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Título: ACobiçada Lady Lindsey.
Autora: Barbara Cartland.
Dados da Edição: Nova Cultural, São Paulo, 1987.
Título Original: Love and Kisses.
Género: romance.
Digitalização: Fernando Jorge Alves Correia.
Correcção: Dores Cunha
Estado da Obra: Corrigida.
Numeração de Página: Rodapé.
Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à
leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei
de direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para
outros fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente.
BARBARA CARTlAND
A mais famosa e perfeita autora de romances históricos, com 350 milhões
de livros vendidos em todo o mundo
ACobiçada Lady Lindsey
Contracapa: Amanhecia em Londres. Escondida na carruagem, trémula de
susto e ansiedade, Arilla observava os dois homens que iam bater-se em
duelo por sua causa.
Um deles a queria para amante; o outro a defenderia
até a morte. Por um dos dois batia alucinado seu
coração de mulher apaixonada. O mediador começou a contar... um, dois,
três... dez passos. Fogo! Ao abrir os olhos, um grito escapoulhe da
garganta. Quem estaria caído ensanguentado no chão (fim da contracapa)?
BARBARA CARTLAND
ACobiçada Lady Lindsey
Leitura - a maneira mais económica de cultura, lazer e diversão.
Título original: Love and Kisses
Copyright: (c) Cartland Promotions Ltd. 1986
Tradução: Maria Thereza Dias de Andrade Castello
Copyright para a língua portuguesa: 1987
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Av. Brigadeiro Faria Lima, 2. 000 - 3. º andar
CEP 01452 - São Paulo - SP - Brasil
Caixa Postal 2372
Esta obra foi composta na Tipolino Artes Gráficas Ltda. e impressa na
Editora Parma Ltda.
NOTA DA AUTORA
Apesar de não ser bem-aceito, o duelo não fora proibido de fato até a
era vitoriana. E, mesmo assim, continuou sendo considerado o meio mais
honroso de se resolver uma contenda entre cavalheiros.
Em 1809, lorde Castlereagh bateu-se em duelo com George Canning, sob
leis governamentais e, na mesma época, o famoso duque de Wellington fez
o mesmo com o conde de Winchilsea.
Em 1798, William Pitt, o Moço, duelou com um membro do partido político
inglês, George Tierney. Como Pitt era extremamente magro e Tierney
demasiado gordo, foi sugerido que se marcasse com giz o contorno da
silhueta de Pitt sobre o corpanzil de Tierney e que qualquer perfuração
fora dessa área não fosse considerada.
Tenho em minha casa um retrato da linda mas infame condessa de
Shrewsbury, cujos restos mortais descansam na Igreja de St. Giles. Ela
foi amante do segundo duque de Buckingham, um campeão de tiro, e com
ele planejou o assassinato do conde, seu marido.
A condessa compareceu ao duelo fatal trajada como pajem e assistiu à
morte do conde pela arma assassina de seu amante. Em seguida deitou-se
com o duque, que ainda vestia a camisa manchada com o sangue de seu
próprio marido.
CAPÍTULO I
1817
Arilla olhou ao longo do malcuidado caminho de acesso à velha
residência.
Já ia voltando para a casa, desalentada, quando vislumbrou qualquer
coisa a distância.
Em um segundo constatou serem cavalos e deu um grito de alegria.
Para poder ver melhor, subiu os degraus cobertos de limo da corroída
escada de pedra que dava para a entrada principal.
Era uma carruagem que se aproximava, puxada por uma parelha de alazões,
idênticos em porte e cor.
Quando chegou mais perto, ela identificou, com alegria no coração, o
condutor da elegante viatura, que, com um gesto largo e cavalheiresco,
tirou o chapéu para cumprimentá-la.
- Harry! - exclamou ela. - Eu sabia que você viria!
O homem entregou as rédeas ao cavalariço que, abandonando o assento
descoberto do carro, já tinha pulado ao chão.
A carruagem era do tipo faetonte: alta, de quatro rodas e de fino
acabamento. Porém não era tão veloz e eficiente quanto o último modelo
introduzido na Inglaterra, pelo príncipe regente. Contudo era mais
leve, com melhor molejo e bastante rápida em vias não lamacentas.
Sem pressa, o cavalheiro circundou o faetonte e, antes de subir os
degraus, lançou um olhar para a casa. Havia uma expressão de desprezo
naquele semblante formoso e másculo.
Era de se esperar, pois o solar estava em um estado lastimável, com
pedras precisando de reparos e muitos vidros quebrados, pedindo
substituição. As trepadeiras, havia muito tempo sem poda, emaranhavam-
se desordenadamente, quase cobrindo as vidraças embaçadas das janelas.
Harry fez um ar de desgosto e subiu as escadas, dizendo para Arilla:
- Exatamente duas horas para chegar até aqui; devo ter batido um
recorde, a não ser que alguém tenha levado menos tempo.
- Ninguém dirige melhor do que você, Harry. Além disso, nossos
visitantes não possuem animais tão fogosos.
Reparando no ricto nervoso nos lábios dele, ela continuou:
- São seus?
A resposta veio, como esperava:
- Por um dia. São emprestados, como de costume.
- Oh, Harry! Você está em má situação?
- Como sempre.
Juntos, entraram no vestíbulo cujo aspecto era mais desolador do que
ele imaginara. Chegaram à sala de estar, que um dia fora bonita, mas,
como todo o resto da casa, estava tristemente descuidada. As cortinas
se apresentavam descoradas, o estofamento dos sofás rasgados, os
tapetes ralos e as paredes com marcas de quadros ou espelhos, antes ali
dependurados.
Harry Vernon pôs o chapéu e as luvas de montaria sobre uma pequena mesa
e alisou os cabelos com as mãos. Em tom de lamento disse:
- Sinto muito, Arilla, pela morte de seu pai. Sem olhá-lo ela suspirou.
- Eu e papai sempre fomos muito unidos, Harry; nossa amizade foi a
melhor coisa que me aconteceu!
- disse, saudosa.
- Você tem sofrido muito?
- Este ano que passou foi terrível. - Depois de uma pausa, prosseguiu:
- Papai ficou muito mal, em coma, e não me reconhecia mais. Não havia
dinheiro em casa para pagar os médicos, nem remédios.
Harry franziu a testa, antes de repreendê-la:
- E por que não me avisou?
- Para quê? A não ser que você estivesse com dinheiro sobrando, o que
achei pouco provável.
- Acertou! Mesmo assim eu tentaria ajudá-la.
- Eu sei... eu sei. Agora, tudo acabou. Sabe, Harry, papai morreu de
fato há um ano.
Harry Vernon sabia o que ela queria dizer.
Sir Roderick Lindsey sofrera uma queda, um ano atrás, durante uma
caçada. Daquele dia em diante, tornara-se um morto-vivo. Ficara
totalmente paralisado, mas seu coração continuava batendo. Os médicos
não conseguiram devolver-lhe a consciência, e ele levou, a partir daí,
uma vida meramente vegetativa.
Foi uma tragédia para sua única filha, que passou a tratá-lo com grande
devoção, durante meses de muito sacrifício. Harry não esperava que os
próximos dias fossem muito melhores.
"Pouco ou nada poderei fazer", pensava com tristeza.
Como se tivesse lido aqueles pensamentos, Arilla o consolou:
- Não se aborreça. O pior já passou e, mais do que nunca, preciso de
seu auxílio. Por favor, Harry, me ajude, não tenho mais ninguém...
- Farei tudo que estiver ao meu alcance, o que é muito limitado!
Enquanto falava, ele atravessou a sala e se postou à janela. Tentando
esconder o embaraço, ficou observando o maltratado jardim.
Era primavera, e os narcisos silvestres pareciam um tapete amargo;
embaixo das velhas árvores os lilases e as margaridas-do-campo também
estavam floridos.
Apesar do aspecto selvagem, o cenário era bonito e levou Harry de volta
à infância.
Seus pais o deixavam ficar por muitos dias no Solar de Little
Marchwood, onde sempre fora bem recebido por sir Roderick e lady
Lindsey. Ambos o tratavam como o filho que nunca tiveram. Fora sir
Roderick quem persuadira seu pai, primo de lady Lindsey, a mandá-lo a
Eton. Também fora ele o responsável por seu encaminhamento para a
guarda policial inglesa quando o pai comunicara a intenção de mantê-lo
na infantaria, por ser mais barato.
"Eu acho que devo a sir Roderick o meu gosto refinado!", ele pensou.
Em voz clara e firme, comunicou:
- vou ajudar você, Arilla, é evidente. Mas só Deus sabe como vai ser
difícil!
- Não quero dinheiro, Harry!
Arilla fitou-o e viu surpresa em seus olhos.
- Não quer? E como.
- Deixe-me contar o que tenho em mente. Mas antes vou servir-lhe alguma
coisa para beber... Já devia ter feito isso, mas estava tão saudosa.
que não quis me afastar de você.
Deu-lhe um sorriso franco e segredou:
- Só sobrou uma garrafa do fino clarete de papai. Escondi-o dos médicos
para você... quando viesse nos visitar.
- Pelo amor de Deus, Arilla, não me faça sentir mais culpado do que já
estou.
Sem esconder a emoção, ele se dirigiu ao canto extremo da sala, onde
sabia ser o lugar das bebidas. Uma garrafa de fino vinho e um copo de
cristal esperavam-no.
Harry serviu-se e perguntou com delicadeza:
- Você não vai beber comigo?
- Não. O vinho é todo seu. Vai precisar de uns goles. mesmo! - Arilla
afirmou.
- O que está aprontando para mim, Arilla? - ele perguntou temeroso. -
Mas antes de me contar quero lhe dizer uma coisa: você ficou uma moça
linda, sabia?
Um sorriso largo serviu de agradecimento a esse elogio, provocando duas
graciosas covinhas nas alvas faces de Arilla. Seus olhos, de um azul
intenso, pareciam cintilar.
- Sempre desejei ouvir isso de você!
- É a pura verdade - ele declarou, sorvendo o delicioso vinho. - Apesar
de estar um pouco magra, melhorou bastante. em comparação àquela
menininha gorducha que você era.
- Não tão menina... - reclamou ela, corando. Tenho dezenove anos agora.
Você já imaginou, Harry, dezenove anos! Estou ficando velha!
- Então sou o próprio Matusalém! Estou com vinte e sete.
Ambos caíram na risada. Então Harry sentou-se com muito cuidado, na
gasta poltrona de gobelino, porque seus culotes eram demasiadamente
justos, de acordo com os últimos figurinos. Ele pousou o cálice na
mesinha e logo Arilla lhe aproximou a garrafa.
Em vez de sentar-se na cadeira oposta, ela se ajoelhou para acomodar-se
no chão, ao lado dele. Voltando o rosto iluminado para Harry, com muita
graça, disse:
- Seja imparcial, julgue-me como se eu fosse uma estranha e não a
pessoa que você conhece desde o berço.
Parecendo saber o que ela ia perguntar, ele confirmou:
- Estou sendo sincero, Arilla. Você está muito linda!
- Jura?
- com um vestido novo e um penteado adequado, ficaria sensacional!
Notando o brilho em seus olhos azuis, ele refletiu: "De que adianta
tanta beleza? As únicas criaturas que aqui estão para admirá-la, além
dos pássaros e das abelhas, são os rudes trabalhadores destes campos!
Sou um idiota em despertar-lhe a vaidade! "
Não havia mais ninguém em Little Marchwood, " lugar que ele sempre
classificara como o fim do mundo.
- Exatamente o que eu precisava ouvir - ela murmurou como se falasse
consigo mesma. - Não poderia deixar de ser assim, pois sou muito
parecida com mamãe. segundo dizem.
- É mesmo. Pena desperdiçar tanta beleza neste buraco. Não chegou algum
vizinho novo por aqui?
- Se está querendo falar num bom partido, a resposta é não."
Harry ficou quieto, e Arilla teve a certeza de que pensava na
possibilidade de trazer alguns amigos para conhecê-la. Mas de que
jeito? Ela não tinha condições de recebê-los com boa comida e bebidas
finas.
"Esta é a última garrafa de vinho desta casa", ela lembrara com
amargura.
- Que pena! E para você morar? Será que não há alguma família...
Arilla riu do que ele estava insinuando.
- Você conhece as pessoas daqui. Estão todas com os pés na cova e mais
pobres do que eu. Nada mudou desde que éramos crianças. E as pessoas de
suas relações, com exceção do duque, estão nas mesmas condições, não,
Harry?
- O duque! - ele repetiu com um tom de escárnio.
- Não me faça esquecer uma história de Sua Graça sobre o modo como ele
economiza em gorjetas... Por enquanto vamos ao que interessa: você.
O duque de Vernonwick, primo de Harry, era o cabeça da família Vernon,
alvo de caçoadas e, talvez, o homem mais avaro da Inglaterra.
Nunca se ouvira falar que tivesse ajudado alguém, por pior que fosse o
embaraço da desventurada pessoa.
Todos se divertiam em colecionar piadas e exagerar fatos relacionados a
essa figura tão peculiar.
Harry lembrou-se de seu pai, quando, certa vez, o velho observou com
ressentimento:
"A única coisa que o duque nos proporciona é darmos boas risadas à sua
custa".
A família de Harry era tão pobre como a de Arilla, mas tinha sangue
nobre, o que lhe dava entrada ao beau monde de Londres.
Além disso, Harry era tão carismático e belo que até o príncipe regente
tornara-se um de seus melhores amigos.
- Mas... voltando ao que falávamos - propôs Arilla -, você disse que eu
sou bonita e, se me vestir bem, ficarei tão ou mais linda que mamãe,
certo? Por isso, resolvi. ir para Londres!
Harry quase caiu da cadeira, de susto.
- Como?
Ela se acomodou melhor e explicou:
- Cheguei à conclusão de que, se não quiser ficar aqui mofando, ou
pior, morrendo de fome, preciso me... casar com um homem rico!
Harry ia abrir a boca para falar, mas Arilla adiantou-se:
- Como você disse, não há possibilidade de cair um anjo rico dos céus
de Little Marchwood. - E sorrindo, continuou: - Não há também
esperanças de acontecer algum acidente de carruagem aqui, às portas do
solar, que me dê a possibilidade de ser a enfermeira de um rico e jovem
senhor. Tudo isso só acontece em histórias de príncipe encantado,
próprias dos folhetins. Então o que pretendo é ficar conhecida na alta
sociedade de Londres como a Incomparável. Só conseguirei isso com sua
preciosa ajuda.
- Não vai ser possível. Você não entende? Assim.
Ela não o deixou continuar.
- Calma! Ainda não terminei. É evidente que não posso tornar-me a
Incomparável com este meu visual. Sei também que precisaria de uma dama
de companhia, de acordo com os ditames da sociedade inglesa, e isso
incorreria em muitos gastos.
- E então?
- Serei a maravilhosa e jovem viúva de sir Roderick Lindsey.
Harry ficou tão aturdido que não pôde articular palavra. Encarou-a
atónito, achando que ela enlouquecera, e balbuciou, intrigado:
- A viúva de seu pai?
Exatamente. Ninguém está sabendo ainda que ele morreu, exceto você e o
pessoal aqui da cidade. Não tive dinheiro para pôr a notícia na Gazette
ou no Morning Post. Aliás, seria uma perda de tempo informar pessoas
desinteressadas e distantes sobre a morte de um amigo esquecido.
- Entendo. Mas não vejo razão para tal disfarce.
- Não seja ingénuo. Tudo é mais fácil para uma jovem e rica viúva do
que para uma inocente debutante!
- Rica? - Ele quase gritou.
- É essa a impressão que vamos passar ao mundo todo, ao universo social
em que você brilha!
Harry aprumou-se e passou a mão pela testa úmida.
- Decididamente você enlouqueceu! E o dinheiro. de onde sairá?
- De nossa imaginação!
- De quanto vai precisar?
- Depois eu digo.
- Você acha que vão acreditar em nós?
- Eles vão acreditar em você - Arilla afirmou com segurança. - Você vai
espalhar entre seus nobres amigos que uma jovem e sedutora viúva, porém
bem-comportada, está em Londres, sem conhecer ninguém. Não lhe passou
despercebido o ar de incredulidade de Harry mas assim mesmo prosseguiu:
- Deve criar um suspense a respeito de lady Lindsey e convidá-la para
uma ou duas recepções, em que ela será a sensação da noite.
- Assim... com essa apresentação?
Ele olhou-a de alto a baixo com desdém, mas ela não se perturbou.
- Não sou tola como você pensa! Planejei tudo, desde que me convenci de
que ia perder meu pai. Fiquei desesperada pensando na solidão em que
ficaria, só tendo o velho Johnsons para conversar. Então fui
engendrando uma maneira de mudar a situação, mesmo porque já está na
hora de aposentar esse nosso leal empregado, digno de um bom descanso.
- É uma loucura, mas continue.
- A única coisa que me restou foram as pérolas que mamãe me deu ainda
em vida, assim como o broche de brilhantes que ela só usava nas raras
mas grandes ocasiões.
Arilla prosseguiu com voz embargada:
- Sempre adorei essas jóias. Depois que se tornaram minhas, me apeguei
mais ainda, de tal forma que não pude desfazer-me delas. Mas agora sei
que só elas me abrirão as portas de um mundo novo, aquele que minha mãe
sempre sonhou para mim. Sabe, sinto-a tão perto... me inspirando,
fortalecendo e amando como sempre.
- Não acredito que sua mãe esperasse de você o impossível.
- Por que impossível? - ela retrucou, meio agressiva. - Pense um pouco:
você disse que sou bonita. as jóias me darão dinheiro para viver alguns
meses, com parcimônia... A única despesa maior será com roupas que não
o deixem envergonhar-se de mim.
- Não vai ser rica?
Arilla deu uma risada cristalina.
- Sabia que você ia dizer isso. Mas muitas pessoas ricas não esbanjam
dinheiro. Você mesmo conhece gente com fama de rica que leva uma vida
modesta.
- É verdade. Há muitos duques por aí...
- Veja lorde Colton, por exemplo. Mora aqui neste lugar e é riquíssimo!
Papai dizia que, quando ele recebia, oferecia uma comida tão miserável
e vinhos tão ordinários que eram um verdadeiro insulto aos convidados!
- Você tem toda razão quando diz que muitos ricos não demonstram o que
têm. Eu mesmo conheço alguns.
- A única pessoa rica que conheci foi minha madrinha, e ela me desejava
bom Natal com cartão que havia recebido no ano anterior. Portanto,
Harry, o que você deverá fazer é pôr na cabeça de seus distintos amigos
que lady Lindsey é rica! E eles não vão esperar dela nada mais do que
elegância no trajar.
- Onde você pretende ficar em Londres?
- Eu pensei. que talvez você. pudesse me ajudar. Se eu alugasse uma
casa por dois meses... não sobraria o suficiente para comprar os
vestidos!
- Pronto, chegou onde eu queria. Então não há nada a fazer...
Mas, quando ele viu o desapontamento nos olhos úmidos de Arilla, não
resistiu e disse:
- Espere um pouco, tive uma ideia!
- Teve? - ela exclamou, reanimada.
- Quando recebi sua carta comunicando-me a morte de seu pai e que você
queria me ver, tinha acabado de me despedir de uma amiga que ia a
Paris, onde ficaria por dois meses.
Arilla não o interrompeu. Seu semblante mostrava uma comovedora
expressão de esperança.
