre preferira as vestes masculinas, e encontrara, nas canastras guardadas no sótão do priorato, muitas roupas que seu pai usara quando rapaz. As saias rodadas eram pouco práticas, ao passo que os calções, que se ajustavam perfeitamente ao seu corpo, eram o de que necessitava em uma aventura como aquela. Encontrou um casaco para cobrir a fina camisa, e, embora velho e estragado, serviu-lhe muito bem. Refletindo que seria conveniente que parecesse, realmente, um rapaz, até que os contrabandistas ficassem sabendo quem ela era, escondeu os cabelos ruivos sob um gorro de veludo preto, que devia ter sido usado por um dos batedores de seu avô. Olhou-se no espelho, antes de sair do quarto, e achou que, realmente, seu aspecto estava bem: masculino e que somente olhada mais de perto a beleza de seu rosto a trairia. Agora, à medida que o barulho das ondas ia se tornando mais forte, as árvores rareavam, e ela avistou, à esquerda, o recortado contorno dos rochedos. O terreno começou a descer na direção da enseada, mas Lorinda se manteve escondida pelas árvores, refletindo que, quando os contrabandistas chegassem, poderiam se assustar, se encontrassem alguém à sua espera. Havia a possibilidade de que, pela suspeita de ser um espião ou um guarda aduaneiro, ela recebesse uma bala no corpo, antes que pudesse explicar sua missão. O mato tornou-se mais espesso na encosta, mas Lorinda pôde ver a enseada perfeitamente. O braço de mar, estendendo-se terra adentro, entre rochedos elevados, constituía um esconderijo ideal para um barco de contrabandistas, não podendo ser visto do; mar. De onde estava, porém, foi fácil para a moça verificar que a enseada estava vazia, e que, portanto, os contrabandistas ainda não haviam chegado. Enfiando a mão no bolso, a fim de certificar-se de que a bolsa de ouro ainda continuava lá, encostou-se ao tronco de uma árvore, para esperar. As estrelas já haviam quase se apagado, e a primeira claridade da aurora imprimia a tudo uma beleza etérea, quase indescritível. De súbito, sentindo o coração bater com mais força, Lorinda viu o ponto negro no mar aproximar-se cada vez mais, até que penetrou na enseada e avançou até perto de onde ela estava observando. O barco era comprido e estreito, e tinha vinte remadores. Lorinda podia distinguir perfeitamente suas cabeças, desenhadas contra o céu cinzento, mas seus rostos ainda estavam envoltos pela escuridão, e todos eles guardavam um silêncio profundo, movendo os remos sem fazer o menor barulho. Dois homens, que vinham à proa, pularam na água, a fim de puxar o barco para uma praia pedregosa. Lorinda notou que a popa da embarcação estava repleta de mercadorias'. Nesse momento, um movimento em terra atraiu-lhe a atenção e, olhando por cima das árvores do bosque, ela pôde ver um certo número de potrinhos, conduzidos por meninotes, que se encaminhavam para a enseada. Como todos os homens já haviam desembarcado, Lorinda achou que chegara o momento de procurá-los. Deu alguns passos para a frente, depois escancarou a boca, para dar um grito de horror, que foi, 19
  • 20. porém, abafado, antes de escapar. A mão de alguém tampara-lhe a boca, e um braço duro como aço cingia-lhe o corpo. Não vira ninguém aproximar-se, e a surpresa petrificou-a de assombro, durante um momento. Depois, começou a lutar. Lutou, dando pontapés e contorcendo-se, inutilmente, pois o braço que a apertava era tão forte, que ela mal conseguia respirar e a mão que lhe cobria a boca era brutal. Continuou a lutar, silenciosa e desesperadamente, tanto mais amedrontada quanto não podia ver seu captor. Sabia apenas que ele ali estava e que não adiantava querer escapar de seu domínio. Com a luta, o gorro lhe caiu da cabeça e seus cabelos ruivos tombaram em cascata até os ombros. Pela primeira vez, o atacante emitiu um som e deu uma gargalhada, que causou a Lorinda mais pavor do que se tivesse sido uma ameaça. Sentiu-se, de súbito, exausta com o esforço que fizera para desvencilhar-se. Lutara