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Prisão Dourada.
Barbara Cartland.
Difusão Cultural, Lisboa, 1990.
Título original: The Golden Cage
Romance.
Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destina-se
unicamente à leitura de pessoas portadoras de deficiência
visual. Por força da lei de direitos de autor, este
ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo
ou em parte, ainda que gratuitamente.
Digitalização e Correcção: Dores Cunha
Texto da Contracapa:
Desiludida e atormentada, Crisa concorda em casar com Mr.
Silas P. Vanderhault, um influente milionário americano, a
fim de salvar o seu pai, Sir Robert Royden, profundamente
endividado e ameaçado de prisão.
Porém, na noite do casamento, o seu marido entra em estado
de coma, do qual nunca chegará a recuperar. Alguns meses
depois, ao receber a herança, Crisa transforma-se numa das
mulheres mais ricas da América, mas, para todos os efeitos,
continua presa, pelo seu dinheiro, à mansão dos
Vanderhault, em Nova Iorque, onde se vê rodeada de
familiares decididos a não a deixarem regressar a
Inglaterra.
Como Crisa consegue adivinhar que eles pretendem, a todo o
custo, casá-la com um membro da familia, e como ela se vê
envolvida, no alto mar, com um homem gravemente ferido por
um assassino, tudo isto é narrado neste novo romance,
dramático e empolgante, por Barbara Cartland.
Barbara Cartland
é uma das mais populares escritoras inglesas de todos os
tempos. Celebrizada internacionalmente como a rainha do
romance, conquistou, ao longo da sua carreira literária, um
extraordinário sucesso mundial, figurando já no prestigiado
Guinness Book of Records: as suas obras - traduzidas em
vinte e sete idiomasatingiram uma tiragem global superior a
quinhentos milhões de exemplares. Integrando cinco centenas
de títulos, a sua vastíssima bibliografia
abrange, para além da ficção e do teatro, a poesia, a
biografia, a filosofia e a sociologia, entre outros
domínios. Escreveu ainda contos para crianças e obras de
culinária, e participou em diversos programas televisivos e
radiofónicos, supervisionando pessoalmente a adaptação à TV
de muitos dos seus romances. Detentora de várias distinções
honoríficas, notabili zou-se na direcção de campanhas de
beneficência e de iniciativas de solidariedade social.
Preside actualmente, na Grã-Bretanha, à Associação Nacional
para a Saúde.
Prisão Dourada
romance
Tradução de
Sofia Gomes
Da mesma autora nesta colecção:
O Príncipe Grego
A Dama De Branco
Título original: The Golden Cage
Copyright Barbara Cartland, 1986
Direitos exclusivos reservados para Portugal por Difusão
Cultural - sociedade Editorial e Livreira, Lda. Rua Luís de
Freitas Branco, 3 A/B - 1600 Lisboa
Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por qualquer
meio, sem autorização do Editor
IsBN 972-709-074-5 10987654321
Depósito Legal n. 42 563/90
Fotocomposição: Fotocompográfica, Lda.
Impressão e acabamento: Tilgráfica, Lda. Acabado de
imprimir em Janeiro de 1991
Capa Design Gráfico: Caixa Alta
Ilustração: John Raynes
NOTA DA AUTORA
A partir de 1870, a concorrência entre navios
transatlânticos trouxe mudanças que deixaram o mundo
maravilhado.
O Dynamic, de 1883, construído por Harland e Wolfl para a
companhia Belfast Steamship, foi um dos primeiros navios a
ser totalmente iluminado a luz eléctrica.
Os navios de passageiros estavam muito adiantados para a
época, quanto à iluminação eléctrica. O Sauoy foi o
primeiro teatro a ser iluminado electricamente, apenas em
1887, e os primeiros candeeiros públicos eléctricos só
apareceram em 1891.
O Lucania, um navio da companhia Gun. rd, foi o primeiro a
estar em comunicação telegráfica com ambos os lados do
Atlântico.
O navio francês La Touraine era um navio lento, mas
maravilhoso, e foi o primeiro a oferecer aos seus
passageiros o conforto de camarotes tipo suite. A
alimentação era melhor, embora não tão abundante como no
Lucania a Gunard anunciava dez refeições por dia, incluindo
uma chávena de bouillon, travessas de sorvetes às quinze
horas, caramelos e rebuçados por volta das dezassete.
O Macy's, um dos mais antigos dos grandes Armazéns
Americanos, ampliou as suas instalações em 1881,
acrescentando seis andares à parte oriental do edifício que
possuía na l3th Street. A construção ficou completa no
princípio de 1892.
Incluía uma nova "Sala de Espera para Senhoras". O Macy's
anunciava: "Trata-se da mais bela e luxuosa secção,
destinada ao conforto feminino, que se pode encontrar num
estabelecimento comercial desta cidade. O estilo da
decoração é Luís XV, e não se pouparam despesas. "
CAPÍTULO PRIMEIRO
1896
Crisa dirigiu-se à janela e olhou a Quinta Avenida. Não via
o tráfego que passava lá em baixo, nem as casas de pedra
castanha, enormes e feias, que se erguiam em frente da
majestosa mansão creme, de pedra calcária.
Tinha sido construída à semelhança dos graciosos castelos
do vale do Loire por Silas P. Vanderhault, por ocasião do
seu primeiro casamento.
Em vez disso, ela só via uma velha casa senhorial. Fora a
habitação dos Royden em Huntingdonshire, desde que Jaime
criara o título de baronete.
Estava a necessitar de obras urgentemente, os tijolos
vermelhos precisavam de ser pintados, a madeira das empenas
tinha apodrecido e faltavam vários vidros nas janelas.
No entanto, para Crisa seria sempre o mais belo lugar do
Mundo.
As saudades que sentia doíam-lhe como se tivesse uma ferida
no coração.
Agora, perdera tanto a mansão como o seu pai, e o pior é
que sentia que tinha perdido, também, a juventude.
Às vezes pensava que, naquela atmosfera tão luxuosa,
naquelas ruas apinhadas e na agitação permanente de Nova
Iorque, tinha envelhecido de um dia para o outro.
Na verdade, celebrara os seus dezanove anos ainda na semana
anterior.
Dezanove anos apenas!
No entanto, parecia-lhe que tinha vivido dezanove séculos,
desde que casara com Silas P. Vanderhault.
7
Fora a terceira esposa de um dos homens mais ricos da
América.
Ainda lhe parecia mentira, a tal ponto lhe custava a
acreditar que tanto ele como o seu pai estavam mortos...
Recordava-se perfeitamente do dia em que tudo acontecera.
Tinha saído sozinha, a cavalo.
Desde a morte da mãe que o seu pai, como se não suportasse
permanecer dentro da casa em que tinham sido tão felizes,
ia constantemente a Londres.
Sempre que ele voltava, ela sabia que tinha passado o tempo
comendo e bebendo em demasia.
Fazia-lhe mal à saúde, e, além disso, gastava todo o
dinheiro que tinha.
Costumava voltar, então, para casa, pois, como ele próprio
afirmara tantas vezes, estava completa e totalmente falido.
Dessa vez ele partira havia quase duas semanas. Crisa não o
esperava, e, ao aproximar-se de casa, reparou numa
carruagem elegante estacionada em frente da porta principal.
O coração palpitou-lhe de alegria.
Mas, à medida que se aproximava, começou a sentir-se
chocada com aquela extravagância do pai.
Como é que ele tinha sido capaz de uma coisa daquelas? A
carruagem, puxada por cavalos da melhor criação, devia ter
sido caríssima.
Como é que ele pôde ser tão louco a ponto de voltar para
casa deste modo, pensou ela, quando devemos já à Lovett uma
quantia astronómica?.
A Lovett era uma companhia de aluguer de cavalos e
carruagens, onde o seu pai contratava um transporte, sempre
que ia a Londres.
Invariavelmente, queixava-se do seu desconforto e lentidão,
embora reconhecesse que sempre era melhor do que o comboio.
Mas este era um caso muito diferente.
Crisa entrou nos estábulos e entregou o seu cavalo aos
cuidados do velho Hodges, que se movia com dificuldade,
devido ao reumatismo.
8
Ao fazê-lo, decidiu que, agora que o seu pai estava em
casa, ia aproveitar para ter com ele uma conversa muito
séria sobre a sua situação financeira.
Na semana anterior tinha-se sentido embaraçada quando
descera à aldeia.
Pensou que os pequenos comerciantes locais, embora
gostassem muito dela, não veriam com bons olhos que lhes
fizesse mais encomendas.
Sabiam que ela não podia pagar a farinha, o açúcar ou a
manteiga de que Nanny, a velha criada, precisava.
Sobre esse assunto, Nanny era mais eloquente do que
qualquer outra pessoa.
- O que é que o seu pai vai fazer, gostava eu de saber...
tinha ela dito na noite anterior. - Foi com a maior
dificuldade que consegui convencer Mister Goodgson, da
quinta, a matar um galo para termos que comer.
Continuou a resmungar:
- Só Deus sabe como o bicho era velho, mal conseguia ter-se
de pé, mas, mesmo assim, custou dois xelins, e, quando eu
disse para pôr na nossa conta, ele quase que me atirou com
o galo à cara!
Crisa suspirou, sabendo que não tinha resposta para aquilo,
como Nanny também sabia.
- Ao menos, o seu pai podia perceber que não vamos limitar-
nos a comer ervas... e que se eu tiver de passar outro
Inverno sem carvão sou capaz de não sobreviver... e que se
eu morrer... vai ficar cheio de remorsos!
Crisa soltou um risinho abafado e abraçou Nanny, dizendo:
- Não te atrevas a falar em morrer, Nanny, sabes muito bem
que tens de estar viva para tratares de mim...
Beijou a velha mulher e continuou:
- Eu falo com o pai quando ele voltar... falo mesmo! Mas tu
sabes como ele ficou infeliz, desde a morte da mãe, e como
sente a falta dela.
Suspirou e prosseguiu:
- Não consegue estar nesta casa sem a ver entrar sorrindo,
feliz por estar perto dele.
9
Ao dizer estas palavras, Crisa ficou com a voz embargada.
Amara sua mãe profundamente e viver sem ela era-lhe tão
difícil como a seu pai.
Mas não podia consolar-se do mesmo modo que ele fazia,
saindo e gastando o dinheiro que não tinham.
- É uma vergonha... - disse Nanny uma vez, sarcástica. Sair
com essas mulheres todas, sempre na paródia!
- Parece que são todas muito bonitas e invulgares, pelo
menos é o que dizem os jornais... - replicou Crisa.
- Não vá agora pôr mais ideias na cabeça do seu pai, mais
do que as que ele já lá tem - ralhou Nanny.
Crisa sempre achara mais sensato não perguntar ao pai o
que fazia quando ia a Londres.
Mas sabia que, sempre que ele lá ia, as suas dívidas
aumentavam.
Pelo menos, pensou, ao dirigir-se a casa, ia poder vê-lo,
falar com ele.
Quando ele não estava, Crisa sentia-se muito sozinha.
Só ouvia o resmungar de Nanny e o velho Hodges a queixar-se
do reumatismo.
A sua única consolação era poder montar a cavalo.
Entrou no hall, com os seus retratos de antepassados dos
Royden pendurados na parede.
A carpete estava tão gasta que mal se podia perceber o
desenho.
Tentou adivinhar onde poderia estar o pai.
Foi então que ouviu vozes na sala de visitas e percebeu que
ele não estava sozinho.
Pensou se deveria ir primeiro lá acima mudar de roupa, ou se
poderia apresentar-se tal como estava vestida.
Trazia uma saia de montar velha e desbotada, com a qual, já
que o dia estava quente, usava apenas uma blusa branca.
Mas essa blusajá tinha sido cosida em muitos sítios e
remendada nos cotovelos.
Então, pensou que, quem quer que tivesse regressado com o
pai, não daria pela sua presença.
10
Abriu a porta da sala de visitas e viu-o ao fundo,
conversando com outro homem.
Com um grito de alegria, por o ver de volta, correu para
ele, abrindo os braços para o abraçar.
- Voltaste, pai! - exclamou. - Porque não me avisaste da
tua chegada? Teria ficado em casa à tua espera.
- Só decidi à última hora, minha boneca - respondeu ele -,
e quando cheguei a Nanny disse-nos que, como eu calculava,
tinhas ido passear a cavalo.
- Sempre a pensar que me apetecia que estivesses aqui
comigo... - disse Crisa, tirando os braços do pescoço dele
e olhando, curiosa, o outro homem.
Era mais baixo do que o seu pai e Crisa achou-o velho e
pouco atraente.
O cabelo, ou o que dele restava, era grisalho e a cara
estava cheia de rugas.
As roupas eram um pouco estranhas e não correspondiam
exactamente às que Crisa esperava que um cavalheiro usasse.
- Deixem-me fazer as apresentações - disse Sir Robert
Royden. - Mister Vanderhault, esta é a minha filha, Crisa.
- Pois tem uma filha encantadora! - disse Mr. Vanderhault,
quando Crisa lhe estendeu a mão.
Tinha uma pronúncia nasalada e, mesmo que o seu pai não lhe
dissesse de onde ele vinha, Crisa percebeu logo que Mr.
Vanderhault era americano.
- Mister Vanderhault veio de Londres comigo para ver os
nossos Van Dyck - explicou o pai de Crisa.
Crisa susteve a respiração e, com a maior dificuldade,
evitou soltar um grito de horror.
Sabia exactamente porque é que tinha trazido aquele
americano.
Apesar de todas as promessas, depois de tudu que ela lhe
tinha dito, ia vender as duas únicas peças de valor que
lhes restavam.
Os quadros de Van Dyek eram os retratos dos primeiros
Royden agraciados pela corte de Carlos I, que tinham levado
o nome Royden para os livros de História.
11
A mãe de Crisa adorava esses quadros e dissera muitas vezes
ao marido:
- Aconteça o que acontecer, nunca devemos separar-nos dos
nossos Van Dyck. Fazem parte da nossa vida, de tal maneira
que tenho a sensação de que os conheço.
- Também penso assim - respondera Sir Robert -, e tens toda
a razão, querida. Mesmo que não tenhamos um filho para
herdar o nosso título, a Crisa dará continuidade à nossa
família e talvez um dia que tenha um filho lhe dê o nome
Royden.
- Dou, com certeza... - prometera Crisa.
No entanto, sabia como o seu pai lamentava profundamente
que o título, tantas vezes passado de pais para filhos,
acabasse com ele.
Quando sua mãe morreu, e apesar de nunca se ter atrevido a
dizê-lo em voz alta, Crisa perguntara-se frequentemente se
o pai voltaria a casar.
Era natural que desejasse ter o varão que a sua mãe nunca
lhe tinha dado.
Sabia como a mãe sofria por sentir que tinha desiludido o
marido, que amava tão apaixonadamente.
Um dia ouvira-a dizer, sem saber que Crisa escutava:
- Será que alguma vez me perdoarás, meu querido, por não te
ter dado um filho?
O pai soltara uma gargalhada cheia de sinceridade.
- Deste-me a felicidade, que é uma coisa mais importante do
que tudo o que um homem possa desejar - respondera ele -, e
amo a nossa querida filha, porque é tão parecida contigo.
Mas Crisa sabia que, à medida que os anos passavam, o pai
olhava cada vez mais para os retratos de família.
Havia sofrimento no olhar dele, pois sabia que só ela os
poderia herdar e que, quando casasse, o seu nome deixaria
de ser Royden.
Contudo, agora, depois de todas as promessas feitas a sua
mãe e a si própria, ela sabia que os Van Dyck iam partir.
12
- Durante a viagem, estive a contar a Mister Vanderhault
- dizia o seu pai -, a história da família Royden, e que os
meus antepassados lutaram ao lado de Malborough e na
Batalha de Waterloo.
Dirigiu-lhe um sorriso forçado e continuou:
- Além de, no princípio do século, um deles ter sido
estadista no primeiro conselho de ministros da rainha
Vitória.
Se não estivesse tão horrorizada com o que ele se preparava
para fazer, Crisa teria sentido vontade de rir.
Percebeu que o pai escolhera épocas da história das quais o
americano devia ter ouvido falar.
O pai sempre se interessara mais por outros antepassados.
Um deles tinha sido explorador, um dos poucos homens que
alguma vez alcançaram a nascente do Amazonas.
Outro tinha-se tornado famoso por mérito próprio, durante
as guerras na Índia, sob as ordens de Sir Arthur Wellesley.
No entanto, mesmo um americano devia já ter ouvido falar do
célebre duque de Malborough.
E decerto saberia que a Batalha de Waterloo fora a derrota
final para Napoleão Bonaparte.
- Se há coisa que me dê prazer - replicou Mr. Vanderhault
-, é levar para a América algumas das belas e antigas
preciosidades que se encontram neste vosso grande pequeno
país.
O que era verdade, como Crisa iria verificar ao conhecer a
mansão Vanderhault, em Nova Iorque.
Encontrou uma enorme quantidade de quadros e de peças de
mobiliário, amontoadas sem qualquer sentido artístico.
Havia sarcófagos egípcios, tapetes uns em cima dos outros,
estantes, mesas, urnas, estatuetas e louças.
Todos esses objectos, encostados uns aos outros, tinham o
aspecto assustador de um pesadelo.
Crisa não foi capaz de articular palavra, enquanto o pai os
conduzia à outra extremidade da sala de visitas.
Os Van Dyck estavam pendurados de ambos os lados da lareira.
13
Era ali que costumavam sentar-se no Inverno, no Verão
preferiam a outra zona da sala.
Uma porta envidraçada até ao chão dava para o roseiral, que
rodeava um antigo relógio de sol.
Crisa olhou para os Van Dyck e reparou como eram
maravilhosos, tão primorosamente pintados.
Parecia-lhe impossível que o pai pensasse tirá-los dali,
mandá-los embora.
Há muitos séculos que as paredes da mansão eram a sua
morada, o lugar deles era ali, tal como o do seu pai.
Os seus olhos admiraram a genialidade com que Van Dyck
retratara o elegante drapeado do vestido de Charlotte
Royden.
Os dedos longos e magros do marido tinham o seu toque
inimitável.
No fundo de ambos os quadros via- se a mansão, exactamente
como era hoje, mas sem precisar de obras.
- Pode ver que são excelentes - disse Sir Robert -, nunca
ninguém, nem antes nem depois de Van Dyck, conseguiu pintar
retratos tão bem como ele.
Mister Vanderhault fez que sim com a cabeça.
Crisa teve a desagradável sensação de que os olhos dele,
embora velhos, tinham percebido que os dois quadros
precisavam de uma limpeza.
Via-se uma pequena lágrima na tela que representava
Charlotte Royden.
- Evidentemente que, se não estiver interessado - dizia Sir
Robert -, sei que a National Gallery estará, mas só decidi
vender os quadros uns dias atrás.
Depois de uma pausa, continuou:
- Estão na minha família há muitas gerações e encontram-se
nesta casa há mais de duzentos e cinquenta anos. Crisa
susteve a respiração.
Não era capaz de ouvir o pai falar como um vendedor.
Conhecia-o suficientemente bem para saber que detestava
fazer aquilo.
Via-se forçado a isso, devido a circunstâncias de que ainda
não tinha conseguido falar à filha.
14
Então, Crisa estremeceu, ao reparar que Mr. Vanderhault não
tinha estado a olhar para os quadros, mas sim para ela.
- E o que pensa disto tudo, Miss Crisa? - perguntou ele.
- Gostaria de saber qual é a sua opinião.
- Eu adoro estes dois quadros - respondeu Crisa, em voz
baixa - e parte- se-me o coração ao vê-los partir.
- Eu sabia que ia dizer isso.
Ele não disse nada mas dirigiu-se, de um modo abrupto, à
outra extremidade da sala.
Tinha pousado o copo que levava na mão quando Sir Robert o
conduziu junto aos quadros.
Crisa viu o olhar furioso que o pai lhe lançou, pensando
que, com as suas palavras, ela tinha afastado um possível
comprador.
Então, deixando estupefactos tanto Crisa como seu pai, Mr.
Vanderhault disse:
- Estava a pensar, Sir Robert, se seria muito incómodo para
vocês eu passar cá a noite... é uma viagem cansativa, daqui
até Londres.
E continuou, com uma voz que parecia suplicar:
- Gostaria muito de ficar hospedado numa casa inglesa
autêntica, além de que teria, assim, a possibilidade de ver
os vossos outros quadros.
Crisa ainda se lembrava da agitação que ele provocara. Era
preciso arranjar acomodações, não só para Mr. Vanderhault
mas também para o cocheiro.
Um homem que parecia um trintanário era, afinal, o
secretário do americano.
- Viaja sempre comigo - explicou Mr. Vanderhault -, para
onde quer que eu vá...
Nanny teve, pois, de arranjar um jantar para três pessoas,
servido à mesa da sala.
Teve também de fazer jantar para Mr. Krissman, que comeu
sozinho, e para o cocheiro, que, como era previsível, tinha
mais fome do que qualquer dos outros.
15
Só foi possível que tudo estivesse pronto a horas graças à
ajuda de Crisa e do velho Hodges, que trouxe os legumes da
sua horta.
Mandaram o cocheiro comprar comida à aldeia, para preparar
o que Sir Robert temia que fosse uma refeição um pouco
pobre.
No entanto, Mr. Vanderhault pareceu muito satisfeito com o
que puseram à sua frente. Apreciou, por certo, o excelente
clarete, do qual já só havia algumas garrafas. Estavam
guardadas para ocasiões muito especiais.
Enquanto comiam, falou sem cessar das suas propriedades na
América.
Contou que possuía uma das grandes linhas de caminho de
ferro que se estavam a construir no Oeste, e como tinha
tido sorte por se ter descoberto petróleo nas suas terras
do Texas.
De facto, mais ninguém conseguia falar a não ser Mr.
Vanderhault, que parecia ter tanto para contar.
Crisa pensou como é que o pai tinha encontrado um americano
como aquele, nos teatros e nos night clubs que frequentava
quando estava em Londres.
Deu graças a Deus quando ouviu o pai sugerir que devia ir
para a cama cedo.
- Mister Vanderhault e eu temos que falar de negócios,
minha adorada - dissera ele. - Portanto, sugiro que vás
deitar-te, e amanhã eu conto-te tudo.
Crisa calculou que ele quisesse negociar com Mr.
Vanderhault o preço dos Van Dycks.
Não se sentiria à vontade se ela estivesse presente. Assim,
Crisa deu um beijo de boas-noites a seu pai e estendeu a
mão a Mr. Vanderhault, dizendo:
- Boa noite, Mister Vanderhault, espero que aprecie a sua
visita à Inglaterra.
- É um dos assuntos que quero discutir com o seu pai -
respondeu ele.
Para grande surpresa de Crisa, segurou a mão dela nas suas
e continuou:
16
- É uma rapariga encantadora, um autêntico "doce", como se
diz na minha terra. É uma pena que tenha de vender os
tesouros que lhe pertencem, e que deviam ser postos a seus
pés por homens apaixonados pela sua beleza.
Ela dirigiu-lhe um sorriso bonito e disse:
- Muito obrigada, por me dizer coisas tão agradáveis.
Sentiu alguma dificuldade em soltar-se das mãos dele.
Depois, olhando mais uma vez o pai, com amor, saiu da sala
e subiu para o seu quarto.
Sabia de antemão que o pai viria dar-lhe as boas-noites.
Por fim, ouviu- o subir, na companhia de Mr. Vanderhault. O
americano entrou no quarto que era conhecido como "quarto
da Rainha Anne", embora não houvesse a certeza de a rainha
lá ter dormido alguma vez.
Depois, tal como esperava, ouviu o pai descer o corredor.
Quando ele abriu a porta, ela sentou-se na cama. Ele veio
para ao pé dela, que o achou com um ar muito sério, embora
tão atraente como sempre fora.
Tal como fizera durante o jantar, pensou que o contraste
entre os dois homens era quase ridículo.
Mister Vanderhault podia ser muito rico, mas o dinheiro não
conseguia fazer nada pelo seu rosto enrugado.
O queixo em arco não assentava no colarinho engomado, que
Crisa achou que era um número abaixo do que ele deveria
usar.
O pai, esbelto e atlético, tinha um aspecto elegante.
Apesar de o seu trajo de noite estar, como ela sabia bem de
mais, muito gasto e a precisar de ser substituído há já
muitos anos. Sentou-se na cama, ao lado dela.
Olhou-a como se nunca a tivesse visto antes.
- Ele... comprou... os Van Dyck, pai?... - murmurou Crisa.
Ela já sabia qual era a resposta.
Mas ao mesmo tempo sabia que, para ter a certeza, tinha de
o ouvir em voz alta, quase como se fosse a voz do destino.
- Fez-me uma proposta, Crisa, mas eu nem sei como hei-de
contar-te.
A voz de Sir Robert revelava tanto sofrimento que Crisa
colocou a sua mão nas dele.
17
- Lamento, pai - disse -, compreendo o que estás a sentir.
Mas não podemos continuar assim, sem dinheiro. Temos de
pagar o que devemos na aldeia, senão morreremos à fome.
- Eu sei - concordou Sir Robert, pesaroso -, mas Mister
Vanderhault tem a resposta para essa situação.
- Só espero é que vendas muito bem os Van Dyck. O pai tomou
fôlego e disse:
- Ele está disposto a pagar-me trinta mil libras, que, como
sabes, seriam suficientes para pagar todas as nossas
dívidas, e ainda uma quantia de três mil libras por ano até
ao fim da minha vida!
Crisa olhou para o pai, completamente estupefacta. Pensou
que talvez não tivesse ouvido bem.
- Trinta mil libras mais três mil por ano? - repetiu, sem
acreditar no que dizia. - Tudo isso pelos Van Dyck?
- E... por ti - disse baixinho Sir Robert.
Durante uns segundos fez-se silêncio.
- O... o que é que disseste... pai? Eu... eu não... não
compreendo.
- Mister Vanderhault quer casar contigo - respondeu Sir
Robert. - Disse-me que, assim que te viu, soube que eras o
que ele procura desde a morte da última mulher, há cinco
anos.
Fechou os olhos e inspirou, depois, disse:
- Está disposto a oferecer-te um milhão de dólares no dia
em que te casares com ele e deixar-te milionária doze
vezes, quando morrer!