- Minha amiga não pertence à alta sociedade prosseguiu ele - e também
não é uma pessoa que eu possa apresentar a você. Contudo está bem
instalada
em uma luxuosa casa em Islington. Antes de partir me disse que, se eu
tivesse algum problema com acomodação, poderia dispor dessa casa, bem
como da criadagem.
- Oh, Harry!. Você acha.
- Há certamente uma possibilidade - ele interrompeu - e então a única
despesa seria com a comida e com generosas gorjetas para os empregados
a seu serviço.
Ela deu um gritinho de alegria e se aproximou mais.
- Você quer dizer que. vai fazer isso por mim?
- Acho que é uma ideia absurda, louca e ridícula! Mas é melhor do que
deixá-la ficar aqui para sempre!
- Oh, Harry!
As lágrimas já inundavam os grandes olhos de Arilla que, sem poder
evitá-las, deixou que se derramassem copiosamente por suas faces
acetinadas.
Abraçando os joelhos, ela ergueu o olhar para Harry e balbuciou com
doçura:
- Eu... eu sempre achei que você era bonzinho. o mais maravilhoso primo
que alguém poderia ter!
- Não me agradeça ainda! Já está resolvido que tomaremos parte nessa
corrida mas. há muitos obstáculos para transpor antes de atingirmos a
linha de vitória!
Arilla, com um gesto infantil, enxugou as lágrimas com o dorso das mãos
e disse:
- Eu sei. Mas eu prometo: tudo que conseguir dividirei com você.
- Espera lá. O que quer dizer com isso? - perguntou ele, num tom de
reprovação.
- Não seja tolo e orgulhoso, Harry. Nós sempre repartimos tudo quando
crianças, porque não continuar fazendo o mesmo? Não vou achar ruim.
- Mas eu vou. Explique-me melhor, Arilla!
- Bem, se eu me casar com um homem rico, pretendo dar-lhe tudo o que
você não pode ter agora.
Harry teria retrucado, mas ela ergueu os dedos e pressionou-os contra
os lábios dele, impedindo-o de falar.
- Estamos juntos nessa luta, Harry. Podemos perder ou ganhar. Se você
se recusar, eu ficarei aqui até o fim de meus dias como solteirona.
Ele não pôde deixar de rir e declarou:
- É bobagem brigarmos por alguma coisa que não aconteceu e... poderá
não acontecer! Se depois de dois meses você ficar encalhada em minhas
mãos, eu a largarei no primeiro asilo de indigentes que encontrar!
- Não, não vai ser preciso... tudo dará certo com você a meu lado. -
Fez uma pausa e depois confessou:
- Detesto vê-lo vivendo à sombra de seus amigos nobres e ricos, para
poder manter seu alto padrão de vida. Você, por si só, não poderia
vestir-se assim tão bem e nem ter, como não tem, cavalos próprios.
Enfim, não seria o cavalheiro elegante que é.
- Não fale assim; estou prestes a romper em pranto - ele brincou e,
rindo, pediu que ela se calasse. É melhor planejarmos juntos esse conto
de fadas, nos prevenindo para que você não seja agarrada por algum
monstro ou devorada por um dragão faminto, assim que chegar a Londres!
- Se você me ajudar. . . nada disso irá acontecer.
- Vou ajudá-la. . . mas, se não der certo, serei o mais perfeito
candidato para o hospício!
Ambos deram boas gargalhadas, não pela observação mas por causa do
excitamento em que se encontravam.
Arilla encheu o copo de Harry, convidando-o jovialmente:
- Vamos brindar a nosso sucesso. Como há apenas um cálice, beberemos os
dois da mesma fonte, o que é muito simbólico!
- Simbólico? Só me faz lembrar. . . miséria! Em meio a risadas, ele
ergueu o copo e desejou:
18
- À Incomparável lady Lindsey, para que ela consiga tudo o que deseja!
Bebeu um pouco e deu a taça a Arilla, que brindou:
- Para Harry, o arcanjo que me abrirá as portas do paraíso.
com os olhos brilhando de alegria, ela tomou um golezinho e pousou o
cálice sobre a mesa.
- Até que enfim, Harry, você se convenceu de que deve me orientar para
eu não fazer nenhuma bobagem!
- E você se convenceu de que deve me obedecer cegamente!
- Aliás, o que eu sempre fiz! Lembra-se de quando éramos crianças e
você me fazia de sua escrava? Eu pegava todas as bolas que saíam fora
no boliche e no cricket. . . Chegava a ficar cansada!
Ele riu gostosamente.
- Naquela época, eu achava que meninas só serviam para isso!
- E agora. .. para que mais elas servem?
- Você vai descobrir.. . quando morar em Londres!
Duas semanas mais tarde, viajando em uma carruagem que Harry lhe
mandara, Arilla sentia-se nas nuvens. Apesar de o dia estar quente,
suas mãos achavam-se frias e umedecidas.
Não tinha sido difícil sonhar, durante o sombrio período em que seu pai
jazera imóvel na cama e ela ficara sem ninguém para conversar, além dos
velhos e leais criados.
Eles só falavam de reumatismo e do trabalho extra que os médicos
exigiam, cada vez que eram chamados.
Passavam-se semanas sem que ela tivesse contato com alguém fora de
casa. Se não fosse por sua imaginação fértil, Arilla teria se sentido
muito mais infeliz do que fora realmente; os sonhos atenuaram-lhe a
triste solidão.
19
Agora, como que por encanto, o impossível tornava-se realizável. Sentia
vontade de se beliscar para ter certeza do que estava acontecendo.
Harry tinha voltado para Londres levando as jóias. Escrevera depois
contando que as vendera por mais do que esperavam. Logo despachara um
vestido e um chapéu de viagem, para que ela chegasse bem-arrumada à
casa de Islington.
Arilla estava curiosa em relação à moradora daquela casa, mas Harry se
mantivera misterioso a respeito.
No entanto, ela intuíra que a mulher, por quem Harry parecia alimentar
grande afeição, estava em Paris com o senhor que a presenteara com a
casa de Islington. . .
Ela achava estranho o fato de um homem, não sendo casado, dispor de
tanto dinheiro na compra de um imóvel para uma mulher que mesmo Harry
não admitia entre suas melhores amigas e nem queria que ela conhecesse.
Arilla sabia da existência de mulheres, como as artistas, por exemplo,
que aceitavam convites de cavalheiros para cear, em altas horas da
noite. . .
"Mas elas não fazem parte do mundo social em que lady Lindsey
brilhará.. .", pensou Arilla e continuou em suas divagações.
Precisava tomar cuidado para não cometer nenhuma gafe.
Não fora à toa que a mãe, falecida quando ela contava dezesseis anos,
ensinara-lhe boas maneiras, apesar de eles serem pobres.
Mesmo nos frugais jantares em família, seus pais arrumavam-se com
esmero para sentarem-se à mesa. Não se vestir condignamente para o
jantar, cada noite, seria tão extravagante como não se lavar cada manhã.
Quando ela crescera o bastante para participar das refeições, também
fazia o mesmo.
Se havia algum prato mais sofisticado, a mãe se retirava com discrição
para a cozinha, a fim de dar o toque final, antes que o velho Johnsons
o servisse.
O pai se mantinha impassível, fingindo não notar a ausência da esposa
que, ao voltar, mais corada, mas sempre linda, tomava seu lugar à mesa
e o fio da conversa interrompida.
Arilla sabia receber, desempenhando-se principescamente, mesmo com o
vigário, o médico ou algum raro amigo da vizinhança.
No caso de cometer algum deslize, mais tarde, com carinho, a mãe a
corrigia. "Querida, quando você é apresentada a alguém, deve olhar para
a pessoa. A timidez não é desculpa para baixar os olhos; é algo feio e
indelicado, assim como não dar a mão na altura e com a pressão certas",
ensinava a mãe.
Arilla havia aprendido também a fazer reverência à rainha para o caso,
tão almejado agora, de um dia ser apresentada à corte.
"Uma apresentação ao príncipe regente seria muito mais interessante",
pensava Arilla. "Talvez agora isso aconteça, pois Harry é tão amigo
dele!" De súbito lembrou-se de que Sua Alteza preferia mulheres
maduras. . . Chegara mesmo um boato em Marchwood de que ele, antes de
se casar com a princesa Carolina de Brunswick, o que fora um desastre,
já tivera um casamento secreto com a sra. Fitzherbert, muito mais velha
do que Sua Alteza Real. De qualquer maneira, seria excitante conhecê-lo.
No entanto, o que ela precisava era de um marido rico!
Se o arranjasse, haveria de saldar todas as dívidas de Harry. dar-lhe
cavalos, criados, tudo que seu refinado bom gosto reclamava! Sabia como
o primo se sentia humilhado quando tinha de recorrer a um amigo para
obter transporte de Londres até Marchwood.
Ele, que sempre fora exímio cavaleiro, até ganhara uma medalha do duque
de Wellington, após a batalha de Waterloo!
"Que pena Harry ter deixado o regimento", dissera o sr. Roderick ao
terminar a guerra. Quando Arilla perguntou a razão, o velho informou-
lhe, suspirando, que o rapaz não tinha meios para se manter naquela
arma e com mágoa se culpou pelo fato de não tê-lo deixado fazer a
infantaria.
"Ele era tão hábil e garboso num cavalo que eu não resisti ao desejo de
tê-lo em meu regimento", concluiu o pai de Arilla.
"Harry tem que possuir cavalos", ela admitiu. "Vou fazer de tudo para
que meu marido goste dele, tanto quanto eu. Então irá morar conosco,
terá cavalariços e salão nobre para receber seus amigos!"
Arilla não conseguia imaginar o rosto de seu futuro marido, todavia
sabia que iria ser um velhote um pouco barrigudo mas bondoso e
compreensivo como seu pai.
A mãe às vezes se queixava de que ele teria dado aos necessitados sua
última camisa se ela não o tivesse impedido.
"Poderíamos ter ficado ricos", dissera uma vez. "Mas ele é muito bom e
generoso em pensamentos, palavras e ações. . . e é por isso que o amo
com todo o fervor!"
"Então ele é, na verdade, um homem rico, mamãe!", Arilla exclamara.
"Concordo e acho que nós temos muito mais do que o dinheiro poderia
comprar!"
Notando a expressão intrigada da filha, lady Lindsey explicara:
"Estou falando de amor! Meu amor por seu pai, o que ele tem por mim e
nós por você! Todos os dias agradeço a Deus pela adorável filhinha que
Ele nos deu!"
Quando a mãe morrera, Arilla pensara que o sol tivesse abandonado
aquela casa. Sabia que o pai jamais seria o mesmo.
A princípio ele se isolava, cavalgando sem destino ou bebendo muito.
Mais de uma vez ela vira lágrimas indiscretas rolarem por seu rosto
abatido.
Arilla quase tinha certeza de que, quando aconteceu o acidente, ele
estava montando com negligência, como que absorto na grande mágoa que
pesava em seu coração.
Ela se desesperara ao vê-lo sem sentidos, transportado sobre uma velha
porteira, o meio improvisado pelo qual o levaram para casa. Não podia
acreditar que fosse perdê-lo tão logo depois da morte da mãe.
"Por favor, meu Deus, não o leve...", ela rezara. "Se ele se for, vou
ficar completa e absolutamente sozinha!"
Mais tarde viera a melhora, mas num corpo sem alma... e ela se
convencera de que a morte seria uma bênção, não só para ele mas também
para os que o rodeavam.
Era desesperador ver deitado, inerte como um vegetal, aquele que
outrora fora tão belo e garboso!
No momento em que os médicos, ao saírem do quarto, balançaram a cabeça
em sinal de que nada mais havia a fazer, ela entendeu que seu pai
jamais a ouviria de novo ou a reconheceria.
À medida que as semanas se acumulavam em meses, Arilla sentia estar
perdendo não apenas o pai, mas a essência da própria vida!
Então foi como se a mãe, para confortá-la e fazê-la rezar, lhe tomasse
as mãos pondo-as em postura de prece. Ela implorou a Deus para que não
deixasse essa desgraça afetá-la a ponto de arruinar sua vida.
"Eu vou viver como a senhora queria se tivéssemos tido mais posses,
mamãe. Mesmo que seja por pouco tempo, tudo vai mudar."
Os planos de Arilla dia a dia se solidificavam, e ela examinava
pormenorizadamente cada etapa de sua luta pela ascensão à glória!
Diante do espelho recordava os meneios que a mãe lhe ensinara.
Precisava ser graciosa no andar, no movimento das mãos, da cabeça, na
maneira de falar.
Arilla esforçou-se para se pôr a par das notícias do Parlamento, dos
problemas sociais, enfim, entender a situação geral do país. Não foi
tarefa muito fácil porque o dinheiro de um jornal lhe fazia falta.
Sabia que o vigário e um funcionário aposentado do banco eram
assinantes de um jornal e o açougueiro lia um pasquim, no dizer de seu
pai. Tinha sido embaraçoso, para ela, pedir-lhes que guardassem esses
noticiosos, mas felizmente eles logo se prontificaram a fazê-lo.
O vigário lhe fornecia o The Times com três dias de atraso. O bancário,
leitor do The Morning Post, queria dois dias para ler... e o açougueiro
não abria mão do Reformists Register a não ser depois de uma semana.
caso não o tivesse usado para embrulhar a carne. Mas muitas vezes ele o
cedia antes mesmo de terminar a leitura, em atenção à grande amizade
que nutria por sir Roderick.
Arilla nunca reclamava porque, com atraso ou não ia se atualizando.
Parecia-lhe que Little Marchwood ficava em um planeta diferente e que
só agora ela estava descobrindo a terra.
Esperava que seus habitantes fossem todos inteligentes e divertidos
como Harry e como ela pretendia ser. Esperava também sair-se bem entre
essas pessoas tão diferentes daquelas a que se acostumara.
Agora, o milagre começava a se realizar: muito feliJ ela estava a
caminho de Londres, em uma linda carruagem conseguida por Harry e
conduzida por um cocheiro de capa vermelha e um lacaio de libré
cinzenta.
"Já me sinto uma deusa, agora preciso me comportar como tal", pensou
Arilla.
Harry tinha lhe mandado um vestido bem diverso daqueles que usava. Era
de um azul muito vivo, todo debruado com fitinhas de cetim em tom mais
escuro, formando desenhos delicados, e tinha mangas compridas que
terminavam em gracioso babado, que avançava um pouco em suas mãos
delicadas e alvas. A cintura era ainda alta, como a dos modelos de
durante a guerra.
Arilla nunca vira em Little Marchwood um chapeuzinho mais galante do
que aquele que vaidosamente ostentava. Tinha fitas azuis amarradas
abaixo do queixo, a aba circundada com finíssima renda do mesmo tom e
um tufo de plumas de avestruz, em degrade azul, enfeitando a delicada
copa.
Ao olhar-se no espelho, antes de sair, ela mal podia acreditar que
fosse sua a imagem ali refletida. E admitira, sem falsa modéstia, que
estava linda!
"Não vou envergonhar Harry", pensara.
E quando vira a luxuosa carruagem com dois cavalos de raça, a
portinhola aberta, os criados a postos convidando-a para entrar,
conscientizara-se de que uma grande aventura começava.
"Aconteça o que acontecer no futuro, jamais me arrependerei de tê-la
vivido! "
CAPITULO II
A carruagem percorreu preguiçosamente a alameda e parou em frente a uma
suntuosa residência, em Islington. Encantada, por uns instantes Arilla
se manteve estática, contemplando a mansão.
O lacaio apeou, tocou a sineta e a majestosa porta se abriu. No umbral
surgiu uma criada, de avental branco de babadinhos engomados e gorro
combinando. Arilla desceu com elegância.
- Bom-dia! - exclamou ao ser reverenciada pela serviçal.
- Bom-dia, senhora. Espero que tenha feito uma boa viagem!
- Foi muito boa, obrigada.
Sem saber se deveria ou não se despedir do cocheiro e seu ajudante, ela
adentrou o imponente hall.
- O sr. Vernon está aqui?
- Está esperando pela senhora no salão - informou a criada, indicando o
caminho.
Arilla mal podia conter a impaciência. Sua vontade era correr ao
encontro do primo, mas... como boa menina, comportou-se.
De repente sentiu medo do que se havia proposto. Só Harry poderia lhe
assegurar êxito nessa arriscada aventura. Rezava para que tudo
estivesse bem encaminhado.
O luxuoso salão dava para um bem tratado jardim ao fundo da casa.
Próximo à janela Harry cismava.
- Lady Lindsey, senhor - anunciou a criada.
Ele se voltou e Arilla, com espontaneidade, correu ao seu encontro.
- Harry! Aqui estou eu, primo. Oh! Harry, será que vai dar tudo certo?
Ele sorriu, segurou-a pelos ombros e se pôs a examiná-la.
- Deixe-me ver como você está!
Arilla fitou-o apreensiva, enquanto o primo a media da cabeça aos pés.
- Perfeito! - disse ele com entusiasmo. - Exatamente como eu queria que
estivesse!
- Fala a verdade?
- Claro! Do fundo do meu coração. Precisa ter mais confiança em si,
Arilla.
- Eu tenho, Harry. Mas tive medo de desapontá-lo.
- Que tolice! O pior seria você se desapontar, e não eu... O que está
achando do ambiente?
Ela examinou a enorme sala. A mobília, de fino brocado azul, era de
incontestável bom gosto: preciosos lustres de cristal pendiam do teto
alto e lavrado. Por toda a parte havia um fulgor de prata e ouro nos
objetos de adorno.
As paredes exibiam quadros de grande beleza. "Devem ser reproduções de
pintores famosos, cujos quadros estão expostos na Galeria Nacional ou
em outras capitais da Europa", ela pensou maravilhada, e respondeu:
- Digno de uma rainha!
- Tem razão. Barlow tem um gosto extraordinário!
- Barlow? - inquiriu Arilla, curiosa.
- O nome de seu hospitaleiro, que, no entanto, não sabe que a hospeda -
Harry informou rindo.
Ela se intrigou.
- Pensei que morasse uma senhora aqui. Encabulado, ele indagou:
- E que diferença faz? Veja bem, no caso de perguntarem, esta é a casa
de lorde Barlow, alugada para
você em consideração a seu falecido marido, de quem gostava muito.
Arilla deu um profundo suspiro.
- Espero me lembrar de tudo.
- Vai se lembrar - Harry afirmou com confiança.
- Agora, a primeira coisa a fazer é comprar roupas. Já marquei uma
costureira para depois do almoço.
- Aqui? Pensei que fôssemos a alguma loja!
Não seria prudente. Alguém poderia vê-la. Quero que você surja no
universo social como um cometa inesperado.
- Ah, não caçoe! E quando isso vai acontecer?
- Amanhã à noite. Já está tudo programado: você vai ser apresentada a
uma importante anfitriã de Londres. Se ela gostar de você, talvez a
faça entrar para o Almack's.
O Almack's era o mais conceituado e exclusivo clube londrino, onde
brilhavam as grandes figuras do beau monde, e, entre elas, Harry, o
protegido dos membros da corte. Esse clube seria, para Arilla, o
passaporte de entrada para toda a alta sociedade britânica.
- E quem é essa grande dama?
- A condessa de Jersey. Uma mulher caprichosa e imprevisível. Tanto
pode glorificar como destruir uma pessoa. Por isso é temida e bajulada.
Esse comentário não foi nada entusiasmante para Arilla, como também não
o foi o lauto almoço servido logo depois.
Harry saboreava um delicioso vinho quando ela ousou observar:
Quanto vai nos custar isso?
- Está tudo sob controle. Você tem uma farta despensa e uma criadagem,
que consiste em uma cozinheira e uma criada de quarto. Só mulheres!