desesperadamente, mas sem qualquer resultado. Quase sem poder respirar, sentiu o corpo desfalecer sobre o do homem, que disse, em voz baixa: - Esta espécie de trabalho não lhe serve. Volte para casa! Lorinda ficou furiosa com o tom autoritário de sua voz. Recomeçou a lutar, embora soubesse que era de todo inútil. O homem carregou-a nos braços, e não ficou afetado com os pontapés que lhe tentou acertar. Levou-a de volta pelo caminho por onde ela viera e, quando atingiu a parte mais fechada do bosque, onde a luz do Sol não penetrara ainda, pô-la de pé no chão. - Volte para casa! - ordenou. - E guarde seu dinheiro para algum melhor empreendimento. Tirou a mão da boca de Lorinda enquanto falava, e a moça percebeu, então, quanto ele a machucara. Embora estivesse bem escuro, quis virar-se e enfrentá-lo. As mãos do homem, porém, aferraram-se em seus ombros, empurrando-a para a frente e, como não houvesse outra alternativa no momento, a moça seguiu pelo caminho que ele queria. Caminhou, assim, algumas jardas. Depois, sentindo-se furiosa, ao lembrar-se que estava obedecendo às ordens de um estranho, e com a brutalidade com que fora tratada, virou as costas. Estava escuro dentro do bosque, e era quase impossível distinguir 'sequer o contorno das árvores. Lorinda olhou, pensando que o homem deveria ter ficado parado, depois que a empurrara, mas nada viu. Não havia sinal do desconhecido, nem se ouvia o menor ruído. Lorinda parou indecisa, sem saber se o desafiaria e voltaria a procurar os contrabandistas. Refletiu, depois, que talvez o homem fizesse parte do bando. Quem mais poderia adivinhar que ela trouxera dinheiro consigo? Dinheiro que ela queria que os próprios contrabandistas aplicassem em sua próxima viagem à França. Ficou parada, durante alguns minutos, sem saber o que deveria fazer. O homem machucara-lhe muito a boca e o queixo, e o aperto de seu braço talvez lhe tivesse até quebrado alguma costela. Em uma competição de força, ela não teria oportunidade, e, portanto, teria de aceitar o inevitável. Sentia-se sufocar, com aquela raiva que não podia dominar, pois, pela primeira vez na vida, fora derrotada e impedida de fazer o que tencionava. O pior era saber que, não apenas seu atacante era um estranho, como nem sequer fazia a menor idéia de como era ele. * * * Lorinda saiu da cocheira com as faces em brasa e um sorriso nos lábios. Acabara de voltar ao priorato, depois de passar a manhã amansando um potro bravo, para um dos seus arrendatários. O homem lhe dissera que comprara o animal na feira de cavalos, que se realizara em Falmouth, na semana anterior, e que somente quando o trouxera para a casa constatara que era inteiramente selvagem. - Comprei-o muito barato, milady, mas estou vendo que joguei fora meu dinheiro - lamentou-se o homem. - Eu o amanso para o senhor - prometeu Lorinda, com os olhos brilhando. - Eu lhe ficaria muito grato, milady. Mas acho muito perigoso. - Não vai me acontecer nada - afirmou Lorinda, confiante. Foi uma luta que durou duas horas, mas da qual não havia dúvida de que Lorinda saíra vitoriosa. Ainda haveria muita coisa a fazer, mas o potro já estava começando a reconhecer a superioridade da domadora, e não levaria muito tempo para obedecer às suas ordens. Quando Chegou em casa, notou que lá estava um faéton elegantíssimo, puxado por uma parelha de 20
  • 21. cavalos castanhos, que a fizeram ficar boquiaberta de admiração. Junto dos cavalos, estava um palafreneiro, e Lorinda deduziu que o dono da carruagem devia estar no interior, com seu pai. Apressou os passos, ao atravessar o vestíbulo, imaginando quem poderia ser. Nem lhe passou pela cabeça a idéia de que deveria trocar os calções de montar que usava, e que tinham sido de seu pai, e tirar as botas com esporas de prata. Como o dia estava quente, o busto estava coberto apenas por uma camisa de homem, com um lenço de seda amarrado em torno do pescoço. Estava vestida bem a propósito, para amansar um potro fogoso, embora tivesse notado