- Eu... eu não acredito! - disse Crisa. - Eu não
acredito... que seja... possível!
E, antes que o pai dissesse alguma coisa, acrescentou:
- Claro que eu não posso casar com um... velho daqueles!
Alguém que só conheço há umas horas! Como é que ele pôde
pensar numa coisa tão... horrível... tão... impossível?
Ainda não tinha acabado de falar e já sabia, pela expressão
no rosto de seu pai, que era o que ela teria mesmo de fazer.
- Não posso... não consigo... pai - disse.
Repetiu-o vezes sem fim, e continuaram a conversar até de
madrugada.
18
Quando, finalmente, Sir Robert foi para o seu quarto, Crisa
ficou com a certeza de que teria mesmo de casar com Mr.
Vanderhault, não havia outra solução.
Envergonhado e com alguma relutância, o pai tinha-lhe
falado das dívidas que contraíra em Londres e da sua conta
a descoberto, no banco.
A situação atingira tais proporções que, se não fizesse
alguma coisa, e depressa, havia toda a probabilidade de vir
a ser preso.
- Se me matasse, os oficiais de diligências levariam tudo o
que me pertence - disse -, incluindo esta casa e o seu
recheio, e tu morrerias à fome. É-me impossível deixar-te
alguma coisa.
Crisa não disse nada e ele continuou:
- Eu sentia-me desesperado, até que um dia um amigo do
Clube me apresentou Mister Vanderhault, dizendo: "Penso que
tens bons quadros, do género dos que Mister Vanderhault
procura para levar para sua casa, na América. "
Já tinha pensado - continuou Sir Robert -, que teria de
encontrar um comprador para os Van Dyck. Parecia uma
intervenção do destino, aparecer-me um assim, sem grande
esforço.
- E ele quer... mesmo... casar comigo? - perguntou Crisa,
em voz baixa.
- Ele quer ter um filho antes de morrer - respondeu Sir
Robert. - Tem quatro filhas, dos dois casamentos
anteriores, mas nenhum filho.
Crisa sentiu-se estremecer.
Era muito inocente e não fazia ideia do que fosse o amor
entre um homem e uma mulher.
Além disso, a ideia daquele velho americano a tocar-lhe
dava-lhe vontade de fugir e esconder-se.
Foi um desejo que sentiu repetidamente, ao longo da semana
seguinte.
Contudo, inevitavelmente, no final dessa semana ela era já
a mulher de Silas P. Vanderhault e encontrava-se a caminho
da América.
19
Desde o momento em que se dirigira ao altar da igreja da
aldeia, pelo braço do seu pai, tudo deixara de parecer real.
O pequeno homem, com o seu rosto cheio de rugas, esperava-a
nos degraus do altar.
Os dedos de Crisa estavam frios, quando ele lhe colocou a
aliança de casamento.
Com a sua pronúncia nasalada, ele repetiu as palavras do
padre, que a iam fazer sua mulher.
Tinha-se seguido um almoço muito íntimo na mansão.
Nanny tinha feito e decorado um bolo de casamento e
Mr. Vanderhault trouxera o champanhe com que todos
brindaram.
Depois, dirigiram-se à estação mais próxima, para apanhar
um comboio para Liverpool.
Agora, aqui estavam, a bordo de um navio americano, que os
levaria a Nova Iorque.
Só então Crisa reparou que não se tratava de um sonho, mas
sim de um pesadelo:
O homem que estava sentado a seu lado, falando de si
próprio e de tudo o que possuía, era o seu marido.
Para a ter pagara um preço superior- a tudo o que ela
poderia
alguma vez imaginar, mas, para Crisa, isso não compensava o
facto de ser, agora, dele.
Os contratos assinados por Mr. Vanderhault, na presença do
seu solicitador, vindo expressamente de Londres para o
efeito,
ali estavam, em cima da secretária.
A vida dela mudara, no momento em que passara a usar
aquela aliança, mas a do seu pai também.
Ele era, agora, um homem rico e Crisa tinha a certeza de
que, depois da sua partida, não iria permanecer na mansão.
Correria para Londres, na esperança de que as mulheres
o ajudassem a esquecer.
Esquecer não só a morte da mulher, que amava, mas também o
facto de ter vendido a filha, que tanto significava para
ele.
Quando chegaram a Liverpool, apanharam um navio e fòram
conduzidos a dois camarotes luxuosamente decorados com
lírios e orquídeas.
Crisa olhou em volta e sentiu-se encerrada numa prisão com
grades de ouro.
Senti-las-ia sempre, a partir daquele momento, era quase
como se as visse, realmente, a apertarem-se contra ela.
O seu marido continuava a falar.
Contava-lhe que tinha ordenado àquela companhia de
navegação, da qual ele era, claro, um grande accionista,
que os servisse o melhor possível, a si e a sua mulher.
Tinha sido Mr. Krissam a tratar de todos os pormenores
- as flores e os grandes cestos de frutos exóticos que ela
nunca iria comer.
Havia boiões de caviar e imensas garrafas de champanhe que
eram retiradas mal as abriam.
Silas P. Vanderhault mostrava-se triunfante.
Convidou uma grande variedade de pessoas, assim que ficaram
instalados.
- Venham beber à nossa saúde e desejar-nos felicidades...
insistia.
O comandante, o comissário de bordo, os oficiais e os
camareiros, todos aceitaram o champanhe, que beberam,
deliciados.
Crisa sentiu que a olhavam com ar de curiosidade. Todos
sabiam que ela se tinha vendido pelo dinheiro deste
milionário.
Mas não se tratava apenas de dinheiro.
Quando veio de Londres para o casamento, ele já a tinha
coberto de presentes.
Havia um enorme colar de diamantes, que Crisa achou vulgar
e muito pesado para o seu pequeno pescoço.
Havia pulseiras de diamantes, grandes de mais para os seus
pulsos delicados.
Deu-lhe um anel de noivado do tamanho de um florim e
conjuntos de turquesas e diamantes em estojos de veludo.
Também havia um colar de pérolas, grandes e ostensivas. No
entanto, ela agradeceu, educada, e ele respondeu, dando-lhe
uma palmadinha no ombro:
21
- Nada é suficientemente bom para a mulher de Silas P.
Vanderhault e garanto-te, meu doce, que, quando usares
essas jóias em Nova Iorque, toda a gente vai morrer de
inveja!
Crisa quase sentiu vontade de lhe perguntar se ele estava à
espera que ela usasse todas ao mesmo tempo.
Mas sabia que era o género de piada a que ele não ia achar
graça nenhuma. Já tinha percebido que ele não tinha
qualquer sentido de humor, embora estivesse sempre a rir
com as suas próprias piadas.
Cada vez chegavam mais pessoas para provar o champanhe.
Quando se sentaram para jantar, nos seus aposentos, ainda
lá estavam muitos convidados.
Os passageiros que ouviam que Mr. Vanderhault ia a bordo e
estava a festejar o seu casamento corriam ao encontro dele,
para o conhecer.
Os brindes sucederam-se até o navio partir, à meia-noite.
Quando achou que, finalmente, podia ir deitar-se, Crisa
deixou o marido a falar e a beber.
Saiu sem que ele desse por isso.
Via, com receio, que chegara o momento em que passaria a
ser uma mulher casada.
Seria a esposa de um homem com quem mal tinha falado.
Despiu- se, sentindo-se percorrida por um frémito gelado.
Meteu-se dentro da grande cama de latão.
Ao fazê-lo, sentiu o cheiro estonteante dos lírios que
decoravam o quarto.
A suite era forrada a mogno e tudo nela condizia. Havia
armários embutidos, nos quais, segundo as instruções de Mr.
Krissam, os camareiros já tinham arrumado tudo o que ela
iria precisar durante a viagem.
Tinham levado, depois, as grandes arcas de couro, para que
não atravancassem a cabina.
Sobre a cama, repousava a camisa de noite que Nanny a
ajudara a escolher, em Huntingdon.
Era muito fina, enfeitada com rendas, e Crisa sentiu-se um
pouco embaraçada com a sua imodéstia.
22
O pai tinha frisado bem a Mr. Vanderhault que, sendo o
casamento contratado em tão pouco tempo, não seria possível
tratar do enxoval.
Assim, uma quantidade de roupas que ela nunca imaginaria
comprar nem possuir foram-lhe mandadas de Londres.
Crisa sabia que Mr. Krissam as tinha comprado numa das
lojas mais caras e selectas de Bond Street.
Mas não se tinha dado ao trabalho de as experimentar
durante os últimos dias que passara na mansão.
Preferia estar com o seu pai todo o tempo possível. Só
assim conseguia não chorar, horrorizada com o que o futuro
lhe guardava.
Como se o tivessem combinado previamente, falavam de tudo
menos do casamento próximo.
Só quando pôs o seu vestido de noiva é que Crisa percebeu
que não só iria sentir-se diferente como mulher de Silas P.
Vanderhault mas também a sua aparência seria muito
diferente.
O vestido era maravilhoso.
Nanny gabou-o muito e Crisa viu um brilho de admiração nos
olhos do pai.
Mas ela própria nem se deu ao trabalho de se ver ao
espelho. O mesmo se passou com o fato de viagem.
Tinha uma capa a condizer, para o caso de o tempo estar
frio no alto mar, que era toda debruada com a mais fina e
mais cara zibelina.
O chapéu vinha de um chapeleiro que ela conhecia das
páginas de uma revista de moda feminina.
Nanny costumava pedir revistas emprestadas à mulher do
vigário.
As luvas de Crisa eram de uma pelica tão fina que ela teve
medo de as rasgar.
E, pela primeira vez na sua vida, usava meias de seda
verdadeira.
Quando acabou de se despir e pôs a camisa de noite, sentiu
o coração bater com pancadas fortes.
Era como um relógio a dar os minutos que lhe restavam de
vida.
23
Por um momento, passou-lhe pela cabeça fugir e pensou no
que aconteceria, se o fizesse.
Se subisse ao convés e se atirasse à água, alguém daria por
isso?
Já deviam ir no alto mar e, escuro como estava, seria muito
dificil salvá-la.
Mas Crisa tinha tanto medo do seu marido como de morrer.
Especialmente se morresse de um modo que o seu pai ia
considerar uma vergonha.
Tinham tanto a agradecer a Silas P. Vanderhault... Deitou a
cabeça na almofada e fechou os olhos. Lembrou-se que,
agora, o pai poderia encher os estábulos com animais
fogosos e bem tratados, como sempre desejara.
A casa ia poder ser arranjada, os tapetes gastos e as
cortinas esfarrapadas substituídas.
Antes da partida de Crisa, Nanny já tinha contratado três
criadas para trabalhar na mansão.
Duas raparigas da aldeia viriam ajudá-la na cozinha. "O pai
será bem tratado, pensou Crisa.
Mas ela sabia que ele não suportaria a solidão. Estaria
mais vezes em Londres do que em Hunting donshire.
Então, ouviu um ruído do lado de fora da porta do quarto e
estremeceu de medo.
Chegara o momento de o seu marido ir ter com ela. Calculava
que ele quisesse fazer amor, embora não soubesse muito bem
o que isso significava.
Enquanto esperava, tremia, e de repente lembrou-se que ele
nunca lhe tinha beijado os lábios.
Mas, também, não tinha havido tempo.
Quando ele a cumprimentou, à frente do seu pai, tinha-lhe
dado um simples beijo na face.
Mesmo assim, ela percebeu que a boca dele era fria e os
seus lábios velhos e ressequidos.
"Eu não suporto... não posso! gritou Crisa para consigo
própria.
24
A porta abriu-se e Crisa susteve a respiração, abafando um
pequeno grito.
Mas não era a silhueta do marido que se recortava contra a
claridade que vinha da sua suite.
Era Mr. Krissam.
Ela fitou-o, boquiaberta, e ele disse:
- Lamento ter de lho dizer, Mistress Vanderhault, mas
aconteceu uma coisa horrível!
- Que foi?... - perguntou Crisa, num sussurro.
- Mister Vanderhault teve um colapso. Só espero que não
seja nada de grave, mas pu-lo na cama e o médico está com
ele.
Houve um silêncio e, por fim, Crisa conseguiu dizer:
- Devo ir... vê-lo?
- Não vale a pena, Mistress Vanderhault, pois ele está
inconsciente e não daria pela sua presença. Será melhor que
fique aqui.
- Muito bem - disse Crisa, com dificuldade -, mas... peço-
lhe que me avise imediatamente... se eu for... precisa.
- Sim, com certeza, Mistress Vanderhault, espero que
consiga dormir e que tudo tenha passado amanhã de manhã.
Mister Krissam saiu e Crisa deitou-se e fechou os olhos.
Mal podia acreditar que aquilo fosse verdade, estava sozinha
- sozinha na sua noite de núpcias!
Sozinha e, pelo menos por agora, livre do que mais temia,
com todos os nervos do seu corpo.
25
CAPÍTULO SEGUNDO
Foi Mr. Krissam quem tratou de tudo.
Arranjou uma pessoa para estar sempre à cabeceira de Mr.
Vanderhault, que jazia, inconsciente, no seu camarote.
O médico informou Crisa de que o marido sofrera um ataque
cardíaco muito grave.
Entretanto, ela ia lendo as revistas que Mr. Krissam
trouxera de Londres, e livros que requisitava na biblioteca
do navio.
Duas vezes por dia dava um passeio pelo convés, pois achava
que era isso que devia fazer.
Era demasiado tímida para falar fosse com quem fosse.
Tímida de mais para fazer conversa com todos os que lhe
dirigiam um "bom dia" ou "boa tarde".
Não tinha, portanto, nenhum contacto com o mundo exterior.
Quando chegaram a Nova Iorque, Crisa sentiu-se apavorada
com a sua entrada na sociedade americana, de que não
conhecia nada nem ninguém.
Como era de esperar, foi Mr. Krissam quem lhe mostrou a
enorme casa e a apresentou aos familiares do seu marido,
que ansiavam por a conhecer.
Demorou algum tempo a perceber quem era quem. A pessoa mais
em evidência era uma senhora chamada Matilda.
Era a irmã mais velha do seu marido e anunciou que ia
mudar-se lá para casa, a fim de lhe fazer companhia.
- Quero mostrar-lhe os meandros desta casa - disse, com
firmeza.
27
O que queria dizer, como Crisa iria perceber em breve, que
ela se encarregaria de tudo.
Crisa não passava duma hóspede, em casa do seu próprio
marido.
Havia muitos mais familiares, incluindo as quatro filhas de
Silas P. Vanderhault, todas casadas e com filhos.
Uma outra irmã, Anna, era mais nova do que Matilda, mas
pareceu-lhe muito velha e autoritária.
Desde logo Crisa percebeu com clareza que se esperava que
tudo corresse exactamente como corria antes da sua chegada.
Nada poderia ser alterado sem o consentimento do seu
marido. Como ele não se encontrava em condições de o dar,
era óbvio que Crisa não ia ter voz em nenhuma matéria.
Todas as noites, quando se retirava para o seu quarto
enorme, exageradamente mobilado e exageradamente enfeitado,
Crisa chorava.
Tinha saudades de casa e sentia-se só.
Sentia um desejo enorme, que lhe ardia como se fosse uma
dor física, de estar com o seu pai.
Escrevia-lhe todos os dias, contando-lhe em pormenor o que
ia acontecendo.
Nunca lhe pedia para vir ter com ela pois sabia que, mesmo
que ele viesse, não poderia fazer nada.
Crisa tinha a certeza de que ele odiaria a casa, grande e
enorme, e os autoritários Vanderhaults.
O que só iria piorar as coisas.
Em sua casa ela tinha toda a liberdade e estava habituada a
tomar as suas decisões, pelo menos naquilo que lhe dizia
respeito.
Tinha de reprimir os protestos que lhe vinham aos lábios,
cada vez que lhe ordenavam para fazer isto ou aquilo.
Levavam-na a conhecer pessoas, a ver as vistas, a fazer
compras, quer ela quisesse ou não.
Percebeu facilmente que tanto Matilda como Anna não tinham
gostado das anteriores mulheres do irmão.
Quanto aos seus sentimentos em relação a Crisa, eram os
mesmos.
28
Não lhe perdoavam o facto de ser inglesa.
E jovem.
E mil vezes mais bela do que qualquer uma delas ou qualquer
outro membro da família Vanderhault.
Como é que eu posso continuar a viver assim? interrogou-se
Crisa um milhão de vezes.
Nunca encontrava uma resposta para essa pergunta. Foi então
que, oito meses depois de se ter instalado em Nova Iorque,
soube que o pai morrera num acidente, quando passeava a
cavalo.
Não queria acreditar que fosse verdade, e que nunca mais o
poderia ver.
Lamentou, desesperada, não ter sido suficientemente
corajosa para recusar o casamento com Silas Vanderhault e
ficar junto do pai até ao fim.
Um dos cavalos novos, de que ele lhe falava com tanta
alegria, nas cartas, tinha-o deitado ao chão,
inesperadamente.
Saltavam por cima de um muro de tijolo, quando Sir Robert
caíra, partindo o pescoço.
Pelas cartas do pai, Crisa sabia que ele tinha usado parte
do dinheiro para fazer obras na casa e mobilar os quartos.
Sabia, também, que continuava a ir a Londres à procura de
divertimentos.
Quando receberam a notícia da morte de Sir Robert, os
Vanderhaults mostraram alguma simpatia por Crisa.
Mas, quando ela falou em regressar a Inglaterra, tornaram
esse regresso impossível.
Fizeram-na ver que, de qualquer modo, não chegaria a tempo
de assistir ao funeral.
Salientaram que o seu lugar era ao lado do marido, embora
não conseguisse comunicar com ele de nenhum modo.
Mister Krissam encarregara-se de tudo, como é evidente, com
uma eficiência absoluta e irrepreensível.
Havia vários turnos de enfermeiras, de modo que Mr.
Vanderhault nunca estava sozinho.
Diariamente vinham médicos, que saíam dizendo não haver
nada a fazer.
29
Era óbvio que levavam muito dinheiro por essas visitas. Os
aposentos do dono da casa, como o resto da mansão, estavam
sempre cheios de exóticas flores de estufa.
Sempre que visitava o marido, Crisa chegava à conclusão que
não podia fazer nada por ele, assim como não havia nada que
ele pudesse fazer por ela.
Por esta altura, Crisa era já dona de um enorme guarda-
roupa, constituído por vestidos que comprava por não ter
mais nada com que se entreter.
Além disso, as mulheres da família Vanderhault gostavam de
ir com ela às compras.
Mas como eram todos fatos coloridos, foram postos de lado.
Para os substituir, Crisa comprou um guarda-roupa completo,
todo preto, mais por achar que tinha de o fazer, pois sabia
que o seu pai nunca aprovaria uma coisa dessas.
- Se há coisa de que não gosto - dissera repetidas vezes -,
é ver mulheres vestidas como corvos. Além disso, meu amor,
com a tua pele tão branca e o teu cabelo louro, o preto dá-
te um aspecto muito trágico.
Tinha-lhe dirigido estas palavras após a morte da sua mãe.
Assim, como não era preciso andar de luto em casa, um mês
depois Crisa deixou os seus vestidos pretos.
Vestia sempre o seu fato de montar, que era de um cinzento
indefinido.
Era suficientemente discreto para que os vizinhos, se a
vissem, não ficassem escandalizados.
No entanto, ali em Nova Iorque, os Vanderhaults insistiram
para que comprasse vestidos de dia pretos, debruados a
crepe.
Os seus vestidos de noite eram de renda preta com enfeites
de azeviche.
Crisa achava mais fácil concordar do que discordar,
portanto fazia o que lhe recomendavam.
Sentia-se tão desesperadamente infeliz com a morte do pai,
que a sua aparência lhe era completamente indiferente.
Então, um mês depois da morte de Sir Robert, Silas morreu
durante o sono.
30
Nunca chegara a recuperar a consciência, fora sempre para
Crisa uma figura impessoal.
Por isso, ela achou que o pranto e o luto da família eram
completamente deslocados.
Sentiu alguma tensão, escondida sob o comportamento teatral
da multidão de parentes que visitaram a casa a seguir ao
funeral.
Pensou que se tratava de ansiedade e alguma desconfiança em
relação à sua pessoa.
Levou algum tempo a perceber o que se passava, pois ninguém
lhe falava de nada.
Compreendeu, então, que todos estavam muito apreensivos em
relação ao testamento de Silas.
Depois de um pomposo funeral, acompanhado por todas as
pessoas importantes de Nova Iorque, em que o cortejo de
carruagens se estendia por mais de um quilómetro, Crisa
pensou que tinha chegado o dia do juízo.
Mas o dia em que todos ficariam a saber como Silas
distribuíra o seu dinheiro teve de ser adiado.
Ela lembrava-se vagamente de que ele tinha feito um
testamento novo na altura do casamento.
O que ficou confirmado, quando Matilda lhe comunicou,
asperamente, que o testamento não poderia ser lido logo
após o funeral.
Esperavam o solicitador dela, que devia vir de Londres.
- Mas porque temos de esperar por ele? - perguntou Crisa.
Matilda soltou uma gargalhada cheia de hostilidade e
respondeu:
- Como se não soubesse já!
- Soubesse o quê?
- Que o meu irmão fez algumas disposições a seu favor,
quando combinou esse casamento apressado, e os documentos
têm de vir para Nova Iorque.
- Não fazia ideia de que iam ser precisos aqui - disse
Crisa com simplicidade -, mas lembro-me, realmente, de ele,
o meu pai e o solicitador terem assinado uns documentos
quando voltámos da igreja.
31
Pela expressão de Matilda, percebeu o que ela estava a
pensar, o que era, aliás, bastante compreensível.
Pensava que uma rapariga inglesa casara com o irmão só pelo
dinheiro.
Tinha-lhe extorquido o máximo de dinheiro possível. Crisa
pensou que isso era um pouco verdade, mas não tivera outra
hipótese.
Não podia dizer, sem mentir, que tinha alguma vez amado o
seu marido.
Recordava-se perfeitamente de ter suplicado a seu pai que
não a fizesse casar com aquele velho.
Lembrava-se do alívio que sentira, no barco, ao perceber
que ele não seria capaz de a tornar sua mulher.
Não lhe tinha dado, como ele esperara, um herdeiro para os
seus muitos milhões.
"Para que serve o dinheiro, agora que o Papá morreu?
costumava pensar, inconsolável, quando se encontrava
sozinha no seu quarto.
Recebera, já, uma carta de Mr. Smithson, o solicitador de
seu pai, dizendo-lhe que Sir Robert lhe deixara tudo o que
possuía, incluindo a mansão.
Mister Smithson também lhe tinha aberto uma conta pessoal,
no banco onde Sir Robert fora cliente. Tratava-se de uma
quantia bastante considerável.
Estava à sua disposição, para quando ela precisasse. "Se ao
menos eu pudesse ir para casa, pensou Crisa. Na sua
opinião, agora que Silas morrera, nada poderia impedi-la.
Contudo, era óbvio que não queria dar essa notícia
imediatamente após a morte do marido.
Passados oito dias, Matilda anunciou-lhe a chegada do
solicitador.
Estava combinada uma reunião na biblioteca, durante a qual
ele leria o testamento de Silas P. Vanderhault.
- Então - disse Matilda com uma voz áspera -, vamos todos
ficar a saber com o que podemos contar...
32
Crisa sentiu vontade de dizer que, no que lhe dizia
respeito, não queria aquele dinheiro para nada.
Só queria um bilhete de regresso para Inglaterra, onde
seria bem capaz de tomar conta de si própria.
Lembrou-se, então, de como sofrera com a situação
financeira de seu pai.
Agora, que morrera, já não receberia as três mil libras
anuais que Silas lhe tinha prometido.
De modo que Crisa achou que seria mais sensato aceitar
algum dinheiro.
O suficiente para impedir que a mansão voltasse a ficar
quase em ruínas.
O suficiente para garantir que ela nunca chegaria a estar
tão endividada como seu pai estivera, a ponto de se ver, se
é que era verdade, ameaçado de prisão.
De uma coisa estava certa, os Vanderhaults podiam ficar com
a casa para eles.
Ela odiava aquela colecção desconcertante do que Silas
costumava chamar os meus tesouros.
Amontoados, apertados uns contra os outros, faziam-na
sentir-se como se tivesse comido demasiado pâté de foie
gras.
Sentia uma espécie de indigestão mental, cada vez que
olhava todas aquelas obras-primas, comprimidas como
sardinha em lata, nas salas excessivamente mobiladas, com
os seus cortinados de veludo.
Crisa dirigiu-se à biblioteca, trajando um dos vestidos
pretos que a filha mais velha de Silas a ajudara a escolher.
Sabendo como iam todos ficar contra ela, só esperava que
Silas não lhe tivesse deixado uma grande fortuna.
Lembrava-se de o seu pai lhe ter dito que Silas prometera
deixar-lhe determinada quantia, quando morresse.
Mas, preocupada como estava, na altura, com a ideia de ter
de viver com ele, não prestara atenção, mesmo sabendo que
ele já era um velho.
Tal como esperava, a sala estava cheia de Vanderhaults. Ao
entrar, sentiu que todos a olhavam com hostilidade, o que a
fez sentir-se muito pouco à vontade.
33
Apenas o filho de Anna, um jovem de vinte e dois anos
chamado Dale, se levantou para a cumprimentar.
Crisa calculou que a mãe dele lhe recomendara que a
conduzisse através da sala.
Sentado a uma mesa, de frente para a multidão de
Vanderhaults, estava o solicitador londrino de Mr.
Vanderhault.
Além dele, mais três sócios da firma que o representava em
Nova Iorque.
Os quatro homens levantaram-se, à chegada de Crisa, e Dale
encarregou-se das apresentações.
Depois de lhes ter apertado as mãos, Crisa sentou-se na
cadeira que lhe era destinada.
Achou tudo aquilo um pouco estranho, mas não estava
disposta a fazer quaisquer comentários.
No entanto, sentia-se um pouco embaraçada por estar de
frente para todos os parentes de seu marido.
Assim que se sentou todos tentaram desviar o olhar. Como se
temessem parecer demasiado avarentos. À sua frente, tinham
colocado um lápis e um pequeno bloco de apontamentos, como
se fosse suposto ela escrever algumas notas.