Quando lorde Barlow se hospeda aqui, traz um criado particular para
servi-lo; por isso você tem que se arrumar sem mordomo.
Outra vez ela se viu diante de um enigma. Se aquela era a casa de lorde
Barlow, por que Harry falara "quando ele se hospeda aqui"? Mas não quis
especular.
Antes do almoço, Arilla subira para tirar o chapéu e se aprontar para a
refeição. Ficara pasmada ante o conforto e o luxo do quarto.
Nunca havia pensado existir coisas tão aconchegantes e belas: o
cortinado de musselina de seda envolvendo o grande leito;os ricos tufos
de renda que ornavam o toucador antigo e os espelhos italianos que
aumentavam o ambiente e refletiam sua imagem, propagando-a de parede a
parede.
A camareira era uma moça encantadora, evidentemente orgulhosa de seu
ofício.
- Estou bem assim? - Arilla lhe perguntara, antes de descer.
- Sim, está linda! Parece uma lady. Desculpe, não sei se posso chamá-la
assim. - E a criaturinha enrubescera.
Estranha observação, mas Arilla absteve-se de comentar com Harry.
Estava preocupada em agradecer-lhe aquela casa maravilhosa.
Quando o almoço terminou e eles voltaram ao salão, ela disse, um pouco
ansiosa:
- Vamos ser prudentes e não gastar muito em roupas. E se tudo der em
nada mais cedo do que esperamos?
Harry, sem se impressionar com a admoestação, continuou:
- Eu fiz o seguinte: prometi à costureira que aumentaria sua clientela
com as muitas mulheres elegantes que vão apreciar suas toaletes. -
Depois de uma pausa, acrescentou: - Ela costura para a moça que mora
aqui. mas você vai se comprometer a arranjar-lhe novas freguesas entre
as madames que conhecer. As que ela tem, na maioria, são prosti... - Na
penúltima sílaba parou e falou artistas.
- Ah! Já sei. Ela pensa que sou uma pessoa da alta sociedade e espera
que eu lhe apresente outras senhoras importantes.
Harry suspirou aliviado.
- Exato.
- E se ninguém me admirar?
- Como não? Faremos o possível e o impossível para torná-la
incomparavelmente linda! - ele exclamou confiante.
Quando a costureira chegou, Arilla surpreendeu-se com sua beleza e
jovialidade.
- Estou às suas ordens, sr. Vernon. Como sempre, fui cativada pelo seu
charme. A caminho questionava-me sobre a razão de minha obediência.
- Não seja irónica, Liza. Você não se arrependerá por ajudar lady
Lindsey a atingir o sucesso que lhe está destinado.
Pensativa, Liza analisou Arilla. Depois, fazendo uma espalhafatosa
reverência, sorriu para Harry:
- Meus parabéns, você venceu!
Ele se desmanchou em sorrisos, como se fosse responsável pela beleza
irrefutável da prima.
Arilla sempre havia pensado que comprar vestidos fosse um prazer. Nunca
supusera ser algo tão cansativo. Exauriu-se experimentando os muitos
modelos que Liza trouxera. Foi mais cansativo do que andar um dia
inteiro a cavalo, ou mesmo cuidar de Seu pai doente.
Contudo, ela ficou conhecendo uma nova faceta de Harry. Jamais
imaginara que ele pudesse conhecer tão a fundo a arte de vestir uma
mulher.
Harry sugeria alterações em quase todos os vestidos, e era
surpreendente como recebia a total aprovação de Liza. A costureira se
perguntava, após cada ideia nova dele, por que não pensara naquela
sugestão antes.
Isso aconteceu com um vestido de gaze verde, a cor dos brotos da
primavera. Ele insistiu para que ela o enfeitasse com
delicadas flores na barra, valorizando-o muito. De outra feita, negou-
se a comprar um determinado modelo, dizendo:
- Não é próprio para Arilla... a faz mais velha e caipira!
Mas, de um modo geral, todos os vestidos eram muito lindos,
dificultando a escolha.
Harry escolheu quase todos, com exceção de dois. Arilla então não pôde
esconder sua perplexidade.
- Você vai comprar. .. todos esses?
- .. .e alguns mais. Liza vai trazer figurinos, amanhã.
- Mas. .. eu não vou.. . Não é possível! - ela reagiu.
E como Harry lhe lançasse um olhar reprovador, sua voz se converteu num
vago lamento, sumindo pouco a pouco no silêncio.
Ficou combinado que dois vestidos seriam entregues nessa mesma noite e
os outros, no dia seguinte, à tarde.
Depois que Liza partiu levando as caixas na carruagem, Arilla criticou
Harry severamente:
- Você ficou louco? Não vamos poder pagar esses vestidos! Além disso,
não terei chance de usá-los todos.
Harry foi para junto dela e vendo-a tão assustada, a ponto de tremer,
disse-lhe com grave serenidade:
- Ou você aceita minhas determinações ou deixo tudo por sua conta.
- Não, não. Pelo amor de Deus! Você sabe que eu não posso fazer nada
sozinha. Mas. . . que fortuna!
- Da qual a rica lady Lindsey pode dispor - garantiu Harry, enfatizando
o adjetivo. Todavia, ao olhar para ela, tão frágil e insegura,
parecendo um bichinho assustado, apiedou-se. - Deixe comigo. Prometo
que tudo dará certo e você não vai ser molestada por nenhum credor.
- Mas quase não temos dinheiro!
Ele a abraçou fraternalmente, encorajando-a.
- Não fique assim, Arilla. Logo seu príncipe encantado vai chegar e...
vocês viverão felizes para sempre.
- Não é aspirar muito? - choramingou ela.
- Que nada! Assim que você chegou, achei que venceríamos.
- Tem certeza?
- Absoluta. Sabe o que mais me entusiasma? Enganar toda essa gente
pedante e convencida de que sabe e pode tudo!
A maneira alegre e decidida como ele falou imprimiu novo alento em
Arilla.
- Vamos conseguir, Harry.. . vamos conseguir!
- Quando olho para você, assim tão linda, só posso achar que sim. Sabe
o que Liza me disse ao sair? Ele fez uma pausa para causar impacto. -
"O senhor está no rumo certo, sr. Vernon. Ela é rica e há muito tempo
não vejo criatura tão encantadora! Cuidado para não perdê-la."
- Falou isso?!
- Sim, moça, e esteja certa de uma coisa: ela vai decantar sua beleza a
meio mundo! Amanhã mesmo um bom número de freguesas estará falando
sobre você.
- Ai, isso me apavora, mas ao mesmo tempo é empolgante!
- E estimulante! Mas lembre-se: é muito importante você assumir o papel
que representa, para não falhar em nenhum ponto.
- Se sou tão rica... será que Liza não estranhou você pechinchar tanto?
- Eu disse que seu falecido marido era muito económico e você se
acostumou a isso. Reforcei dizendo que ainda não tinha tomado posse da
herança. .. Recomendei a ela que não a assustasse com esses preços
exagerados da city porque você sempre morou na zona rural.
- Mas, quando cheguei, eu estava com um chapéu e um vestido bem finos.
Por sinal você não me disse quanto custaram.
- Nada.
- Como?
- Eu os pedi emprestados a uma amiguinha. Quando suas coisas chegarem,
vou devolvê-los.
- Oh! Harry, como vou fazer para agradecer-lhe?
- Eu agradeço por você. Aliás, também não posso apresentá-la a você,
bem como a minha amiga que mora aqui.
- E elas são. .. suas amigas?
- Comigo é diferente!
- Ah! Já sei, são.. . artistas! Por isso o vestido e o chapéu são tão
lindos!
- São.. . são artistas - ele respondeu com rapidez. Arilla teve a
impressão de que ele mentia, mas não
atinava com a razão.
Harry despediu-se, avisando que jantariam juntos.
- Não se incomode, Harry. Se tiver um programa mais interessante, me
arranjarei sozinha - ela declarou com humildade, mas torcendo para que
não fosse verdade que ele tivesse coisa melhor a fazer.
- Farei um pequeno sacrifício - ele falou calmamente. - Tenho
instruções a lhe dar, para evitar em baraços amanhã.
- Não vou me embaraçar. Fique sossegado. Depois que Harry saiu, Arilla
subiu para seus aposentos. Sentia-se deveras cansada.
A camareira, de nome Rose, sugeriu que ela se deitasse um pouco antes
de preparar-lhe o banho.
Tal mordomia agradava-lhe muito. Arilla seguiu o conselho e, quando sua
cabeça tocou o travesseiro, caiu no sono.
Dormira mal a noite anterior, pois pesavam-lhe não só o futuro, mas
também os últimos acontecimentos de sua vida. Os Johnsons lhe causavam
preocupação. Além de seus parcos salários, ela lhes dera algum dinheiro
que lhes provesse de alimento por um pouco de tempo.
Estava decidida a pedir a Harry uma mesada para eles, pois já haviam
passado mal por ocasião da doença de seu pai. Quando fosse rica, daria
uma pensão generosa aos Johnsons. Poderiam ficar morando no solar, ou
então ela lhes compraria uma casinha na cidade.
Se arranjasse um marido rico, haveria tanto a fazer com o dinheiro
dele! Muita gente, como o senhor do empório, o açougueiro, tinha sido
bondosa, dando-lhe crédito quando o dinheiro faltara. Gostaria de
retribuir, assim que pudesse, apesar de não saber se sua fortuna seria
de grande monta.
Que desgraça se seu "príncipe de ouro" fosse tão avaro quanto os
ricaços que ela e Harry conheciam! Mas, nesse caso, ela não se casaria.
Rose despertou-a, avisando que o banho estava pronto.
Logo depois, Arilla sentia-se uma princesa de contos de fada! E, ao
vestir o modelo esvoaçante de Liza, teve certeza disso.
Estava bem diferente daquela menina interiorana de cabelos malcuidados
e vestidos de algodão barato de Little Marchwood. Agora era só charme e
elegância!
O vestido de gaze realçava a beleza de suas formas esbeltas e mostrava
seu colo delicado, num decote audacioso em desacordo com seus hábitos
provincianos.
A imagem refletida no espelho do quarto era tão maravilhosa e irreal
que a fez temer que se desfizesse na nebulosidade de um sonho.
Mas, ao descer, os espelhos do salão confirmaram sua beleza,
enriquecida por uma atitude e um porte de rainha.
Apesar da temperatura agradável da tarde, a noite estava fria, e a
lareira fora acesa. Em pé, na frente do fogo, Arilla ouviu a porta se
abrir. Um arrepio a fez estremecer de alegria. Harry devia ter chegado.
A empregada anunciou:
- Lorde Rochfield, senhora.
Um homem distinto e belo adentrou a sala, para surpresa de Arilla.
"Harry deve tê-lo convidado para jantar", pensou ela.
Mas, quando ele a olhou com o mesmo espanto que seus olhos mostravam,
percebeu que se enganara.
- Boa-noite. É amiga de Mimi?
- Mimi? - ela perguntou, em dúvida. Achou que ele esperava encontrar a
dona da casa e foi logo dizendo:
- Estou morando aqui e... não há mais ninguém além das empregadas.
- Mimi viajou? É estranho. Sabia que eu viria esta noite. Deixou você
para me consolar, não foi?
Arilla ficou perplexa. Antes que pudesse retrucar, ele prosseguiu:
- Que amor! Não sei como não notei você antes.
Ele a media com um olhar atrevido, fazendo-a sentir-se desconfortável.
Sabia que ali, em frente ao fogo, suas vestes deviam estar
transparentes e seu decote, perturbador.
- Sinto muito que o senhor esteja desapontado por não. . . encontrar a
dona da casa.
- De maneira nenhuma! Não estou desapontado. Você é muito mais atraente
do que ela. É fascinante, é... muitas coisas que lhe direi, mais tarde,
depois de nosso jantar.
O lorde deu um passo à frente e Arilla, aterrorizada, recuou com medo
de que ele a tocasse.
- Vamos jantar aqui mesmo ou quer sair?
- Eu. . . eu preciso explicar - ela falou, desamparada, começando a
tossir.
- Não, não quero explicações; eu a quero o mais rapidamente... na cama.
- E ia avançar para ela quando uma voz metálica e firme anunciou:
- O sr. Vernon, senhora.
Lorde Rochfield virou-se contrariado mas, controlando-se, exclamou:
- Harry Vernon! Que diabo você está fazendo aqui?
- Devolvo-lhe a pergunta - disse Harry, de mau humor.
- Ainda bem que Mimi deixou uma substituta.. . Esta deusa encantadora.
Nesse momento Harry já tinha alcançado Arilla que, amedrontada,
agarrou-se ao braço dele.
- Vossa Graça talvez não saiba que Mimi foi a Paris, e minha prima,
lady Lindsey, alugou esta casa de Barlow, na ausência dela.
Lorde Rochfield olhou desconfiado para Arilla, achando que estivesse
sendo ludibriado. Todavia, ao perceber o pavor estampado no semblante
da jovem, convenceu-se.
- É... parece que houve um engano.
- Não foi culpa sua. Mimi devia ter avisado que deixaria a Inglaterra
por algum tempo - disse Harry, com firmeza. - Minha prima, milorde,
levava uma vida serena no campo e chegou recentemente a Londres. Espero
que não a desaponte, pois Sua Graça é o primeiro representante da
sociedade londrina a ser-lhe apresentado.
- Uma situação assaz privilegiada! - exclamou o lorde.
- Vou servir um drinque. Deve haver champanhe por aqui. - Harry
atravessou o salão, afastando-se.
- Espero que me desculpe se a ofendi antes de conhecê-la.
- Oh, sim. Eu apenas fiquei confusa porque nem sabia o nome da senhora
que mora aqui.
Lorde Rochfield tossiu e falou com voz acariciante:
- Gostaria de levá-la para dar uma volta de carruagem pelo parque. -
Sorriu e achou melhor arriscar outro convite: - Talvez vocês dois
concordem em jantar comigo uma noite dessas?
- Será um prazer!
Harry já voltava com duas taças de champanhe, que entregou a ambos,
retornando ao bufet para servir-se.
- Não há necessidade de desejar sucesso a você disse o lorde,
levantando a taça para Arilla - porque, obviamente, o terá, e
esmagador! Espero, isso sim, que não esqueça seu primeiro contato aqui
em Londres. fazendo-me seu amigo.
- O senhor é. muito amável.
E as duas taças tilintaram ao tocarem-se delicadamente.
Só depois de meia hora, com visível relutância, lorde
Rochfield despediu-se.
Arilla achou que ele esperava um convite para jantar, mas não caberia a
ela fazê-lo. Assim que a carruagem distanciou-se, comentou:
- Que sorte você ter chegado, Harry. Lorde Rochfield começou a falar de
um modo tão estranho!
- Eu sabia.
- Mas ele se desculpou, depois. Notou como queria ficar para jantar?
- Sim. Mas não é pessoa indicada para se envolver com você. Se bem
que... é preferível tê-lo como amigo do que como inimigo.
- Por que não posso envolver-me com ele?
- Muito simples: nunca se casaria com você.
- Não? E se me conhecesse melhor?
- Ele é faladíssimo por seus casos amorosos, que nunca o levarão a um
outro desastroso casamento.
- Ah! Então já foi casado?
- É evidente. com essa idade! E foi casado com uma mulher encantadora,
filha do duque de Doncaster mas a fez sofrer muito.
- O que ele fazia?
- Tinha muitas amantes, divertia-se com coristas enfim, quase matou a
esposa de desgosto. Ela morreu
há cinco anos, mas, garanto, ele não vai se amarrar outra vez. Já tem
dois filhos para herdarem seu título e uma imensa fortuna. Ele acha a
vida de boémio mais divertida e interessante do que a de um esposo
dedicado.
- Esse homem é horrível. - concluiu Arilla, com ingenuidade.
- Por isso deve mantê-lo a distância.
- Mas você foi gentil com ele.
- Para evitar que crie problemas.
- Como?
Harry sacudiu os ombros, descontente.
- Chega de falar nele. Estamos perdendo nosso tempo.
- Concordo. E, francamente, nunca mais quero encontrar esse monstro -
ela disse em voz fraca. Lembrava-se da maneira vulgar e atrevida com
que ele a fitara e das palavras estranhas que lhe tinha dirigido.
- Então esqueça-o. Se um dia a convidar para sair, apenas negue, ou
melhor, eu a orientarei como fazer.
- Já me convidou para passear no parque e quer que jantemos qualquer
noite com ele.
Harry soltou uma risada e disse:
- Ele estava querendo "emendar o soneto". Pois tomou-a por uma.
Hesitou mas Arilla já completava:
- Substituta de Mimi. Sei lá o que isso possa significar.
- Que lorde Rochfield vá para o inferno com sua impertinência. Devia
ter imaginado que você era uma moça de família.
- Antes de você chegar pensou que eu fosse uma. empregada?
Harry pigarreou, nervoso e ao mesmo tempo encantado com a inocência da
prima. " Isso não estava no programa. Preciso avisar a
moça que atende à porta para ter mais cuidado e receber só pessoas
previamente recomendadas.
- Talvez ela tenha pensado que ele era seu convidado.
- É... talvez. Mas não deve acontecer de novo.
A seguir os dois foram jantar. Harry se mostrou alegre e carinhoso,
parecendo querer compensar o aborrecimento causado por lorde Rochfield.
Mas Arilla não mais pensava no incidente, encantada que estava com a
companhia sempre tão agradável do primo.
Quando terminaram de jantar, Harry disse com ar protetor:
- vou mandá-la para a cama cedo porque amanhã temos muito o que fazer.
À noite, quero você na melhor das formas para uma entrada triunfal na
sociedade mais sofisticada da Inglaterra. - Deteve-se por um instante e
prosseguiu: - É muito importante a condessa de Jersey aceitar você. Por
isso fiquei preocupado com o lorde. Ele poderá fazer algum comentário
desagradável a seu respeito. pelo fato de morar sozinha, sem uma dama
de companhia.
- Isso é mau?
- Para pessoas tradicionais, apegadas a convencionalismos... é um
escândalo! Mas. todos sabem que sou seu primo e uma espécie de tutor, o
que atenua a situação. Além disso, você mora em uma boa área desta
cidade e também está rodeada de criados. - Brincou.
- Ninguém vai lhe atirar pedras, espero.
- Se fosse para ter uma dama de companhia, preferia ser uma debutante.
- E não conheceria nem a metade das pessoas importantes que, como viúva
rica, vai conhecer.
- Não se interessam por mocinhas?
Elas causam problemas para a maioria dos ho mens e, de um modo geral,
são desinteressantes. inexperientes. - Meio sem jeito, Harry
aconselhou: Tome cuidado com homens do tipo de lorde Rochfield!
Cortejam as mulheres por outras razões... nunca para oferecer uma
aliança de casamento.
- Que outras razões?
Harry entrou em conflito: deveria ou não dizer a verdade? Não queria
ferir os sentimentos de Arilla. Ademais, sabia que sua inocência e aura
de pureza a faziam ainda mais atraente e a protegiam melhor do que ele
mesmo a poderia proteger.
Ao mesmo tempo, pensou: "Ela está tão bela e sedutora nesse vestido de
gaze que entendo por que lorde Rochfield relutou tanto para sair".
Temia pelo futuro dela, pensando nos inúmeros Rochfield espalhados por
esse mundo afora.
Harry ficou carrancudo, e Arilla o interrogou, aflita:
- Você está zangado, Harry? Falei alguma bobagem?