que o arrendatário a olhara muito espantado, levando-a a pensar que, mais cedo ou mais tarde, aquela gente teria que se acostumar com sua aparência. Teria sido impossível para ela fazer a façanha daquela manhã metida em uma amazona, que as mulheres usavam para andar a cavalo, ou sentada em um silhão, em vez de estar montada em uma sela. Os cabelos tinham sido penteados formando na nuca um coque que se desfizera durante a luta com o cavalo, caindo soltos pelos ombros. Sem pensar, contudo, em sua aparência, Lorinda abriu a porta da sala de estar. Como esperava, seu pai não estava só, e os dois homens achavam-se de pé junto à janela, conversando. Viraram-se, quando Lorinda entrou, e a moça viu que o visitante era um homem alto, de ombros largos e, embora não compreendesse bem por que, achou-o diferente de todos os outros homens que conhecera até então. Não era exatamente bonito, mas tinha um rosto extremamente simpático e, por baixo das sobrancelhas fortemente acentuadas, os olhos escuros eram vivos e observadores. Encarou a jovem de um modo que ela achou que refletia mais impertinência do que admiração e, quando ela se aproximou, havia algo de sarcástico no leve sorriso que lhe entreabriu os lábios finos, que a levou a irritar-se. - Ah! É você, Lorinda?! - exclamou o conde. - Estivemos ontem conversando a respeito de Mr. Dustan Hayle, e ei-lo em pessoa! Lorinda estendeu a mão. - Muito prazer! O visitante apertou-lhe a mão com força e, pela primeira vez, ela pensou que deveria ter mudado a roupa e posto um vestido. Naturalmente, Mr. Hayle esperava que ela fizesse uma cortesia, o que seria inconcebível com aqueles calções de montaria. - Estive amansando um potro para o nosso arrendatário Trevin - disse ela, quase que aborrecida consigo mesma, por ter achado necessária uma explicação.. Instintivamente, levantou a cabeça, e seus olhos tinham uma expressão de desafio, quando encontraram os de Mr. Hayle. Algo, evidentemente, o divertiu, antes que ele afastasse os olhos, para dirigir-se ao conde. - Tenho que me retirar, milorde, para que reflita sobre a proposta que lhe fiz. Desejaria saber a resposta hoje à noite, ou, no mais tardar, amanhã cedo. - Que proposta? - perguntou Lorinda. - Seu pai lhe dirá, depois que eu me tiver retirado - respondeu Durstan Hayle. Essa resposta enfureceu Lorinda, embora, afinal de contas, ela soubesse muito bem que seu pai não decidiria coisa alguma, sem consultá-la. - Gostaria de saber do que se trata - insistiu. Mr. Hayle encarou-a, e, mais uma vez, ela sentiu que havia algo de impertinente na maneira com que a olhava, incontestavelmente crítica. Estendeu a mão ao conde. - Estou muito interessado em saber a sua decisão, milorde - falou, saindo da sala sem sequer olhar para Lorinda. Esta olhou-o, atônita. Não era aquela, sem dúvida, a maneira com que os homens habitualmente a tratavam, e ela sentiu-se ainda mais irritada ao admitir que o visitante possuía uma distinção que ela não esperava encontrar no campo. Sua roupa era bem-feita e estava no rigor da moda, mas ele a usava com uma displicência que lhe era intrínseca, e que mostrava quanto tinha confiança em si mesmo e que pouco-caso fazia da opinião alheia. Lorinda não refletiu muito em como já sabia tanto a seu respeito. Era um conhecimento instintivo, e mal a porta se fechou, deixando-a sozinha em companhia do pai, virou-se para este, com uma voz inespera- damente áspera: 21