Em vez disso, quando o solicitador começou a falar, pôs-se
a rabiscar no papel.
Desse modo, tinha uma desculpa para baixar a cabeça. Não
suportava ver a avidez com que os familiares do seu marido
ouviam cada palavra.
- Lamento profundamente - dizia ele, na sua voz firme,
muito inglesa -, não me ter sido possível comparecer ao
funeral do meu tão respeitável cliente, Mister Silas P.
Vanderhault, bem como lamento o seu desaparecimento
prematuro.
Aclarou a garganta e continuou:
- A última vez que o vi, em que parecia tão feliz e tão
saudável, foi por ocasião do seu casamento com Miss Crisa
Roydon.
Quando pronunciou o nome dela, todos olharam para Crisa.
Tendo adivinhado que iam fazê-lo, Crisa baixara ainda mais
a cabeça.
34
Continuava a fingir que estava a tomar apontamentos.
- Passo agora a ler a última vontade e testamento de Mister
Silas P. Vanderhault - continuou o solicitador -, o qual
foi assinado por ele no dia do seu casamento, aos oito de
Julho de mil oitocentos e noventa e cinco.
Começou então a ler, com voz monótona e inexpressiva:
- Eu, Silas P. Vanderhault, encontrando-me em pleno juízo,
venho por este meio declarar que esta é a minha última
vontade e testamento.
A voz do solicitador ecoava pela sala.
Crisa recordava que, enquanto Silas estivera a redigir este
testamento, ela tinha ido para o seu quarto, tirar o
vestido de casamento e vestir o conjunto de viagem.
Nanny estava à sua espera e, quando a viu entrar, exclamou:
- Fez uma linda noiva!
Foi nesse momento que Crisa se descontrolou e esqueceu de
toda a compostura que se tinha obrigado a aparentar,
durante a cerimónia e o almoço.
Começou a chorar e, tapando os olhos com as mãos, disse:
- Não sou capaz, Nanny... não sou capaz! Quem me dera
morrer... deitar-me ao mar... qualquer coisa... tudo
menos... ir-me embora com ele.
Nanny abraçou-a e disse baixinho:
- Não há nada a fazer, meu amorzinho, sabe-o bem. Dispôs-se
a salvar o seu pai, agora não o pode desiludir. A estas
palavras, Crisa enxugou as lágrimas.
- Ele é horrível... Nanny... e tão velho... - murmurou.
- Eu sei, eu sei - respondeu Nanny. - Mas é o seu casamento
com ele que vai tirar o seu pai da miséria. Vai poder
continuar a viver aqui e as pessoas que vos amam e que
confiam em vós não vão precisar de ir pedir esmola pelas
ruas.
Crisa inspirou profundamente.
Sabia que tudo o que Nanny dizia era verdade. Tinha, pois,
de cumprir a sua parte do contrato, por mais dolorosa que
fosse.
Muito pálida, desceu as escadas e verificou que os papéis
já tinham sido assinados.
35
O solicitador, o seu pai e o seu marido bebiam mais uma
taça de champanhe.
Ainda se lembrava do olhar que Silas Vanderhault lhe
dirigira, ao vê-la entrar na sala.
Erguera o seu copo e dissera- lhe:
- Minha esposa! Minha lindíssima esposa! Deus a abençoe!
Bebeu o champanhe enquanto falava.
Instintivamente, Crisa tinha corrido para perto do pai e
segurara-lhe a mão, como a pedir que a protegesse.
Como se sentiu segura quando os seus dedos apertaram os
dela!
Ouviu então a voz do solicitador, distante, como se falasse
através do nevoeiro:
deixo tudo o que possuo, prédios, terras e dinheiro a minha
esposa, de seu nome de solteira Miss Crisa Royden, e, por
morte desta, a seu filho, se o tivermos, ou, não havendo
filho, qualquer criança que nasça desta união. Se não
houver nenhuma, o dinheiro deverá ser repartido pelas obras
de caridade a seguir mencionadas.
Todos ficaram em silêncio, estupefactos.
Em seguida, toda a sala pareceu vibrar com qualquer coisa
semelhante a um grunhido de fúria.
O grunhido foi aumentando até se transformar em protestos
indignados.
Por um instante, Crisa não foi capaz de compreender o que
ouvia nem as dimensões de tudo aquilo.
Enquanto os Vanderhaults gritavam com os solicitadores,
discutiam uns com os outros e exigiam que se contestasse o
testamento, o seu orgulho fê-la levantar-se e sair.
Saiu sem dirigir palavra a ninguém.
Subiu as escadas a correr e entrou na sala de estar
especial que Matilda lhe tinha destinado desde o dia da sua
chegada.
Era lá que escrevia as suas cartas e que recebia algumas
visitas, quando não lhe apetecia estar na sala, enorme e
esmagadora.
Fechou a porta e sentou-se numa cadeira perto da janela.
36
Tentava decidir o que haveria de fazer e descobrir como
iria participar àquela multidão furiosa que, por ela,
podiam ficar com o dinheiro todo.
Tinha decidido conservar apenas uma quantia razoável. Não
queria voltar a ver-se na situação de grande necessidade em
que estava quando casara com Silas Vanderhault.
Foi então que um criado bateu à porta para lhe perguntar se
poderia receber Mr. Metcalfe, o solicitador inglês, que
desejava falar com ela.
Ela disse que estava bem.
Minutos depois ele apareceu, acompanhado do sócio principal
da empresa americana de Silas.
- Lamento muito tudo isto, Mistress Vanderhault - disse Mr.
Metcalfe -, e espero não vir importuná-la, mas trouxe
comigo Mister Alfred Dougall, que, como sabe, representa o
seu falecido marido em Nova Iorque.
Crisa convidou-os a sentarem-se e, antes que dissessem
alguma coisa, disse:
- Eu não quero possuir todo aquele dinheiro e gostaria que
tratassem da melhor maneira de ele ser distribuído pelos
familiares do meu marido, pois basta-me ficar com o
suficiente para as minhas necessidades, que não são muitas.
Fez-se um silêncio total.
Então, Mr. Metcalfe declarou:
- Lamento muito, Mistress Vanderhault, mas isso é
impossível, embora eu aprecie a sua generosidade e a sua
gentileza.
- Mas é impossível porquê?
- Porque - disse Mr. Dougall, com uma pronúncia que
contrastava vivamente com a de Mr. Metcalfe - o seu marido
nomeou, com a maior oportunidade, uma série de
administradores para gerirem um fundo.
Depois de uma pausa, continuou:
- Esse fundo destina-se a garantir que o dinheiro não será
mal gasto ou, como ele próprio disse, "indiscriminadamente
dado às pessoas que, tenho a certeza, irão assediar a minha
mulher com pedidos de dinheiro.
37
- Ele... disse isso? - perguntou Crisa.
- O seu marido, Mistress Vanderhault, tinha bem presen te a
vossa diferença de idades e, apesar de querer deixá-la ri
ca, por morte dele, conhecia muito bem as consequências da
riqueza.
Olhou de relance para Mr. Metcalfe e continuou:
- Creio que, além disso, ele sabia como a família iria
reagir quando se soubesse excluída do testamento.
- Mas é precisamente isso que eu não compreendo - objectou
Crisa -, porque é que ele fez uma coisa dessas? Porque não
lhes deixou, pelo menos, metade da sua fortuna?
- Porque já lhes tinha dado bastante... - explicou Mr.
Dougall. - Ele já tinha percebido, há muito tempo, como
eles são gananciosos e avarentos, sempre a pedir que lhe
desse mais.
Sorriu e disse:
- Penso que compreenderá, Mistress Vanderhault, que uma vez
que Mister Vanderhault enriqueceu à custa do próprio suor,
sendo, como era, de origem muito humilde, acreditava que as
pessoas deviam trabalhar para o seu sustento em vez de
viverem como parasitas, à custa de alguém que tinha sido
mais bem sucedido do que eles.
- Isso é verdade - disse Mr. Metcalfe. - Mister Vander
hault disse praticamente o mesmo, quando eu estava a
redigir, o testamento.
Sorriu para Crisa e continuou:
- Para o caso de estar preocupada com os seus familiares
Mistress Vanderhault, posso garantir-lhe que todos eles são
extremamente ricos, mesmo pelos padrões americanos.
Olhou para os documentos e prosseguiu:
- O seu marido tratou de arranjar para todos lugares muito
bem remunerados, nas suas empresas, assim eles os queiram
aceitar, tanto os seus genros como os filhos destes.
Crisa sentiu-se mais tranquila.
Mas parecia-lhe que ainda estava a ouvir os protestos
indignados dos Vanderhaults, ao ouvirem ler o testamento.
38
Sabia que não lho iam perdoar nunca.
- O melhor que tem a fazer, Mistress Vanderhault - disse
Mr. Metcalfe, num tom suave -, é deixar tudo nas mãos de
Mister Dougall.
Fez uma pausa e acrescentou:
- Ele e os seus colaboradores dedicam todo o seu tempo aos
negócios do seu marido e posso garantir-lhe que tudo
continuará a processar-se como quando ele era vivo.
- E pode ter a certeza - cortou Mr. Dougall - de que a sua
fortuna se multiplicará, ano após ano.
"Tenho de regressar a casa" pensou Crisa, depois de eles
terem partido. "Não quero continuar aqui, a ser odiada por
todos, e terei muito com que me ocupar na mansão. "
Pensou como seria bom voltar para o lado de Nanny. "Ainda
por cima", pensou, "agora tenho dinheiro para desenvolver a
herdade e dar trabalho a todos os que precisam".
Deteve-se, e murmurou de si para consigo: "Agora que tenho
dinheiro, talvez possa receber mais, fazer novos amigos... "
Foi uma ideia animadora que a acompanhou até se deitar,
nessa noite inesquecível.
Mas logo uma semana depois verificou que isso não passava
de um sonho. Um sonho que não poderia realizar-se.
Na manhã seguinte à da leitura do testamento, Crisa desceu
as escadas esperando ser recebida por olhares furibundos e,
mesmo, provocadores.
Mas, em vez disso, esperavam-na sorrisos e cumprimentos.
Sentiu à sua volta uma afabilidade que nunca sentira desde
que chegara à América.
A casa estava sempre cheia.
Não só com os Vanderhaults que já conhecia mas, ainda, com
primos afastados e outros parentes de todas as idades.
Tinham vindo para o funeral e não pareciam interessados em
voltar.
Crisa levou algum tempo a perceber que o seu dinheiro a
transformara numa pessoa poderosa e importante.
Para uns, ela representava a abundância de tudo o que eles
queriam de bom.
39
Havia sempre alguém disposto a pedir-lhe que ajudasse as
suas instituições de caridade preferidas ou a igreja da sua
escolha.
Ou então falavam-lhe do aniversário que se realizaria daí a
dois dias.
Informavam-na de quem deveria receber um presente nas suas
bodas de prata.
Ou de que tal criança recebera um prémio na escola, devendo
ter como recompensa o dinheiro suficiente para que se
celebrasse devidamente uma ocasião tão auspiciosa.
Faziam-lhe infindáveis pedidos.
A princípio, Crisa fazia exactamente o que lhe pediam. Mas
acabou por pedir a Mr. Dougall que destinasse uma verba que
achasse adequada para dedicar às várias obras de caridade e
para financiar novos empreendimentos.
Pediu-lhe, também, que comprasse automóveis a motor, o
último grito da moda entre a juventude de Nova Iorque, para
todos os netos de seu marido.
- Sei que, assim que retirar o luto, pensa dar um grande
baile em honra de Sadie, que faz dezassete anos no ano que
vem - disse-lhe a filha mais velha do seu marido. - Temos
de fazer tudo para que seja o baile mais fantástico e
exótico que alguma vez se realizou em Nova Iorque!
E começou a descrever como o tinha imaginado, enquanto as
palavras ano que vem pareciam gravar-se na mente de Crisa.
Não suportaria ficar ali tanto tempo!
Viver naquele enorme casarão onde não tinha nenhuma
autoridade e se sentia oprimida por todos os Vanderhaults.
Nessa noite, deitada na sua cama, pensou seriamente em tudo
aquilo.
A morte do seu pai deixara-a demasiado infeliz, e a do seu
marido demasiado confusa para compreender exactamente o que
lhe tinha acontecido.
Só agora se dava conta de que era uma prisioneira. Uma
prisioneira numa gaiola dourada, cujas grades a mantinham
cativa e das quais era impossível fugir.
40
Dissera a Matilda:
- Gostaria de regressar a Inglaterra, para visitar o túmulo
do meu pai.
A mulher soltara um grito de horror.
- Como pode pensar numa coisa dessas, quando há tanto para
fazer aqui? Assim que possa aliviar um pouco o luto, tem
milhares de obrigações a cumprir, como viúva de Silas.
Desenrolara, então, uma lista de comissões, às quais Crisa
deveria presidir.
E outra lista, ainda maior, das obras de caridade com que
teria de colaborar.
Havia, também, grande quantidade de festas familiares em
que deveria ter um papel importante.
Crisa ficou boquiaberta.
Não apenas por verificar que esperavam tanto dela mas
também por perceber que Matilda tinha congeminado tudo
aquilo.
Tinha deixado bem claro que era impossível, para Crisa,
escapar ao cumprimento de todos aqueles deveres.
Tenho de fugir, disse Crisa para consigo.
Mas, embora parecesse ridículo, sabia que encontraria os
maiores obstáculos ao tentar fazer qualquer coisa que lhe
apetecesse.
Ao ponto de usarem, se tal fosse necessário, a força fisica
para a impedir de abandonar Nova Iorque.
Ou, pelo menos, para a manterem naquilo que Crisa
considerava ser território Vanderhault.
Um dos primos tinha propriedades na Califórnia. Sugeriram-
lhe que o visitasse, acompanhada, claro, por, pelo menos,
meia dúzia de Vanderhaults.
Garantiram-lhe que havia um rancho no Texas que acharia
muito interessante.
Até lhe sugeriram que fizesse um passeio às montanhas
Rochosas, que os Vanderhaults mais novos achariam muito
divertido.
Poderiam viajar no comboio privativo de Silas e no seu
próprio caminho de ferro.
41
Viajariam até à propriedade extremamente valiosa que ele
adquirira em São Francisco.
Crisa sentiu que o programa da sua vida era desdobrado à
sua frente, como se fosse um mapa.
Pensou que nunca teria possibilidade de fugir. Se não era
Matilda ou Anna a tentar controlar a sua vida, eram as
filhas de Silas, ou os maridos destas.
Também eles viviam à custa do dinheiro dele.
Quando olhavam para Crisa, tinham um brilho especial no
olhar.
Brilho que a informava de que eles fariam tudo o que
estivesse ao seu alcance para evitar que ela escapasse
àquela estranha congregação.
Sentiu-se percorrida por uma sensação de pânico. Teve
vontade de gritar, de fugir daquela casa e nunca mais
voltar.
Num momento de quase loucura, chegou a pensar em ir pedir
protecção à polícia.
Mas pensou que teria de resolver o assunto com
inteligência. Uma vez que conseguisse chegar a Inglaterra,
organizaria a sua vida como melhor entendesse e pediria aos
amigos do seu pai que a ajudassem.
Por estranho que pudesse parecer, embora tivesse vivido
sempre no campo, Crisa tinha recebido uma esmerada educação.
A sua mãe insistira em que ela desenvolvesse a sua
inteligência.
Além disso, recebera um nome grego, pois, como sua mãe lhe
tinha explicado:
- Foram os Gregos que ensinaram o mundo civilizado a
pensar, e isso é uma coisa que não devemos esquecer.
Quando era ainda muito pequena, explicaram-lhe porque tinha
um nome tão estranho.
- Quando fui à Grécia com o teu pai - dissera sua mãe -,
fomos, de barco, a Crisa, local onde Apolo brotou das
águas, pela primeira vez, disfarçado de estrela, ao meio-
dia.
A mãe fizera uma pausa e continuara:
42
- Chegados a Crisa, o teu pai contou-me essa história,
enquanto olhávamos os Penhascos Brilhantes, em Delfos. Nesse
momento, senti o meu bebé, que eras tu, minha querida,
mexer-se dentro de mim.
Abraçou Crisa.
- Soube, então, que serias uma pessoa muito especial,
imbuída do espírito da Grécia, e que te daria o nome de
Crisa.
Crisa parecia que estava a ouvir a mãe contar-lhe aquilo,
com a sua voz suave e musical.
À medida que foi crescendo, a mãe foi-lhe falando da Grécia
e das características dos gregos da Antiguidade.
Falava especialmente da luz que não só enriquecia a própria
Grécia como iluminava todos os que eram distinguidos pela
Luz Sagrada dos deuses.
- É essa luz - dissera a sua mãe - que tens de procurar e
seguir durante toda a tua vida e que, assim espero,
encontrarás, na companhia do homem que vieres a amar e com
quem te casarás.
E prosseguiu, num tom muito comovedor:
- Não te esqueças, ela estará sempre presente, pronta a
ajudar-nos e, sempre que estivermos em dificuldades ou em
perigo, poderemos recorrer a ela, que nunca nos faltará.
Sentada, agora, perto da janela da sua sala de estar, Crisa
parecia ouvir as palavras da sua mãe.
Ela trazia-lhe a Luz Sagrada, para lhe mostrar o que havia
de fazer, como poderia fugir.
Lembrou-se de que, para regressar a Inglaterra, a primeira
coisa de que iria precisar era do seu passaporte.
Mas estava averbado ao do marido.
Sendo assim, teria de o conseguir das mãos de Mr. Krissam.
Calculou que ele se sentiria obrigado a informar toda a
família sobre as suas intenções de partir.
Mas teve uma ideia e chamou um criado, a quem disse para
informar Mr. Krissam de que precisava de falar com ele.
Apareceu imediatamente.
Quando Mr. Krissam se aproximou, Crisa pensou se seria
capaz de ser franca com ele.
43
Deveria contar-lhe o que tencionava fazer?
Reparou nos seus lábios finos, no seu rosto anguloso e nos
seus olhos, escuros e vivos.
Certamente que seria para ele mais vantajoso, como era para
os Vanderhaults, que ela permanecesse em Nova Iorque, sob a
sua própria vigilância.
Portanto, foi com um sorriso um pouco forçado que disse:
- Boa tarde, Mister Krissam. Há muito tempo que não falamos
um com o outro.
- Espero que esteja melhor, Mistress Vanderhault -
respondeu Mr. Krissam. - Calculo que estas últimas semanas
tenham sido muito dificeis.
- Sem dúvida alguma - disse Crisa -, e agora preciso da sua
ajuda.
- Como sabe, estou à sua inteira disposição - disse Mr.
Krissam.
- Penso que não vai achar dificil - respondeu Crisa. -
Recebi carta de uma amiga inglesa que trabalha aqui, como
secretária de um escritor.
Fez uma pausa, sorriu e continuou:
- Ela tem viajado muito e parece que perdeu o seu
passaporte inglês.
Mister Krissam ouvia atentamente.
- Participou o desaparecimento às autoridades, mas o
passaporte ainda não apareceu.
Esperou um instante e disse:
- Tenho a certeza, Mister Krissam, de que, para ajudar a
minha amiga, vai conseguir arranjar-lhe um novo, junto da
embaixada inglesa.
Ele não lhe pareceu muito interessado e Crisa continuou:
- Ela receia não ter tempo para tratar do assunto, quando o
seu patrão regressar a Nova Iorque, e seria muito
desagradável se não pudesse acompanhá-lo na sua próxima
viagem de barco, como ele espera.
- Com certeza, Mistress Vanderhault - disse Mr. Krissam. -
Compreendo perfeitamente, e tenho a certeza de que não
haverá qualquer problema.
44
Esperou um instante e, olhando para Crisa, continuou:
- Através de Mister Vanderhault conheço muito bem o
embaixador inglês e já falei muitas vezes com ele, em seu
nome.
- Isso é maravilhoso! - exclamou Crisa. - Seria muito
amável se tratasse de tudo e eu vou já escrever à minha
amiga, dizendo-lhe que não precisa de se preocupar.
Mister Krissam tirou um bloco de notas do bolso e disse:
- Agora, se fosse possível, gostaria que me desse algumas
informações, que vão, evidentemente, ser necessárias. Q,
ual o nome da sua amiga?
Crisa respirou fundo.
- O nome dela é - disse -... Cristina Wayne.
- E a idade?
Crisa hesitou um pouco e respondeu:
- Tem vinte e três anos.
- E disse que era secretária?
- Exactamente.
Mister Krissam pensou um pouco e disse:
- Como diz que ela viaja muito, penso que o melhor, se me
permite, será dar esta morada como sua residência em Nova
Iorque, mas claro que podem pedir uma morada em Inglaterra.
- The Vicarage, Little Royden, Huntingdonshire - disse
Crisa.
Mister Krissam voltou a pôr o seu bloco no bolso e, depois
de alguns cumprimentos, saiu.
Crisa ouviu-o fechar a porta.
Respirou fundo, pensando que o primeiro passo estava dado,
o primeiro passo para a liberdade.
A questão era a seguinte - seria capaz de ir até ao fim sem
ser descoberta?
45
CAPÍTULO TERCEIRO
Mister Krissam levaria alguns dias a conseguir o passaporte
para Miss Wayne.
Assim, Crisa resolveu ocupar esse tempo na elaboração do
resto do plano.
Para onde quer que fosse, nunca conseguia ir sozinha.
Normalmente, era uma das filhas de Silas que sugeria irem
às compras.
Era a coisa que ela mais gostava de fazer.
Mesmo se Crisa tinha vontade de dar um passeio, tinha de ir
acompanhada por um dos Vanderhaults.
Havia sempre um deles pronto para a acompanhar. Senão,
teria de ir com Abigail, a sua criada particular. Era de
meia-idade, muito magra, e Crisa tinha a certeza de que era
uma espécie de espia dos Vanderhaults.
O que significava que tudo o que Crisa dissesse ou fizesse
chegaria ao conhecimento de Matilda ou de Anna.
Contudo, isso era uma coisa que Crisa não podia provar. Mas
já reparara, uma ou duas vezes, que Matilda estava ao
corrente de coisas ditas ou feitas por si, sem que ela
própria as tivesse mencionado.
Tinha a certeza de que Abigail fora a informadora.
- Se ao menos a Nanny estivesse ao pé de mim - não se
cansava de lamentar.
Tudo seria muito mais fácil se isso fosse possível. Mas
Crisa estava decidida a regressar a Inglaterra, fosse como
fosse.
47
Estar com Nanny seria como voltar a ser criança, sem mais
problemas ou dificuldades para resolver.
Uma das coisas mais importantes, pensou, seria ter dinheiro
e roupas.
Conseguir o dinheiro seria o mais difícil, pois tudo o que
comprava era posto na sua conta.
Quando os recibos chegavam, ela nem sequer os via, pois
eram pagos ou por Mr. Krissam ou pelo seu empregado de
escritório.
Portanto, um dia disse a Mr. Krissam:
- É verdade, eu precisava de duzentos dólares para ir às
compras amanhã.
Tal como esperava, Mr. Krissam ficou muito surpreendido.
- Basta mandar receber tudo o que quiser comprar, Mistress
Vanderhault - respondeu ele.
- Bem sei - respondeu Crisa -, mas preciso de comprar
alguns presentes e não quero que a pessoa a quem os vou
oferecer saiba quanto custaram.
Pareceu-lhe que Mr. Krissam se preparava para argumentar
com ela.
Mas, afinal, dez minutos depois estava de volta com os
duzentos dólares em grandes notas.
Crisa arrumou-as na sua malinha de mão.
No dia seguinte foi às compras com Anna, que estava ansiosa
por ver os vestidos da última moda.
Tinham acabado de chegar de Paris.
Enquanto estavam no armazém, Crisa aproveitou para comprar
um presente muito caro, um conjunto de secretária
constituído por um mata-borrão com os cantos dourados, uma
caneta dourada e um tinteiro a condizer.
Embora o empregado se oferecesse para o mandar a casa,
Crisa preferiu levá-lo consigo.
Quando chegou a casa, ofereceu-o a Mr. Krissam. Preparara
um pequeno discurso, agradecendo-lhe toda a gentileza
demonstrada para com ela desde que a conhecera em
Inglaterra.
48
Mister Krissam ficou rendido à sua generosidade. Pela
primeira vez, ele pareceu-lhe bastante humano, quando
gaguejou os seus agradecimentos e, pensou Crisa, corou
mesmo um pouco.
Depois disso, todos os dias ela lhe pedia dinheiro para ir
às compras.
Comprou presentes para Matilda e Anna e para os netos mais
novos de Silas.
Todos ficavam encantados com o que Crisa lhes oferecia. Ela
tinha o cuidado de fazer com que sobrasse sempre algum
dinheiro, e guardava o troco numa gaveta, fechada à chave,
da sua secretária.
Levava sempre a chave consigo.
Mas em breve compreendeu que ia precisar de muito mais do
que o que conseguia juntar tão modestamente desse modo.
Pelo menos, era um princípio, mas teria de pensar num modo
de obter uma quantia muito maior.
Tinha de conseguir o suficiente para comprar o bilhete de
regresso a Inglaterra.
E, também, para comprar algumas roupas.
Se queria fugir sem que ninguém desse por isso, tinha de
ter que vestir a bordo.
Era impossível fugir de casa se tivesse que carregar uma
mala grande.
Todos mostrariam curiosidade em saber para onde ia e pelo
menos um dos Vanderhaults havia de querer ir com ela.
Mas enquanto pensava nisso tudo surgiu, de súbito, mais uma
complicação.
Crisa começou a perceber que os Vanderhaults lhe tinham
arranjado um marido.
Parecia incrível, já que Silas morrera havia tão pouco
tempo. Estava certa de que o que os preocupava era a sua
enorme fortuna.
Estavam, na verdade, cheios de medo que, sendo tão nova,
Crisa se apaixonasse e quisesse voltar a casar.
Tudo se tornou claro para Crisa quando foi a uma pequena
49
festa, dada em sua honra por um amigo íntimo dos
Vanderhaults, que também tinha uma casa na Quinta Avenida.
Ao jantar, conheceu um inglês, hóspede em casa dos seus
anfitriões.
Não era muito jovem, mas Crisa sentiu-se reconfortada por
conhecer alguém que se parecia muito com o seu pai.