- Não, claro que não. Nossa corrida já começou. Vá para a cama
convencida de que teve um bom início, minha linda priminha. - E
acrescentou, feliz: - Já ultrapassou a primeira cancela, agora as
outras serão mais fáceis.
Arilla sorriu de modo encantador.
- O primeiro obstáculo a ser vencido será a condessa de Jersey -
lembrou. - Por enquanto só pulei um perigoso fosso: lorde Rochfield.
- Há muitos outros obstáculos, cuidado!
- Mas eu me agarrei em você, Harry. Vai ser empolgante!
- Vai mesmo, Arilla, e... haja o que houver, não desistiremos de correr
atrás de nossa boa sorte!
CAPITULO iii
Ao entrar no magnífico salão de recepções da condessa de Jersey, Arilla
desejava ardentemente que a mãe a estivesse vendo. Havia lustres de
cristal da Boémia, mobília francesa, tapetes Aubusson, e o teto era
lavrado a ouro.
Quando Harry chegara a Islington para apanhá-la, ela procurava
aprovação para sua aparência no olhar dele.
O espelho de seu quarto lhe mostrara a imagem de uma boneca, criada por
Liza e Harry, e não a sua.
Seu vestido de renda, cheio de flores, fitas e babados, longe de ser
por demais enfeitado, lembrava em leveza e nuances a chegada da
primavera. Era a própria Perséfone, deixando o Hades para se oferecer à
luz e ao calor do sol.
Contudo, ao cruzar a sala em direção ao primo, um tremor percorrera-lhe
o corpo, receosa de que ele não a achasse bela. com ansiedade,
perguntara:
- Que tal?
- Liza trabalhou muito bem - afirmara ele. E colocara-lhe a estola
sobre os ombros desnudados porque uma leve brisa se fazia sentir lá
fora.
Uma confortável e luxuosa carruagem os esperava. Não era um faetonte e
devia ter sido emprestada, como sempre.
Sem nada dizer, Arilla lamentou, mais uma vez, a situação de
dependência de Harry, apesar de sabê-lo muito querido entre os ricos
amigos. Não descartou, todavia, a possibilidade de alguma vez ele ter
sido objeto
de chacota por estar em inferioridade económica. E sofreu com isso,
como ele próprio teria sofrido.
Arilla foi tomada de pânico ao se aproximar da mansão.
"E se estivermos cometendo um grave erro com toda essa encenação?",
questionou-se.
Sua grande preocupação era não prejudicar os bons relacionamentos de
Harry. Lembrava-se de como ele a prevenira sobre o papel importante da
condessa em seu meio social.
Contudo, Harry não entrara em detalhes a respeito do que ela
representava para o príncipe regente. Tivera medo de chocar Arilla, que
jamais entenderia como Frances Jersey destruíra a felicidade entre o
então príncipe de Gales e a sra. Fitzherbert.
Mãe de dois filhos e sete filhas, dos quais alguns a haviam presenteado
com netos, a condessa era nove anos mais velha do que o príncipe, porém
dona de um charme maduro e marcante, aliado a uma incrível formosura.
Harry lembrava-se de como o pai e seus contemporâneos se referiam a ela
como alguém que transpirava malícia, encanto e sedução. Também
comentavam a respeito como sendo uma mulher perversa e inescrupulosa na
conquista de suas ambições.
Certa ocasião, o velho pai observara:
"O príncipe não poderia deixar de cair nas malhas dessa infernal
Jezebel. Ele estava ciente de toda a crueldade dela, mas os artifícios
femininos que ela usou eram de tal forma significantes que lhe foram
fatais".
E o pai continuara em tom amargo:
"Na verdade, o príncipe regente queria ambas as mulheres. Não lhe foi
fácil viver sem a sua Fitzherbert. Mas, finalmente, com uma férrea
perseverança, a condessa de Jersey venceu".
Era evidente que, depois de ouvir tudo isso sobre a condessa, Harry
quisesse conhecê-la. Por isso, ao voltar
da guerra e estando em Londres, ele a procurou. Encontrou-a velha, mas
ainda bonita e sensual.
E Harry, atraente, de personalidade forte e muito boas maneiras,
advindas de sua origem nobre, tornou-se o encanto da velha senhora, que
o impulsionou às alturas da sociedade inglesa.
Em troca, ela esperava que ele estivesse sempre disposto a colorir suas
reuniões com seu encanto e inteligência brilhante. Chegava mesmo a
sentir ciúme dele, quando requisitado pelo príncipe para outras
atividades sociais que não as suas.
Mais tarde, com medo de perder prestígio, aconselhou-o a atender Sua
Alteza Real, sem deixar de preveni-lo porém:
"O príncipe é muito interesseiro. adora bajulação. Quando menos
esperar, se descartará de você. E se você fosse rico... o faria pagar
pelo privilégio de tê-lo como amigo! "
Harry rira gostosamente na ocasião. A mordacidade da condessa o
divertia muito.
Agora, ao levar Arilla para conhecê-la, sabia estar usando mais da
intuição do que da lógica.
A velhice tornava certas pessoas más e invejosas, e a prima poderia vir
a ser uma vítima da condessa. com sua beleza inegável, Arilla seria
invejada até por criaturas jovens, quanto mais por essa mulher tão
atenta à sua progressiva decrepitude. A condessa poderia detestá-la e
mesmo magoá-la, em vez de ir em seu auxílio.
Mas a sorte estava lançada, e ele esperava que, apesar de Arilla portar
uma aliança de casamento, seu aspecto quase infantil despertasse a
benevolente proteção da velha. Mas não transmitira sua inquietação à
prima para não deixá-la nervosa, roubando-lhe a espontaneidade.
Mesmo de longe, Arilla notou os vestígios de beleza no rosto da
condessa, mas achou-a mais velha do que supunha.
Depois de serem anunciados, eles se dirigiram até a antiga bergère,
onde a anfitriã se encontrava, como se estivesse num trono, rodeada por
cavalheiros atentos e distintos, carentes de sua consideração.
Quando Harry se aproximou, ela ofereceu-lhe a mão para ser beijada.
- Você está mais lindo do que nunca, Harry! Como poderia negar um
pedido seu? Onde está sua prima? Se é isso o que realmente ela é!
- Claro que é minha prima! Jamais mentiria a Vossa Senhoria.
- Você é capaz de tudo para atingir seus objetivos, Harry - retrucou
ela, com sabedoria. - Vamos, mostre-me a jovem.
- Arilla, venha conhecer a condessa - ele sussurrou, virando-se para
trás. A seguir apresentou: - Esta é lady Lindsey, Arilla Lindsey.
Arilla fez uma graciosa reverência para a condessa de Jersey.
- Já sei que você é viúva, Arilla. Eu também sou e lhe asseguro que, se
as pobres mulheres quiserem ter um mínimo de liberdade em suas vidas,
devem providenciar para nascerem viúvas ou órfãs.
Risos soaram pela sala em aplauso à espirituosa observação da condessa,
que continuou.
- com essa carinha, duvido que continue por muito tempo em seu
invejável "estado de graça", ainda mais, como disse seu primo, sendo
beneficiária de tão grande fortuna.
Como era de se esperar, Arilla enrubesceu.
- Vossa Senhoria está encabulando minha prima. Mas gostaria de informar
que, se ela contrair núpcias novamente, será em razão de suas valiosas
qualidades pessoais.
- facilmente reconhecíveis - completou a condessa. - E muito breve
surgirão dezenas de candidatos.
- com a sua preciosa colaboração - Harry acrescentou com ousadia.
Por um momento reinou um silêncio constrangedor; depois a condessa
brincou:
- Audacioso como sempre, não é, meu rapaz? Por isso, gosto de você -
disse ela. E voltou-se para os convidados: - Quem os senhores sugerem
que seja apresentado a essa jovem e charmosa viúva?
Todos começaram a falar ao mesmo tempo, para total embaraço de Arilla,
que se aproximou mais de Harry, pedindo guarida. Ele entendeu seu gesto
e deu-lhe um sorriso tranquilizador.
Nesse instante alguns retardatários adentraram o salão. Harry,
aproveitando a distração da condessa, sussurrou ao ouvido da prima:
- Não se preocupe. Já foi bem-aceita. Agora o resto é fácil!
Harry tinha razão. Seguiram-se inúmeras apresentações a cavalheiros
bem-apessoados, todavia, sempre acompanhadas das mordazes observações
da condessa.
Quando conversava com um par da Câmara dos Lordes, que falava com
orgulho sobre um discurso que lá fizera, Arilla, para seu desalento,
ouviu o mordomo anunciar:
- Lorde Rochfield, milady.
Ela notou logo a satisfação da condessa e observou o olhar soberano que
o lorde lançou pelo salão. Virou o rosto, mas ele imediatamente a
reconheceu. Prova disso foi o comentário que a condessa de Jersey fez,
com voz maliciosa:
- Já conhece lorde Rochfield... não, Arilla? Ele insiste em uma
apresentação formal, por razões desconhecidas para mim. Portanto eu os
apresento: lady Lindsey, lorde Rochfield.
Enquanto Arilla o saudava friamente, ele explicava:
- Quero iniciar um relacionamento sem equívocos.
Ao encontrar os mesmos olhos escuros e atrevidos, ela se certificou
mais uma vez de que o detestava. Aquele homem, contra o qual Harry já a
havia prevenido, a amedrontava. E, quando ele fez menção de se
aproximar mais, ela se desculpou:
- com licença, preciso ver uma pessoa...
Antes que lorde Rochfield pudesse retrucar, Arilla desapareceu entre os
grupos de convivas. Encontrou Harry em animada conversa com um velho e
conceituado estadista, que discretamente se afastou ante o surgimento
inesperado dela.
- Lorde Rochfield chegou, Harry - ela disse baixinho.
- Eu vi. Seja gentil, mas evite-o, o mais que puder. Não o contrarie,
para não criar problemas.
Arilla ia dizer-lhe que não sabia como seguir instrução tão
contraditória quando o lorde os alcançou, falando em tom cordial:
- Boa-noite, Vernon. Pensei que o encontraria no clube. Pretendia
convencê-lo a levar essa jovem fascinante para jantar em minha casa. -
Sorriu para Arilla e prosseguiu: - vou dar um jantar em sua honra, com
a presença de Sua Alteza Real, a quem devo não só um, mas muitos
antares!
- Isso se aplicaria a muitos de nós. O que nos consola é pensar que o
príncipe gosta mesmo é de ser o convidado principal de sua própria mesa
- disse Harry rindo.
- Talvez. Eu já prefiro ser o anfitrião de sua adorável parente. Quando
me darão esse prazer?
O desejo de Arilla era que esse jantar nunca se realizasse. No entanto,
ele lhe daria uma ótima oportunidade para encontrar personalidades
interessantes e iniciar relacionamentos de futuro. Harry também devia
ser da mesma opinião, tanto que logo se pronunciou.
- Muita gentileza sua, milorde. Lady Lindsey e eu nos sentiríamos
honrados com sua hospitalidade. Mas. estamos com nossa agenda lotada.
Deixe-me ver... na próxima quarta-feira?
- Perfeito! - exclamou lorde Rochfield. - Só espero que lady Lindsey se
divirta porque... quanto aos outros... quem não se compraz ante tão
encantadora criatura?
"Muito formais para serem sinceras essas palavras", pensou Arilla.
Notou que os olhos do lorde a examinavam com a mesma avidez da noite
anterior. E, outra vez, sentiu-se desconfortável, achando que seu
vestido era um pouco transparente e exagerado no decote.
Apesar de ingénua, Arilla percebia que aquela não era a maneira de um
cavalheiro olhar para uma dama de respeito.
"Ele é odioso e está se comportando de um modo abominável", considerou.
Nesse instante a condessa tocou Harry com seu leque para dizer-lhe:
- A princesa de Lieven acaba de chegar. Veja se você a entretém a fim
de paralisar sua língua viperina.
Atónita, Arilla ouviu a risada dele e viu-o apressar-se obedientemente
em direção à princesa, esposa do embaixador russo. Quis segui-lo, mas
lorde Rochfield levou-a Para o canto extremo do salão, onde havia um
sofá desocupado.
- Agora me fale de você. Acredito que no campo, onde esteve escondida,
sua beleza foi decantada apenas Pelos pássaros e pela brisa! Não deixa
de ser uma pena.
- É um poeta, milorde - disse ela em tom de ironia.
- Só quando estou com você. Quando a encontrei ontem, pensei estar
tendo uma visão.
Contrariada, Arilla virou o rosto, mas ele continuou:
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- Será que ainda não me desculpou por tê-la confundido com uma das
meninas da Mimi? As circunstâncias me levaram a isso!
- Continuo sem entender. Não conheço essa Mimi.
- Então vamos esquecer a noite de ontem, com exceção do impacto que
você me causou. Sem mais delongas, minha linda, estou perdidamente
apaixonado
por você.
- Não é possível, milorde! - retrucou ela. - E não devia falar assim...
Em tão pouco tempo de conhecimento!
Lorde Rochfield riu.
- Não sabe que tempo não tem nada a ver com emoções? O amor nasce de
repente, como uma faísca
em céu tempestuoso...
- Só posso duvidar de um sentimento com bases na
fragilidade de um mero encontro!
As palavras de Arilla eram frias e duras e seus olhos moviam-se,
aflitos, à procura de Harry.
com surpresa e desagrado, sentiu as mãos do lorde segurá-la pelos
cotovelos e ouviu a voz clara e firme
dizer:
- Ouça bem, sou um homem obstinado. Quero você
e vou tê-la só para mim... - E, fitando-a com ternura,
continuou: - Tomarei parte no jogo, seja lá qual for,
mas ao final a terei em meus braços.
Arilla não pôde evitar a vaidade motivada por tal
declaração, jamais ouvida da boca de algum homem.
Instintivamente, olhou-o, impressionando-se com a chama reluzente que
brilhava naqueles olhos escuros.
Apavorou-se quando sentiu mãos poderosas agarrarem-na, puxando-a para
junto de um corpo fremente. Teve ímpetos de fugir, mas seu bem treinado
autocontrole de menina inglesa a fez raciocinar e optar pela
diplomacia.
- Cuidado, milorde, está quebrando o mais primário
dos princípios da moral vitoriana. Sinto dizer que suas palavras não me
interessaram, e é com todo o respeito que peço permissão para me
retirar.
Levantou-se com firmeza e afastou-se dele devagar. Lorde Rochfield não
a deteve, para evitar escândalo.
À medida que ela caminhava, ouvia-lhe a risada desdenhosa e artificial.
Mais uma vez aproximou-se de Harry, que se ocupava com a princesa. Ele
ia apresentá-la à princesa, quando um senhor atarracado, que estava ao
lado, tomou a dama pelo braço, e ambos se afastaram falando em russo.
- O que houve? - Harry perguntou, contrafeito.
- Lorde Rochfield está sendo inconveniente. Vamos embora.
- Pelo amor de Deus! A ceia nem foi servida. e seria um insulto sairmos
antes da meia-noite. Será que não sabe intimidar lorde Rochfield? Tenha
paciência, Arilla, você parece uma criança - reclamou Harry com voz
irritada.
- vou tentar... não é fácil.
- Nada é fácil... mas faz parte de nossa empreitada - ele retorquiu. -
Venha cá, vou apresentá-la a um grande amigo meu.
Dirigiram-se a um jovem que atravessava o salão.
- Charles, vem cá, há alguém que quero que conheça.
- Olá, Harry, sabia que iria encontrá-lo aqui. Ao ver Arilla, ficou
vivamente alvoroçado.
- Sir Charles Ledger, minha prima lady Lindsey
- apresentou Harry com voz solene.
- Nunca soube que você tivesse uma prima assim encantadora, Harry!
Todos os seus parentes que conheço são exatamente como os meus:
maçantes e antipáticos. Mas. como dizia meu pai, "mesmo no pântano pode
aparecer uma flor".
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Arilla achou graça no exagero da observação e deu uma risada
cascateante.
- Paris deixou-o afiado, hem, meninão! Nunca o vi tão loquaz! Charles
esteve em Paris, sob os auspícios da Secretaria dos Negócios do
Exterior - Harry explicou
- e, como se vê, aproveitou bem a viagem.
- Adoraria conhecer Paris, agora que acabou a guerra - disse Arilla. -
Tantos lugares que não passavam de simples nomes para nós tornaram-se
propícios a uma visita.
- Harry e eu conhecemos grande parte do continente durante a guerra.
Mas, graças a Deus, as coisas estão muito diferentes agora.
- É. ouvi falar. Precisaria examinar in loco disse Harry, dando um
profundo suspiro.
"Se eu fosse rica. faria tudo por Harry", pensou Arilla. "Parece
incrível que ele seja tão pobre... enquanto seus amigos têm tanto
dinheiro para esbanjar "
E realmente não havia nenhum sinal de economia naquela noite. Sentaram-
se para uma ceia magnífica, onde todo o requinte da arte de comer e de
beber havia sido empregado. Excelentes vinhos foram servidos, sempre na
temperatura ideal: suficientemente frios para parecerem aveludados na
língua, mas nunca tão gelados que perdessem o aroma e o sabor.
Os dois amigos não pouparam elogios.
- Ao que parece, a condessa quer sobrepujar as reuniões de Carlton
House ou do Pavilhão Real, em Brighton - comentou Charles. - Aliás, é o
que aspiram todos esses grã-finos depois da reforma feita no bar e na
adega do príncipe regente. Sua Alteza Real conseguiu criar uma
verdadeira gruta de Aladim!
- Gostei da comparação! - exclamou Harry. Já imaginou o que deve ter
custado ao tesouro real?
- E não sei se valeu a pena. Eu não gostei... Toda
aquela decoração oriental não faz o meu género. Devo admitir que é tudo
muito luxuoso, e a atmosfera é bem própria do gosto do príncipe.
- Deve ser - Harry afirmou, lamentando não ter estado lá ainda.
Arilla sonhava ter a oportunidade de algum dia visitar Carlton House e
o Pavilhão Real, mas lembrou-se, com tristeza, do fraco que o príncipe
tinha por mulheres maduras, se é que os mexericos eram verdadeiros.. .
Quando voltaram ao salão, após a ceia, a orquestra de cordas tocava uma
peça romântica, enchendo o salão de poesia e sensibilidade.
Harry e Charles entretinham-se falando sobre as corridas a se
realizarem no dia seguinte.
Atraída por um quadro de Rubens, Arilla afastou-se um pouco. E outra
vez soou ao seu ouvido a desagradável voz de lorde Rochfield:
- Você é muito mais bonita do que qualquer obra de arte.
Ela notara que, durante a ceia, o lorde sentara-se ao lado da anfitriã,
provando sua grande respeitabilidade, e como temesse desagradar a
condessa, aceitou com paciência o cumprimento dele.
- Por certo Vossa Senhoria conhece bem a arte da pintura. Será que
poderia me instruir sobre essas valiosas obras? - disse com ingenuidade
e mostrou a fileira de quadros expostos ao longo das paredes.
- Prefiro olhar para você, mas. . . vou lhe mostrar um quadro que não
há quem não admire. É um Poussim.
Levou-a para o fundo do salão, onde uma esplêndida tela despertou, em
Arilla, a ambição de posse, que não passou despercebida ao lorde. Mais
do que depressa, ele informou-lhe:
- Vou presenteá-la com um quadro desse mestre. Ou... prefere diamantes?
Arilla retesou-se. Sabia, por intuição, que não seria
próprio um homem oferecer-lhe jóias... Sentiu-se insultada e respondeu
ironizando:
- Nem uma coisa, nem outra... Prefiro cavalos!