  • 22. - O que foi que ele lhe propôs, papai? Para sua surpresa, o conde atravessou a sala e foi sentar-se na poltrona de costume, antes de responder. Parecia incapaz de encontrar as palavras convenientes, e Lorinda fitou-o, apreensiva. - E então? - perguntou. - Evidentemente, é alguma coisa fora do comum, senão ele não faria tanto segredo. Falou com desdém, e o pai parecia sem coragem de encará-la. Lorinda, aproximando-se dele, insistiu, decidida: - Diga-me o que é, papai. Vou ter de saber, mais cedo ou mais tarde. - Hayle propôs comprar o priorato e todas as terras! Os olhos de Lorinda brilharam. - Isso seria a solução de todos os nossos problemas! Quanto foi que ele ofereceu? - Oitenta mil libras! - Oitenta mil libras? - repetiu Lorinda, estarrecida. - Ele deve estar doido! Não vale a metade! - Ele me disse que, com quarenta mil libras, pagaria a dívida para com Charles Fox, e sobrariam quarenta mil para mim mesmo. Você tem de concordar que foi uma oferta generosa. - É claro que é generosa! Aquele homem deve ser doido varrido, ou então tem algum outro motivo para andar jogando dinheiro fora. Naturalmente, o senhor aceitou, não é mesmo? - Achei que deveria primeiro conversar com você. - Devia estar cansado de saber que eu não iria discordar - disse a moça. - É muito mais do que esperávamos. O senhor ficaria livre da dívida e, se soubéssemos gastar com moderação, poderíamos viver perfeitamente com quarenta mil libras. - Hayle sugeriu que eu fosse para a Irlanda - disse o conde. - Naturalmente, eu nada disse, mas parece que ele sabe que não desejo voltar para Londres, por enquanto. - Como foi que ele soube disso? - perguntou Lorinda. O conde encolheu os ombros. - Não faço a menor idéia e, evidentemente, não toquei no assunto com ele. - Realmente, o senhor não pode voltar, nem mesmo depois que a dívida for paga, e a Irlanda é, sem dúvida, uma boa alternativa - concordou Lorinda. - Não há lugar melhor para caçadas. Eu vou gostar muito. Houve um pequeno silêncio, depois o conde observou: - Você não iria comigo. - Não iria com o senhor? - replicou Lorinda. - O que está querendo dizer? - Há uma condição para ultimar a transação. Era, evidentemente, algo constrangedor, e Lorinda olhou, perplexa, para o pai, antes de perguntar: - Qual é a condição? - Que você se case com ele! Lorinda arregalou os olhos. Durante um momento, ficou de todo sem voz, depois conseguiu articular: - O senhor está brincando, papai? - Não. Foi a oferta de Hayle: que ele compraria o priorato e as terras e, como não há outro Camborne para manter a tradição, ele se casaria com você, para que você ficasse proprietária em parte. - Ele deve estar doido! - exclamou Lorinda. - Nunca ouvi falar de uma coisa tão insensata em minha vida! Estendeu o braço, para se apoiar na lareira, como se estivesse precisando de apoio, e acrescentou: - Presumo que o senhor tenha discutido com ele, papai. Disse-lhe que estamos dispostos a vender-lhe a casa e as terras por menos, se ele não incluir a condição? - Ele deixou bem claro que só a compraria se você se tornasse sua esposa disse o conde. - Não podia estar falando sério! Não me conhecia até hoje, e, se já me tinha visto antes de conhecer- me pessoalmente, hoje não deu a menor demonstração de estar apaixonado por mim. Isso, aliás, pensou, não era muito surpreendente, em vista da maneira como se achava vestida. Mas, se ele ficara chocado, tanto melhor. Iria desistir de sua idéia ridícula. Na verdade, poderia comprar o priorato e as terras por trinta mil libras. Lorinda, aliás, não esperava nem isso. Por outro lado, casar-se com aquele estranho, um homem a respeito do qual nada sabia, era uma proposta absurda demais para ser sequer cogitada. - Tenho de conversar com ele! - exclamou. Seu pai remexeu-se, inquieto. - Hayle deixou bem claro que só queria entender-se comigo. Acho que ele não gosta de mulheres que se 22
  • 23. metem em negócios. - Então, vai ficar sabendo que está enganado. - Ele faz questão de que a resposta seja dada hoje à noite ou amanhã cedo. Acho que pretende sair do castelo amanhã à tarde. - Está impondo condições, que, como o senhor sabe muito bem, papai, são inaceitáveis! O conde levantou-se da cadeira. - Com todos os diabos, Lorinda! Não pode exigir uma coisa dessas! Você sabe muito bem que não vamos receber oferta melhor. Qual seria a outra pessoa capaz de oferecer oitenta mil libras por uma casa ar- ruinada e umas terras que necessitam o emprego de muito dinheiro para serem aproveitadas? Lorinda sabia que era verdade. - Além