Falavam a mesma língua e Crisa pôde conversar sobre
Huntingdonshire, pois ele conhecia a região.
Crisa ficou muito feliz por o conhecer.
Conversaram animadamente e só quando voltou para casa é que
ela compreendeu, pela expressão de Matilda, que havia
alguma coisa no ar.
No dia seguinte, pareceu-lhe ver na casa mais Vanderhaults
do que era costume.
Era óbvio que o que se passava lhe dizia respeito. Sempre
que entrava nalguma sala, encontrava-os a conversar em voz
baixa.
Mal ela aparecia, calavam-se imediatamente.
Começavam então a falar de coisas fúteis e triviais, de um
modo denunciador de que tentavam esconder alguma coisa.
Dois dias depois, chegava Thomas G. Bamburger. Crisa era
suficientemente esperta para compreender que ele tinha sido
escolhido pelos Vanderhaults para seu futuro marido.
Era um primo afastado e a sua mãe fora uma Vanderhault.
Silas dera-lhe emprego na sua companhia ferroviária e,
segundo Matilda, que não se cansava de gabar os talentos
dele, destacara-se de tal modo que o mais natural era vir a
ser director-geral de toda a companhia.
Tinha trinta e quatro anos, mas parecia mais velho. Assim
que o viu, Crisa achou que ele era o tipo de americano de
que ela não gostava e com o qual não tinha nada em comum.
Conversaram bastante, mas às vezes ele caía num profundo
silêncio e fitava-a com um olhar frio.
Crisa tinha a certeza de que ele pensava em quanto ela
valia.
50
Como seria vantajoso tornar-se seu marido.
Crisa nunca se perguntou como tinha percebido tudo tão
rapidamente, sem que nunca lhe tivessem dito nada.
No entanto, desde o momento em que se voltara para sua mãe,
pedindo que a ajudasse a fugir, sentira sempre que estava a
ser ajudada e guiada pela luz da Grécia, sob a qual nascera.
Estava certa de que não faltaria muito para que Thomas
Bamburger lhe revelasse as suas intenções.
Uma vez que estavam sempre na mesma casa, Matilda arranjara
as coisas de modo a sentarem-se ao lado um do outro, às
refeições.
Mas Crisa fazia os possíveis por nunca se encontrar a sós
com ele.
E decidiu que tinha de apressar a fuga.
O próximo passo seria conseguir as roupas com que iria
voltar a casa.
Pensou com muito cuidado no que haveria de fazer. Esperou
pelo dia em que Matilda, Anna e duas das filhas de Silas
saíram, para irem a um bazar de caridade que se realizava a
dois quarteirões de distância.
Tinham-na convidado para ir com elas.
Crisa respondeu-lhes que o marido morrera há muito pouco
tempo e que achava, portanto, muito cedo para ser vista em
público.
Embora sentissem vontade de protestar, tiveram de ir sem
ela. Crisa esperou que as carruagens tivessem partido,
depois tocou a campainha e pediu que arranjassem uma
carruagem para si própria.
Subiu para o quarto.
Enquanto colocava na cabeça um dos seus chapéus com véu
preto de viúva, ouviu bater à porta.
Como esperava, era Abigail, dizendo que Mr. Krissam
desejava falar com ela.
Dirigiu-se à sala de estar, que ficava ao lado, e achou-o
com um ar um tanto ansioso.
- Pelo que sei, Mistress Vanderhault, mandou pedir uma
carruagem... Não sabia que pensava sair esta tarde...
51
- Nem eu, até abrir o correio que veio esta manhã e ler uma
carta da minha amiga Miss Wayne, de cujo passaporte está a
tratar.
Sabia que não corria perigo pois ainda recebia, todos os
dias, cartas de pêsames de todos os cantos da América.
Suspeitava que Mr. Krissam examinasse as que lhe eram
dirigidas.
Mas não poderia conhecer o seu conteúdo, a não ser que se
desse ao trabalho de as abrir ao vapor.
- Miss Wayne talvez venha a Nova Iorque em breve e, como
não deve demorar muito aqui, pediu-me se lhe comprava
algumas roupas de que vai precisar na sua viagem a
Inglaterra.
- Compreendo - respondeu Mr. Krissam -, mas não prefere
esperar pelo dia de amanhã, pois tenho a certeza de que
Mistress Anna gostaria de a acompanhar?
- Não espero conseguir comprar tudo hoje - replicou Crisa
-, além disso, levo a Abigail comigo.
O que não lhe apetecia nada.
Mas tinha a certeza de que Mr. Krissam levantaria os
maiores obstáculos se ela tentasse sair sozinha.
Não havia mais nada a esclarecer, portanto ele saiu. Dez
minutos depois, Crisa, acompanhada de Abigail, dirigia- se
aos armazéns Macy's, na West l4th Street.
Ao chegar aos principais armazéns de Nova Iorque, Crisa
mandou chamar a gerente da secção de vestidos.
Fê-lo com uma autoridade que nunca tinha sentido antes de
casar.
- Sou Mistress Silas Vanderhault - disse -, e desejo
comprar algumas roupas para uma amiga minha que em breve
passará por Nova Iorque.
Dirigiu um sorriso à gerente, e continuou:
- Infelizmente, tenho muito pouco tempo, mas agradecia que
me mostrasse uns vestidos simples, pois a minha amiga vai
viajar para Inglaterra, e uma capa quente, pois vai viajar
por mar.
O nome Vanderhault" fez maravilhas.
52
Um exército de empregadas trouxe-lhe toda a espécie de
vestidos.
Crisa explicou que a sua amiga tinha, mais ou menos, as
mesmas medidas do que ela.
- Ela disse-me - contou Crisa, rindo - que, como anda a
viajar pela América há muito tempo, as suas roupas estão
num péssimo estado.
Esteve calada uns instantes, depois continuou:
- Também perdeu alguns artigos que terão de ser
substituídos, como sapatos e roupa interior.
A gerente fez um gesto de indignação e disse:
- Os roubos em alguns hotéis do Oeste são, segundo tenho
ouvido dizer, Mistress Vanderhault, um escândalo! um facto
revoltante e que dá mau nome ao nosso país, mas o que é que
se há-de fazer?
- Sim, o quê? suspirou Crisa.
Solícita, a gerente mandou trazer chapéus e toucas que
condissessem com cada fato de dia.
De outra secção, trouxeram sapatos.
Crisa experimentou-os, contando que toda a vida ela e a sua
amiga tinham emprestado sapatos uma à outra.
Crisa esperava que ela não se tivesse modificado muito,
desde a última vez em que a vira.
Encomendou três vestidos de dia, dois vestidos simples para
a noite e uma capa de fazenda de lã quente, debruada a pele.
Pediu à gerente que arrumasse tudo numa mala nova e numa
caixa de chapéus.
Pediu-lhe que tivesse tudo pronto, para ser levantado a
qualquer altura por uma tal Miss Christina Wayne,
- Não sei se virei eu própria - disse Crisa - ou Miss Wayne
mas, nesse caso, ela apresentará um cartão meu.
A gerente disse que estava bem e Crisa agradeceu-lhe,
acrescentando:
- Mande a conta para Miss Wayne, na minha morada, por favor.
- Espero que nos compre, também, alguns vestidos, madame.
53
- Virei ter consigo assim que comece a aliviar o luto -
prometeu Crisa.
Dirigiu-se para a porta, recebendo vénias dos empregados
que encontrava pelo caminho.
Ao chegar a casa, verificou que tanto Matilda como o resto
da família ainda se encontravam no bazar.
Quando voltaram, tinham tanto para contar que não se
aperceberam de que Crisa saíra durante a sua ausência.
E, para seu grande espanto, Mr. Krissam não lhes contou que
ela tinha sido suficientemente ousada para fazer qualquer
coisa sozinha.
No dia seguinte, Mr. Krissam trouxe-lhe o passaporte que
ela lhe tinha pedido.
Quando ele lho entregou, ela reparou que estava assinado
pelo embaixador britânico, em nome do secretário de Estado
dos Negócios Estrangeiros.
- Estou-lhe tão agradecida, Mister Krissam - disse Crisa. -
Sei que Miss Wayne sentirá o mesmo. Se ela tivesse de
tratar de tudo sozinha, perderia um tempo precioso na
Embaixada.
Crisa sorriu-lhe e acrescentou:
- Talvez tivesse de ir lá várias vezes, antes que estivesse
pronto.
- Fico feliz por ter sido útil, Mistress Vanderhault -
disse Mr. Krissam.
Desde que recebera o seu presente, Crisa achava-o mais
amável do que nunca.
Mesmo assim, Crisa não queria correr nenhum risco e disse-
lhe, ao dirigir-se para a sua sala de estar:
- Vou já escrever a Miss Wayne e dizer-lhe que tenho aqui o
passaporte, mas, como não tenho a certeza de ela se
encontrar ainda na mesma morada, guardá-lo-ei até à sua
chegada. Depois de tanta maçada, seria um disparate se se
extraviasse.
54
- Tem toda a razão - concordou Mr. Krissam. Assim, Crisa
escreveu uma carta que começava assim: "Minha querida
Cristina... ", onde explicava que o passaporte estava
pronto, bem como as roupas que ela lhe tinha pedido para
comprar.
Ela tinha a certeza que as cartas recebidas não eram lidas
de maneira nenhuma.
No entanto, as que eram enviadas eram seladas no escritório
de Mr. Krissam.
Este registava num livro o custo e o destino de cada uma.
Crisa calculava que alguma carta de aspecto menos vulgar
fosse mesmo lida.
Portanto, teve o cuidado de não escrever nada que o levasse
a suspeitar da existência de Christina Wayne.
Escreveu no envelope a morada de um hotel de São Francisco,
que encontrara num guia da cidade.
No canto superior esquerdo escreveu "espera chegada". Não
tinha a certeza absoluta, mas calculava que, passado
bastante tempo, a recepção considerava que a destinatária
não aparecera e que não era preciso guardá-la por mais
tempo.
Ou a deitavam fora, ou a abriam.
"Por essa altura", pensou Crisa triunfante, "eu já cá não
estarei! ".
O passo seguinte era decidir quando partir, e escolher o
dia. Não era difícil saber os dias de partida dos navios,
pois vinham anunciados no jornal.
Silas fora uma figura tão proeminente que ela excluiu logo
a hipótese de viajar numa companhia de navegação americana.
Agora, os navios mantinham-se em comunicação telegráfica
com terra.
Assim, Crisa temia que, embora lhe parecesse um pouco
absurdo, mesmo depois da partida a família conseguisse
descobri-la e arrastá-la de volta para Nova Iorque.
Portanto, chegou à conclusão de que o modo mais seguro de
viajar seria num navio de uma companhia francesa.
Pelo que sabia, o La Touraine era mais lento do que os
navios alemães.
55
Mas era de uma beleza extraordinária e o primeiro navio,
diziam os jornais, a oferecer as confortáveis suites.
Esta novidade já tinha sido adoptada por muitos outros
navios, claro.
Mas Crisa achava que o La Touraine parecia não só mais
confortável mas também mais seguro.
Gostaria de viajar num navio da companhia inglesa Gunard.
Mas tinha a certeza de que era por aí que os Vanderhaults
começariam as suas buscas.
Partiriam do princípio que ela se sentiria em segurança
entre os seus compatriotas.
O La Touraine partia dentro de dois dias.
Crisa sabia que, se quisesse embarcar nele, teria de
escolher a melhor altura para conseguir fugir da família.
Além disso, tinha de arranjar dinheiro suficiente para o
bilhete.
Esse era o problema principal mas, mais uma vez, Crisa
sentiu que alguém a ajudava e orientava.
Matilda participou-lhe que, na quinta-feira seguinte, iriam
almoçar fora de Nova Iorque.
Almoçariam com uma das filhas de Silas. Ela e o marido
tinham comprado uma casa no Connecticut.
- Tenho a certeza de que vai gostar do passeio, Crisa -
disse Matilda -, e sei que vai querer levar-lhes um
presente para a casa nova.
- Claro - concordou Crisa.
Mas em vez de mandar chamar Mr. Krissam, dirigiu-se ela
própria ao seu escritório, pela primeira vez.
Ficava no rés-do-chão da grande casa e, tal como as outras
divisões, estava demasiado mobilado.
Neste caso, de arquivos, estantes e secretárias.
As paredes estavam cheias de mapas, que representavam as
propriedades Vanderhault.
- Quero comprar um presente caro - disse-lhe -, mas tem de
ser uma coisa requintada e original.
- Pode pôr o que pretender na sua conta, Mistress
Vanderhault.
56
- Mas não nas lojas onde estou a pensar ir - respondeu
Crisa. - Estou a pensar comprar um jarrão chinês ou talvez
uma peça estranha e exótica do Japão.
Mister Krissam pareceu hesitante e ela continuou:
-Ainda há pouco tempo Mister Bamburger contou que os
vendedores orientais não gostam de contas, pois não as
compreendem.
Crisa riu e continuou:
- Portanto, venho pedir-lhe que me dê algum dinheiro, por
favor. Não tenho tempo para mais explicações e, inglesa
como sou, sempre preferi pagar no momento.
Mister Krissam tirou uma chave de uma gaveta da sua
secretária e abriu um cofre enorme.
Ocupava muito espaço, a um lado da lareira.
- Que grande cofre! - exclamou Crisa. - O que é que tem lá
dentro?
- Ficaria surpreendida, Mistress Vanderhault, se soubesse
quanto custa manter esta casa - respondeu Mr. Krissam. Há
os ordenados dos criados, além das contas, muitas das quais
são pagas em dinheiro e não por cheque.
- Não os censuro - brincou Crisa -, mas deve dar-lhe muito
trabalho.
- Como sabe, sobra-me muito pouco tempo - respondeu Mr.
Krissam.
Enquanto falava, retirou do cofre um molho de notas de cem
dólares.
Crisa reparou que, ao lado, estava um maço de notas de mil
dólares.
Apontou com o dedo e disse:
- Notas de mil dólares! Não sabia que se faziam notas tão
grandes!
- De vez em quando, é preciso ter notas de mil dólares -
respondeu Mr. Krissam.
- Uma nota dessas - observou Crisa -, daria para uma pessoa
viver muito confortavelmente durante um mês ou dois...
Mister Krissam riu.
57
Tirou do molho algumas notas de cem.
Entretanto, Crisa, que segurava o maço de notas de mil, com
a outra mão deu um esticão no colar de pérolas que trazia
ao pescoço.
As pérolas espalharam-se pelo chão, como gotas de orvalho.
Crisa soltou um gritinho e exclamou:
- As minhas pérolas! O meu marido ofereceu-mas no dia do
nosso casamento!
- Não se preocupe, Mistress Vanderhault - apressou-se a
dizer Mr. Krissam.
Voltou a colocar dentro do cofre as notas que tinha na mão
e ajoelhou- se.
As pérolas tinham rolado em todas as direcções. Ele pôs-se
a apanhá-las, verificando que umas tinham ficado debaixo
dos tapetes e outras estavam enfiadas nas reentrâncias do
soalho de madeira.
Entretanto, Crisa conseguiu tirar do maço três notas de mil
dólares.
Depois voltou a colocá-lo dentro do cofre. Escondeu as
notas no decote do vestido.
Foi, então, ajudar Mr. Krissam e estendeu o seu lenço no
chão para lá porem as pérolas que iam apanhando.
Quando parecia que não havia mais pérolas espalhadas, Crisa
levantou-se.
Segurou o lenço pelas extremidades e entregou-o a Mr.
Krissam, dizendo:
- Posso deixá-las consigo, Mister Krissam, para as mandar
enfiar? Foi por eu ser tão descuidada que o colar se
partiu. Mas foi uma sorte ter acontecido aqui e não nalgum
lugar público!
- Isso seria, sem dúvida, um grande aborrecimento -
concordou Mr. Krissam.
Dirigiu-se ao cofre e guardou-as lá dentro.
Quando Crisa se voltou, para sair do escritório, ele estava
a guardar a chave na gaveta.
- Muito obrigada - disse ela -, é sempre tão gentil e
prestável e é para mim uma alegria ver que gostou do
presente que lhe dei.
58
Olhou para o tinteiro e Mr. Krissam replicou:
- Tenho muito orgulho nele, Mistress Vanderhault. Crisa
sorriu-lhe.
E subiu as escadas a correr, esperando que ele não desse
pela falta do dinheiro antes de sexta-feira, dia em que
costumava pagar aos criados.
Nessa tarde, saiu para fazer compras para as filhas de
Silas. Gastou bastante dinheiro, mas mandou pôr tudo na
conta, pois sabia que só a iriam receber na semana seguinte.
Depois do jantar, em que Thomas Bamburger lhe parecera
especialmente atencioso, ela disse que tinha de se retirar.
- Tenho uma leve dor de cabeça - disse - e quero ter a
certeza de que amanhã me vou sentir bem.
- Com certeza - concordou Matilda. - Mas acontece que o
Thomas estava com muita vontade de a levar a ver as
orquídeas que acabaram de florir, na estufa.
E frisou:
- Ainda esta tarde ele me disse como eram lindas e sei que
a Crisa as apreciaria.
Foi então que Crisa compreendeu que estava perante uma
situação de perigo.
Sabia que não podia arriscar encontrar-se a sós com Thomas
Bamburger.
Sorriu, parecendo anuir, mas levou a mão à cabeça e disse:
- Claro que gostaria de ver as orquídeas, Matilda, e sei
que parece patetice, mas estou mesmo um pouco tonta e acho
melhor ir deitar-me.
Todos começaram a dar provas de grande preocupação e
ajudaram-na a ir para o seu quarto.
Depois chamaram Abigail.
Não se falou mais na sua visita à estufa com Thomas
Bamburger.
Crisa deitou-se e, durante muito tempo, rezou para que tudo
corresse exactamente como tinha previsto.
Não ia ser nada fácil.
59
Era uma grande sorte a família ir no dia seguinte ao
Connecticut.
Isso dar-lhe-ia tempo para se recompor da indisposição que
a impediria de os acompanhar.
Tinha de arranjar maneira de chegar ao cais a tempo de
apanhar o La Touraine.
Receava não conseguir um camarote livre, aparecendo à
última hora.
Por outro lado, tinha lido nos jornais que os navios
atravessavam um período um pouco dificil.
A maioria chegava sem a lotação completa e partia nas
mesmas condições.
Brincou com a ideia de reservar uma passagem em nome de
Christina.
Mas para isso teria de ir a uma agência ou ao cais.
Contudo, isso seria demasiado perigoso.
Um dos Vanderhaults, ou o próprio Mr. Krissam, acabaria por
saber, pelo cocheiro que a conduzisse, onde é que ela tinha
ido.
Fariam muitas perguntas.
O único risco que terei de correr, disse para consigo, é de
o navio se recusar a transportar-me.
Na manhã seguinte, tudo correu conforme planeara. Assim que
Abigail a acordou, mandou um recado a Matilda dizendo que
não se sentia bem.
Tal como previra, meia hora depois Matilda encontrava-se à
sua cabeceira, mostrando-se muito preocupada.
- Acha melhor chamar um médico? - perguntou. Crisa fez que
não com a cabeça.
- Não - respondeu. - Eu já tenho tido estas dores de cabeça
e sei que passam, se eu descansar e não comer muito.
- A Susan vai ficar tristíssima se não a vir - disse
Matilda.
60
- Leva-lhe os presentes que eu lhe comprei e os das
crianças? - perguntou Crisa. - E diga-lhe, por favor, que
espero
poder visitá-la na casa nova para a semana que vem. Talvez
pudéssemos ir juntas?
- Certamente que sim - concordou Matilda. - Tome cuidado,
Crisa. Não gosto muito de a deixar aqui sozinha, mas os
criados tratarão de si e nós voltaremos o mais depressa
possível.
- Não, por favor, não façam isso! - protestou Crisa. -
Senão, vou ficar a pensar que vos estraguei a festa. Eu
fico bem.
Só preciso de dormir um pouco.
Franziu a testa, como se lhe tivesse sido muito difícil
falar. Matilda saiu, depois de recomendar a Abigail que
desse a Crisa uma bebida fresca e lhe preparasse um almoço
muito leve.
Foi a seguir ao almoço que Crisa se levantou e vestiu.
Escolheu um dos seus vestidos pretos mais simples. Com
muito cuidado, descoseu o véu de crepe negro da sua touca
de viúva.
Em seguida, meteu na mala de mão as jóias que queria levar
consigo.
Já lá se encontrava todo o dinheiro que tinha conseguido
juntar.
Quando estava completamente pronta, chamou Abigail. A
criada veio e ficou espantada de a ver levantada e vestida.
- Que é que está a fazer, Mistress Vanderhault? - exclamou.
- Sabe muito bem que devia estar a descansar!
- Bem sei - disse Crisa -, mas só agora me lembrei de que
hoje era o dia de aniversário da minha mãe.
Esperou um pouco e suspirou antes de continuar:
- Como todos os anos, neste dia, vou à igreja rezar por
ela, tenho de ir agora à Catedral de Saint Patrick.
Abigail ficou boquiaberta.
- Não fazia ideia, Mistress Vanderhault, que a sua mãe era
católica!
Crisa sorriu.
- E não era, mas, como viajava muito, pela França e outros
países europeus, costumava visitar as belas igrejas antigas.
61
Sorriu e acrescentou:
- Lembro-me de ela me contar, quando eu era pequena, que
acendia uma vela e depois rezava, pois acreditava que,
enquanto estivesse a arder, a vela ajudaria a sua oração a
chegar ao céu.
Achou que Abigail, uma convicta dissidente da igreja
anglicana, parecia um pouco céptica e continuou:
- Como eu amava muito a minha mãe e sinto muitas saudades
dela, é isso que eu quero fazer hoje, portanto, por favor,
mande arranjar a carruagem e, claro, venha comigo.
Pareceu-lhe que Abigail teve vontade de a contrariar. Mas,
em vez disso, fez o que lhe mandou e, dez minutos mais
tarde, estavam a caminho da Catedral de St. Patrick.
Quando chegaram aos degraus que davam entrada à porta
lateral, Crisa disse:
-Espero que compreenda, Abigail, que desejo entrar sozinha.
- Penso que a minha obrigação é ir consigo, Mistress
Vanderhault - disse Abigail, com firmeza.
- Não, não posso aceitar, pois sei que não é crente - disse
Crisa, com um sorriso -, e quero rezar durante muito tempo,
diante da minha vela, que será muito comprida, portanto o
melhor é esperar por mim aqui.
Antes que Abigail pudesse dizer alguma coisa, Crisa saiu da
carruagem e subiu rapidamente os degraus.
Avançou pela coxia central.
As velas acesas tremeluziam em frente das figuras dos
santos e a luz do sacrário brilhava por cima do altar.
Rezou fervorosamente a sua mãe, pedindo-lhe que a ajudasse
e que Abigail não entrasse, à sua procura, antes de tempo.
Ela já se certificara de que uma outra porta, na ala sul da
catedral, estava sempre aberta.
Saiu por aí e encontrou-se na rua movimentada. Andou uns
metros e teve a sorte de encontrar logo uma carruagem da
companhia Hackney.
Pediu ao cocheiro que a conduzisse ao Macy's.
62
Quando chegaram, pediu-lhe que a esperasse e correu à
secção de vestidos.
Mandou chamar a gerente.
- Estou cheia de pressa - disse -, porque a minha amiga
acabou de chegar e tem de apanhar um comboio que parte
daqui a três quartos de hora para Washington. As coisas que
comprei estão prontas?
- Vou imediatamente buscá-las, Mistress Vanderhaultdisse a
gerente -, e espero que a sua amiga fique satisfeita com
elas.
- Tenho a certeza de que vai ficar - respondeu Crisa -, e
muito obrigada pela sua amabilidade e pela grande ajuda que
me deu.
A gerente tinha arrumado tudo na mala que Crisa mandara,
também, pôr na conta.
Os chapéus estavam em duas caixas próprias.
Assim que viu tudo devidamente arrumado na carruagem, Crisa
ordenou ao cocheiro que se dirigisse para o cais, o mais
depressa possível.
- Vou viajar no navio francês La Touraine - explicou -,
espero que saiba onde ele está.
O homem fez que sim com a cabeça.
Ela recostou-se, sentindo-se percorrida por uma estranha
excitação.
Até agora, tinha sido bem sucedida na sua fuga da gaiola
dourada, de onde, ao princípio, pensara que nunca ia
conseguir escapar.
Lembrou-se, então, de que tinha ainda de fazer uma coisa
muito importante, que era ver-se livre do seu véu de viúva.
Puxou-o com força e fez uma bola com ele.
Enfiou-o atrás das costas do assento, onde não seria
encontrado tão cedo.
Tirou da mala de mão uma écharpe de seda lilás. Comprara-a
poucos dias atrás, fingindo ser mais um presente para as
filhas de Silas.
63
Meteu-a no corpete do vestido e pregou nela um alfinete de
diamantes.
Assim, não parecia tanto uma viúva.
Embora não se desse conta, Crisa estava maravilhosa, com o
seu cabelo louro e olhos azuis.
Mas não deixava de parecer uma senhora.
O La Touraine, um dos mais belos navios em serviço, tinha
duas chaminés e três mastros.
No dia do seu baptismo, tinha sido considerado o navio de
linhas mais requintadas que havia na altura.
Chamavam-lhe, por brincadeira, o galgo do Atlântico.
Crisa subiu a prancha de embarque, sabendo que era o último
obstáculo que teria de vencer.
Se o La Touraine se recusasse a transportá-la ou já não
tivesse lugares, seria obrigada a voltar, derrotada.
Estava certa de que, se tal sucedesse, nunca mais
conseguiria fugir aos Vanderhaults.
- Por favor, Mãe, ajuda-me - rezava, ansiosa, ao dirigir-se
à secretária do comissário de bordo.
Este, um francês de meia-idade e bastante bem-parecido,
olhou para ela e os seus olhos encheram-se de admiração.
Crisa dirigiu-se-lhe num excelente francês parisiense.
Devia-o a sua mãe, que sempre insistira em que ela
aprendesse línguas desde pequena.
- Não tenho nenhuma reserva, monsieur - disse -, mas espero
que tenha a gentileza de me arranjar um lugar, pois tenho
de partir imediatamente para Inglaterra, de onde recebi uma
má notícia sobre um membro da minha família.