- Então vai tê-los.
Ela deu um gritinho de susto.
- Eu estou brincando! É evidente que não posso receber presentes de
Vossa Senhoria, seja lá o que for.
- E por que não? Você é muito inocente. Duvido que nesta sala haja
alguma mulher que já não tenha sido generosamente presenteada pelo sexo
oposto.
- Talvez, milorde. Na minha cidadezinha, tínhamos outros valores.
Cresci sabendo que presentes... só se recebe de marido.
Lorde Rochfield riu-se.
- O que você me diz é muito claro: quer alguma coisa muito mais valiosa
para uma mulher como você do que quadros, brilhantes e cavalos. uma
aliança de casamento.
- Nem pensei nisso! Mas. talvez tenha razão. Arilla sabia que ele não
era do tipo de se casar. Harry já a havia prevenido. Assim como o
príncipe regente, o lorde jamais chegaria ao casamento. Ambos
escandalizavam toda a sociedade com suas aventuras amorosas. Não
buscavam as mulheres para a satisfação de um ideal; queriam-nas apenas
para a cama. Sua mãe também se chocaria, se conhecesse o lorde.
Ao chegar a essa conclusão, sentiu-se bem esperta para uma moça simples
do interior.
Pondo um fim ao diálogo, voltou a contemplar Poussin. Nenhuma outra
pintura a encantaria tanto!
Em um sussurro, ouviu a voz de lorde Rochfield:
- Quer se casar outra vez, não é? Poderemos pensar nisso, mais tarde.
Arilla achou que não tinha ouvido bem e, quando se voltou, deparou-se
com uma expressão estranha naqueles olhos escuros. Não entendeu mas se
amedrontou bastante. Ele se aproximou ainda mais para dizer:
Desde a noite passada você não saiu de meu pensamento. Não vejo mais
nada, além da beleza de seus olhos e do tom dourado de seus cabelos.
Havia algo de esquisito naquela voz. Ela teve medo de fitá-lo. - de ser
hipnotizada e impulsionada para aqueles braços suplicantes. Mas era
muito tarde para se arrepender de tê-lo acompanhado ao fundo do salão.
- Você já foi casada, minha querida. Por que está tão nervosa e em
dúvida? Tinha medo de seu marido?
- Não quero falar nisso.
- Se ele não tivesse posto essa aliança em seu dedo, não acreditaria
que algum homem a tivesse possuído ou mesmo. beijado. Há uma aura de
pureza em você, e isso me enlouquece e me faz prisioneiro de seus
encantos.
Havia paixão nessas palavras, e Arilla amedrontou-se. Olhou para os
convidados em busca de Harry, suspirando aliviada quando o viu
caminhando para ela.
Ao alcançá-la, ele advertiu:
- Se você pretende montar amanhã, é conveniente irmos embora.
- Tem razão - ela apressou-se a dizer. - Também estou muito cansada.
- Na verdade. está querendo fugir - lorde Rochfield emendou.
- Fugir? - exclamou Harry. - Por acaso esteve aborrecendo minha
priminha, lorde Rochfield? Ela veio do campo e não está habituada com
dom-juans da cidade.
- Logo se vê. Mas lhe garanto que não tive intenção de magoá-la ou
aborrecê-la.
- Espero que não - Harry declarou com secura e firmeza.
- Pode confiar em mim. vou tomar a liberdade de visitar lady Lindsey,
amanhã.
- Não sei se... vou poder.
Arilla não completou a frase porque Harry já dizia:
- Estamos muito ocupados. Não temos tempo para recebê-lo.
- Está me provocando, ou prefere fazer uma aposta, sr. Vernon?
- Não tenho dinheiro para apostas. Acho que um desafio fica mais barato.
Os olhares dos dois homens se cruzaram, revelando uma rivalidade mortal.
Arilla interrompeu graciosamente esse prelúdio de briga para despedir-
se, dizendo:
- Obrigada pela aula de arte que o senhor me deu. Estou me sentindo
esgotada. Também, esta noite foi muito emocionante para mim.
Lorde Rochfield tomou-lhe a mão, roçando-a ternamente com os lábios.
Arilla teve a sensação de estar sendo tocada por um réptil e sentiu
vontade de gritar, mas, com um sorriso de atriz, agradeceu:
- Boa-noite, milorde, e mais uma vez, muito obrigada.
Harry e Arilla despediram-se da condessa e saíram. Só depois que a
carruagem deixou os pajens com seus archotes para trás, ele observou:
- Agora me diga o que aquele imbecil disse para você ter ficado tão
perturbada.
CAPITULO IV
Propositadamente Arilla escolheu o vestido de que menos gostava, na
esperança de se tornar menos atraente a lorde Rochfield. Até a véspera
não se lembrara do desagradável convite para jantarem na companhia
dele. Mas, quando ela e Harry se despediram de seus anfitriões, depois
de uma agradável reunião, ouvira sua voz impertinente dizendo-lhe:
"Espero vê-la amanhã à noite, encantadora senhora".
Ao ver seu interlocutor no grupo de pessoas que a rodeavam, respondera
com falsa amabilidade: "Sim, estamos ansiosos para visitá-lo".
Agora, ao aprontar-se para jantar com lorde Rochfield, sentia-se
angustiada, apesar de saber que contaria com a presença de Harry para
protegê-la.
Rose, a camareira que a ajudava a vestir-se, terminou de abotoar-lhe o
vestido e não se conteve:
- A senhora está linda, milady!
- Obrigada - respondeu Arilla com um sorriso.
Dona Mimi costuma se enfeitar muito mais, não é?
Ela estava plantando verde para colher maduro. Até aquele momento o
nome de Mimi fora evitado, tanto por Harry como pela criadagem. E, no
entanto, tudo no quarto revelava a presença habitual de uma mulher.
Harry dissera que os móveis e os objetos de decoração pertenciam a
lorde Barlow, mas havia ali coisas obviamente femininas.
Houve um silêncio embaraçoso. Depois, um pouco relutante, Rose
respondeu:
- É, sim, mas... é diferente. - Logo acrescentou:
- Se me permite a pergunta, que jóias vai usar, senhora?
Arilla observou a imagem refletida no grande espelho e achou que a
falta de jóias acentuava a alvura de seu colo. Teve certeza de que mais
uma vez o lorde iria fazê-la sentir-se decotada demais.
"Por que Harry não me arranjou algum adereço para usar?", pensou.
Na primeira noite em que saíram, ela encontrara sobre uma mesinha da
sala um lindo porta-jóias.
"Trouxe um complemento muito importante para a toalete de uma viúva
rica: diamantes", ele dissera.
"Harry! De onde você pegou isto?", Arilla tinha nas mãos um precioso
colar de brilhantes. "É soberbo! Apesar de ser um pouco espalhafatoso
demais. quase vulgar para o meu gosto."
Arilla compreendia, porém, que seu papel de viúva abastada reclamava
tais exageros. Rememorou como as mulheres olhavam com ar de cobiça para
o valioso colar, na recepção da condessa de Jersey. Depois disso, Harry
sempre providenciara jóias. Uma das vezes, trouxera um colar de gosto
duvidoso, que ele mesmo qualificara ser de extrema vulgaridade.
"Tire essa coisa horrorosa do pescoço. ", dissera. "Não gostei desde o
primeiro instante, mas a pronta oferta de minha amiga me obrigou a
aceitá-lo."
"Que bom você também não ter gostado!", Arilla exclamara aliviada.
Harry, então, sugerira-lhe que usasse uma fita de veludo e pregasse
nela uma orquídea branca, dando assim um toque chique e primaveril.
Ficara mais bonito do que antes, e ela fora sobejamente elogiada;
alguns comentários chegaram aos ouvidos do primo:
"A viúva rica é tão linda quanto modesta... É digna e discreta em suas
atitudes. Não se preocupa em exibir suas jóias. vou incluí-la em meu
círculo de amizades".
Talvez para essa noite ele também a quisesse usando apenas flores; por
isso Arilla pediu a Rose que procurasse o mais lindo botão de rosa
entre os frescos ramalhetes recém-chegados para a decoração da casa, a
fim de colocá-lo em sua gargantilha.
Infelizmente, não gostou do efeito e optou por uma simples fita de
veludo cor-de-rosa.
- Está lindo! - aprovou Rose.
- Falta alguma coisa... - Arilla pensou em voz alta.
- Está ótimo assim e. garanto que o sr. Harry vai gostar. É assim que
nós o tratamos aqui - Rose informou, dando uma risadinha.
- Espero que goste - Arilla respondeu. Depois, num impulso, ela
perguntou: - Você disse que chama o sr. Vernon de sr. Harry? Ele vem
aqui com frequência?
- Vem, sim. Dona Mimi é louca por ele, como também todas as outras. Mas
ele não pode muito. Rose parou de falar de repente, como se percebesse
sua indiscrição. Depois gaguejou: - Mas. Sua Graça, o lorde Barlow, é
muito generoso, e todas gostamos de trabalhar para ele.
- Porém ele não mora aqui, mora?
Arilla lembrou-se de que, ao passar por Berkeley Square, Harry lhe
mostrara a mansão dos Barlow, impressionante pela suntuosidade.
- Oh, não, milady! Sua Graça só vem quando pode. por pouco tempo... Há
outros cavalheiros! Mas gostamos mesmo é do doutor Harry.
"Qual será o relacionamento de lorde Barlow e Mimi?", Arilla
conjecturou. Perguntara muitas vezes a Harry mas ele se esquivara.
Tinha perguntado também em que teatro Mimi trabalhava e nunca recebera
resposta concreta: "Ela está trabalhando, no momento, em Paris, com o
lorde. Por isso estamos aqui, usando a casa,
as carruagens, os cavalos de Sua Excelência, sem... gastarmos nada! "
Arilla esboçou um sorriso de felicidade por ter deixado tudo nas mãos
do esperto primo e pensou: "Ele já deve estar chegando". Como seria bom
se jantassem sozinhos. mesmo em casa. Eram tão poucos seus momentos a
sós com ele.
Apesar de Harry estar sempre presente para opinar sobre sua aparência,
ela o queria a seu lado por mais tempo, uma vez que em sociedade
ficavam distanciados, preocupados apenas com os bons partidos que
poderiam aparecer.
Parecia impossível já ter sido pedida em casamento em tão curta
permanência em Londres. A proposta viera de um par do reino, a quem
encontrara apenas duas vezes. Ele havia se sentado a seu lado durante
um jantar, ignorando por completo todos os que o rodeavam, a ponto de
Arilla achá-lo sem muita fidalguia.
Depois do jantar, dançaram. O nobre senhor a convidara para se
retirarem a uma sala, contígua ao salão, com o pretexto de admirarem
uma pintura. Para surpresa dela, a sala estava deserta. Ele fechara a
porta e dissera:
"Finalmente a consegui só para mim. Gostaria de saber se me dará à
honra de ser minha esposa".
Arilla ficara estupefata. Nunca havia pensado que um pedido de
casamento pudesse acontecer tão rápido e de forma tão banal. Por um
instante achou que ele estivesse brincando, mas quando o viu, grave e
emocionado, convenceu-se da seriedade da proposta.
"Case-se comigo, por favor. Juro que será feliz! Poderemos fazer tantas
coisas juntos, em minha fazenda..." Tomara-lhe as mãos e as cobrira de
beijos.
Os lábios frios e sequiosos a deixaram tão nauseada que lamentou o fato
de não ter calçado as luvas, pois assim teria evitado aquele contato
desagradável.
"Desculpe... ", ela começara a falar, com voz trémula, quando a porta
se abriu e um grupo de pessoas invadiu alegremente a sala, dando-lhe
oportunidade para escapar em direção a Harry.
Naquele momento, uma linda mulher não disfarçava a atração que sentia
por ele. Sentara-se a seu lado durante o jantar, e, segundo Arilla,
parecia enamorada. Sussurrava-lhe algo ao ouvido e tocava-lhe o braço
com a mão ornada por faiscante e valioso anel, revelando claramente
seus sentimentos.
Assim que Arilla aproximou-se, Harry dissera com alegria:
"Ah, você chegou! Queria mesmo apresentá-la a uma de minhas melhores
amigas, a marquesa de Westbury".
A nobre dama não mostrara entusiasmo e, com cerimónia, moveu a cabeça
num cumprimento formal. Depois, como se Arilla não existisse, virou-se
para Harry e continuou o assunto:
"Não vá se esquecer, querido... Ficarei muito zangada se você não
aparecer".
"Jamais se zangaria comigo!", afirmara ele.
A marquesa se afastou. Então Harry apressara-se em perguntar: "O que
houve, Arilla? Está assustada!" "Agora não posso falar. ", dissera ela
olhando ao redor.
"Então vamos dançar."
Harry pegou-a pelo braço e a levou até a pista de dança. O som de uma
valsa sentimental, recentemente apresentada em Londres pela condessa de
Lieven, enchia o salão.
Muitos a achavam imprópria e reprovavam a maneira audaciosa com que os
pares costumavam bailar aos acordes dessa recente composição.
Arilla sabia que Harry era um ótimo dançarino. Enquanto dançaram, ela
contou-lhe, com voz fraca e nervosa, que o duque de Fladbury acabara de
lhe pedir em casamento. Ergueu o rosto à espera de uma resposta,
temendo que ele quisesse uma aceitação sua, mas, surpreendentemente,
ele soltara um riso franco.
"Já esperava por isso."
"Como assim? "
"Ele está à procura de uma mulher rica. Está enterrado até os olhos de
dívidas e há dois anos persegue herdeiras de grandes fortunas."
"E... eu fiquei com medo."
"De ter que casar-se com ele? Não. Não o indicaria à minha pior
inimiga! "
Arilla dera um riso sonoro e jovial. De repente a festa tornara-se
mágica e animada. As luzes dos candelabros brilhavam mais, e os sons
inebriantes da valsa transportavam-na aos céus.
Finalizando os preparativos para jantar na casa de lorde Rochfield,
Arilla pensava em quão maçante e cansativo seria o passeio. Consolava-
se com a certeza de não ser assediada com um pedido de casamento.
Rose foi ao guarda-roupa escolher um agasalho que combinasse com o
vestido e trouxe um lindo casaco de veludo azul-claro, debruado com
plumas. Arilla jogou-o displicentemente nos ombros e examinou-se ao
espelho. Nesse instante, uma batida na porta sobressaltou-a.
- A carruagem chegou, milady - avisou o lacaio.
- O sr. Vernon teve um imprevisto e manda avisar que vai encontrar a
senhora em casa de Sua Graça.
Arilla ficou gelada de aflição e quase chorou de desapontamento.
Uma das coisas de que mais gostava eram as idas e vindas das recepções,
quando podia conversar a sós com o primo, sem a preocupação de
representar o papel de viúva rica e ser simples e natural como sempre
fora.
"Qual será o imprevisto? A marquesa de Westbury ou alguma outra
mulher?", perguntou-se.
Harry era um homem atraente, sempre rodeado de mulheres belas e
inteligentes, apesar de mais velhas do que ele. Isso às vezes a fazia
sentir-se um estorvo na vida dele.
Desanimada, tomou a carruagem, grande, confortável e luxuosa. Nunca
usara uma igual. Os cavalos eram de raça, e, assim que a portinhola foi
fechada, começaram a andar em passo suave e disciplinado.
O som metálico e ritmado das ferraduras batendo nas pedras cessou e,
mais do que nunca, ela quis ter Harry a seu lado. Assim que despediu o
cocheiro, arrependeu-se. Agora nada mais havia a fazer a não ser rezar
para que outros convidados já tivessem chegado. Eles evitariam a
maneira desagradavelmente íntima e atrevida com que o lorde costumava
recebê-la.
Arilla não revelara a Harry seus temores, pois ele a qualificaria de
tola e já lhe dissera ser preferível ter Rochfield como amigo. Também
não queria instigar o primo contra o lorde, embora, na verdade, o
detestasse apavorando-se com sua presença asquerosa de réptil.
Havia chegado à Mansão Rochfield, em Picadilly em menos de vinte
minutos. A casa ficava próxima ao recém-construído palácio do duque de
Wellington na esquina do Hyde Park.
Os duplos e pesados portões de ferro, decorados com heráldicos
unicórnios, a marca do brasão dos Rochfield foram abertos de par em par.
Ela subiu a escadaria exterior, coberta por um tapete vermelho até a
porta, onde um mordomo e mais quatro lacaios esperavam à entrada do
imenso vestíbulo de mármore.
Um dos criados tomou o agasalho de Arilla, e o mordomo a fez subir por
um dos lanços da escada em curva até o primeiro andar. Não pararam onde
ela supunha ser o salão de recepção. Continuaram pelo largo corredor
que ostentava obras de pintores célebres, iluminadas por pesados
candeeiros de bronze.
Em outra circunstância Arilla teria se interessado por esses quadros e
pelas lindas peças de mobília francesa, dispostos ao longo da galeria,
mas agora preocupava-se, achando que ninguém havia chegado e que se
adiantara demais. Mais uma vez culpou-se por não ter feito a carruagem
esperar até que Harry chegasse...
O mordomo abriu uma porta e anunciou:
- Lady Lindsey, milorde.
Entrando na sala, ela sentiu um aperto no coração ao ver uma única
pessoa, em pé, próxima à lareira de mármore ladeada por dois jarrões
chineses, repletos de lírios do vale: o anfitrião. Lorde Rochfield não
se moveu, esperou que ela fosse ao seu encontro.
Arilla não podia conter o tremor de suas pernas e com dificuldade
chegou até ele. Seus olhos, imensos em seu rosto, demonstravam pânico.
A voz saiu débil e trémula:
- Che... cheguei muito cedo, milorde. Meu primo virá mais tarde...
atrasou-se.
- Deve ter tido um bom motivo... - comentou, e ela o odiou pela
insinuação. - Mas você está aqui, é o que me interessa...
Lorde Rochfield tomou-lhe a mão e a levou aos lábios, sem pressa, e
esse contato provocou-lhe repulsa.
Um pajem entrou com uma bandeja que continha duas taças de champanhe,
que ofereceu a ambos; ao pegar a sua, lorde Rochfield falou:
- Hoje preciso fazer um brinde especial porque esta é a primeira vez
que você visita minha casa. Espero que tenha gostado.
- Há lindos quadros aqui!
- E muitos deles retratam deusas, mas nenhuma delas é tão linda ou
atraente quanto você!
Os olhos escuros e cobiçosos cintilaram fitando-lhe o colo, como se ela
estivesse decotada demais.
Arilla olhou para a entrada esperando ver Harry ou
outro convidado chegar. A porta se abriu, mas quem entrou foi o
mordomo, não para anunciar alguém, porém para comunicar:
- O sr. Vernon, milorde, manda apresentar suas desculpas por não poder
comparecer esta noite. por motivo de força maior.
- Obrigado - lorde Rochfield respondeu mais do que depressa.
- O que será que aconteceu? Como Harry pôde faltar a um compromisso
assim na última hora? - perguntou Arilla, não escondendo seu nervosismo.
Lorde Rochfield lançou-lhe um olhar de homem experiente.
- É muito fácil de se entender. A "força maior" pode ser o príncipe ou
talvez alguém mais interessante como... a linda marquesa.
- Mas. que indelicadeza!
- Para mim é um presente dos deuses. Um verdadeiro milagre tê-la só
para mim!
Arilla percebeu nos olhos do lorde uma centelha de
malícia enquanto um largo sorriso lhe aflorava aos lábios. com timidez,
ousou perguntar:
- E os outros convidados da festa?