disso, assim eu poderia ir-me embora - disse o conde. - Não agüentarei isto aqui por muito mais tempo! Na verdade, Lorinda, juro que se você não aceitar essa proposta, eu me suicidarei, como pre- tendia fazer, quando você se intrometeu. Caminhou até a janela. - Execro o campo sem dinheiro! Sem cavalos, sem uma casa aonde possa receber convidados, sem poder caçar! Eu poderia ter tudo isso na Irlanda, e jogar com gente de minha classe. - E para que possa fazer isso tudo, espera que eu me sacrifique? - retrucou Lorinda, asperamente. - Você terá que casar-se algum dia disse o conde. - Já recusou muitos pretendentes. Por que diabo iria recusar um marido rico, quando tem oportunidade? Lorinda respirou fundo. Não tinha resposta. - Se eu tivesse cumprido meu dever de pai, já a teria obrigado a casar-se, há muito tempo - prosseguiu o conde. - Afinal de contas, o que é que você está esperando? Que o anjo Gabriel desça do céu? Que o Xá da Pérsia lhe ofereça seu trono? Você não passa de uma mulher e, como toda mulher, precisa de um lar e de um marido para dirigi-la. - E acha que Mr. Hayle está capacitado para isso? - perguntou Lorinda, com desdém. Mal dissera estas palavras, lembrou-se da dureza dos olhos do seu vizinho e do seu sorriso sarcástico. - Não me casarei com ele! - disse. Não vou me sacrificar para que o senhor goze a vida! Houve um silêncio, depois o conde fechou a cara. - Você irá casar-se com ele! - exclamou. - Desta vez, não vai me desafiar, Lorinda, e não estou disposto a ouvir mais seus argumentos. Lorinda fez menção de falar, mas seu pai não lhe deu oportunidade. - Vou aceitar a proposta de Hayle, e o casamento se realizará quando for da conveniência dele. Você fala demais acerca de honra da família. Pois muito bem. Quando eu estiver com o dinheiro bem seguro no bolso, você poderá fazer o que lhe der na telha, para cumprir a sua parte do contrato. Mal acabara de falar, o conde virou as costas e afastou-se. - O senhor não pode fazer isto, papai! - protestou Lorinda. Ele não respondeu, limitando-se a sair da sala, batendo a porta com força. A jovem sentou-se, com o rosto entre as mãos. - Não vou me casar com ele! Não vou! - disse, e repetiu várias vezes, durante o resto da tarde. Quando viu um dos criados esperando junto à porta de entrada, cerca das cinco horas, entendeu o motivo. - Correndo à sala, encontrou o pai fechando uma carta que acabara de escrever e percebeu que ele estava inteiramente bêbado. - Aceitei a proposta de Hayle! - anunciou ele, com a voz pastosa. - Você não poderá fazer mais coisa alguma! Lorinda encarou-o e, vendo o seu estado, percebeu que seria inútil qualquer discussão. Era duvidoso que, logo depois, ele se recordasse de qualquer coisa que fora dita. Tomou uma resolução. Dê- me esta carta - disse. - Se você rasgá-la, escreverei outra. - Não tenho intenção de rasgá-la - replicou Lorinda. - Eu mesmo a entregarei a Mr. Hayle. Estendeu o braço, e o conde, embora relutante, entregou-lhe a carta. - Se você me impedir de receber aquele dinheiro para ir para a Irlanda, juro que a estrangularei! - ameaçou o conde. Era isto que eu deveria ter feito, quando você nasceu! - O senhor queria um filho, e eu o decepcionei - replicou Lorinda. - É tarde demais para fazer qualquer coisa, mas não é tarde demais para eu dizer a Mr. Hayle o que penso dele. E saiu da sala, sem esperar pela resposta do pai. 23