- É inglesa, madame? - perguntou o comissário. O modo como
ele a olhava mostrava que se tratava de um cumprimento.
64
- Sim, sou inglesa - respondeu Crisa - e chamo-me Christina
Wayne.
Mostrou o passaporte.
O comissário pegou nele e tomou nota das informações de que
precisava.
- Importa-se de me dizer porque se encontra nos Estados
Unidos?
Embora mais tarde verificasse que não o devia ter feito,
Crisa contou automaticamente a mesma história que contara a
Mr. Krissam.
- Tenho estado a trabalhar como secretária de um escritor
que anda a viajar pelo país. Infelizmente, devo regressar,
como já lhe disse, por razões familiares, e ele terá de se
arranjar sozinho.
- Tenho a certeza, mademoiselle, de que isso lhe será muito
dificil - observou o comissário, lisonjeador. - Por sorte,
temos um camarote para si, espero que o ache confortável.
Só mais tarde é que Crisa achou estranho que ele tivesse
partido do princípio de que ela queria viajar em primeira
classe.
Sendo uma secretária, era mais natural que viajasse em
segunda classe.
Talvez ela tivesse, ultimamente, um aspecto opulento. Ou
talvez a sua beleza o tivesse feito pensar que não poderia
viajar de outra forma.
Pagou a carruagem Hackney e a sua bagagem foi levada para
bordo.
Tal como o comissário prometera, foi-lhe destinado um
camarote exterior muito confortável.
Tinha a novidade de a cama se poder transformar em sofá, de
modo a, durante o dia, parecer uma sala de estar.
Crisa tinha ao seu serviço uma criada muito competente, que
saíra quando a vira começar a abrir as malas.
Disse-lhe que, quando acabasse, a chamasse para fazer a
cama.
Por incrível que parecesse, tinha conseguido! Tinha fugido,
tinha conseguido escapar!
65
A não ser que Mr. Krissam ou algum dos Vanderhaults fosse
mágico, ninguém iria adivinhar que, naquela noite, ela se
encontrava a bordo de um dos navios que deixavam Nova
Iorque.
Já era tarde de mais para alguém a deter.
- Obrigada, Mãe, muito obrigada! - disse para dentro do seu
coração.
Então, em reacção à ansiedade que sentira e ao medo que
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Prisão Dourada romance

  • 1. Prisão Dourada. Barbara Cartland. Difusão Cultural, Lisboa, 1990. Título original: The Golden Cage Romance. Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destina-se unicamente à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente. Digitalização e Correcção: Dores Cunha Texto da Contracapa: Desiludida e atormentada, Crisa concorda em casar com Mr. Silas P. Vanderhault, um influente milionário americano, a fim de salvar o seu pai, Sir Robert Royden, profundamente endividado e ameaçado de prisão. Porém, na noite do casamento, o seu marido entra em estado de coma, do qual nunca chegará a recuperar. Alguns meses depois, ao receber a herança, Crisa transforma-se numa das mulheres mais ricas da América, mas, para todos os efeitos, continua presa, pelo seu dinheiro, à mansão dos Vanderhault, em Nova Iorque, onde se vê rodeada de familiares decididos a não a deixarem regressar a Inglaterra. Como Crisa consegue adivinhar que eles pretendem, a todo o custo, casá-la com um membro da familia, e como ela se vê envolvida, no alto mar, com um homem gravemente ferido por um assassino, tudo isto é narrado neste novo romance, dramático e empolgante, por Barbara Cartland. Barbara Cartland é uma das mais populares escritoras inglesas de todos os tempos. Celebrizada internacionalmente como a rainha do romance, conquistou, ao longo da sua carreira literária, um extraordinário sucesso mundial, figurando já no prestigiado Guinness Book of Records: as suas obras - traduzidas em vinte e sete idiomasatingiram uma tiragem global superior a quinhentos milhões de exemplares. Integrando cinco centenas de títulos, a sua vastíssima bibliografia abrange, para além da ficção e do teatro, a poesia, a biografia, a filosofia e a sociologia, entre outros domínios. Escreveu ainda contos para crianças e obras de culinária, e participou em diversos programas televisivos e radiofónicos, supervisionando pessoalmente a adaptação à TV de muitos dos seus romances. Detentora de várias distinções honoríficas, notabili zou-se na direcção de campanhas de
  • 2. beneficência e de iniciativas de solidariedade social. Preside actualmente, na Grã-Bretanha, à Associação Nacional para a Saúde. Prisão Dourada romance Tradução de Sofia Gomes Da mesma autora nesta colecção: O Príncipe Grego A Dama De Branco Título original: The Golden Cage Copyright Barbara Cartland, 1986 Direitos exclusivos reservados para Portugal por Difusão Cultural - sociedade Editorial e Livreira, Lda. Rua Luís de Freitas Branco, 3 A/B - 1600 Lisboa Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização do Editor IsBN 972-709-074-5 10987654321 Depósito Legal n. 42 563/90 Fotocomposição: Fotocompográfica, Lda. Impressão e acabamento: Tilgráfica, Lda. Acabado de imprimir em Janeiro de 1991 Capa Design Gráfico: Caixa Alta Ilustração: John Raynes NOTA DA AUTORA A partir de 1870, a concorrência entre navios transatlânticos trouxe mudanças que deixaram o mundo maravilhado. O Dynamic, de 1883, construído por Harland e Wolfl para a companhia Belfast Steamship, foi um dos primeiros navios a ser totalmente iluminado a luz eléctrica. Os navios de passageiros estavam muito adiantados para a época, quanto à iluminação eléctrica. O Sauoy foi o primeiro teatro a ser iluminado electricamente, apenas em 1887, e os primeiros candeeiros públicos eléctricos só apareceram em 1891. O Lucania, um navio da companhia Gun. rd, foi o primeiro a estar em comunicação telegráfica com ambos os lados do Atlântico. O navio francês La Touraine era um navio lento, mas maravilhoso, e foi o primeiro a oferecer aos seus passageiros o conforto de camarotes tipo suite. A alimentação era melhor, embora não tão abundante como no Lucania a Gunard anunciava dez refeições por dia, incluindo uma chávena de bouillon, travessas de sorvetes às quinze horas, caramelos e rebuçados por volta das dezassete.
  • 3. O Macy's, um dos mais antigos dos grandes Armazéns Americanos, ampliou as suas instalações em 1881, acrescentando seis andares à parte oriental do edifício que possuía na l3th Street. A construção ficou completa no princípio de 1892. Incluía uma nova "Sala de Espera para Senhoras". O Macy's anunciava: "Trata-se da mais bela e luxuosa secção, destinada ao conforto feminino, que se pode encontrar num estabelecimento comercial desta cidade. O estilo da decoração é Luís XV, e não se pouparam despesas. " CAPÍTULO PRIMEIRO 1896 Crisa dirigiu-se à janela e olhou a Quinta Avenida. Não via o tráfego que passava lá em baixo, nem as casas de pedra castanha, enormes e feias, que se erguiam em frente da majestosa mansão creme, de pedra calcária. Tinha sido construída à semelhança dos graciosos castelos do vale do Loire por Silas P. Vanderhault, por ocasião do seu primeiro casamento. Em vez disso, ela só via uma velha casa senhorial. Fora a habitação dos Royden em Huntingdonshire, desde que Jaime criara o título de baronete. Estava a necessitar de obras urgentemente, os tijolos vermelhos precisavam de ser pintados, a madeira das empenas tinha apodrecido e faltavam vários vidros nas janelas. No entanto, para Crisa seria sempre o mais belo lugar do Mundo. As saudades que sentia doíam-lhe como se tivesse uma ferida no coração. Agora, perdera tanto a mansão como o seu pai, e o pior é que sentia que tinha perdido, também, a juventude. Às vezes pensava que, naquela atmosfera tão luxuosa, naquelas ruas apinhadas e na agitação permanente de Nova Iorque, tinha envelhecido de um dia para o outro. Na verdade, celebrara os seus dezanove anos ainda na semana anterior. Dezanove anos apenas! No entanto, parecia-lhe que tinha vivido dezanove séculos, desde que casara com Silas P. Vanderhault. 7 Fora a terceira esposa de um dos homens mais ricos da América. Ainda lhe parecia mentira, a tal ponto lhe custava a acreditar que tanto ele como o seu pai estavam mortos... Recordava-se perfeitamente do dia em que tudo acontecera. Tinha saído sozinha, a cavalo.
  • 4. Desde a morte da mãe que o seu pai, como se não suportasse permanecer dentro da casa em que tinham sido tão felizes, ia constantemente a Londres. Sempre que ele voltava, ela sabia que tinha passado o tempo comendo e bebendo em demasia. Fazia-lhe mal à saúde, e, além disso, gastava todo o dinheiro que tinha. Costumava voltar, então, para casa, pois, como ele próprio afirmara tantas vezes, estava completa e totalmente falido. Dessa vez ele partira havia quase duas semanas. Crisa não o esperava, e, ao aproximar-se de casa, reparou numa carruagem elegante estacionada em frente da porta principal. O coração palpitou-lhe de alegria. Mas, à medida que se aproximava, começou a sentir-se chocada com aquela extravagância do pai. Como é que ele tinha sido capaz de uma coisa daquelas? A carruagem, puxada por cavalos da melhor criação, devia ter sido caríssima. Como é que ele pôde ser tão louco a ponto de voltar para casa deste modo, pensou ela, quando devemos já à Lovett uma quantia astronómica?. A Lovett era uma companhia de aluguer de cavalos e carruagens, onde o seu pai contratava um transporte, sempre que ia a Londres. Invariavelmente, queixava-se do seu desconforto e lentidão, embora reconhecesse que sempre era melhor do que o comboio. Mas este era um caso muito diferente. Crisa entrou nos estábulos e entregou o seu cavalo aos cuidados do velho Hodges, que se movia com dificuldade, devido ao reumatismo. 8 Ao fazê-lo, decidiu que, agora que o seu pai estava em casa, ia aproveitar para ter com ele uma conversa muito séria sobre a sua situação financeira. Na semana anterior tinha-se sentido embaraçada quando descera à aldeia. Pensou que os pequenos comerciantes locais, embora gostassem muito dela, não veriam com bons olhos que lhes fizesse mais encomendas. Sabiam que ela não podia pagar a farinha, o açúcar ou a manteiga de que Nanny, a velha criada, precisava. Sobre esse assunto, Nanny era mais eloquente do que qualquer outra pessoa. - O que é que o seu pai vai fazer, gostava eu de saber... tinha ela dito na noite anterior. - Foi com a maior dificuldade que consegui convencer Mister Goodgson, da quinta, a matar um galo para termos que comer.
  • 5. Continuou a resmungar: - Só Deus sabe como o bicho era velho, mal conseguia ter-se de pé, mas, mesmo assim, custou dois xelins, e, quando eu disse para pôr na nossa conta, ele quase que me atirou com o galo à cara! Crisa suspirou, sabendo que não tinha resposta para aquilo, como Nanny também sabia. - Ao menos, o seu pai podia perceber que não vamos limitar- nos a comer ervas... e que se eu tiver de passar outro Inverno sem carvão sou capaz de não sobreviver... e que se eu morrer... vai ficar cheio de remorsos! Crisa soltou um risinho abafado e abraçou Nanny, dizendo: - Não te atrevas a falar em morrer, Nanny, sabes muito bem que tens de estar viva para tratares de mim... Beijou a velha mulher e continuou: - Eu falo com o pai quando ele voltar... falo mesmo! Mas tu sabes como ele ficou infeliz, desde a morte da mãe, e como sente a falta dela. Suspirou e prosseguiu: - Não consegue estar nesta casa sem a ver entrar sorrindo, feliz por estar perto dele. 9 Ao dizer estas palavras, Crisa ficou com a voz embargada. Amara sua mãe profundamente e viver sem ela era-lhe tão difícil como a seu pai. Mas não podia consolar-se do mesmo modo que ele fazia, saindo e gastando o dinheiro que não tinham. - É uma vergonha... - disse Nanny uma vez, sarcástica. Sair com essas mulheres todas, sempre na paródia! - Parece que são todas muito bonitas e invulgares, pelo menos é o que dizem os jornais... - replicou Crisa. - Não vá agora pôr mais ideias na cabeça do seu pai, mais do que as que ele já lá tem - ralhou Nanny. Crisa sempre achara mais sensato não perguntar ao pai o que fazia quando ia a Londres. Mas sabia que, sempre que ele lá ia, as suas dívidas aumentavam. Pelo menos, pensou, ao dirigir-se a casa, ia poder vê-lo, falar com ele. Quando ele não estava, Crisa sentia-se muito sozinha. Só ouvia o resmungar de Nanny e o velho Hodges a queixar-se do reumatismo. A sua única consolação era poder montar a cavalo. Entrou no hall, com os seus retratos de antepassados dos Royden pendurados na parede. A carpete estava tão gasta que mal se podia perceber o desenho.
  • 6. Tentou adivinhar onde poderia estar o pai. Foi então que ouviu vozes na sala de visitas e percebeu que ele não estava sozinho. Pensou se deveria ir primeiro lá acima mudar de roupa, ou se poderia apresentar-se tal como estava vestida. Trazia uma saia de montar velha e desbotada, com a qual, já que o dia estava quente, usava apenas uma blusa branca. Mas essa blusajá tinha sido cosida em muitos sítios e remendada nos cotovelos. Então, pensou que, quem quer que tivesse regressado com o pai, não daria pela sua presença. 10 Abriu a porta da sala de visitas e viu-o ao fundo, conversando com outro homem. Com um grito de alegria, por o ver de volta, correu para ele, abrindo os braços para o abraçar. - Voltaste, pai! - exclamou. - Porque não me avisaste da tua chegada? Teria ficado em casa à tua espera. - Só decidi à última hora, minha boneca - respondeu ele -, e quando cheguei a Nanny disse-nos que, como eu calculava, tinhas ido passear a cavalo. - Sempre a pensar que me apetecia que estivesses aqui comigo... - disse Crisa, tirando os braços do pescoço dele e olhando, curiosa, o outro homem. Era mais baixo do que o seu pai e Crisa achou-o velho e pouco atraente. O cabelo, ou o que dele restava, era grisalho e a cara estava cheia de rugas. As roupas eram um pouco estranhas e não correspondiam exactamente às que Crisa esperava que um cavalheiro usasse. - Deixem-me fazer as apresentações - disse Sir Robert Royden. - Mister Vanderhault, esta é a minha filha, Crisa. - Pois tem uma filha encantadora! - disse Mr. Vanderhault, quando Crisa lhe estendeu a mão. Tinha uma pronúncia nasalada e, mesmo que o seu pai não lhe dissesse de onde ele vinha, Crisa percebeu logo que Mr. Vanderhault era americano. - Mister Vanderhault veio de Londres comigo para ver os nossos Van Dyck - explicou o pai de Crisa. Crisa susteve a respiração e, com a maior dificuldade, evitou soltar um grito de horror. Sabia exactamente porque é que tinha trazido aquele americano. Apesar de todas as promessas, depois de tudu que ela lhe tinha dito, ia vender as duas únicas peças de valor que lhes restavam. Os quadros de Van Dyek eram os retratos dos primeiros
  • 7. Royden agraciados pela corte de Carlos I, que tinham levado o nome Royden para os livros de História. 11 A mãe de Crisa adorava esses quadros e dissera muitas vezes ao marido: - Aconteça o que acontecer, nunca devemos separar-nos dos nossos Van Dyck. Fazem parte da nossa vida, de tal maneira que tenho a sensação de que os conheço. - Também penso assim - respondera Sir Robert -, e tens toda a razão, querida. Mesmo que não tenhamos um filho para herdar o nosso título, a Crisa dará continuidade à nossa família e talvez um dia que tenha um filho lhe dê o nome Royden. - Dou, com certeza... - prometera Crisa. No entanto, sabia como o seu pai lamentava profundamente que o título, tantas vezes passado de pais para filhos, acabasse com ele. Quando sua mãe morreu, e apesar de nunca se ter atrevido a dizê-lo em voz alta, Crisa perguntara-se frequentemente se o pai voltaria a casar. Era natural que desejasse ter o varão que a sua mãe nunca lhe tinha dado. Sabia como a mãe sofria por sentir que tinha desiludido o marido, que amava tão apaixonadamente. Um dia ouvira-a dizer, sem saber que Crisa escutava: - Será que alguma vez me perdoarás, meu querido, por não te ter dado um filho? O pai soltara uma gargalhada cheia de sinceridade. - Deste-me a felicidade, que é uma coisa mais importante do que tudo o que um homem possa desejar - respondera ele -, e amo a nossa querida filha, porque é tão parecida contigo. Mas Crisa sabia que, à medida que os anos passavam, o pai olhava cada vez mais para os retratos de família. Havia sofrimento no olhar dele, pois sabia que só ela os poderia herdar e que, quando casasse, o seu nome deixaria de ser Royden. Contudo, agora, depois de todas as promessas feitas a sua mãe e a si própria, ela sabia que os Van Dyck iam partir. 12 - Durante a viagem, estive a contar a Mister Vanderhault - dizia o seu pai -, a história da família Royden, e que os meus antepassados lutaram ao lado de Malborough e na Batalha de Waterloo. Dirigiu-lhe um sorriso forçado e continuou: - Além de, no princípio do século, um deles ter sido estadista no primeiro conselho de ministros da rainha Vitória.
  • 8. Se não estivesse tão horrorizada com o que ele se preparava para fazer, Crisa teria sentido vontade de rir. Percebeu que o pai escolhera épocas da história das quais o americano devia ter ouvido falar. O pai sempre se interessara mais por outros antepassados. Um deles tinha sido explorador, um dos poucos homens que alguma vez alcançaram a nascente do Amazonas. Outro tinha-se tornado famoso por mérito próprio, durante as guerras na Índia, sob as ordens de Sir Arthur Wellesley. No entanto, mesmo um americano devia já ter ouvido falar do célebre duque de Malborough. E decerto saberia que a Batalha de Waterloo fora a derrota final para Napoleão Bonaparte. - Se há coisa que me dê prazer - replicou Mr. Vanderhault -, é levar para a América algumas das belas e antigas preciosidades que se encontram neste vosso grande pequeno país. O que era verdade, como Crisa iria verificar ao conhecer a mansão Vanderhault, em Nova Iorque. Encontrou uma enorme quantidade de quadros e de peças de mobiliário, amontoadas sem qualquer sentido artístico. Havia sarcófagos egípcios, tapetes uns em cima dos outros, estantes, mesas, urnas, estatuetas e louças. Todos esses objectos, encostados uns aos outros, tinham o aspecto assustador de um pesadelo. Crisa não foi capaz de articular palavra, enquanto o pai os conduzia à outra extremidade da sala de visitas. Os Van Dyck estavam pendurados de ambos os lados da lareira. 13 Era ali que costumavam sentar-se no Inverno, no Verão preferiam a outra zona da sala. Uma porta envidraçada até ao chão dava para o roseiral, que rodeava um antigo relógio de sol. Crisa olhou para os Van Dyck e reparou como eram maravilhosos, tão primorosamente pintados. Parecia-lhe impossível que o pai pensasse tirá-los dali, mandá-los embora. Há muitos séculos que as paredes da mansão eram a sua morada, o lugar deles era ali, tal como o do seu pai. Os seus olhos admiraram a genialidade com que Van Dyck retratara o elegante drapeado do vestido de Charlotte Royden. Os dedos longos e magros do marido tinham o seu toque inimitável. No fundo de ambos os quadros via- se a mansão, exactamente como era hoje, mas sem precisar de obras. - Pode ver que são excelentes - disse Sir Robert -, nunca
  • 9. ninguém, nem antes nem depois de Van Dyck, conseguiu pintar retratos tão bem como ele. Mister Vanderhault fez que sim com a cabeça. Crisa teve a desagradável sensação de que os olhos dele, embora velhos, tinham percebido que os dois quadros precisavam de uma limpeza. Via-se uma pequena lágrima na tela que representava Charlotte Royden. - Evidentemente que, se não estiver interessado - dizia Sir Robert -, sei que a National Gallery estará, mas só decidi vender os quadros uns dias atrás. Depois de uma pausa, continuou: - Estão na minha família há muitas gerações e encontram-se nesta casa há mais de duzentos e cinquenta anos. Crisa susteve a respiração. Não era capaz de ouvir o pai falar como um vendedor. Conhecia-o suficientemente bem para saber que detestava fazer aquilo. Via-se forçado a isso, devido a circunstâncias de que ainda não tinha conseguido falar à filha. 14 Então, Crisa estremeceu, ao reparar que Mr. Vanderhault não tinha estado a olhar para os quadros, mas sim para ela. - E o que pensa disto tudo, Miss Crisa? - perguntou ele. - Gostaria de saber qual é a sua opinião. - Eu adoro estes dois quadros - respondeu Crisa, em voz baixa - e parte- se-me o coração ao vê-los partir. - Eu sabia que ia dizer isso. Ele não disse nada mas dirigiu-se, de um modo abrupto, à outra extremidade da sala. Tinha pousado o copo que levava na mão quando Sir Robert o conduziu junto aos quadros. Crisa viu o olhar furioso que o pai lhe lançou, pensando que, com as suas palavras, ela tinha afastado um possível comprador. Então, deixando estupefactos tanto Crisa como seu pai, Mr. Vanderhault disse: - Estava a pensar, Sir Robert, se seria muito incómodo para vocês eu passar cá a noite... é uma viagem cansativa, daqui até Londres. E continuou, com uma voz que parecia suplicar: - Gostaria muito de ficar hospedado numa casa inglesa autêntica, além de que teria, assim, a possibilidade de ver os vossos outros quadros. Crisa ainda se lembrava da agitação que ele provocara. Era preciso arranjar acomodações, não só para Mr. Vanderhault mas também para o cocheiro.