- Não há outros - ele respondeu cinicamente. Não poderia permitir nossa
atenção desviada para outros convidados.
- Quer. quer dizer. que estamos sozinhos?
- Devo confessar que não via a hora de chegar este momento e. tenho
certeza de que você não vai
me desapontar.
Enquanto pensava no que fazer, Arilla ouviu o criado anunciar o jantar.
Lorde Rochfield ofereceu-lhe o braço, e ela timidamente o acompanhou.
Todos os salões de banquete que conhecera ficavam no andar térreo, por
isso ela pensou que se encaminhariam à escada. Contudo, seguiram até o
fim do corredor, onde dois pajens os aguardavam diante de uma porta
escancarada.
Passando por ela, Arilla admirou-se com o tamanho reduzido da sala e
com a decoração um tanto bizarra, repleta de flores e plantas, o que
lhe dava a impressão de estar em um quiosque de jardim público.
Teve vontade de rir vendo-se ali naquele "caramanchão", cercada de
lírios, em uma companhia pouco conhecida, mas muito desagradável.
Não pôde comer quase nada, pois o nervosismo não o permitiu.
Contudo, manteve uma atitude calma porque não queria mostrar-se
constrangida diante da criadagem. Permaneceu quieta, pensando num meio
de escapar dali. Como se o anfitrião lesse seus pensamentos, procurou
distraí-la, falando sem parar de suas propriedades e fazendo
comentários sobre as últimas reuniões a que haviam comparecido.
Arilla não o fitava, com medo de encontrar o atrevimento e a
sensualidade sempre presentes naquele olhar.
O jantar foi mais simples do que ela esperava, mas tudo que lambiscou
estava delicioso. Quando terminaram, lorde Rochfield sugeriu:
- Vamos sentar no sofá; ficará mais à vontade para provar um licor
muito especial enquanto tomo meu brandy.
- Não quero mais nada - retrucou ela. Não lhe passara despercebida a
presteza dos criados em manter seu copo sempre cheio, apesar de ela só
ter bebericado, procurando se conservar alerta e poder escapar sem
alarde.
Os empregados já tiravam a mesa, e ela achou que era o momento de se
despedir. Então arriscou dizer:
- Como sua festa não se realizou, o mais correto a fazer é... me
retirar.
- De maneira alguma, mesmo porque minha carruagem que a trouxe não está
disponível.
- Sua carruagem?
- Isso mesmo! Queria ter certeza de sua vinda. Arilla estranhou que
Harry tivesse consentido que o
lorde a buscasse, mas se calou.
Apesar de sua recusa, serviram-lhe licor. "Deve ser muito forte", ela
pensou. Ignorou-o e sentou-se no extremo oposto ao lorde, tentando
persuadi-lo a deixá-la sair.
- Milorde - disse forçando um tom de meiguice em sua voz -, tenho uma
boa reputação a guardar... O que dirão ao saber... que estive aqui
sozinha? Permita-me ir embora.
- O que acontecer entre nós será segredo... a não ser que você o
revele. o que é impossível. - Ele achegou-se bem perto dela e
continuou, sussurrando: Você não imagina como eu antegozei este
momento... Não percebeu como enfeitei esta sala com alvas flores, em
tributo à sua beleza?
- É... elas são lindas! Gosto muito de lírios disse Arilla, desanimada.
- É estranho como eu os associo a você, mesmo sendo uma mulher casada.
Mas... há alguma coisa de inocente e intocável em você. Tenho certeza
de que, se eu não for o primeiro homem a tocá-la, serei aquele que
despertará seus sentidos para os prazeres do amor.
Se uma serpente aparecesse rastejando na sala, Arilla não sentiria
tanto asco quanto estava sentindo diante de lorde Rochfield.
Apertou os lábios ressequidos, umedeceu-os e empinou o queixo para
dizer, ofendida:
- Eu não permito que me fale assim. Vossa Senhoria exorbitou. Quero ir
embora.
Ele deu uma gargalhada gostosa.
- Você é um amor! Sei que está assustada, mas não nego: é muito
corajosa! - Havia mel em sua voz quando ele continuou: - Você gostaria
de saber que há muito tempo uma mulher não me atrai tanto? Que, depois
de eu lhe ensinar as primeiras lições do desejo, você se capacitará de
que vamos nos dar muito bem?
Lorde Rochfield fez menção de tocá-la enquanto falava, mas ela deu um
pulo para trás como uma corça assustada. Teria alcançado a porta se ele
não tivesse impedido, segurando-a pelos pulsos.
- Não tão depressa, minha querida. Preciso mostrar uma coisa que
revelará melhor do que palavras a minha pretensão.
- Deixe-me ir - ela gemeu -, por favor, deixe-me ir.
Segurando-a ainda pelos pulsos, ele caminhou em direção a uma porta
semi-aberta que, obviamente, dava para um quarto.
Uma fragrância de lírios inundou o ambiente e, através das lágrimas,
ela vislumbrou um enorme leito coberto por um dossel de cetim cor de
vinho. Os lençóis dobrados mostravam bordas de finíssima renda de
Veneza.
- Agora você sabe o que eu quero e o que pretendo ter! Você é minha,
meu amor. toda minha. - E abraçou-a pelos ombros com sofreguidão.
Foi quando Arilla certificou-se de ter caído em uma armadilha. com um
grito de horror, começou a se debater entre os braços do lorde, que
parecia esperar por essa oportunidade para agarrá-la de vez,
comprimindo-a de encontro ao seu corpo viril.
Era como se uma cinta de aço a cingisse dolorosamente. Só lhe restava
gritar e. gritar muito.
Harry chegou à apertada entrada de seu alojamento, na rua Half Moon, e
subiu os três lanços da escada, até o último andar.
As melhores hospedarias e aposentos para homens modernos,
frequentadores de St. James, ficavam nessa rua e Harry sabia disso,
como também sabia serem bastante caros para ele.
Contudo, Watkins, um subalterno seu da época do regimento de cavalaria,
lhe arranjara essa água-furtada, de número 19, na rua Half Moon. Era
usada como depósito de malas e móveis velhos por um dos donos daqueles
pequenos estabelecimentos.
Fora Watkins quem convencera o proprietário desses quartinhos a alugá-
los por uma ninharia, e Harry ocupava dois cómodos. O bom amigo era
quem cuidava desses aposentos, como também da roupa de Harry,
considerado o mais elegante cavalheiro do beau monde londrino.
- Não é possível, Watkins - Harry dissera ao deixar o regimento. - Sei
que seu maior desejo é ser meu valete, mas. não posso pagar.
Infelizmente essa é a verdade.
- Não tem importância... capitão.
- Eu gostaria muito, porém não é possível mesmo.
- Talvez seja. talvez não.
Watkins achara um trabalho nas estrebarias do mercado, próximo ao
alojamento de Harry. Costumava acordá-lo e servir-lhe o café da manhã,
além de ajudá-lo a vestir-se para as recepções da noite. Se Harry tinha
algum dinheiro, coisa rara, dava ao amigo; caso contrário, ele vivia
apenas do salário.
- Não sei o que seria de mim sem você! - Harry exclamava.
De fato, ao entrar achava tudo sempre limpo e em seus lugares. Nesse
dia sabia que logo Watkins chegaria para preparar-lhe o banho e ajudá-
lo a se vestir.
Harry foi até a velha escrivaninha para pegar a correspondência, farta
em convites e cartinhas perfumadas. Cada uma, em caro papel timbrado,
recendia um odor característico, permitindo sua identificação.
Acabava de olhar no relógio quando ouviu um ruído na porta, pouco antes
de surgir a figura atarracada de Watkins, carregando camisas muito bem
lavadas e passadas.
- Pensava em você pois constatei que é hora de meu banho - disse Harry,
preocupado.
- Não é preciso se apressar.
- Como não? Já é tarde!
- Um mensageiro comunicou, há algum tempo, que madame está com uma
forte dor de cabeça e não vai sair esta noite.
- Dor de cabeça? Ela parecia muito bem na hora do almoço!
Haviam almoçado com a sra. Holland, uma dama da sociedade, célebre por
suas reuniões culturais.
Harry ficara encantado com o desempenho de Arilla na conversa, tão
diferente das frívolas fofocas da maioria das anfitriãs do beau monde.
Dois dos mais inteligentes homens de Londres estavam presentes e a
ouviram com atenção.
Ao voltarem para Islington, ela se achava tão exuberante quanto durante
o almoço, e quando ele se despedira, apressado, pois deveria encontrar-
se com o príncipe regente em Carlton House, esquecera-se de que ela
poderia estar nervosa por causa do jantar e nem lhe dera uma palavrinha
de ânimo.
"Deve ser uma desculpa para se livrar do lorde", pensou Harry.
Lorde Rochfield era um homem perigoso e por isso bajulado pela alta
roda, preocupada em não tê-lo como inimigo. Harry não gostava dele,
apenas o aturava, e temia que Arilla se indispusesse com ele e assim
fosse vítima de sua tagarelice difamante.
Não se surpreenderia se a prima, no último minuto, se esquivasse do
convite, que também não lhe agradava
apesar de saber que esses jantares eram muito requintados e regados a
bons vinhos.
com a recusa de Arilla ao convite, ele ficara sem programa para essa
noite. Estendeu-se indolentemente na espreguiçadeira e comunicou a
Watkins:
- Já que dormi tarde a noite passada, vou aproveitar para cochilar, e
depois irei ao clube.
- Ótimo! Terei tempo de sobra para preparar o banho.
Watkins fechou a porta da saleta, e Harry fechou os olhos, mas não
apagou a imagem da prima de sua mente, tão linda e bem-sucedida no
almoço.
"Ninguém pode me acusar de não ter feito tudo por ela", pensou. "Mas,
coitadinha, certamente esperava um melhor pretendente do que aquele
caça-dotes do Fladbury."
Um riso zombeteiro brotou em seus lábios ao pensar no desapontamento de
Fladbury caso tivesse se comprometido, por engano, com uma moça tão
pobre quanto ele.
Ainda pensava na beleza do sorriso de Arilla... quando adormeceu.
- Seu banho está pronto. Vamos, rápido, senão esfria...
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  • 1. Título: ACobiçada Lady Lindsey. Autora: Barbara Cartland. Dados da Edição: Nova Cultural, São Paulo, 1987. Título Original: Love and Kisses. Género: romance. Digitalização: Fernando Jorge Alves Correia. Correcção: Dores Cunha Estado da Obra: Corrigida. Numeração de Página: Rodapé. Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente. BARBARA CARTlAND A mais famosa e perfeita autora de romances históricos, com 350 milhões de livros vendidos em todo o mundo ACobiçada Lady Lindsey Contracapa: Amanhecia em Londres. Escondida na carruagem, trémula de susto e ansiedade, Arilla observava os dois homens que iam bater-se em duelo por sua causa. Um deles a queria para amante; o outro a defenderia até a morte. Por um dos dois batia alucinado seu coração de mulher apaixonada. O mediador começou a contar... um, dois, três... dez passos. Fogo! Ao abrir os olhos, um grito escapoulhe da garganta. Quem estaria caído ensanguentado no chão (fim da contracapa)? BARBARA CARTLAND ACobiçada Lady Lindsey Leitura - a maneira mais económica de cultura, lazer e diversão. Título original: Love and Kisses Copyright: (c) Cartland Promotions Ltd. 1986 Tradução: Maria Thereza Dias de Andrade Castello Copyright para a língua portuguesa: 1987 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Av. Brigadeiro Faria Lima, 2. 000 - 3. º andar CEP 01452 - São Paulo - SP - Brasil Caixa Postal 2372 Esta obra foi composta na Tipolino Artes Gráficas Ltda. e impressa na Editora Parma Ltda. NOTA DA AUTORA Apesar de não ser bem-aceito, o duelo não fora proibido de fato até a era vitoriana. E, mesmo assim, continuou sendo considerado o meio mais honroso de se resolver uma contenda entre cavalheiros. Em 1809, lorde Castlereagh bateu-se em duelo com George Canning, sob leis governamentais e, na mesma época, o famoso duque de Wellington fez o mesmo com o conde de Winchilsea. Em 1798, William Pitt, o Moço, duelou com um membro do partido político inglês, George Tierney. Como Pitt era extremamente magro e Tierney
  • 2. demasiado gordo, foi sugerido que se marcasse com giz o contorno da silhueta de Pitt sobre o corpanzil de Tierney e que qualquer perfuração fora dessa área não fosse considerada. Tenho em minha casa um retrato da linda mas infame condessa de Shrewsbury, cujos restos mortais descansam na Igreja de St. Giles. Ela foi amante do segundo duque de Buckingham, um campeão de tiro, e com ele planejou o assassinato do conde, seu marido. A condessa compareceu ao duelo fatal trajada como pajem e assistiu à morte do conde pela arma assassina de seu amante. Em seguida deitou-se com o duque, que ainda vestia a camisa manchada com o sangue de seu próprio marido. CAPÍTULO I 1817 Arilla olhou ao longo do malcuidado caminho de acesso à velha residência. Já ia voltando para a casa, desalentada, quando vislumbrou qualquer coisa a distância. Em um segundo constatou serem cavalos e deu um grito de alegria. Para poder ver melhor, subiu os degraus cobertos de limo da corroída escada de pedra que dava para a entrada principal. Era uma carruagem que se aproximava, puxada por uma parelha de alazões, idênticos em porte e cor. Quando chegou mais perto, ela identificou, com alegria no coração, o condutor da elegante viatura, que, com um gesto largo e cavalheiresco, tirou o chapéu para cumprimentá-la. - Harry! - exclamou ela. - Eu sabia que você viria! O homem entregou as rédeas ao cavalariço que, abandonando o assento descoberto do carro, já tinha pulado ao chão. A carruagem era do tipo faetonte: alta, de quatro rodas e de fino acabamento. Porém não era tão veloz e eficiente quanto o último modelo introduzido na Inglaterra, pelo príncipe regente. Contudo era mais leve, com melhor molejo e bastante rápida em vias não lamacentas. Sem pressa, o cavalheiro circundou o faetonte e, antes de subir os degraus, lançou um olhar para a casa. Havia uma expressão de desprezo naquele semblante formoso e másculo. Era de se esperar, pois o solar estava em um estado lastimável, com pedras precisando de reparos e muitos vidros quebrados, pedindo substituição. As trepadeiras, havia muito tempo sem poda, emaranhavam- se desordenadamente, quase cobrindo as vidraças embaçadas das janelas. Harry fez um ar de desgosto e subiu as escadas, dizendo para Arilla: - Exatamente duas horas para chegar até aqui; devo ter batido um recorde, a não ser que alguém tenha levado menos tempo. - Ninguém dirige melhor do que você, Harry. Além disso, nossos visitantes não possuem animais tão fogosos. Reparando no ricto nervoso nos lábios dele, ela continuou: - São seus? A resposta veio, como esperava: - Por um dia. São emprestados, como de costume. - Oh, Harry! Você está em má situação? - Como sempre. Juntos, entraram no vestíbulo cujo aspecto era mais desolador do que ele imaginara. Chegaram à sala de estar, que um dia fora bonita, mas, como todo o resto da casa, estava tristemente descuidada. As cortinas se apresentavam descoradas, o estofamento dos sofás rasgados, os tapetes ralos e as paredes com marcas de quadros ou espelhos, antes ali
  • 3. dependurados. Harry Vernon pôs o chapéu e as luvas de montaria sobre uma pequena mesa e alisou os cabelos com as mãos. Em tom de lamento disse: - Sinto muito, Arilla, pela morte de seu pai. Sem olhá-lo ela suspirou. - Eu e papai sempre fomos muito unidos, Harry; nossa amizade foi a melhor coisa que me aconteceu! - disse, saudosa. - Você tem sofrido muito? - Este ano que passou foi terrível. - Depois de uma pausa, prosseguiu: - Papai ficou muito mal, em coma, e não me reconhecia mais. Não havia dinheiro em casa para pagar os médicos, nem remédios. Harry franziu a testa, antes de repreendê-la: - E por que não me avisou? - Para quê? A não ser que você estivesse com dinheiro sobrando, o que achei pouco provável. - Acertou! Mesmo assim eu tentaria ajudá-la. - Eu sei... eu sei. Agora, tudo acabou. Sabe, Harry, papai morreu de fato há um ano. Harry Vernon sabia o que ela queria dizer. Sir Roderick Lindsey sofrera uma queda, um ano atrás, durante uma caçada. Daquele dia em diante, tornara-se um morto-vivo. Ficara totalmente paralisado, mas seu coração continuava batendo. Os médicos não conseguiram devolver-lhe a consciência, e ele levou, a partir daí, uma vida meramente vegetativa. Foi uma tragédia para sua única filha, que passou a tratá-lo com grande devoção, durante meses de muito sacrifício. Harry não esperava que os próximos dias fossem muito melhores. "Pouco ou nada poderei fazer", pensava com tristeza. Como se tivesse lido aqueles pensamentos, Arilla o consolou: - Não se aborreça. O pior já passou e, mais do que nunca, preciso de seu auxílio. Por favor, Harry, me ajude, não tenho mais ninguém... - Farei tudo que estiver ao meu alcance, o que é muito limitado! Enquanto falava, ele atravessou a sala e se postou à janela. Tentando esconder o embaraço, ficou observando o maltratado jardim. Era primavera, e os narcisos silvestres pareciam um tapete amargo; embaixo das velhas árvores os lilases e as margaridas-do-campo também estavam floridos. Apesar do aspecto selvagem, o cenário era bonito e levou Harry de volta à infância. Seus pais o deixavam ficar por muitos dias no Solar de Little Marchwood, onde sempre fora bem recebido por sir Roderick e lady Lindsey. Ambos o tratavam como o filho que nunca tiveram. Fora sir Roderick quem persuadira seu pai, primo de lady Lindsey, a mandá-lo a Eton. Também fora ele o responsável por seu encaminhamento para a guarda policial inglesa quando o pai comunicara a intenção de mantê-lo na infantaria, por ser mais barato. "Eu acho que devo a sir Roderick o meu gosto refinado!", ele pensou. Em voz clara e firme, comunicou: - vou ajudar você, Arilla, é evidente. Mas só Deus sabe como vai ser difícil! - Não quero dinheiro, Harry! Arilla fitou-o e viu surpresa em seus olhos. - Não quer? E como. - Deixe-me contar o que tenho em mente. Mas antes vou servir-lhe alguma coisa para beber... Já devia ter feito isso, mas estava tão saudosa. que não quis me afastar de você. Deu-lhe um sorriso franco e segredou:
  • 4. - Só sobrou uma garrafa do fino clarete de papai. Escondi-o dos médicos para você... quando viesse nos visitar. - Pelo amor de Deus, Arilla, não me faça sentir mais culpado do que já estou. Sem esconder a emoção, ele se dirigiu ao canto extremo da sala, onde sabia ser o lugar das bebidas. Uma garrafa de fino vinho e um copo de cristal esperavam-no. Harry serviu-se e perguntou com delicadeza: - Você não vai beber comigo? - Não. O vinho é todo seu. Vai precisar de uns goles. mesmo! - Arilla afirmou. - O que está aprontando para mim, Arilla? - ele perguntou temeroso. - Mas antes de me contar quero lhe dizer uma coisa: você ficou uma moça linda, sabia? Um sorriso largo serviu de agradecimento a esse elogio, provocando duas graciosas covinhas nas alvas faces de Arilla. Seus olhos, de um azul intenso, pareciam cintilar. - Sempre desejei ouvir isso de você! - É a pura verdade - ele declarou, sorvendo o delicioso vinho. - Apesar de estar um pouco magra, melhorou bastante. em comparação àquela menininha gorducha que você era. - Não tão menina... - reclamou ela, corando. Tenho dezenove anos agora. Você já imaginou, Harry, dezenove anos! Estou ficando velha! - Então sou o próprio Matusalém! Estou com vinte e sete. Ambos caíram na risada. Então Harry sentou-se com muito cuidado, na gasta poltrona de gobelino, porque seus culotes eram demasiadamente justos, de acordo com os últimos figurinos. Ele pousou o cálice na mesinha e logo Arilla lhe aproximou a garrafa. Em vez de sentar-se na cadeira oposta, ela se ajoelhou para acomodar-se no chão, ao lado dele. Voltando o rosto iluminado para Harry, com muita graça, disse: - Seja imparcial, julgue-me como se eu fosse uma estranha e não a pessoa que você conhece desde o berço. Parecendo saber o que ela ia perguntar, ele confirmou: - Estou sendo sincero, Arilla. Você está muito linda! - Jura? - com um vestido novo e um penteado adequado, ficaria sensacional! Notando o brilho em seus olhos azuis, ele refletiu: "De que adianta tanta beleza? As únicas criaturas que aqui estão para admirá-la, além dos pássaros e das abelhas, são os rudes trabalhadores destes campos! Sou um idiota em despertar-lhe a vaidade! " Não havia mais ninguém em Little Marchwood, " lugar que ele sempre classificara como o fim do mundo. - Exatamente o que eu precisava ouvir - ela murmurou como se falasse consigo mesma. - Não poderia deixar de ser assim, pois sou muito parecida com mamãe. segundo dizem. - É mesmo. Pena desperdiçar tanta beleza neste buraco. Não chegou algum vizinho novo por aqui? - Se está querendo falar num bom partido, a resposta é não." Harry ficou quieto, e Arilla teve a certeza de que pensava na possibilidade de trazer alguns amigos para conhecê-la. Mas de que jeito? Ela não tinha condições de recebê-los com boa comida e bebidas finas. "Esta é a última garrafa de vinho desta casa", ela lembrara com amargura. - Que pena! E para você morar? Será que não há alguma família... Arilla riu do que ele estava insinuando.