  • 24. Antes do chá, trocara a roupa de montar por um vestido muito bem-feito, de saia rodada, e com um fichu branco. Não estava disposta a trocar de roupa de novo. Mandou o palafreneiro arrear o cavalo com um silhão, e disse-lhe que seus serviços estavam dispensados. Não se preocupava com o que vestia para andar a cavalo e, sem chapéu ou luvas, levando apenas um chicotinho, partiu na direção do Castelo de Penryn. A distância entre o castelo e o priorato era apenas de duas milhas, atalhando pelos campos, embora fosse muito mais longe pela estrada. O calor do dia desaparecera, e as sombras se faziam maiores sobre a relva coberta de flores. Se não estivesse tão preocupada, Lorinda teria apreciado a beleza da paisagem, mas sentia-se apreensiva de uma maneira que nunca experimentara até então. Tinha a angustiante impressão de que iria ser arrastada por uma onda e que coisa alguma a poderia salvar. Era uma ironia do destino que, depois de ter recusado, durante dois anos, todos os pretendentes que de joelhos lhe ofereciam o coração, tivesse sido apanhada por uma armadilha. Estava ameaçada de ser levada ao altar à força, quando todos os instintos de seu corpo se revoltavam contra isso. "Poderá haver alguma coisa mais incrivelmente absurda?", perguntava a si mesma. Procurava acreditar, como pensara a princípio, que se tratava de uma brincadeira, mas Durstan Hayle parecia realmente disposto a levar a sério tudo que fazia. "Não o suporto e acho insuportável a idéia de me casar com ele!", pensou. Muito antes de se aproximar do castelo, divisou-o à distância. Fora construído em uma colina, nos dias em que era sempre conveniente ver a aproximação dos inimigos, e já existia há séculos. A construção original tinha sido uma fortificação relativamente pequena, que fora, porém, sendo ampliada, através dos séculos. Embora houvesse sido conservada a grande fortaleza de pedra original, a casa era elisabetana, com acréscimos posteriores nos estilos da Rainha Ana e georgiano. Depois que Lorinda nascera, porém, nenhum Penryn residira no castelo. Seus enormes aposentos vazios, com os tetos ameaçando cair, e as escadas em caracol, que pareciam ter sido construídas apenas para serem usadas por fantasmas, tinham constituído a alegria e o deleite de sua infância. Lorinda lembrava-se de perseguir os companheiros de brinquedo de sala em sala, brincando de esconder, e gritando, para ouvir o eco repetir-lhe a voz, no enorme prédio vazio. Agora, ao aproximar-se, viu que as janelas tinham sido envidraçadas de novo e os jardins restaurados. Os gramados tinham sido aparados e, embora a tarde já estivesse muito avançada, ainda havia um bom nú- mero de homens trabalhando nos canteiros. "O dinheiro pode comprar tudo!", pensou Lorinda, desdenhosamente, lembrando-se, com pesar, do abandonado jardim do priorato, que fora outrora o orgulho de sua mãe. Aproximando-se da enorme porta de entrada com suas guarnições de bronze, um criado correu a segurar seu cavalo, enquanto ela apeava e subia a escada. À porta que se abriu, a jovem viu o mordomo que a esperava, ladeado por vários lacaios de libré. - Quero falar com Mr. Durstan Hayle - disse, com voz clara e imperiosa. - Pois não, milady - disse o mordomo. - Pode dizer-me o seu nome? - Lady Lorinda Camborne - respondeu a moça, notando, pela expressão de seu rosto, que o mordomo a conhecia de nome e devia ser, portanto, da Cornualha. Levou-a, caminhando com certa pose, através do vestíbulo, que havia sido restaurado de um modo que despertou a admiração de Lorinda. Pela primeira vez, pode apreciar os maravilhosos trabalhos de estuque, que antes estavam sujos e quebrados; todos os nichos continham estátuas, e a escada curva, de madeira trabalhada, já não estava cheia de buracos. O mordomo abriu a porta de uma sala que sempre parecera mais vazia do que as outras, porque, sendo destinada à biblioteca, só continha estantes destroçadas para dar a perceber a sua condição. Durante um momento, Lorinda ficou atônita com a transformação ocorrida. O teto fora pintado de novo, por mão de mestre, e livros cobriam todas as paredes. Uma magnífica lareira de mármore, de que Lorinda lembrava negra e suja, agora resplandecia, muito clara, e, em vez de fogo, havia flores no fogão. - Lady Lorinda Camborne, sir! - anunciou o mordomo, e Mr. Hayle levantou-se de uma cadeira, onde estivera lendo um jornal. A moça encaminhou-se para ele, percebendo em seus olhos a mesma expressão penetrante, que a fez lamentar não ter posto um chapéu sobre a cabeleira ruiva. Lorinda fez uma cortesia, que Hayle retribuiu. 24