  • 10. Um homem que parecia um trintanário era, afinal, o secretário do americano. - Viaja sempre comigo - explicou Mr. Vanderhault -, para onde quer que eu vá... Nanny teve, pois, de arranjar um jantar para três pessoas, servido à mesa da sala. Teve também de fazer jantar para Mr. Krissman, que comeu sozinho, e para o cocheiro, que, como era previsível, tinha mais fome do que qualquer dos outros. 15 Só foi possível que tudo estivesse pronto a horas graças à ajuda de Crisa e do velho Hodges, que trouxe os legumes da sua horta. Mandaram o cocheiro comprar comida à aldeia, para preparar o que Sir Robert temia que fosse uma refeição um pouco pobre. No entanto, Mr. Vanderhault pareceu muito satisfeito com o que puseram à sua frente. Apreciou, por certo, o excelente clarete, do qual já só havia algumas garrafas. Estavam guardadas para ocasiões muito especiais. Enquanto comiam, falou sem cessar das suas propriedades na América. Contou que possuía uma das grandes linhas de caminho de ferro que se estavam a construir no Oeste, e como tinha tido sorte por se ter descoberto petróleo nas suas terras do Texas. De facto, mais ninguém conseguia falar a não ser Mr. Vanderhault, que parecia ter tanto para contar. Crisa pensou como é que o pai tinha encontrado um americano como aquele, nos teatros e nos night clubs que frequentava quando estava em Londres. Deu graças a Deus quando ouviu o pai sugerir que devia ir para a cama cedo. - Mister Vanderhault e eu temos que falar de negócios, minha adorada - dissera ele. - Portanto, sugiro que vás deitar-te, e amanhã eu conto-te tudo. Crisa calculou que ele quisesse negociar com Mr. Vanderhault o preço dos Van Dycks. Não se sentiria à vontade se ela estivesse presente. Assim, Crisa deu um beijo de boas-noites a seu pai e estendeu a mão a Mr. Vanderhault, dizendo: - Boa noite, Mister Vanderhault, espero que aprecie a sua visita à Inglaterra. - É um dos assuntos que quero discutir com o seu pai - respondeu ele. Para grande surpresa de Crisa, segurou a mão dela nas suas e continuou:
  • 11. 16 - É uma rapariga encantadora, um autêntico "doce", como se diz na minha terra. É uma pena que tenha de vender os tesouros que lhe pertencem, e que deviam ser postos a seus pés por homens apaixonados pela sua beleza. Ela dirigiu-lhe um sorriso bonito e disse: - Muito obrigada, por me dizer coisas tão agradáveis. Sentiu alguma dificuldade em soltar-se das mãos dele. Depois, olhando mais uma vez o pai, com amor, saiu da sala e subiu para o seu quarto. Sabia de antemão que o pai viria dar-lhe as boas-noites. Por fim, ouviu- o subir, na companhia de Mr. Vanderhault. O americano entrou no quarto que era conhecido como "quarto da Rainha Anne", embora não houvesse a certeza de a rainha lá ter dormido alguma vez. Depois, tal como esperava, ouviu o pai descer o corredor. Quando ele abriu a porta, ela sentou-se na cama. Ele veio para ao pé dela, que o achou com um ar muito sério, embora tão atraente como sempre fora. Tal como fizera durante o jantar, pensou que o contraste entre os dois homens era quase ridículo. Mister Vanderhault podia ser muito rico, mas o dinheiro não conseguia fazer nada pelo seu rosto enrugado. O queixo em arco não assentava no colarinho engomado, que Crisa achou que era um número abaixo do que ele deveria usar. O pai, esbelto e atlético, tinha um aspecto elegante. Apesar de o seu trajo de noite estar, como ela sabia bem de mais, muito gasto e a precisar de ser substituído há já muitos anos. Sentou-se na cama, ao lado dela. Olhou-a como se nunca a tivesse visto antes. - Ele... comprou... os Van Dyck, pai?... - murmurou Crisa. Ela já sabia qual era a resposta. Mas ao mesmo tempo sabia que, para ter a certeza, tinha de o ouvir em voz alta, quase como se fosse a voz do destino. - Fez-me uma proposta, Crisa, mas eu nem sei como hei-de contar-te. A voz de Sir Robert revelava tanto sofrimento que Crisa colocou a sua mão nas dele. 17 - Lamento, pai - disse -, compreendo o que estás a sentir. Mas não podemos continuar assim, sem dinheiro. Temos de pagar o que devemos na aldeia, senão morreremos à fome. - Eu sei - concordou Sir Robert, pesaroso -, mas Mister Vanderhault tem a resposta para essa situação. - Só espero é que vendas muito bem os Van Dyck. O pai tomou fôlego e disse:
  • 12. - Ele está disposto a pagar-me trinta mil libras, que, como sabes, seriam suficientes para pagar todas as nossas dívidas, e ainda uma quantia de três mil libras por ano até ao fim da minha vida! Crisa olhou para o pai, completamente estupefacta. Pensou que talvez não tivesse ouvido bem. - Trinta mil libras mais três mil por ano? - repetiu, sem acreditar no que dizia. - Tudo isso pelos Van Dyck? - E... por ti - disse baixinho Sir Robert. Durante uns segundos fez-se silêncio. - O... o que é que disseste... pai? Eu... eu não... não compreendo. - Mister Vanderhault quer casar contigo - respondeu Sir Robert. - Disse-me que, assim que te viu, soube que eras o que ele procura desde a morte da última mulher, há cinco anos. Fechou os olhos e inspirou, depois, disse: - Está disposto a oferecer-te um milhão de dólares no dia em que te casares com ele e deixar-te milionária doze vezes, quando morrer! - Eu... eu não acredito! - disse Crisa. - Eu não acredito... que seja... possível! E, antes que o pai dissesse alguma coisa, acrescentou: - Claro que eu não posso casar com um... velho daqueles! Alguém que só conheço há umas horas! Como é que ele pôde pensar numa coisa tão... horrível... tão... impossível? Ainda não tinha acabado de falar e já sabia, pela expressão no rosto de seu pai, que era o que ela teria mesmo de fazer. - Não posso... não consigo... pai - disse. Repetiu-o vezes sem fim, e continuaram a conversar até de madrugada. 18 Quando, finalmente, Sir Robert foi para o seu quarto, Crisa ficou com a certeza de que teria mesmo de casar com Mr. Vanderhault, não havia outra solução. Envergonhado e com alguma relutância, o pai tinha-lhe falado das dívidas que contraíra em Londres e da sua conta a descoberto, no banco. A situação atingira tais proporções que, se não fizesse alguma coisa, e depressa, havia toda a probabilidade de vir a ser preso. - Se me matasse, os oficiais de diligências levariam tudo o que me pertence - disse -, incluindo esta casa e o seu recheio, e tu morrerias à fome. É-me impossível deixar-te alguma coisa. Crisa não disse nada e ele continuou: - Eu sentia-me desesperado, até que um dia um amigo do
  • 13. Clube me apresentou Mister Vanderhault, dizendo: "Penso que tens bons quadros, do género dos que Mister Vanderhault procura para levar para sua casa, na América. " Já tinha pensado - continuou Sir Robert -, que teria de encontrar um comprador para os Van Dyck. Parecia uma intervenção do destino, aparecer-me um assim, sem grande esforço. - E ele quer... mesmo... casar comigo? - perguntou Crisa, em voz baixa. - Ele quer ter um filho antes de morrer - respondeu Sir Robert. - Tem quatro filhas, dos dois casamentos anteriores, mas nenhum filho. Crisa sentiu-se estremecer. Era muito inocente e não fazia ideia do que fosse o amor entre um homem e uma mulher. Além disso, a ideia daquele velho americano a tocar-lhe dava-lhe vontade de fugir e esconder-se. Foi um desejo que sentiu repetidamente, ao longo da semana seguinte. Contudo, inevitavelmente, no final dessa semana ela era já a mulher de Silas P. Vanderhault e encontrava-se a caminho da América. 19 Desde o momento em que se dirigira ao altar da igreja da aldeia, pelo braço do seu pai, tudo deixara de parecer real. O pequeno homem, com o seu rosto cheio de rugas, esperava-a nos degraus do altar. Os dedos de Crisa estavam frios, quando ele lhe colocou a aliança de casamento. Com a sua pronúncia nasalada, ele repetiu as palavras do padre, que a iam fazer sua mulher. Tinha-se seguido um almoço muito íntimo na mansão. Nanny tinha feito e decorado um bolo de casamento e Mr. Vanderhault trouxera o champanhe com que todos brindaram. Depois, dirigiram-se à estação mais próxima, para apanhar um comboio para Liverpool. Agora, aqui estavam, a bordo de um navio americano, que os levaria a Nova Iorque. Só então Crisa reparou que não se tratava de um sonho, mas sim de um pesadelo: O homem que estava sentado a seu lado, falando de si próprio e de tudo o que possuía, era o seu marido. Para a ter pagara um preço superior- a tudo o que ela poderia alguma vez imaginar, mas, para Crisa, isso não compensava o facto de ser, agora, dele.
  • 14. Os contratos assinados por Mr. Vanderhault, na presença do seu solicitador, vindo expressamente de Londres para o efeito, ali estavam, em cima da secretária. A vida dela mudara, no momento em que passara a usar aquela aliança, mas a do seu pai também. Ele era, agora, um homem rico e Crisa tinha a certeza de que, depois da sua partida, não iria permanecer na mansão. Correria para Londres, na esperança de que as mulheres o ajudassem a esquecer. Esquecer não só a morte da mulher, que amava, mas também o facto de ter vendido a filha, que tanto significava para ele. Quando chegaram a Liverpool, apanharam um navio e fòram conduzidos a dois camarotes luxuosamente decorados com lírios e orquídeas. Crisa olhou em volta e sentiu-se encerrada numa prisão com grades de ouro. Senti-las-ia sempre, a partir daquele momento, era quase como se as visse, realmente, a apertarem-se contra ela. O seu marido continuava a falar. Contava-lhe que tinha ordenado àquela companhia de navegação, da qual ele era, claro, um grande accionista, que os servisse o melhor possível, a si e a sua mulher. Tinha sido Mr. Krissam a tratar de todos os pormenores - as flores e os grandes cestos de frutos exóticos que ela nunca iria comer. Havia boiões de caviar e imensas garrafas de champanhe que eram retiradas mal as abriam. Silas P. Vanderhault mostrava-se triunfante. Convidou uma grande variedade de pessoas, assim que ficaram instalados. - Venham beber à nossa saúde e desejar-nos felicidades... insistia. O comandante, o comissário de bordo, os oficiais e os camareiros, todos aceitaram o champanhe, que beberam, deliciados. Crisa sentiu que a olhavam com ar de curiosidade. Todos sabiam que ela se tinha vendido pelo dinheiro deste milionário. Mas não se tratava apenas de dinheiro. Quando veio de Londres para o casamento, ele já a tinha coberto de presentes. Havia um enorme colar de diamantes, que Crisa achou vulgar e muito pesado para o seu pequeno pescoço. Havia pulseiras de diamantes, grandes de mais para os seus pulsos delicados.
  • 15. Deu-lhe um anel de noivado do tamanho de um florim e conjuntos de turquesas e diamantes em estojos de veludo. Também havia um colar de pérolas, grandes e ostensivas. No entanto, ela agradeceu, educada, e ele respondeu, dando-lhe uma palmadinha no ombro: 21 - Nada é suficientemente bom para a mulher de Silas P. Vanderhault e garanto-te, meu doce, que, quando usares essas jóias em Nova Iorque, toda a gente vai morrer de inveja! Crisa quase sentiu vontade de lhe perguntar se ele estava à espera que ela usasse todas ao mesmo tempo. Mas sabia que era o género de piada a que ele não ia achar graça nenhuma. Já tinha percebido que ele não tinha qualquer sentido de humor, embora estivesse sempre a rir com as suas próprias piadas. Cada vez chegavam mais pessoas para provar o champanhe. Quando se sentaram para jantar, nos seus aposentos, ainda lá estavam muitos convidados. Os passageiros que ouviam que Mr. Vanderhault ia a bordo e estava a festejar o seu casamento corriam ao encontro dele, para o conhecer. Os brindes sucederam-se até o navio partir, à meia-noite. Quando achou que, finalmente, podia ir deitar-se, Crisa deixou o marido a falar e a beber. Saiu sem que ele desse por isso. Via, com receio, que chegara o momento em que passaria a ser uma mulher casada. Seria a esposa de um homem com quem mal tinha falado. Despiu- se, sentindo-se percorrida por um frémito gelado. Meteu-se dentro da grande cama de latão. Ao fazê-lo, sentiu o cheiro estonteante dos lírios que decoravam o quarto. A suite era forrada a mogno e tudo nela condizia. Havia armários embutidos, nos quais, segundo as instruções de Mr. Krissam, os camareiros já tinham arrumado tudo o que ela iria precisar durante a viagem. Tinham levado, depois, as grandes arcas de couro, para que não atravancassem a cabina. Sobre a cama, repousava a camisa de noite que Nanny a ajudara a escolher, em Huntingdon. Era muito fina, enfeitada com rendas, e Crisa sentiu-se um pouco embaraçada com a sua imodéstia. 22 O pai tinha frisado bem a Mr. Vanderhault que, sendo o casamento contratado em tão pouco tempo, não seria possível tratar do enxoval.
  • 16. Assim, uma quantidade de roupas que ela nunca imaginaria comprar nem possuir foram-lhe mandadas de Londres. Crisa sabia que Mr. Krissam as tinha comprado numa das lojas mais caras e selectas de Bond Street. Mas não se tinha dado ao trabalho de as experimentar durante os últimos dias que passara na mansão. Preferia estar com o seu pai todo o tempo possível. Só assim conseguia não chorar, horrorizada com o que o futuro lhe guardava. Como se o tivessem combinado previamente, falavam de tudo menos do casamento próximo. Só quando pôs o seu vestido de noiva é que Crisa percebeu que não só iria sentir-se diferente como mulher de Silas P. Vanderhault mas também a sua aparência seria muito diferente. O vestido era maravilhoso. Nanny gabou-o muito e Crisa viu um brilho de admiração nos olhos do pai. Mas ela própria nem se deu ao trabalho de se ver ao espelho. O mesmo se passou com o fato de viagem. Tinha uma capa a condizer, para o caso de o tempo estar frio no alto mar, que era toda debruada com a mais fina e mais cara zibelina. O chapéu vinha de um chapeleiro que ela conhecia das páginas de uma revista de moda feminina. Nanny costumava pedir revistas emprestadas à mulher do vigário. As luvas de Crisa eram de uma pelica tão fina que ela teve medo de as rasgar. E, pela primeira vez na sua vida, usava meias de seda verdadeira. Quando acabou de se despir e pôs a camisa de noite, sentiu o coração bater com pancadas fortes. Era como um relógio a dar os minutos que lhe restavam de vida. 23 Por um momento, passou-lhe pela cabeça fugir e pensou no que aconteceria, se o fizesse. Se subisse ao convés e se atirasse à água, alguém daria por isso? Já deviam ir no alto mar e, escuro como estava, seria muito dificil salvá-la. Mas Crisa tinha tanto medo do seu marido como de morrer. Especialmente se morresse de um modo que o seu pai ia considerar uma vergonha. Tinham tanto a agradecer a Silas P. Vanderhault... Deitou a cabeça na almofada e fechou os olhos. Lembrou-se que,
  • 17. agora, o pai poderia encher os estábulos com animais fogosos e bem tratados, como sempre desejara. A casa ia poder ser arranjada, os tapetes gastos e as cortinas esfarrapadas substituídas. Antes da partida de Crisa, Nanny já tinha contratado três criadas para trabalhar na mansão. Duas raparigas da aldeia viriam ajudá-la na cozinha. "O pai será bem tratado, pensou Crisa. Mas ela sabia que ele não suportaria a solidão. Estaria mais vezes em Londres do que em Hunting donshire. Então, ouviu um ruído do lado de fora da porta do quarto e estremeceu de medo. Chegara o momento de o seu marido ir ter com ela. Calculava que ele quisesse fazer amor, embora não soubesse muito bem o que isso significava. Enquanto esperava, tremia, e de repente lembrou-se que ele nunca lhe tinha beijado os lábios. Mas, também, não tinha havido tempo. Quando ele a cumprimentou, à frente do seu pai, tinha-lhe dado um simples beijo na face. Mesmo assim, ela percebeu que a boca dele era fria e os seus lábios velhos e ressequidos. "Eu não suporto... não posso! gritou Crisa para consigo própria. 24 A porta abriu-se e Crisa susteve a respiração, abafando um pequeno grito. Mas não era a silhueta do marido que se recortava contra a claridade que vinha da sua suite. Era Mr. Krissam. Ela fitou-o, boquiaberta, e ele disse: - Lamento ter de lho dizer, Mistress Vanderhault, mas aconteceu uma coisa horrível! - Que foi?... - perguntou Crisa, num sussurro. - Mister Vanderhault teve um colapso. Só espero que não seja nada de grave, mas pu-lo na cama e o médico está com ele. Houve um silêncio e, por fim, Crisa conseguiu dizer: - Devo ir... vê-lo? - Não vale a pena, Mistress Vanderhault, pois ele está inconsciente e não daria pela sua presença. Será melhor que fique aqui. - Muito bem - disse Crisa, com dificuldade -, mas... peço- lhe que me avise imediatamente... se eu for... precisa. - Sim, com certeza, Mistress Vanderhault, espero que consiga dormir e que tudo tenha passado amanhã de manhã. Mister Krissam saiu e Crisa deitou-se e fechou os olhos.
  • 18. Mal podia acreditar que aquilo fosse verdade, estava sozinha - sozinha na sua noite de núpcias! Sozinha e, pelo menos por agora, livre do que mais temia, com todos os nervos do seu corpo. 25 CAPÍTULO SEGUNDO Foi Mr. Krissam quem tratou de tudo. Arranjou uma pessoa para estar sempre à cabeceira de Mr. Vanderhault, que jazia, inconsciente, no seu camarote. O médico informou Crisa de que o marido sofrera um ataque cardíaco muito grave. Entretanto, ela ia lendo as revistas que Mr. Krissam trouxera de Londres, e livros que requisitava na biblioteca do navio. Duas vezes por dia dava um passeio pelo convés, pois achava que era isso que devia fazer. Era demasiado tímida para falar fosse com quem fosse. Tímida de mais para fazer conversa com todos os que lhe dirigiam um "bom dia" ou "boa tarde". Não tinha, portanto, nenhum contacto com o mundo exterior. Quando chegaram a Nova Iorque, Crisa sentiu-se apavorada com a sua entrada na sociedade americana, de que não conhecia nada nem ninguém. Como era de esperar, foi Mr. Krissam quem lhe mostrou a enorme casa e a apresentou aos familiares do seu marido, que ansiavam por a conhecer. Demorou algum tempo a perceber quem era quem. A pessoa mais em evidência era uma senhora chamada Matilda. Era a irmã mais velha do seu marido e anunciou que ia mudar-se lá para casa, a fim de lhe fazer companhia. - Quero mostrar-lhe os meandros desta casa - disse, com firmeza. 27 O que queria dizer, como Crisa iria perceber em breve, que ela se encarregaria de tudo. Crisa não passava duma hóspede, em casa do seu próprio marido. Havia muitos mais familiares, incluindo as quatro filhas de Silas P. Vanderhault, todas casadas e com filhos. Uma outra irmã, Anna, era mais nova do que Matilda, mas pareceu-lhe muito velha e autoritária. Desde logo Crisa percebeu com clareza que se esperava que tudo corresse exactamente como corria antes da sua chegada. Nada poderia ser alterado sem o consentimento do seu marido. Como ele não se encontrava em condições de o dar, era óbvio que Crisa não ia ter voz em nenhuma matéria. Todas as noites, quando se retirava para o seu quarto
  • 19. enorme, exageradamente mobilado e exageradamente enfeitado, Crisa chorava. Tinha saudades de casa e sentia-se só. Sentia um desejo enorme, que lhe ardia como se fosse uma dor física, de estar com o seu pai. Escrevia-lhe todos os dias, contando-lhe em pormenor o que ia acontecendo. Nunca lhe pedia para vir ter com ela pois sabia que, mesmo que ele viesse, não poderia fazer nada. Crisa tinha a certeza de que ele odiaria a casa, grande e enorme, e os autoritários Vanderhaults. O que só iria piorar as coisas. Em sua casa ela tinha toda a liberdade e estava habituada a tomar as suas decisões, pelo menos naquilo que lhe dizia respeito. Tinha de reprimir os protestos que lhe vinham aos lábios, cada vez que lhe ordenavam para fazer isto ou aquilo. Levavam-na a conhecer pessoas, a ver as vistas, a fazer compras, quer ela quisesse ou não. Percebeu facilmente que tanto Matilda como Anna não tinham gostado das anteriores mulheres do irmão. Quanto aos seus sentimentos em relação a Crisa, eram os mesmos. 28 Não lhe perdoavam o facto de ser inglesa. E jovem. E mil vezes mais bela do que qualquer uma delas ou qualquer outro membro da família Vanderhault. Como é que eu posso continuar a viver assim? interrogou-se Crisa um milhão de vezes. Nunca encontrava uma resposta para essa pergunta. Foi então que, oito meses depois de se ter instalado em Nova Iorque, soube que o pai morrera num acidente, quando passeava a cavalo. Não queria acreditar que fosse verdade, e que nunca mais o poderia ver. Lamentou, desesperada, não ter sido suficientemente corajosa para recusar o casamento com Silas Vanderhault e ficar junto do pai até ao fim. Um dos cavalos novos, de que ele lhe falava com tanta alegria, nas cartas, tinha-o deitado ao chão, inesperadamente. Saltavam por cima de um muro de tijolo, quando Sir Robert caíra, partindo o pescoço. Pelas cartas do pai, Crisa sabia que ele tinha usado parte do dinheiro para fazer obras na casa e mobilar os quartos. Sabia, também, que continuava a ir a Londres à procura de
  • 20. divertimentos. Quando receberam a notícia da morte de Sir Robert, os Vanderhaults mostraram alguma simpatia por Crisa. Mas, quando ela falou em regressar a Inglaterra, tornaram esse regresso impossível. Fizeram-na ver que, de qualquer modo, não chegaria a tempo de assistir ao funeral. Salientaram que o seu lugar era ao lado do marido, embora não conseguisse comunicar com ele de nenhum modo. Mister Krissam encarregara-se de tudo, como é evidente, com uma eficiência absoluta e irrepreensível. Havia vários turnos de enfermeiras, de modo que Mr. Vanderhault nunca estava sozinho. Diariamente vinham médicos, que saíam dizendo não haver nada a fazer. 29 Era óbvio que levavam muito dinheiro por essas visitas. Os aposentos do dono da casa, como o resto da mansão, estavam sempre cheios de exóticas flores de estufa. Sempre que visitava o marido, Crisa chegava à conclusão que não podia fazer nada por ele, assim como não havia nada que ele pudesse fazer por ela. Por esta altura, Crisa era já dona de um enorme guarda- roupa, constituído por vestidos que comprava por não ter mais nada com que se entreter. Além disso, as mulheres da família Vanderhault gostavam de ir com ela às compras. Mas como eram todos fatos coloridos, foram postos de lado. Para os substituir, Crisa comprou um guarda-roupa completo, todo preto, mais por achar que tinha de o fazer, pois sabia que o seu pai nunca aprovaria uma coisa dessas. - Se há coisa de que não gosto - dissera repetidas vezes -, é ver mulheres vestidas como corvos. Além disso, meu amor, com a tua pele tão branca e o teu cabelo louro, o preto dá- te um aspecto muito trágico. Tinha-lhe dirigido estas palavras após a morte da sua mãe. Assim, como não era preciso andar de luto em casa, um mês depois Crisa deixou os seus vestidos pretos. Vestia sempre o seu fato de montar, que era de um cinzento indefinido. Era suficientemente discreto para que os vizinhos, se a vissem, não ficassem escandalizados. No entanto, ali em Nova Iorque, os Vanderhaults insistiram para que comprasse vestidos de dia pretos, debruados a crepe. Os seus vestidos de noite eram de renda preta com enfeites de azeviche.
  • 21. Crisa achava mais fácil concordar do que discordar, portanto fazia o que lhe recomendavam. Sentia-se tão desesperadamente infeliz com a morte do pai, que a sua aparência lhe era completamente indiferente. Então, um mês depois da morte de Sir Robert, Silas morreu durante o sono. 30 Nunca chegara a recuperar a consciência, fora sempre para Crisa uma figura impessoal. Por isso, ela achou que o pranto e o luto da família eram completamente deslocados. Sentiu alguma tensão, escondida sob o comportamento teatral da multidão de parentes que visitaram a casa a seguir ao funeral. Pensou que se tratava de ansiedade e alguma desconfiança em relação à sua pessoa. Levou algum tempo a perceber o que se passava, pois ninguém lhe falava de nada. Compreendeu, então, que todos estavam muito apreensivos em relação ao testamento de Silas. Depois de um pomposo funeral, acompanhado por todas as pessoas importantes de Nova Iorque, em que o cortejo de carruagens se estendia por mais de um quilómetro, Crisa pensou que tinha chegado o dia do juízo. Mas o dia em que todos ficariam a saber como Silas distribuíra o seu dinheiro teve de ser adiado. Ela lembrava-se vagamente de que ele tinha feito um testamento novo na altura do casamento. O que ficou confirmado, quando Matilda lhe comunicou, asperamente, que o testamento não poderia ser lido logo após o funeral. Esperavam o solicitador dela, que devia vir de Londres. - Mas porque temos de esperar por ele? - perguntou Crisa. Matilda soltou uma gargalhada cheia de hostilidade e respondeu: - Como se não soubesse já! - Soubesse o quê? - Que o meu irmão fez algumas disposições a seu favor, quando combinou esse casamento apressado, e os documentos têm de vir para Nova Iorque. - Não fazia ideia de que iam ser precisos aqui - disse Crisa com simplicidade -, mas lembro-me, realmente, de ele, o meu pai e o solicitador terem assinado uns documentos quando voltámos da igreja. 31 Pela expressão de Matilda, percebeu o que ela estava a pensar, o que era, aliás, bastante compreensível.
  • 22. Pensava que uma rapariga inglesa casara com o irmão só pelo dinheiro. Tinha-lhe extorquido o máximo de dinheiro possível. Crisa pensou que isso era um pouco verdade, mas não tivera outra hipótese. Não podia dizer, sem mentir, que tinha alguma vez amado o seu marido. Recordava-se perfeitamente de ter suplicado a seu pai que não a fizesse casar com aquele velho. Lembrava-se do alívio que sentira, no barco, ao perceber que ele não seria capaz de a tornar sua mulher. Não lhe tinha dado, como ele esperara, um herdeiro para os seus muitos milhões. "Para que serve o dinheiro, agora que o Papá morreu? costumava pensar, inconsolável, quando se encontrava sozinha no seu quarto. Recebera, já, uma carta de Mr. Smithson, o solicitador de seu pai, dizendo-lhe que Sir Robert lhe deixara tudo o que possuía, incluindo a mansão. Mister Smithson também lhe tinha aberto uma conta pessoal, no banco onde Sir Robert fora cliente. Tratava-se de uma quantia bastante considerável. Estava à sua disposição, para quando ela precisasse. "Se ao menos eu pudesse ir para casa, pensou Crisa. Na sua opinião, agora que Silas morrera, nada poderia impedi-la. Contudo, era óbvio que não queria dar essa notícia imediatamente após a morte do marido. Passados oito dias, Matilda anunciou-lhe a chegada do solicitador. Estava combinada uma reunião na biblioteca, durante a qual ele leria o testamento de Silas P. Vanderhault. - Então - disse Matilda com uma voz áspera -, vamos todos ficar a saber com o que podemos contar... 32 Crisa sentiu vontade de dizer que, no que lhe dizia respeito, não queria aquele dinheiro para nada. Só queria um bilhete de regresso para Inglaterra, onde seria bem capaz de tomar conta de si própria. Lembrou-se, então, de como sofrera com a situação financeira de seu pai. Agora, que morrera, já não receberia as três mil libras anuais que Silas lhe tinha prometido. De modo que Crisa achou que seria mais sensato aceitar algum dinheiro. O suficiente para impedir que a mansão voltasse a ficar quase em ruínas. O suficiente para garantir que ela nunca chegaria a estar
  • 23. tão endividada como seu pai estivera, a ponto de se ver, se é que era verdade, ameaçado de prisão. De uma coisa estava certa, os Vanderhaults podiam ficar com a casa para eles. Ela odiava aquela colecção desconcertante do que Silas costumava chamar os meus tesouros. Amontoados, apertados uns contra os outros, faziam-na sentir-se como se tivesse comido demasiado pâté de foie gras. Sentia uma espécie de indigestão mental, cada vez que olhava todas aquelas obras-primas, comprimidas como sardinha em lata, nas salas excessivamente mobiladas, com os seus cortinados de veludo. Crisa dirigiu-se à biblioteca, trajando um dos vestidos pretos que a filha mais velha de Silas a ajudara a escolher. Sabendo como iam todos ficar contra ela, só esperava que Silas não lhe tivesse deixado uma grande fortuna. Lembrava-se de o seu pai lhe ter dito que Silas prometera deixar-lhe determinada quantia, quando morresse. Mas, preocupada como estava, na altura, com a ideia de ter de viver com ele, não prestara atenção, mesmo sabendo que ele já era um velho. Tal como esperava, a sala estava cheia de Vanderhaults. Ao entrar, sentiu que todos a olhavam com hostilidade, o que a fez sentir-se muito pouco à vontade. 33 Apenas o filho de Anna, um jovem de vinte e dois anos chamado Dale, se levantou para a cumprimentar. Crisa calculou que a mãe dele lhe recomendara que a conduzisse através da sala. Sentado a uma mesa, de frente para a multidão de Vanderhaults, estava o solicitador londrino de Mr. Vanderhault. Além dele, mais três sócios da firma que o representava em Nova Iorque. Os quatro homens levantaram-se, à chegada de Crisa, e Dale encarregou-se das apresentações. Depois de lhes ter apertado as mãos, Crisa sentou-se na cadeira que lhe era destinada. Achou tudo aquilo um pouco estranho, mas não estava disposta a fazer quaisquer comentários. No entanto, sentia-se um pouco embaraçada por estar de frente para todos os parentes de seu marido. Assim que se sentou todos tentaram desviar o olhar. Como se temessem parecer demasiado avarentos. À sua frente, tinham colocado um lápis e um pequeno bloco de apontamentos, como se fosse suposto ela escrever algumas notas.