  • 5. - Você conhece as pessoas daqui. Estão todas com os pés na cova e mais pobres do que eu. Nada mudou desde que éramos crianças. E as pessoas de suas relações, com exceção do duque, estão nas mesmas condições, não, Harry? - O duque! - ele repetiu com um tom de escárnio. - Não me faça esquecer uma história de Sua Graça sobre o modo como ele economiza em gorjetas... Por enquanto vamos ao que interessa: você. O duque de Vernonwick, primo de Harry, era o cabeça da família Vernon, alvo de caçoadas e, talvez, o homem mais avaro da Inglaterra. Nunca se ouvira falar que tivesse ajudado alguém, por pior que fosse o embaraço da desventurada pessoa. Todos se divertiam em colecionar piadas e exagerar fatos relacionados a essa figura tão peculiar. Harry lembrou-se de seu pai, quando, certa vez, o velho observou com ressentimento: "A única coisa que o duque nos proporciona é darmos boas risadas à sua custa". A família de Harry era tão pobre como a de Arilla, mas tinha sangue nobre, o que lhe dava entrada ao beau monde de Londres. Além disso, Harry era tão carismático e belo que até o príncipe regente tornara-se um de seus melhores amigos. - Mas... voltando ao que falávamos - propôs Arilla -, você disse que eu sou bonita e, se me vestir bem, ficarei tão ou mais linda que mamãe, certo? Por isso, resolvi. ir para Londres! Harry quase caiu da cadeira, de susto. - Como? Ela se acomodou melhor e explicou: - Cheguei à conclusão de que, se não quiser ficar aqui mofando, ou pior, morrendo de fome, preciso me... casar com um homem rico! Harry ia abrir a boca para falar, mas Arilla adiantou-se: - Como você disse, não há possibilidade de cair um anjo rico dos céus de Little Marchwood. - E sorrindo, continuou: - Não há também esperanças de acontecer algum acidente de carruagem aqui, às portas do solar, que me dê a possibilidade de ser a enfermeira de um rico e jovem senhor. Tudo isso só acontece em histórias de príncipe encantado, próprias dos folhetins. Então o que pretendo é ficar conhecida na alta sociedade de Londres como a Incomparável. Só conseguirei isso com sua preciosa ajuda. - Não vai ser possível. Você não entende? Assim. Ela não o deixou continuar. - Calma! Ainda não terminei. É evidente que não posso tornar-me a Incomparável com este meu visual. Sei também que precisaria de uma dama de companhia, de acordo com os ditames da sociedade inglesa, e isso incorreria em muitos gastos. - E então? - Serei a maravilhosa e jovem viúva de sir Roderick Lindsey. Harry ficou tão aturdido que não pôde articular palavra. Encarou-a atónito, achando que ela enlouquecera, e balbuciou, intrigado: - A viúva de seu pai? Exatamente. Ninguém está sabendo ainda que ele morreu, exceto você e o pessoal aqui da cidade. Não tive dinheiro para pôr a notícia na Gazette ou no Morning Post. Aliás, seria uma perda de tempo informar pessoas desinteressadas e distantes sobre a morte de um amigo esquecido. - Entendo. Mas não vejo razão para tal disfarce. - Não seja ingénuo. Tudo é mais fácil para uma jovem e rica viúva do que para uma inocente debutante! - Rica? - Ele quase gritou.
  • 6. - É essa a impressão que vamos passar ao mundo todo, ao universo social em que você brilha! Harry aprumou-se e passou a mão pela testa úmida. - Decididamente você enlouqueceu! E o dinheiro. de onde sairá? - De nossa imaginação! - De quanto vai precisar? - Depois eu digo. - Você acha que vão acreditar em nós? - Eles vão acreditar em você - Arilla afirmou com segurança. - Você vai espalhar entre seus nobres amigos que uma jovem e sedutora viúva, porém bem-comportada, está em Londres, sem conhecer ninguém. Não lhe passou despercebido o ar de incredulidade de Harry mas assim mesmo prosseguiu: - Deve criar um suspense a respeito de lady Lindsey e convidá-la para uma ou duas recepções, em que ela será a sensação da noite. - Assim... com essa apresentação? Ele olhou-a de alto a baixo com desdém, mas ela não se perturbou. - Não sou tola como você pensa! Planejei tudo, desde que me convenci de que ia perder meu pai. Fiquei desesperada pensando na solidão em que ficaria, só tendo o velho Johnsons para conversar. Então fui engendrando uma maneira de mudar a situação, mesmo porque já está na hora de aposentar esse nosso leal empregado, digno de um bom descanso. - É uma loucura, mas continue. - A única coisa que me restou foram as pérolas que mamãe me deu ainda em vida, assim como o broche de brilhantes que ela só usava nas raras mas grandes ocasiões. Arilla prosseguiu com voz embargada: - Sempre adorei essas jóias. Depois que se tornaram minhas, me apeguei mais ainda, de tal forma que não pude desfazer-me delas. Mas agora sei que só elas me abrirão as portas de um mundo novo, aquele que minha mãe sempre sonhou para mim. Sabe, sinto-a tão perto... me inspirando, fortalecendo e amando como sempre. - Não acredito que sua mãe esperasse de você o impossível. - Por que impossível? - ela retrucou, meio agressiva. - Pense um pouco: você disse que sou bonita. as jóias me darão dinheiro para viver alguns meses, com parcimônia... A única despesa maior será com roupas que não o deixem envergonhar-se de mim. - Não vai ser rica? Arilla deu uma risada cristalina. - Sabia que você ia dizer isso. Mas muitas pessoas ricas não esbanjam dinheiro. Você mesmo conhece gente com fama de rica que leva uma vida modesta. - É verdade. Há muitos duques por aí... - Veja lorde Colton, por exemplo. Mora aqui neste lugar e é riquíssimo! Papai dizia que, quando ele recebia, oferecia uma comida tão miserável e vinhos tão ordinários que eram um verdadeiro insulto aos convidados! - Você tem toda razão quando diz que muitos ricos não demonstram o que têm. Eu mesmo conheço alguns. - A única pessoa rica que conheci foi minha madrinha, e ela me desejava bom Natal com cartão que havia recebido no ano anterior. Portanto, Harry, o que você deverá fazer é pôr na cabeça de seus distintos amigos que lady Lindsey é rica! E eles não vão esperar dela nada mais do que elegância no trajar. - Onde você pretende ficar em Londres? - Eu pensei. que talvez você. pudesse me ajudar. Se eu alugasse uma casa por dois meses... não sobraria o suficiente para comprar os vestidos! - Pronto, chegou onde eu queria. Então não há nada a fazer...
  • 7. Mas, quando ele viu o desapontamento nos olhos úmidos de Arilla, não resistiu e disse: - Espere um pouco, tive uma ideia! - Teve? - ela exclamou, reanimada. - Quando recebi sua carta comunicando-me a morte de seu pai e que você queria me ver, tinha acabado de me despedir de uma amiga que ia a Paris, onde ficaria por dois meses. Arilla não o interrompeu. Seu semblante mostrava uma comovedora expressão de esperança. - Minha amiga não pertence à alta sociedade prosseguiu ele - e também não é uma pessoa que eu possa apresentar a você. Contudo está bem instalada em uma luxuosa casa em Islington. Antes de partir me disse que, se eu tivesse algum problema com acomodação, poderia dispor dessa casa, bem como da criadagem. - Oh, Harry!. Você acha. - Há certamente uma possibilidade - ele interrompeu - e então a única despesa seria com a comida e com generosas gorjetas para os empregados a seu serviço. Ela deu um gritinho de alegria e se aproximou mais. - Você quer dizer que. vai fazer isso por mim? - Acho que é uma ideia absurda, louca e ridícula! Mas é melhor do que deixá-la ficar aqui para sempre! - Oh, Harry! As lágrimas já inundavam os grandes olhos de Arilla que, sem poder evitá-las, deixou que se derramassem copiosamente por suas faces acetinadas. Abraçando os joelhos, ela ergueu o olhar para Harry e balbuciou com doçura: - Eu... eu sempre achei que você era bonzinho. o mais maravilhoso primo que alguém poderia ter! - Não me agradeça ainda! Já está resolvido que tomaremos parte nessa corrida mas. há muitos obstáculos para transpor antes de atingirmos a linha de vitória! Arilla, com um gesto infantil, enxugou as lágrimas com o dorso das mãos e disse: - Eu sei. Mas eu prometo: tudo que conseguir dividirei com você. - Espera lá. O que quer dizer com isso? - perguntou ele, num tom de reprovação. - Não seja tolo e orgulhoso, Harry. Nós sempre repartimos tudo quando crianças, porque não continuar fazendo o mesmo? Não vou achar ruim. - Mas eu vou. Explique-me melhor, Arilla! - Bem, se eu me casar com um homem rico, pretendo dar-lhe tudo o que você não pode ter agora. Harry teria retrucado, mas ela ergueu os dedos e pressionou-os contra os lábios dele, impedindo-o de falar. - Estamos juntos nessa luta, Harry. Podemos perder ou ganhar. Se você se recusar, eu ficarei aqui até o fim de meus dias como solteirona. Ele não pôde deixar de rir e declarou: - É bobagem brigarmos por alguma coisa que não aconteceu e... poderá não acontecer! Se depois de dois meses você ficar encalhada em minhas mãos, eu a largarei no primeiro asilo de indigentes que encontrar! - Não, não vai ser preciso... tudo dará certo com você a meu lado. - Fez uma pausa e depois confessou: - Detesto vê-lo vivendo à sombra de seus amigos nobres e ricos, para poder manter seu alto padrão de vida. Você, por si só, não poderia vestir-se assim tão bem e nem ter, como não tem, cavalos próprios.
  • 8. Enfim, não seria o cavalheiro elegante que é. - Não fale assim; estou prestes a romper em pranto - ele brincou e, rindo, pediu que ela se calasse. É melhor planejarmos juntos esse conto de fadas, nos prevenindo para que você não seja agarrada por algum monstro ou devorada por um dragão faminto, assim que chegar a Londres! - Se você me ajudar. . . nada disso irá acontecer. - Vou ajudá-la. . . mas, se não der certo, serei o mais perfeito candidato para o hospício! Ambos deram boas gargalhadas, não pela observação mas por causa do excitamento em que se encontravam. Arilla encheu o copo de Harry, convidando-o jovialmente: - Vamos brindar a nosso sucesso. Como há apenas um cálice, beberemos os dois da mesma fonte, o que é muito simbólico! - Simbólico? Só me faz lembrar. . . miséria! Em meio a risadas, ele ergueu o copo e desejou: 18 - À Incomparável lady Lindsey, para que ela consiga tudo o que deseja! Bebeu um pouco e deu a taça a Arilla, que brindou: - Para Harry, o arcanjo que me abrirá as portas do paraíso. com os olhos brilhando de alegria, ela tomou um golezinho e pousou o cálice sobre a mesa. - Até que enfim, Harry, você se convenceu de que deve me orientar para eu não fazer nenhuma bobagem! - E você se convenceu de que deve me obedecer cegamente! - Aliás, o que eu sempre fiz! Lembra-se de quando éramos crianças e você me fazia de sua escrava? Eu pegava todas as bolas que saíam fora no boliche e no cricket. . . Chegava a ficar cansada! Ele riu gostosamente. - Naquela época, eu achava que meninas só serviam para isso! - E agora. .. para que mais elas servem? - Você vai descobrir.. . quando morar em Londres! Duas semanas mais tarde, viajando em uma carruagem que Harry lhe mandara, Arilla sentia-se nas nuvens. Apesar de o dia estar quente, suas mãos achavam-se frias e umedecidas. Não tinha sido difícil sonhar, durante o sombrio período em que seu pai jazera imóvel na cama e ela ficara sem ninguém para conversar, além dos velhos e leais criados. Eles só falavam de reumatismo e do trabalho extra que os médicos exigiam, cada vez que eram chamados. Passavam-se semanas sem que ela tivesse contato com alguém fora de casa. Se não fosse por sua imaginação fértil, Arilla teria se sentido muito mais infeliz do que fora realmente; os sonhos atenuaram-lhe a triste solidão. 19 Agora, como que por encanto, o impossível tornava-se realizável. Sentia vontade de se beliscar para ter certeza do que estava acontecendo. Harry tinha voltado para Londres levando as jóias. Escrevera depois contando que as vendera por mais do que esperavam. Logo despachara um vestido e um chapéu de viagem, para que ela chegasse bem-arrumada à casa de Islington. Arilla estava curiosa em relação à moradora daquela casa, mas Harry se mantivera misterioso a respeito. No entanto, ela intuíra que a mulher, por quem Harry parecia alimentar grande afeição, estava em Paris com o senhor que a presenteara com a casa de Islington. . . Ela achava estranho o fato de um homem, não sendo casado, dispor de tanto dinheiro na compra de um imóvel para uma mulher que mesmo Harry
  • 9. não admitia entre suas melhores amigas e nem queria que ela conhecesse. Arilla sabia da existência de mulheres, como as artistas, por exemplo, que aceitavam convites de cavalheiros para cear, em altas horas da noite. . . "Mas elas não fazem parte do mundo social em que lady Lindsey brilhará.. .", pensou Arilla e continuou em suas divagações. Precisava tomar cuidado para não cometer nenhuma gafe. Não fora à toa que a mãe, falecida quando ela contava dezesseis anos, ensinara-lhe boas maneiras, apesar de eles serem pobres. Mesmo nos frugais jantares em família, seus pais arrumavam-se com esmero para sentarem-se à mesa. Não se vestir condignamente para o jantar, cada noite, seria tão extravagante como não se lavar cada manhã. Quando ela crescera o bastante para participar das refeições, também fazia o mesmo. Se havia algum prato mais sofisticado, a mãe se retirava com discrição para a cozinha, a fim de dar o toque final, antes que o velho Johnsons o servisse. O pai se mantinha impassível, fingindo não notar a ausência da esposa que, ao voltar, mais corada, mas sempre linda, tomava seu lugar à mesa e o fio da conversa interrompida. Arilla sabia receber, desempenhando-se principescamente, mesmo com o vigário, o médico ou algum raro amigo da vizinhança. No caso de cometer algum deslize, mais tarde, com carinho, a mãe a corrigia. "Querida, quando você é apresentada a alguém, deve olhar para a pessoa. A timidez não é desculpa para baixar os olhos; é algo feio e indelicado, assim como não dar a mão na altura e com a pressão certas", ensinava a mãe. Arilla havia aprendido também a fazer reverência à rainha para o caso, tão almejado agora, de um dia ser apresentada à corte. "Uma apresentação ao príncipe regente seria muito mais interessante", pensava Arilla. "Talvez agora isso aconteça, pois Harry é tão amigo dele!" De súbito lembrou-se de que Sua Alteza preferia mulheres maduras. . . Chegara mesmo um boato em Marchwood de que ele, antes de se casar com a princesa Carolina de Brunswick, o que fora um desastre, já tivera um casamento secreto com a sra. Fitzherbert, muito mais velha do que Sua Alteza Real. De qualquer maneira, seria excitante conhecê-lo. No entanto, o que ela precisava era de um marido rico! Se o arranjasse, haveria de saldar todas as dívidas de Harry. dar-lhe cavalos, criados, tudo que seu refinado bom gosto reclamava! Sabia como o primo se sentia humilhado quando tinha de recorrer a um amigo para obter transporte de Londres até Marchwood. Ele, que sempre fora exímio cavaleiro, até ganhara uma medalha do duque de Wellington, após a batalha de Waterloo! "Que pena Harry ter deixado o regimento", dissera o sr. Roderick ao terminar a guerra. Quando Arilla perguntou a razão, o velho informou- lhe, suspirando, que o rapaz não tinha meios para se manter naquela arma e com mágoa se culpou pelo fato de não tê-lo deixado fazer a infantaria. "Ele era tão hábil e garboso num cavalo que eu não resisti ao desejo de tê-lo em meu regimento", concluiu o pai de Arilla. "Harry tem que possuir cavalos", ela admitiu. "Vou fazer de tudo para que meu marido goste dele, tanto quanto eu. Então irá morar conosco, terá cavalariços e salão nobre para receber seus amigos!" Arilla não conseguia imaginar o rosto de seu futuro marido, todavia sabia que iria ser um velhote um pouco barrigudo mas bondoso e compreensivo como seu pai. A mãe às vezes se queixava de que ele teria dado aos necessitados sua
  • 10. última camisa se ela não o tivesse impedido. "Poderíamos ter ficado ricos", dissera uma vez. "Mas ele é muito bom e generoso em pensamentos, palavras e ações. . . e é por isso que o amo com todo o fervor!" "Então ele é, na verdade, um homem rico, mamãe!", Arilla exclamara. "Concordo e acho que nós temos muito mais do que o dinheiro poderia comprar!" Notando a expressão intrigada da filha, lady Lindsey explicara: "Estou falando de amor! Meu amor por seu pai, o que ele tem por mim e nós por você! Todos os dias agradeço a Deus pela adorável filhinha que Ele nos deu!" Quando a mãe morrera, Arilla pensara que o sol tivesse abandonado aquela casa. Sabia que o pai jamais seria o mesmo. A princípio ele se isolava, cavalgando sem destino ou bebendo muito. Mais de uma vez ela vira lágrimas indiscretas rolarem por seu rosto abatido. Arilla quase tinha certeza de que, quando aconteceu o acidente, ele estava montando com negligência, como que absorto na grande mágoa que pesava em seu coração. Ela se desesperara ao vê-lo sem sentidos, transportado sobre uma velha porteira, o meio improvisado pelo qual o levaram para casa. Não podia acreditar que fosse perdê-lo tão logo depois da morte da mãe. "Por favor, meu Deus, não o leve...", ela rezara. "Se ele se for, vou ficar completa e absolutamente sozinha!" Mais tarde viera a melhora, mas num corpo sem alma... e ela se convencera de que a morte seria uma bênção, não só para ele mas também para os que o rodeavam. Era desesperador ver deitado, inerte como um vegetal, aquele que outrora fora tão belo e garboso! No momento em que os médicos, ao saírem do quarto, balançaram a cabeça em sinal de que nada mais havia a fazer, ela entendeu que seu pai jamais a ouviria de novo ou a reconheceria. À medida que as semanas se acumulavam em meses, Arilla sentia estar perdendo não apenas o pai, mas a essência da própria vida! Então foi como se a mãe, para confortá-la e fazê-la rezar, lhe tomasse as mãos pondo-as em postura de prece. Ela implorou a Deus para que não deixasse essa desgraça afetá-la a ponto de arruinar sua vida. "Eu vou viver como a senhora queria se tivéssemos tido mais posses, mamãe. Mesmo que seja por pouco tempo, tudo vai mudar." Os planos de Arilla dia a dia se solidificavam, e ela examinava pormenorizadamente cada etapa de sua luta pela ascensão à glória! Diante do espelho recordava os meneios que a mãe lhe ensinara. Precisava ser graciosa no andar, no movimento das mãos, da cabeça, na maneira de falar. Arilla esforçou-se para se pôr a par das notícias do Parlamento, dos problemas sociais, enfim, entender a situação geral do país. Não foi tarefa muito fácil porque o dinheiro de um jornal lhe fazia falta. Sabia que o vigário e um funcionário aposentado do banco eram assinantes de um jornal e o açougueiro lia um pasquim, no dizer de seu pai. Tinha sido embaraçoso, para ela, pedir-lhes que guardassem esses noticiosos, mas felizmente eles logo se prontificaram a fazê-lo. O vigário lhe fornecia o The Times com três dias de atraso. O bancário, leitor do The Morning Post, queria dois dias para ler... e o açougueiro não abria mão do Reformists Register a não ser depois de uma semana. caso não o tivesse usado para embrulhar a carne. Mas muitas vezes ele o cedia antes mesmo de terminar a leitura, em atenção à grande amizade que nutria por sir Roderick.