  • 24. Em vez disso, quando o solicitador começou a falar, pôs-se a rabiscar no papel. Desse modo, tinha uma desculpa para baixar a cabeça. Não suportava ver a avidez com que os familiares do seu marido ouviam cada palavra. - Lamento profundamente - dizia ele, na sua voz firme, muito inglesa -, não me ter sido possível comparecer ao funeral do meu tão respeitável cliente, Mister Silas P. Vanderhault, bem como lamento o seu desaparecimento prematuro. Aclarou a garganta e continuou: - A última vez que o vi, em que parecia tão feliz e tão saudável, foi por ocasião do seu casamento com Miss Crisa Roydon. Quando pronunciou o nome dela, todos olharam para Crisa. Tendo adivinhado que iam fazê-lo, Crisa baixara ainda mais a cabeça. 34 Continuava a fingir que estava a tomar apontamentos. - Passo agora a ler a última vontade e testamento de Mister Silas P. Vanderhault - continuou o solicitador -, o qual foi assinado por ele no dia do seu casamento, aos oito de Julho de mil oitocentos e noventa e cinco. Começou então a ler, com voz monótona e inexpressiva: - Eu, Silas P. Vanderhault, encontrando-me em pleno juízo, venho por este meio declarar que esta é a minha última vontade e testamento. A voz do solicitador ecoava pela sala. Crisa recordava que, enquanto Silas estivera a redigir este testamento, ela tinha ido para o seu quarto, tirar o vestido de casamento e vestir o conjunto de viagem. Nanny estava à sua espera e, quando a viu entrar, exclamou: - Fez uma linda noiva! Foi nesse momento que Crisa se descontrolou e esqueceu de toda a compostura que se tinha obrigado a aparentar, durante a cerimónia e o almoço. Começou a chorar e, tapando os olhos com as mãos, disse: - Não sou capaz, Nanny... não sou capaz! Quem me dera morrer... deitar-me ao mar... qualquer coisa... tudo menos... ir-me embora com ele. Nanny abraçou-a e disse baixinho: - Não há nada a fazer, meu amorzinho, sabe-o bem. Dispôs-se a salvar o seu pai, agora não o pode desiludir. A estas palavras, Crisa enxugou as lágrimas. - Ele é horrível... Nanny... e tão velho... - murmurou. - Eu sei, eu sei - respondeu Nanny. - Mas é o seu casamento com ele que vai tirar o seu pai da miséria. Vai poder
  • 25. continuar a viver aqui e as pessoas que vos amam e que confiam em vós não vão precisar de ir pedir esmola pelas ruas. Crisa inspirou profundamente. Sabia que tudo o que Nanny dizia era verdade. Tinha, pois, de cumprir a sua parte do contrato, por mais dolorosa que fosse. Muito pálida, desceu as escadas e verificou que os papéis já tinham sido assinados. 35 O solicitador, o seu pai e o seu marido bebiam mais uma taça de champanhe. Ainda se lembrava do olhar que Silas Vanderhault lhe dirigira, ao vê-la entrar na sala. Erguera o seu copo e dissera- lhe: - Minha esposa! Minha lindíssima esposa! Deus a abençoe! Bebeu o champanhe enquanto falava. Instintivamente, Crisa tinha corrido para perto do pai e segurara-lhe a mão, como a pedir que a protegesse. Como se sentiu segura quando os seus dedos apertaram os dela! Ouviu então a voz do solicitador, distante, como se falasse através do nevoeiro: deixo tudo o que possuo, prédios, terras e dinheiro a minha esposa, de seu nome de solteira Miss Crisa Royden, e, por morte desta, a seu filho, se o tivermos, ou, não havendo filho, qualquer criança que nasça desta união. Se não houver nenhuma, o dinheiro deverá ser repartido pelas obras de caridade a seguir mencionadas. Todos ficaram em silêncio, estupefactos. Em seguida, toda a sala pareceu vibrar com qualquer coisa semelhante a um grunhido de fúria. O grunhido foi aumentando até se transformar em protestos indignados. Por um instante, Crisa não foi capaz de compreender o que ouvia nem as dimensões de tudo aquilo. Enquanto os Vanderhaults gritavam com os solicitadores, discutiam uns com os outros e exigiam que se contestasse o testamento, o seu orgulho fê-la levantar-se e sair. Saiu sem dirigir palavra a ninguém. Subiu as escadas a correr e entrou na sala de estar especial que Matilda lhe tinha destinado desde o dia da sua chegada. Era lá que escrevia as suas cartas e que recebia algumas visitas, quando não lhe apetecia estar na sala, enorme e esmagadora. Fechou a porta e sentou-se numa cadeira perto da janela.
  • 26. 36 Tentava decidir o que haveria de fazer e descobrir como iria participar àquela multidão furiosa que, por ela, podiam ficar com o dinheiro todo. Tinha decidido conservar apenas uma quantia razoável. Não queria voltar a ver-se na situação de grande necessidade em que estava quando casara com Silas Vanderhault. Foi então que um criado bateu à porta para lhe perguntar se poderia receber Mr. Metcalfe, o solicitador inglês, que desejava falar com ela. Ela disse que estava bem. Minutos depois ele apareceu, acompanhado do sócio principal da empresa americana de Silas. - Lamento muito tudo isto, Mistress Vanderhault - disse Mr. Metcalfe -, e espero não vir importuná-la, mas trouxe comigo Mister Alfred Dougall, que, como sabe, representa o seu falecido marido em Nova Iorque. Crisa convidou-os a sentarem-se e, antes que dissessem alguma coisa, disse: - Eu não quero possuir todo aquele dinheiro e gostaria que tratassem da melhor maneira de ele ser distribuído pelos familiares do meu marido, pois basta-me ficar com o suficiente para as minhas necessidades, que não são muitas. Fez-se um silêncio total. Então, Mr. Metcalfe declarou: - Lamento muito, Mistress Vanderhault, mas isso é impossível, embora eu aprecie a sua generosidade e a sua gentileza. - Mas é impossível porquê? - Porque - disse Mr. Dougall, com uma pronúncia que contrastava vivamente com a de Mr. Metcalfe - o seu marido nomeou, com a maior oportunidade, uma série de administradores para gerirem um fundo. Depois de uma pausa, continuou: - Esse fundo destina-se a garantir que o dinheiro não será mal gasto ou, como ele próprio disse, "indiscriminadamente dado às pessoas que, tenho a certeza, irão assediar a minha mulher com pedidos de dinheiro. 37 - Ele... disse isso? - perguntou Crisa. - O seu marido, Mistress Vanderhault, tinha bem presen te a vossa diferença de idades e, apesar de querer deixá-la ri ca, por morte dele, conhecia muito bem as consequências da riqueza. Olhou de relance para Mr. Metcalfe e continuou: - Creio que, além disso, ele sabia como a família iria reagir quando se soubesse excluída do testamento.
  • 27. - Mas é precisamente isso que eu não compreendo - objectou Crisa -, porque é que ele fez uma coisa dessas? Porque não lhes deixou, pelo menos, metade da sua fortuna? - Porque já lhes tinha dado bastante... - explicou Mr. Dougall. - Ele já tinha percebido, há muito tempo, como eles são gananciosos e avarentos, sempre a pedir que lhe desse mais. Sorriu e disse: - Penso que compreenderá, Mistress Vanderhault, que uma vez que Mister Vanderhault enriqueceu à custa do próprio suor, sendo, como era, de origem muito humilde, acreditava que as pessoas deviam trabalhar para o seu sustento em vez de viverem como parasitas, à custa de alguém que tinha sido mais bem sucedido do que eles. - Isso é verdade - disse Mr. Metcalfe. - Mister Vander hault disse praticamente o mesmo, quando eu estava a redigir, o testamento. Sorriu para Crisa e continuou: - Para o caso de estar preocupada com os seus familiares Mistress Vanderhault, posso garantir-lhe que todos eles são extremamente ricos, mesmo pelos padrões americanos. Olhou para os documentos e prosseguiu: - O seu marido tratou de arranjar para todos lugares muito bem remunerados, nas suas empresas, assim eles os queiram aceitar, tanto os seus genros como os filhos destes. Crisa sentiu-se mais tranquila. Mas parecia-lhe que ainda estava a ouvir os protestos indignados dos Vanderhaults, ao ouvirem ler o testamento. 38 Sabia que não lho iam perdoar nunca. - O melhor que tem a fazer, Mistress Vanderhault - disse Mr. Metcalfe, num tom suave -, é deixar tudo nas mãos de Mister Dougall. Fez uma pausa e acrescentou: - Ele e os seus colaboradores dedicam todo o seu tempo aos negócios do seu marido e posso garantir-lhe que tudo continuará a processar-se como quando ele era vivo. - E pode ter a certeza - cortou Mr. Dougall - de que a sua fortuna se multiplicará, ano após ano. "Tenho de regressar a casa" pensou Crisa, depois de eles terem partido. "Não quero continuar aqui, a ser odiada por todos, e terei muito com que me ocupar na mansão. " Pensou como seria bom voltar para o lado de Nanny. "Ainda por cima", pensou, "agora tenho dinheiro para desenvolver a herdade e dar trabalho a todos os que precisam". Deteve-se, e murmurou de si para consigo: "Agora que tenho dinheiro, talvez possa receber mais, fazer novos amigos... "
  • 28. Foi uma ideia animadora que a acompanhou até se deitar, nessa noite inesquecível. Mas logo uma semana depois verificou que isso não passava de um sonho. Um sonho que não poderia realizar-se. Na manhã seguinte à da leitura do testamento, Crisa desceu as escadas esperando ser recebida por olhares furibundos e, mesmo, provocadores. Mas, em vez disso, esperavam-na sorrisos e cumprimentos. Sentiu à sua volta uma afabilidade que nunca sentira desde que chegara à América. A casa estava sempre cheia. Não só com os Vanderhaults que já conhecia mas, ainda, com primos afastados e outros parentes de todas as idades. Tinham vindo para o funeral e não pareciam interessados em voltar. Crisa levou algum tempo a perceber que o seu dinheiro a transformara numa pessoa poderosa e importante. Para uns, ela representava a abundância de tudo o que eles queriam de bom. 39 Havia sempre alguém disposto a pedir-lhe que ajudasse as suas instituições de caridade preferidas ou a igreja da sua escolha. Ou então falavam-lhe do aniversário que se realizaria daí a dois dias. Informavam-na de quem deveria receber um presente nas suas bodas de prata. Ou de que tal criança recebera um prémio na escola, devendo ter como recompensa o dinheiro suficiente para que se celebrasse devidamente uma ocasião tão auspiciosa. Faziam-lhe infindáveis pedidos. A princípio, Crisa fazia exactamente o que lhe pediam. Mas acabou por pedir a Mr. Dougall que destinasse uma verba que achasse adequada para dedicar às várias obras de caridade e para financiar novos empreendimentos. Pediu-lhe, também, que comprasse automóveis a motor, o último grito da moda entre a juventude de Nova Iorque, para todos os netos de seu marido. - Sei que, assim que retirar o luto, pensa dar um grande baile em honra de Sadie, que faz dezassete anos no ano que vem - disse-lhe a filha mais velha do seu marido. - Temos de fazer tudo para que seja o baile mais fantástico e exótico que alguma vez se realizou em Nova Iorque! E começou a descrever como o tinha imaginado, enquanto as palavras ano que vem pareciam gravar-se na mente de Crisa. Não suportaria ficar ali tanto tempo! Viver naquele enorme casarão onde não tinha nenhuma
  • 29. autoridade e se sentia oprimida por todos os Vanderhaults. Nessa noite, deitada na sua cama, pensou seriamente em tudo aquilo. A morte do seu pai deixara-a demasiado infeliz, e a do seu marido demasiado confusa para compreender exactamente o que lhe tinha acontecido. Só agora se dava conta de que era uma prisioneira. Uma prisioneira numa gaiola dourada, cujas grades a mantinham cativa e das quais era impossível fugir. 40 Dissera a Matilda: - Gostaria de regressar a Inglaterra, para visitar o túmulo do meu pai. A mulher soltara um grito de horror. - Como pode pensar numa coisa dessas, quando há tanto para fazer aqui? Assim que possa aliviar um pouco o luto, tem milhares de obrigações a cumprir, como viúva de Silas. Desenrolara, então, uma lista de comissões, às quais Crisa deveria presidir. E outra lista, ainda maior, das obras de caridade com que teria de colaborar. Havia, também, grande quantidade de festas familiares em que deveria ter um papel importante. Crisa ficou boquiaberta. Não apenas por verificar que esperavam tanto dela mas também por perceber que Matilda tinha congeminado tudo aquilo. Tinha deixado bem claro que era impossível, para Crisa, escapar ao cumprimento de todos aqueles deveres. Tenho de fugir, disse Crisa para consigo. Mas, embora parecesse ridículo, sabia que encontraria os maiores obstáculos ao tentar fazer qualquer coisa que lhe apetecesse. Ao ponto de usarem, se tal fosse necessário, a força fisica para a impedir de abandonar Nova Iorque. Ou, pelo menos, para a manterem naquilo que Crisa considerava ser território Vanderhault. Um dos primos tinha propriedades na Califórnia. Sugeriram- lhe que o visitasse, acompanhada, claro, por, pelo menos, meia dúzia de Vanderhaults. Garantiram-lhe que havia um rancho no Texas que acharia muito interessante. Até lhe sugeriram que fizesse um passeio às montanhas Rochosas, que os Vanderhaults mais novos achariam muito divertido. Poderiam viajar no comboio privativo de Silas e no seu próprio caminho de ferro.
  • 30. 41 Viajariam até à propriedade extremamente valiosa que ele adquirira em São Francisco. Crisa sentiu que o programa da sua vida era desdobrado à sua frente, como se fosse um mapa. Pensou que nunca teria possibilidade de fugir. Se não era Matilda ou Anna a tentar controlar a sua vida, eram as filhas de Silas, ou os maridos destas. Também eles viviam à custa do dinheiro dele. Quando olhavam para Crisa, tinham um brilho especial no olhar. Brilho que a informava de que eles fariam tudo o que estivesse ao seu alcance para evitar que ela escapasse àquela estranha congregação. Sentiu-se percorrida por uma sensação de pânico. Teve vontade de gritar, de fugir daquela casa e nunca mais voltar. Num momento de quase loucura, chegou a pensar em ir pedir protecção à polícia. Mas pensou que teria de resolver o assunto com inteligência. Uma vez que conseguisse chegar a Inglaterra, organizaria a sua vida como melhor entendesse e pediria aos amigos do seu pai que a ajudassem. Por estranho que pudesse parecer, embora tivesse vivido sempre no campo, Crisa tinha recebido uma esmerada educação. A sua mãe insistira em que ela desenvolvesse a sua inteligência. Além disso, recebera um nome grego, pois, como sua mãe lhe tinha explicado: - Foram os Gregos que ensinaram o mundo civilizado a pensar, e isso é uma coisa que não devemos esquecer. Quando era ainda muito pequena, explicaram-lhe porque tinha um nome tão estranho. - Quando fui à Grécia com o teu pai - dissera sua mãe -, fomos, de barco, a Crisa, local onde Apolo brotou das águas, pela primeira vez, disfarçado de estrela, ao meio- dia. A mãe fizera uma pausa e continuara: 42 - Chegados a Crisa, o teu pai contou-me essa história, enquanto olhávamos os Penhascos Brilhantes, em Delfos. Nesse momento, senti o meu bebé, que eras tu, minha querida, mexer-se dentro de mim. Abraçou Crisa. - Soube, então, que serias uma pessoa muito especial, imbuída do espírito da Grécia, e que te daria o nome de Crisa.
  • 31. Crisa parecia que estava a ouvir a mãe contar-lhe aquilo, com a sua voz suave e musical. À medida que foi crescendo, a mãe foi-lhe falando da Grécia e das características dos gregos da Antiguidade. Falava especialmente da luz que não só enriquecia a própria Grécia como iluminava todos os que eram distinguidos pela Luz Sagrada dos deuses. - É essa luz - dissera a sua mãe - que tens de procurar e seguir durante toda a tua vida e que, assim espero, encontrarás, na companhia do homem que vieres a amar e com quem te casarás. E prosseguiu, num tom muito comovedor: - Não te esqueças, ela estará sempre presente, pronta a ajudar-nos e, sempre que estivermos em dificuldades ou em perigo, poderemos recorrer a ela, que nunca nos faltará. Sentada, agora, perto da janela da sua sala de estar, Crisa parecia ouvir as palavras da sua mãe. Ela trazia-lhe a Luz Sagrada, para lhe mostrar o que havia de fazer, como poderia fugir. Lembrou-se de que, para regressar a Inglaterra, a primeira coisa de que iria precisar era do seu passaporte. Mas estava averbado ao do marido. Sendo assim, teria de o conseguir das mãos de Mr. Krissam. Calculou que ele se sentiria obrigado a informar toda a família sobre as suas intenções de partir. Mas teve uma ideia e chamou um criado, a quem disse para informar Mr. Krissam de que precisava de falar com ele. Apareceu imediatamente. Quando Mr. Krissam se aproximou, Crisa pensou se seria capaz de ser franca com ele. 43 Deveria contar-lhe o que tencionava fazer? Reparou nos seus lábios finos, no seu rosto anguloso e nos seus olhos, escuros e vivos. Certamente que seria para ele mais vantajoso, como era para os Vanderhaults, que ela permanecesse em Nova Iorque, sob a sua própria vigilância. Portanto, foi com um sorriso um pouco forçado que disse: - Boa tarde, Mister Krissam. Há muito tempo que não falamos um com o outro. - Espero que esteja melhor, Mistress Vanderhault - respondeu Mr. Krissam. - Calculo que estas últimas semanas tenham sido muito dificeis. - Sem dúvida alguma - disse Crisa -, e agora preciso da sua ajuda. - Como sabe, estou à sua inteira disposição - disse Mr. Krissam.
  • 32. - Penso que não vai achar dificil - respondeu Crisa. - Recebi carta de uma amiga inglesa que trabalha aqui, como secretária de um escritor. Fez uma pausa, sorriu e continuou: - Ela tem viajado muito e parece que perdeu o seu passaporte inglês. Mister Krissam ouvia atentamente. - Participou o desaparecimento às autoridades, mas o passaporte ainda não apareceu. Esperou um instante e disse: - Tenho a certeza, Mister Krissam, de que, para ajudar a minha amiga, vai conseguir arranjar-lhe um novo, junto da embaixada inglesa. Ele não lhe pareceu muito interessado e Crisa continuou: - Ela receia não ter tempo para tratar do assunto, quando o seu patrão regressar a Nova Iorque, e seria muito desagradável se não pudesse acompanhá-lo na sua próxima viagem de barco, como ele espera. - Com certeza, Mistress Vanderhault - disse Mr. Krissam. - Compreendo perfeitamente, e tenho a certeza de que não haverá qualquer problema. 44 Esperou um instante e, olhando para Crisa, continuou: - Através de Mister Vanderhault conheço muito bem o embaixador inglês e já falei muitas vezes com ele, em seu nome. - Isso é maravilhoso! - exclamou Crisa. - Seria muito amável se tratasse de tudo e eu vou já escrever à minha amiga, dizendo-lhe que não precisa de se preocupar. Mister Krissam tirou um bloco de notas do bolso e disse: - Agora, se fosse possível, gostaria que me desse algumas informações, que vão, evidentemente, ser necessárias. Q, ual o nome da sua amiga? Crisa respirou fundo. - O nome dela é - disse -... Cristina Wayne. - E a idade? Crisa hesitou um pouco e respondeu: - Tem vinte e três anos. - E disse que era secretária? - Exactamente. Mister Krissam pensou um pouco e disse: - Como diz que ela viaja muito, penso que o melhor, se me permite, será dar esta morada como sua residência em Nova Iorque, mas claro que podem pedir uma morada em Inglaterra. - The Vicarage, Little Royden, Huntingdonshire - disse Crisa. Mister Krissam voltou a pôr o seu bloco no bolso e, depois
  • 33. de alguns cumprimentos, saiu. Crisa ouviu-o fechar a porta. Respirou fundo, pensando que o primeiro passo estava dado, o primeiro passo para a liberdade. A questão era a seguinte - seria capaz de ir até ao fim sem ser descoberta? 45 CAPÍTULO TERCEIRO Mister Krissam levaria alguns dias a conseguir o passaporte para Miss Wayne. Assim, Crisa resolveu ocupar esse tempo na elaboração do resto do plano. Para onde quer que fosse, nunca conseguia ir sozinha. Normalmente, era uma das filhas de Silas que sugeria irem às compras. Era a coisa que ela mais gostava de fazer. Mesmo se Crisa tinha vontade de dar um passeio, tinha de ir acompanhada por um dos Vanderhaults. Havia sempre um deles pronto para a acompanhar. Senão, teria de ir com Abigail, a sua criada particular. Era de meia-idade, muito magra, e Crisa tinha a certeza de que era uma espécie de espia dos Vanderhaults. O que significava que tudo o que Crisa dissesse ou fizesse chegaria ao conhecimento de Matilda ou de Anna. Contudo, isso era uma coisa que Crisa não podia provar. Mas já reparara, uma ou duas vezes, que Matilda estava ao corrente de coisas ditas ou feitas por si, sem que ela própria as tivesse mencionado. Tinha a certeza de que Abigail fora a informadora. - Se ao menos a Nanny estivesse ao pé de mim - não se cansava de lamentar. Tudo seria muito mais fácil se isso fosse possível. Mas Crisa estava decidida a regressar a Inglaterra, fosse como fosse. 47 Estar com Nanny seria como voltar a ser criança, sem mais problemas ou dificuldades para resolver. Uma das coisas mais importantes, pensou, seria ter dinheiro e roupas. Conseguir o dinheiro seria o mais difícil, pois tudo o que comprava era posto na sua conta. Quando os recibos chegavam, ela nem sequer os via, pois eram pagos ou por Mr. Krissam ou pelo seu empregado de escritório. Portanto, um dia disse a Mr. Krissam: - É verdade, eu precisava de duzentos dólares para ir às compras amanhã.
  • 34. Tal como esperava, Mr. Krissam ficou muito surpreendido. - Basta mandar receber tudo o que quiser comprar, Mistress Vanderhault - respondeu ele. - Bem sei - respondeu Crisa -, mas preciso de comprar alguns presentes e não quero que a pessoa a quem os vou oferecer saiba quanto custaram. Pareceu-lhe que Mr. Krissam se preparava para argumentar com ela. Mas, afinal, dez minutos depois estava de volta com os duzentos dólares em grandes notas. Crisa arrumou-as na sua malinha de mão. No dia seguinte foi às compras com Anna, que estava ansiosa por ver os vestidos da última moda. Tinham acabado de chegar de Paris. Enquanto estavam no armazém, Crisa aproveitou para comprar um presente muito caro, um conjunto de secretária constituído por um mata-borrão com os cantos dourados, uma caneta dourada e um tinteiro a condizer. Embora o empregado se oferecesse para o mandar a casa, Crisa preferiu levá-lo consigo. Quando chegou a casa, ofereceu-o a Mr. Krissam. Preparara um pequeno discurso, agradecendo-lhe toda a gentileza demonstrada para com ela desde que a conhecera em Inglaterra. 48 Mister Krissam ficou rendido à sua generosidade. Pela primeira vez, ele pareceu-lhe bastante humano, quando gaguejou os seus agradecimentos e, pensou Crisa, corou mesmo um pouco. Depois disso, todos os dias ela lhe pedia dinheiro para ir às compras. Comprou presentes para Matilda e Anna e para os netos mais novos de Silas. Todos ficavam encantados com o que Crisa lhes oferecia. Ela tinha o cuidado de fazer com que sobrasse sempre algum dinheiro, e guardava o troco numa gaveta, fechada à chave, da sua secretária. Levava sempre a chave consigo. Mas em breve compreendeu que ia precisar de muito mais do que o que conseguia juntar tão modestamente desse modo. Pelo menos, era um princípio, mas teria de pensar num modo de obter uma quantia muito maior. Tinha de conseguir o suficiente para comprar o bilhete de regresso a Inglaterra. E, também, para comprar algumas roupas. Se queria fugir sem que ninguém desse por isso, tinha de ter que vestir a bordo.
  • 35. Era impossível fugir de casa se tivesse que carregar uma mala grande. Todos mostrariam curiosidade em saber para onde ia e pelo menos um dos Vanderhaults havia de querer ir com ela. Mas enquanto pensava nisso tudo surgiu, de súbito, mais uma complicação. Crisa começou a perceber que os Vanderhaults lhe tinham arranjado um marido. Parecia incrível, já que Silas morrera havia tão pouco tempo. Estava certa de que o que os preocupava era a sua enorme fortuna. Estavam, na verdade, cheios de medo que, sendo tão nova, Crisa se apaixonasse e quisesse voltar a casar. Tudo se tornou claro para Crisa quando foi a uma pequena 49 festa, dada em sua honra por um amigo íntimo dos Vanderhaults, que também tinha uma casa na Quinta Avenida. Ao jantar, conheceu um inglês, hóspede em casa dos seus anfitriões. Não era muito jovem, mas Crisa sentiu-se reconfortada por conhecer alguém que se parecia muito com o seu pai. Falavam a mesma língua e Crisa pôde conversar sobre Huntingdonshire, pois ele conhecia a região. Crisa ficou muito feliz por o conhecer. Conversaram animadamente e só quando voltou para casa é que ela compreendeu, pela expressão de Matilda, que havia alguma coisa no ar. No dia seguinte, pareceu-lhe ver na casa mais Vanderhaults do que era costume. Era óbvio que o que se passava lhe dizia respeito. Sempre que entrava nalguma sala, encontrava-os a conversar em voz baixa. Mal ela aparecia, calavam-se imediatamente. Começavam então a falar de coisas fúteis e triviais, de um modo denunciador de que tentavam esconder alguma coisa. Dois dias depois, chegava Thomas G. Bamburger. Crisa era suficientemente esperta para compreender que ele tinha sido escolhido pelos Vanderhaults para seu futuro marido. Era um primo afastado e a sua mãe fora uma Vanderhault. Silas dera-lhe emprego na sua companhia ferroviária e, segundo Matilda, que não se cansava de gabar os talentos dele, destacara-se de tal modo que o mais natural era vir a ser director-geral de toda a companhia. Tinha trinta e quatro anos, mas parecia mais velho. Assim que o viu, Crisa achou que ele era o tipo de americano de que ela não gostava e com o qual não tinha nada em comum. Conversaram bastante, mas às vezes ele caía num profundo
  • 36. silêncio e fitava-a com um olhar frio. Crisa tinha a certeza de que ele pensava em quanto ela valia. 50 Como seria vantajoso tornar-se seu marido. Crisa nunca se perguntou como tinha percebido tudo tão rapidamente, sem que nunca lhe tivessem dito nada. No entanto, desde o momento em que se voltara para sua mãe, pedindo que a ajudasse a fugir, sentira sempre que estava a ser ajudada e guiada pela luz da Grécia, sob a qual nascera. Estava certa de que não faltaria muito para que Thomas Bamburger lhe revelasse as suas intenções. Uma vez que estavam sempre na mesma casa, Matilda arranjara as coisas de modo a sentarem-se ao lado um do outro, às refeições. Mas Crisa fazia os possíveis por nunca se encontrar a sós com ele. E decidiu que tinha de apressar a fuga. O próximo passo seria conseguir as roupas com que iria voltar a casa. Pensou com muito cuidado no que haveria de fazer. Esperou pelo dia em que Matilda, Anna e duas das filhas de Silas saíram, para irem a um bazar de caridade que se realizava a dois quarteirões de distância. Tinham-na convidado para ir com elas. Crisa respondeu-lhes que o marido morrera há muito pouco tempo e que achava, portanto, muito cedo para ser vista em público. Embora sentissem vontade de protestar, tiveram de ir sem ela. Crisa esperou que as carruagens tivessem partido, depois tocou a campainha e pediu que arranjassem uma carruagem para si própria. Subiu para o quarto. Enquanto colocava na cabeça um dos seus chapéus com véu preto de viúva, ouviu bater à porta. Como esperava, era Abigail, dizendo que Mr. Krissam desejava falar com ela. Dirigiu-se à sala de estar, que ficava ao lado, e achou-o com um ar um tanto ansioso. - Pelo que sei, Mistress Vanderhault, mandou pedir uma carruagem... Não sabia que pensava sair esta tarde... 51 - Nem eu, até abrir o correio que veio esta manhã e ler uma carta da minha amiga Miss Wayne, de cujo passaporte está a tratar. Sabia que não corria perigo pois ainda recebia, todos os dias, cartas de pêsames de todos os cantos da América.
  • 37. Suspeitava que Mr. Krissam examinasse as que lhe eram dirigidas. Mas não poderia conhecer o seu conteúdo, a não ser que se desse ao trabalho de as abrir ao vapor. - Miss Wayne talvez venha a Nova Iorque em breve e, como não deve demorar muito aqui, pediu-me se lhe comprava algumas roupas de que vai precisar na sua viagem a Inglaterra. - Compreendo - respondeu Mr. Krissam -, mas não prefere esperar pelo dia de amanhã, pois tenho a certeza de que Mistress Anna gostaria de a acompanhar? - Não espero conseguir comprar tudo hoje - replicou Crisa -, além disso, levo a Abigail comigo. O que não lhe apetecia nada. Mas tinha a certeza de que Mr. Krissam levantaria os maiores obstáculos se ela tentasse sair sozinha. Não havia mais nada a esclarecer, portanto ele saiu. Dez minutos depois, Crisa, acompanhada de Abigail, dirigia- se aos armazéns Macy's, na West l4th Street. Ao chegar aos principais armazéns de Nova Iorque, Crisa mandou chamar a gerente da secção de vestidos. Fê-lo com uma autoridade que nunca tinha sentido antes de casar. - Sou Mistress Silas Vanderhault - disse -, e desejo comprar algumas roupas para uma amiga minha que em breve passará por Nova Iorque. Dirigiu um sorriso à gerente, e continuou: - Infelizmente, tenho muito pouco tempo, mas agradecia que me mostrasse uns vestidos simples, pois a minha amiga vai viajar para Inglaterra, e uma capa quente, pois vai viajar por mar. O nome Vanderhault" fez maravilhas. 52 Um exército de empregadas trouxe-lhe toda a espécie de vestidos. Crisa explicou que a sua amiga tinha, mais ou menos, as mesmas medidas do que ela. - Ela disse-me - contou Crisa, rindo - que, como anda a viajar pela América há muito tempo, as suas roupas estão num péssimo estado. Esteve calada uns instantes, depois continuou: - Também perdeu alguns artigos que terão de ser substituídos, como sapatos e roupa interior. A gerente fez um gesto de indignação e disse: - Os roubos em alguns hotéis do Oeste são, segundo tenho ouvido dizer, Mistress Vanderhault, um escândalo! um facto revoltante e que dá mau nome ao nosso país, mas o que é que
  • 38. se há-de fazer? - Sim, o quê? suspirou Crisa. Solícita, a gerente mandou trazer chapéus e toucas que condissessem com cada fato de dia. De outra secção, trouxeram sapatos. Crisa experimentou-os, contando que toda a vida ela e a sua amiga tinham emprestado sapatos uma à outra. Crisa esperava que ela não se tivesse modificado muito, desde a última vez em que a vira. Encomendou três vestidos de dia, dois vestidos simples para a noite e uma capa de fazenda de lã quente, debruada a pele. Pediu à gerente que arrumasse tudo numa mala nova e numa caixa de chapéus. Pediu-lhe que tivesse tudo pronto, para ser levantado a qualquer altura por uma tal Miss Christina Wayne, - Não sei se virei eu própria - disse Crisa - ou Miss Wayne mas, nesse caso, ela apresentará um cartão meu. A gerente disse que estava bem e Crisa agradeceu-lhe, acrescentando: - Mande a conta para Miss Wayne, na minha morada, por favor. - Espero que nos compre, também, alguns vestidos, madame. 53 - Virei ter consigo assim que comece a aliviar o luto - prometeu Crisa. Dirigiu-se para a porta, recebendo vénias dos empregados que encontrava pelo caminho. Ao chegar a casa, verificou que tanto Matilda como o resto da família ainda se encontravam no bazar. Quando voltaram, tinham tanto para contar que não se aperceberam de que Crisa saíra durante a sua ausência. E, para seu grande espanto, Mr. Krissam não lhes contou que ela tinha sido suficientemente ousada para fazer qualquer coisa sozinha. No dia seguinte, Mr. Krissam trouxe-lhe o passaporte que ela lhe tinha pedido. Quando ele lho entregou, ela reparou que estava assinado pelo embaixador britânico, em nome do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. - Estou-lhe tão agradecida, Mister Krissam - disse Crisa. - Sei que Miss Wayne sentirá o mesmo. Se ela tivesse de tratar de tudo sozinha, perderia um tempo precioso na Embaixada. Crisa sorriu-lhe e acrescentou: - Talvez tivesse de ir lá várias vezes, antes que estivesse pronto. - Fico feliz por ter sido útil, Mistress Vanderhault - disse Mr. Krissam.
  • 39. Desde que recebera o seu presente, Crisa achava-o mais amável do que nunca. Mesmo assim, Crisa não queria correr nenhum risco e disse- lhe, ao dirigir-se para a sua sala de estar: - Vou já escrever a Miss Wayne e dizer-lhe que tenho aqui o passaporte, mas, como não tenho a certeza de ela se encontrar ainda na mesma morada, guardá-lo-ei até à sua chegada. Depois de tanta maçada, seria um disparate se se extraviasse. 54 - Tem toda a razão - concordou Mr. Krissam. Assim, Crisa escreveu uma carta que começava assim: "Minha querida Cristina... ", onde explicava que o passaporte estava pronto, bem como as roupas que ela lhe tinha pedido para comprar. Ela tinha a certeza que as cartas recebidas não eram lidas de maneira nenhuma. No entanto, as que eram enviadas eram seladas no escritório de Mr. Krissam. Este registava num livro o custo e o destino de cada uma. Crisa calculava que alguma carta de aspecto menos vulgar fosse mesmo lida. Portanto, teve o cuidado de não escrever nada que o levasse a suspeitar da existência de Christina Wayne. Escreveu no envelope a morada de um hotel de São Francisco, que encontrara num guia da cidade. No canto superior esquerdo escreveu "espera chegada". Não tinha a certeza absoluta, mas calculava que, passado bastante tempo, a recepção considerava que a destinatária não aparecera e que não era preciso guardá-la por mais tempo. Ou a deitavam fora, ou a abriam. "Por essa altura", pensou Crisa triunfante, "eu já cá não estarei! ". O passo seguinte era decidir quando partir, e escolher o dia. Não era difícil saber os dias de partida dos navios, pois vinham anunciados no jornal. Silas fora uma figura tão proeminente que ela excluiu logo a hipótese de viajar numa companhia de navegação americana. Agora, os navios mantinham-se em comunicação telegráfica com terra. Assim, Crisa temia que, embora lhe parecesse um pouco absurdo, mesmo depois da partida a família conseguisse descobri-la e arrastá-la de volta para Nova Iorque. Portanto, chegou à conclusão de que o modo mais seguro de viajar seria num navio de uma companhia francesa. Pelo que sabia, o La Touraine era mais lento do que os
  • 40. navios alemães. 55 Mas era de uma beleza extraordinária e o primeiro navio, diziam os jornais, a oferecer as confortáveis suites. Esta novidade já tinha sido adoptada por muitos outros navios, claro. Mas Crisa achava que o La Touraine parecia não só mais confortável mas também mais seguro. Gostaria de viajar num navio da companhia inglesa Gunard. Mas tinha a certeza de que era por aí que os Vanderhaults começariam as suas buscas. Partiriam do princípio que ela se sentiria em segurança entre os seus compatriotas. O La Touraine partia dentro de dois dias. Crisa sabia que, se quisesse embarcar nele, teria de escolher a melhor altura para conseguir fugir da família. Além disso, tinha de arranjar dinheiro suficiente para o bilhete. Esse era o problema principal mas, mais uma vez, Crisa sentiu que alguém a ajudava e orientava. Matilda participou-lhe que, na quinta-feira seguinte, iriam almoçar fora de Nova Iorque. Almoçariam com uma das filhas de Silas. Ela e o marido tinham comprado uma casa no Connecticut. - Tenho a certeza de que vai gostar do passeio, Crisa - disse Matilda -, e sei que vai querer levar-lhes um presente para a casa nova. - Claro - concordou Crisa. Mas em vez de mandar chamar Mr. Krissam, dirigiu-se ela própria ao seu escritório, pela primeira vez. Ficava no rés-do-chão da grande casa e, tal como as outras divisões, estava demasiado mobilado. Neste caso, de arquivos, estantes e secretárias. As paredes estavam cheias de mapas, que representavam as propriedades Vanderhault. - Quero comprar um presente caro - disse-lhe -, mas tem de ser uma coisa requintada e original. - Pode pôr o que pretender na sua conta, Mistress Vanderhault. 56 - Mas não nas lojas onde estou a pensar ir - respondeu Crisa. - Estou a pensar comprar um jarrão chinês ou talvez uma peça estranha e exótica do Japão. Mister Krissam pareceu hesitante e ela continuou: -Ainda há pouco tempo Mister Bamburger contou que os vendedores orientais não gostam de contas, pois não as compreendem.
  • 41. Crisa riu e continuou: - Portanto, venho pedir-lhe que me dê algum dinheiro, por favor. Não tenho tempo para mais explicações e, inglesa como sou, sempre preferi pagar no momento. Mister Krissam tirou uma chave de uma gaveta da sua secretária e abriu um cofre enorme. Ocupava muito espaço, a um lado da lareira. - Que grande cofre! - exclamou Crisa. - O que é que tem lá dentro? - Ficaria surpreendida, Mistress Vanderhault, se soubesse quanto custa manter esta casa - respondeu Mr. Krissam. Há os ordenados dos criados, além das contas, muitas das quais são pagas em dinheiro e não por cheque. - Não os censuro - brincou Crisa -, mas deve dar-lhe muito trabalho. - Como sabe, sobra-me muito pouco tempo - respondeu Mr. Krissam. Enquanto falava, retirou do cofre um molho de notas de cem dólares. Crisa reparou que, ao lado, estava um maço de notas de mil dólares. Apontou com o dedo e disse: - Notas de mil dólares! Não sabia que se faziam notas tão grandes! - De vez em quando, é preciso ter notas de mil dólares - respondeu Mr. Krissam. - Uma nota dessas - observou Crisa -, daria para uma pessoa viver muito confortavelmente durante um mês ou dois... Mister Krissam riu. 57 Tirou do molho algumas notas de cem. Entretanto, Crisa, que segurava o maço de notas de mil, com a outra mão deu um esticão no colar de pérolas que trazia ao pescoço. As pérolas espalharam-se pelo chão, como gotas de orvalho. Crisa soltou um gritinho e exclamou: - As minhas pérolas! O meu marido ofereceu-mas no dia do nosso casamento! - Não se preocupe, Mistress Vanderhault - apressou-se a dizer Mr. Krissam. Voltou a colocar dentro do cofre as notas que tinha na mão e ajoelhou- se. As pérolas tinham rolado em todas as direcções. Ele pôs-se a apanhá-las, verificando que umas tinham ficado debaixo dos tapetes e outras estavam enfiadas nas reentrâncias do soalho de madeira. Entretanto, Crisa conseguiu tirar do maço três notas de mil
  • 42. dólares. Depois voltou a colocá-lo dentro do cofre. Escondeu as notas no decote do vestido. Foi, então, ajudar Mr. Krissam e estendeu o seu lenço no chão para lá porem as pérolas que iam apanhando. Quando parecia que não havia mais pérolas espalhadas, Crisa levantou-se. Segurou o lenço pelas extremidades e entregou-o a Mr. Krissam, dizendo: - Posso deixá-las consigo, Mister Krissam, para as mandar enfiar? Foi por eu ser tão descuidada que o colar se partiu. Mas foi uma sorte ter acontecido aqui e não nalgum lugar público! - Isso seria, sem dúvida, um grande aborrecimento - concordou Mr. Krissam. Dirigiu-se ao cofre e guardou-as lá dentro. Quando Crisa se voltou, para sair do escritório, ele estava a guardar a chave na gaveta. - Muito obrigada - disse ela -, é sempre tão gentil e prestável e é para mim uma alegria ver que gostou do presente que lhe dei. 58 Olhou para o tinteiro e Mr. Krissam replicou: - Tenho muito orgulho nele, Mistress Vanderhault. Crisa sorriu-lhe. E subiu as escadas a correr, esperando que ele não desse pela falta do dinheiro antes de sexta-feira, dia em que costumava pagar aos criados. Nessa tarde, saiu para fazer compras para as filhas de Silas. Gastou bastante dinheiro, mas mandou pôr tudo na conta, pois sabia que só a iriam receber na semana seguinte. Depois do jantar, em que Thomas Bamburger lhe parecera especialmente atencioso, ela disse que tinha de se retirar. - Tenho uma leve dor de cabeça - disse - e quero ter a certeza de que amanhã me vou sentir bem. - Com certeza - concordou Matilda. - Mas acontece que o Thomas estava com muita vontade de a levar a ver as orquídeas que acabaram de florir, na estufa. E frisou: - Ainda esta tarde ele me disse como eram lindas e sei que a Crisa as apreciaria. Foi então que Crisa compreendeu que estava perante uma situação de perigo. Sabia que não podia arriscar encontrar-se a sós com Thomas Bamburger. Sorriu, parecendo anuir, mas levou a mão à cabeça e disse: - Claro que gostaria de ver as orquídeas, Matilda, e sei
  • 43. que parece patetice, mas estou mesmo um pouco tonta e acho melhor ir deitar-me. Todos começaram a dar provas de grande preocupação e ajudaram-na a ir para o seu quarto. Depois chamaram Abigail. Não se falou mais na sua visita à estufa com Thomas Bamburger. Crisa deitou-se e, durante muito tempo, rezou para que tudo corresse exactamente como tinha previsto. Não ia ser nada fácil. 59 Era uma grande sorte a família ir no dia seguinte ao Connecticut. Isso dar-lhe-ia tempo para se recompor da indisposição que a impediria de os acompanhar. Tinha de arranjar maneira de chegar ao cais a tempo de apanhar o La Touraine. Receava não conseguir um camarote livre, aparecendo à última hora. Por outro lado, tinha lido nos jornais que os navios atravessavam um período um pouco dificil. A maioria chegava sem a lotação completa e partia nas mesmas condições. Brincou com a ideia de reservar uma passagem em nome de Christina. Mas para isso teria de ir a uma agência ou ao cais. Contudo, isso seria demasiado perigoso. Um dos Vanderhaults, ou o próprio Mr. Krissam, acabaria por saber, pelo cocheiro que a conduzisse, onde é que ela tinha ido. Fariam muitas perguntas. O único risco que terei de correr, disse para consigo, é de o navio se recusar a transportar-me. Na manhã seguinte, tudo correu conforme planeara. Assim que Abigail a acordou, mandou um recado a Matilda dizendo que não se sentia bem. Tal como previra, meia hora depois Matilda encontrava-se à sua cabeceira, mostrando-se muito preocupada. - Acha melhor chamar um médico? - perguntou. Crisa fez que não com a cabeça. - Não - respondeu. - Eu já tenho tido estas dores de cabeça e sei que passam, se eu descansar e não comer muito. - A Susan vai ficar tristíssima se não a vir - disse Matilda. 60 - Leva-lhe os presentes que eu lhe comprei e os das crianças? - perguntou Crisa. - E diga-lhe, por favor, que
  • 44. espero poder visitá-la na casa nova para a semana que vem. Talvez pudéssemos ir juntas? - Certamente que sim - concordou Matilda. - Tome cuidado, Crisa. Não gosto muito de a deixar aqui sozinha, mas os criados tratarão de si e nós voltaremos o mais depressa possível. - Não, por favor, não façam isso! - protestou Crisa. - Senão, vou ficar a pensar que vos estraguei a festa. Eu fico bem. Só preciso de dormir um pouco. Franziu a testa, como se lhe tivesse sido muito difícil falar. Matilda saiu, depois de recomendar a Abigail que desse a Crisa uma bebida fresca e lhe preparasse um almoço muito leve. Foi a seguir ao almoço que Crisa se levantou e vestiu. Escolheu um dos seus vestidos pretos mais simples. Com muito cuidado, descoseu o véu de crepe negro da sua touca de viúva. Em seguida, meteu na mala de mão as jóias que queria levar consigo. Já lá se encontrava todo o dinheiro que tinha conseguido juntar. Quando estava completamente pronta, chamou Abigail. A criada veio e ficou espantada de a ver levantada e vestida. - Que é que está a fazer, Mistress Vanderhault? - exclamou. - Sabe muito bem que devia estar a descansar! - Bem sei - disse Crisa -, mas só agora me lembrei de que hoje era o dia de aniversário da minha mãe. Esperou um pouco e suspirou antes de continuar: - Como todos os anos, neste dia, vou à igreja rezar por ela, tenho de ir agora à Catedral de Saint Patrick. Abigail ficou boquiaberta. - Não fazia ideia, Mistress Vanderhault, que a sua mãe era católica! Crisa sorriu. - E não era, mas, como viajava muito, pela França e outros países europeus, costumava visitar as belas igrejas antigas. 61 Sorriu e acrescentou: - Lembro-me de ela me contar, quando eu era pequena, que acendia uma vela e depois rezava, pois acreditava que, enquanto estivesse a arder, a vela ajudaria a sua oração a chegar ao céu. Achou que Abigail, uma convicta dissidente da igreja anglicana, parecia um pouco céptica e continuou: - Como eu amava muito a minha mãe e sinto muitas saudades
  • 45. dela, é isso que eu quero fazer hoje, portanto, por favor, mande arranjar a carruagem e, claro, venha comigo. Pareceu-lhe que Abigail teve vontade de a contrariar. Mas, em vez disso, fez o que lhe mandou e, dez minutos mais tarde, estavam a caminho da Catedral de St. Patrick. Quando chegaram aos degraus que davam entrada à porta lateral, Crisa disse: -Espero que compreenda, Abigail, que desejo entrar sozinha. - Penso que a minha obrigação é ir consigo, Mistress Vanderhault - disse Abigail, com firmeza. - Não, não posso aceitar, pois sei que não é crente - disse Crisa, com um sorriso -, e quero rezar durante muito tempo, diante da minha vela, que será muito comprida, portanto o melhor é esperar por mim aqui. Antes que Abigail pudesse dizer alguma coisa, Crisa saiu da carruagem e subiu rapidamente os degraus. Avançou pela coxia central. As velas acesas tremeluziam em frente das figuras dos santos e a luz do sacrário brilhava por cima do altar. Rezou fervorosamente a sua mãe, pedindo-lhe que a ajudasse e que Abigail não entrasse, à sua procura, antes de tempo. Ela já se certificara de que uma outra porta, na ala sul da catedral, estava sempre aberta. Saiu por aí e encontrou-se na rua movimentada. Andou uns metros e teve a sorte de encontrar logo uma carruagem da companhia Hackney. Pediu ao cocheiro que a conduzisse ao Macy's. 62 Quando chegaram, pediu-lhe que a esperasse e correu à secção de vestidos. Mandou chamar a gerente. - Estou cheia de pressa - disse -, porque a minha amiga acabou de chegar e tem de apanhar um comboio que parte daqui a três quartos de hora para Washington. As coisas que comprei estão prontas? - Vou imediatamente buscá-las, Mistress Vanderhaultdisse a gerente -, e espero que a sua amiga fique satisfeita com elas. - Tenho a certeza de que vai ficar - respondeu Crisa -, e muito obrigada pela sua amabilidade e pela grande ajuda que me deu. A gerente tinha arrumado tudo na mala que Crisa mandara, também, pôr na conta. Os chapéus estavam em duas caixas próprias. Assim que viu tudo devidamente arrumado na carruagem, Crisa ordenou ao cocheiro que se dirigisse para o cais, o mais depressa possível.
  • 46. - Vou viajar no navio francês La Touraine - explicou -, espero que saiba onde ele está. O homem fez que sim com a cabeça. Ela recostou-se, sentindo-se percorrida por uma estranha excitação. Até agora, tinha sido bem sucedida na sua fuga da gaiola dourada, de onde, ao princípio, pensara que nunca ia conseguir escapar. Lembrou-se, então, de que tinha ainda de fazer uma coisa muito importante, que era ver-se livre do seu véu de viúva. Puxou-o com força e fez uma bola com ele. Enfiou-o atrás das costas do assento, onde não seria encontrado tão cedo. Tirou da mala de mão uma écharpe de seda lilás. Comprara-a poucos dias atrás, fingindo ser mais um presente para as filhas de Silas. 63 Meteu-a no corpete do vestido e pregou nela um alfinete de diamantes. Assim, não parecia tanto uma viúva. Embora não se desse conta, Crisa estava maravilhosa, com o seu cabelo louro e olhos azuis. Mas não deixava de parecer uma senhora. O La Touraine, um dos mais belos navios em serviço, tinha duas chaminés e três mastros. No dia do seu baptismo, tinha sido considerado o navio de linhas mais requintadas que havia na altura. Chamavam-lhe, por brincadeira, o galgo do Atlântico. Crisa subiu a prancha de embarque, sabendo que era o último obstáculo que teria de vencer. Se o La Touraine se recusasse a transportá-la ou já não tivesse lugares, seria obrigada a voltar, derrotada. Estava certa de que, se tal sucedesse, nunca mais conseguiria fugir aos Vanderhaults. - Por favor, Mãe, ajuda-me - rezava, ansiosa, ao dirigir-se à secretária do comissário de bordo. Este, um francês de meia-idade e bastante bem-parecido, olhou para ela e os seus olhos encheram-se de admiração. Crisa dirigiu-se-lhe num excelente francês parisiense. Devia-o a sua mãe, que sempre insistira em que ela aprendesse línguas desde pequena. - Não tenho nenhuma reserva, monsieur - disse -, mas espero que tenha a gentileza de me arranjar um lugar, pois tenho de partir imediatamente para Inglaterra, de onde recebi uma má notícia sobre um membro da minha família. - É inglesa, madame? - perguntou o comissário. O modo como ele a olhava mostrava que se tratava de um cumprimento.
  • 47. 64 - Sim, sou inglesa - respondeu Crisa - e chamo-me Christina Wayne. Mostrou o passaporte. O comissário pegou nele e tomou nota das informações de que precisava. - Importa-se de me dizer porque se encontra nos Estados Unidos? Embora mais tarde verificasse que não o devia ter feito, Crisa contou automaticamente a mesma história que contara a Mr. Krissam. - Tenho estado a trabalhar como secretária de um escritor que anda a viajar pelo país. Infelizmente, devo regressar, como já lhe disse, por razões familiares, e ele terá de se arranjar sozinho. - Tenho a certeza, mademoiselle, de que isso lhe será muito dificil - observou o comissário, lisonjeador. - Por sorte, temos um camarote para si, espero que o ache confortável. Só mais tarde é que Crisa achou estranho que ele tivesse partido do princípio de que ela queria viajar em primeira classe. Sendo uma secretária, era mais natural que viajasse em segunda classe. Talvez ela tivesse, ultimamente, um aspecto opulento. Ou talvez a sua beleza o tivesse feito pensar que não poderia viajar de outra forma. Pagou a carruagem Hackney e a sua bagagem foi levada para bordo. Tal como o comissário prometera, foi-lhe destinado um camarote exterior muito confortável. Tinha a novidade de a cama se poder transformar em sofá, de modo a, durante o dia, parecer uma sala de estar. Crisa tinha ao seu serviço uma criada muito competente, que saíra quando a vira começar a abrir as malas. Disse-lhe que, quando acabasse, a chamasse para fazer a cama. Por incrível que parecesse, tinha conseguido! Tinha fugido, tinha conseguido escapar! 65 A não ser que Mr. Krissam ou algum dos Vanderhaults fosse mágico, ninguém iria adivinhar que, naquela noite, ela se encontrava a bordo de um dos navios que deixavam Nova Iorque. Já era tarde de mais para alguém a deter. - Obrigada, Mãe, muito obrigada! - disse para dentro do seu coração. Então, em reacção à ansiedade que sentira e ao medo que