  • 11. Arilla nunca reclamava porque, com atraso ou não ia se atualizando. Parecia-lhe que Little Marchwood ficava em um planeta diferente e que só agora ela estava descobrindo a terra. Esperava que seus habitantes fossem todos inteligentes e divertidos como Harry e como ela pretendia ser. Esperava também sair-se bem entre essas pessoas tão diferentes daquelas a que se acostumara. Agora, o milagre começava a se realizar: muito feliJ ela estava a caminho de Londres, em uma linda carruagem conseguida por Harry e conduzida por um cocheiro de capa vermelha e um lacaio de libré cinzenta. "Já me sinto uma deusa, agora preciso me comportar como tal", pensou Arilla. Harry tinha lhe mandado um vestido bem diverso daqueles que usava. Era de um azul muito vivo, todo debruado com fitinhas de cetim em tom mais escuro, formando desenhos delicados, e tinha mangas compridas que terminavam em gracioso babado, que avançava um pouco em suas mãos delicadas e alvas. A cintura era ainda alta, como a dos modelos de durante a guerra. Arilla nunca vira em Little Marchwood um chapeuzinho mais galante do que aquele que vaidosamente ostentava. Tinha fitas azuis amarradas abaixo do queixo, a aba circundada com finíssima renda do mesmo tom e um tufo de plumas de avestruz, em degrade azul, enfeitando a delicada copa. Ao olhar-se no espelho, antes de sair, ela mal podia acreditar que fosse sua a imagem ali refletida. E admitira, sem falsa modéstia, que estava linda! "Não vou envergonhar Harry", pensara. E quando vira a luxuosa carruagem com dois cavalos de raça, a portinhola aberta, os criados a postos convidando-a para entrar, conscientizara-se de que uma grande aventura começava. "Aconteça o que acontecer no futuro, jamais me arrependerei de tê-la vivido! " CAPITULO II A carruagem percorreu preguiçosamente a alameda e parou em frente a uma suntuosa residência, em Islington. Encantada, por uns instantes Arilla se manteve estática, contemplando a mansão. O lacaio apeou, tocou a sineta e a majestosa porta se abriu. No umbral surgiu uma criada, de avental branco de babadinhos engomados e gorro combinando. Arilla desceu com elegância. - Bom-dia! - exclamou ao ser reverenciada pela serviçal. - Bom-dia, senhora. Espero que tenha feito uma boa viagem! - Foi muito boa, obrigada. Sem saber se deveria ou não se despedir do cocheiro e seu ajudante, ela adentrou o imponente hall. - O sr. Vernon está aqui? - Está esperando pela senhora no salão - informou a criada, indicando o caminho. Arilla mal podia conter a impaciência. Sua vontade era correr ao encontro do primo, mas... como boa menina, comportou-se. De repente sentiu medo do que se havia proposto. Só Harry poderia lhe assegurar êxito nessa arriscada aventura. Rezava para que tudo estivesse bem encaminhado. O luxuoso salão dava para um bem tratado jardim ao fundo da casa. Próximo à janela Harry cismava. - Lady Lindsey, senhor - anunciou a criada. Ele se voltou e Arilla, com espontaneidade, correu ao seu encontro. - Harry! Aqui estou eu, primo. Oh! Harry, será que vai dar tudo certo?
  • 12. Ele sorriu, segurou-a pelos ombros e se pôs a examiná-la. - Deixe-me ver como você está! Arilla fitou-o apreensiva, enquanto o primo a media da cabeça aos pés. - Perfeito! - disse ele com entusiasmo. - Exatamente como eu queria que estivesse! - Fala a verdade? - Claro! Do fundo do meu coração. Precisa ter mais confiança em si, Arilla. - Eu tenho, Harry. Mas tive medo de desapontá-lo. - Que tolice! O pior seria você se desapontar, e não eu... O que está achando do ambiente? Ela examinou a enorme sala. A mobília, de fino brocado azul, era de incontestável bom gosto: preciosos lustres de cristal pendiam do teto alto e lavrado. Por toda a parte havia um fulgor de prata e ouro nos objetos de adorno. As paredes exibiam quadros de grande beleza. "Devem ser reproduções de pintores famosos, cujos quadros estão expostos na Galeria Nacional ou em outras capitais da Europa", ela pensou maravilhada, e respondeu: - Digno de uma rainha! - Tem razão. Barlow tem um gosto extraordinário! - Barlow? - inquiriu Arilla, curiosa. - O nome de seu hospitaleiro, que, no entanto, não sabe que a hospeda - Harry informou rindo. Ela se intrigou. - Pensei que morasse uma senhora aqui. Encabulado, ele indagou: - E que diferença faz? Veja bem, no caso de perguntarem, esta é a casa de lorde Barlow, alugada para você em consideração a seu falecido marido, de quem gostava muito. Arilla deu um profundo suspiro. - Espero me lembrar de tudo. - Vai se lembrar - Harry afirmou com confiança. - Agora, a primeira coisa a fazer é comprar roupas. Já marquei uma costureira para depois do almoço. - Aqui? Pensei que fôssemos a alguma loja! Não seria prudente. Alguém poderia vê-la. Quero que você surja no universo social como um cometa inesperado. - Ah, não caçoe! E quando isso vai acontecer? - Amanhã à noite. Já está tudo programado: você vai ser apresentada a uma importante anfitriã de Londres. Se ela gostar de você, talvez a faça entrar para o Almack's. O Almack's era o mais conceituado e exclusivo clube londrino, onde brilhavam as grandes figuras do beau monde, e, entre elas, Harry, o protegido dos membros da corte. Esse clube seria, para Arilla, o passaporte de entrada para toda a alta sociedade britânica. - E quem é essa grande dama? - A condessa de Jersey. Uma mulher caprichosa e imprevisível. Tanto pode glorificar como destruir uma pessoa. Por isso é temida e bajulada. Esse comentário não foi nada entusiasmante para Arilla, como também não o foi o lauto almoço servido logo depois. Harry saboreava um delicioso vinho quando ela ousou observar: Quanto vai nos custar isso? - Está tudo sob controle. Você tem uma farta despensa e uma criadagem, que consiste em uma cozinheira e uma criada de quarto. Só mulheres! Quando lorde Barlow se hospeda aqui, traz um criado particular para servi-lo; por isso você tem que se arrumar sem mordomo. Outra vez ela se viu diante de um enigma. Se aquela era a casa de lorde Barlow, por que Harry falara "quando ele se hospeda aqui"? Mas não quis
  • 13. especular. Antes do almoço, Arilla subira para tirar o chapéu e se aprontar para a refeição. Ficara pasmada ante o conforto e o luxo do quarto. Nunca havia pensado existir coisas tão aconchegantes e belas: o cortinado de musselina de seda envolvendo o grande leito;os ricos tufos de renda que ornavam o toucador antigo e os espelhos italianos que aumentavam o ambiente e refletiam sua imagem, propagando-a de parede a parede. A camareira era uma moça encantadora, evidentemente orgulhosa de seu ofício. - Estou bem assim? - Arilla lhe perguntara, antes de descer. - Sim, está linda! Parece uma lady. Desculpe, não sei se posso chamá-la assim. - E a criaturinha enrubescera. Estranha observação, mas Arilla absteve-se de comentar com Harry. Estava preocupada em agradecer-lhe aquela casa maravilhosa. Quando o almoço terminou e eles voltaram ao salão, ela disse, um pouco ansiosa: - Vamos ser prudentes e não gastar muito em roupas. E se tudo der em nada mais cedo do que esperamos? Harry, sem se impressionar com a admoestação, continuou: - Eu fiz o seguinte: prometi à costureira que aumentaria sua clientela com as muitas mulheres elegantes que vão apreciar suas toaletes. - Depois de uma pausa, acrescentou: - Ela costura para a moça que mora aqui. mas você vai se comprometer a arranjar-lhe novas freguesas entre as madames que conhecer. As que ela tem, na maioria, são prosti... - Na penúltima sílaba parou e falou artistas. - Ah! Já sei. Ela pensa que sou uma pessoa da alta sociedade e espera que eu lhe apresente outras senhoras importantes. Harry suspirou aliviado. - Exato. - E se ninguém me admirar? - Como não? Faremos o possível e o impossível para torná-la incomparavelmente linda! - ele exclamou confiante. Quando a costureira chegou, Arilla surpreendeu-se com sua beleza e jovialidade. - Estou às suas ordens, sr. Vernon. Como sempre, fui cativada pelo seu charme. A caminho questionava-me sobre a razão de minha obediência. - Não seja irónica, Liza. Você não se arrependerá por ajudar lady Lindsey a atingir o sucesso que lhe está destinado. Pensativa, Liza analisou Arilla. Depois, fazendo uma espalhafatosa reverência, sorriu para Harry: - Meus parabéns, você venceu! Ele se desmanchou em sorrisos, como se fosse responsável pela beleza irrefutável da prima. Arilla sempre havia pensado que comprar vestidos fosse um prazer. Nunca supusera ser algo tão cansativo. Exauriu-se experimentando os muitos modelos que Liza trouxera. Foi mais cansativo do que andar um dia inteiro a cavalo, ou mesmo cuidar de Seu pai doente. Contudo, ela ficou conhecendo uma nova faceta de Harry. Jamais imaginara que ele pudesse conhecer tão a fundo a arte de vestir uma mulher. Harry sugeria alterações em quase todos os vestidos, e era surpreendente como recebia a total aprovação de Liza. A costureira se perguntava, após cada ideia nova dele, por que não pensara naquela sugestão antes. Isso aconteceu com um vestido de gaze verde, a cor dos brotos da primavera. Ele insistiu para que ela o enfeitasse com
  • 14. delicadas flores na barra, valorizando-o muito. De outra feita, negou- se a comprar um determinado modelo, dizendo: - Não é próprio para Arilla... a faz mais velha e caipira! Mas, de um modo geral, todos os vestidos eram muito lindos, dificultando a escolha. Harry escolheu quase todos, com exceção de dois. Arilla então não pôde esconder sua perplexidade. - Você vai comprar. .. todos esses? - .. .e alguns mais. Liza vai trazer figurinos, amanhã. - Mas. .. eu não vou.. . Não é possível! - ela reagiu. E como Harry lhe lançasse um olhar reprovador, sua voz se converteu num vago lamento, sumindo pouco a pouco no silêncio. Ficou combinado que dois vestidos seriam entregues nessa mesma noite e os outros, no dia seguinte, à tarde. Depois que Liza partiu levando as caixas na carruagem, Arilla criticou Harry severamente: - Você ficou louco? Não vamos poder pagar esses vestidos! Além disso, não terei chance de usá-los todos. Harry foi para junto dela e vendo-a tão assustada, a ponto de tremer, disse-lhe com grave serenidade: - Ou você aceita minhas determinações ou deixo tudo por sua conta. - Não, não. Pelo amor de Deus! Você sabe que eu não posso fazer nada sozinha. Mas. . . que fortuna! - Da qual a rica lady Lindsey pode dispor - garantiu Harry, enfatizando o adjetivo. Todavia, ao olhar para ela, tão frágil e insegura, parecendo um bichinho assustado, apiedou-se. - Deixe comigo. Prometo que tudo dará certo e você não vai ser molestada por nenhum credor. - Mas quase não temos dinheiro! Ele a abraçou fraternalmente, encorajando-a. - Não fique assim, Arilla. Logo seu príncipe encantado vai chegar e... vocês viverão felizes para sempre. - Não é aspirar muito? - choramingou ela. - Que nada! Assim que você chegou, achei que venceríamos. - Tem certeza? - Absoluta. Sabe o que mais me entusiasma? Enganar toda essa gente pedante e convencida de que sabe e pode tudo! A maneira alegre e decidida como ele falou imprimiu novo alento em Arilla. - Vamos conseguir, Harry.. . vamos conseguir! - Quando olho para você, assim tão linda, só posso achar que sim. Sabe o que Liza me disse ao sair? Ele fez uma pausa para causar impacto. - "O senhor está no rumo certo, sr. Vernon. Ela é rica e há muito tempo não vejo criatura tão encantadora! Cuidado para não perdê-la." - Falou isso?! - Sim, moça, e esteja certa de uma coisa: ela vai decantar sua beleza a meio mundo! Amanhã mesmo um bom número de freguesas estará falando sobre você. - Ai, isso me apavora, mas ao mesmo tempo é empolgante! - E estimulante! Mas lembre-se: é muito importante você assumir o papel que representa, para não falhar em nenhum ponto. - Se sou tão rica... será que Liza não estranhou você pechinchar tanto? - Eu disse que seu falecido marido era muito económico e você se acostumou a isso. Reforcei dizendo que ainda não tinha tomado posse da herança. .. Recomendei a ela que não a assustasse com esses preços exagerados da city porque você sempre morou na zona rural. - Mas, quando cheguei, eu estava com um chapéu e um vestido bem finos. Por sinal você não me disse quanto custaram.
  • 15. - Nada. - Como? - Eu os pedi emprestados a uma amiguinha. Quando suas coisas chegarem, vou devolvê-los. - Oh! Harry, como vou fazer para agradecer-lhe? - Eu agradeço por você. Aliás, também não posso apresentá-la a você, bem como a minha amiga que mora aqui. - E elas são. .. suas amigas? - Comigo é diferente! - Ah! Já sei, são.. . artistas! Por isso o vestido e o chapéu são tão lindos! - São.. . são artistas - ele respondeu com rapidez. Arilla teve a impressão de que ele mentia, mas não atinava com a razão. Harry despediu-se, avisando que jantariam juntos. - Não se incomode, Harry. Se tiver um programa mais interessante, me arranjarei sozinha - ela declarou com humildade, mas torcendo para que não fosse verdade que ele tivesse coisa melhor a fazer. - Farei um pequeno sacrifício - ele falou calmamente. - Tenho instruções a lhe dar, para evitar em baraços amanhã. - Não vou me embaraçar. Fique sossegado. Depois que Harry saiu, Arilla subiu para seus aposentos. Sentia-se deveras cansada. A camareira, de nome Rose, sugeriu que ela se deitasse um pouco antes de preparar-lhe o banho. Tal mordomia agradava-lhe muito. Arilla seguiu o conselho e, quando sua cabeça tocou o travesseiro, caiu no sono. Dormira mal a noite anterior, pois pesavam-lhe não só o futuro, mas também os últimos acontecimentos de sua vida. Os Johnsons lhe causavam preocupação. Além de seus parcos salários, ela lhes dera algum dinheiro que lhes provesse de alimento por um pouco de tempo. Estava decidida a pedir a Harry uma mesada para eles, pois já haviam passado mal por ocasião da doença de seu pai. Quando fosse rica, daria uma pensão generosa aos Johnsons. Poderiam ficar morando no solar, ou então ela lhes compraria uma casinha na cidade. Se arranjasse um marido rico, haveria tanto a fazer com o dinheiro dele! Muita gente, como o senhor do empório, o açougueiro, tinha sido bondosa, dando-lhe crédito quando o dinheiro faltara. Gostaria de retribuir, assim que pudesse, apesar de não saber se sua fortuna seria de grande monta. Que desgraça se seu "príncipe de ouro" fosse tão avaro quanto os ricaços que ela e Harry conheciam! Mas, nesse caso, ela não se casaria. Rose despertou-a, avisando que o banho estava pronto. Logo depois, Arilla sentia-se uma princesa de contos de fada! E, ao vestir o modelo esvoaçante de Liza, teve certeza disso. Estava bem diferente daquela menina interiorana de cabelos malcuidados e vestidos de algodão barato de Little Marchwood. Agora era só charme e elegância! O vestido de gaze realçava a beleza de suas formas esbeltas e mostrava seu colo delicado, num decote audacioso em desacordo com seus hábitos provincianos. A imagem refletida no espelho do quarto era tão maravilhosa e irreal que a fez temer que se desfizesse na nebulosidade de um sonho. Mas, ao descer, os espelhos do salão confirmaram sua beleza, enriquecida por uma atitude e um porte de rainha. Apesar da temperatura agradável da tarde, a noite estava fria, e a lareira fora acesa. Em pé, na frente do fogo, Arilla ouviu a porta se abrir. Um arrepio a fez estremecer de alegria. Harry devia ter chegado.
  • 16. A empregada anunciou: - Lorde Rochfield, senhora. Um homem distinto e belo adentrou a sala, para surpresa de Arilla. "Harry deve tê-lo convidado para jantar", pensou ela. Mas, quando ele a olhou com o mesmo espanto que seus olhos mostravam, percebeu que se enganara. - Boa-noite. É amiga de Mimi? - Mimi? - ela perguntou, em dúvida. Achou que ele esperava encontrar a dona da casa e foi logo dizendo: - Estou morando aqui e... não há mais ninguém além das empregadas. - Mimi viajou? É estranho. Sabia que eu viria esta noite. Deixou você para me consolar, não foi? Arilla ficou perplexa. Antes que pudesse retrucar, ele prosseguiu: - Que amor! Não sei como não notei você antes. Ele a media com um olhar atrevido, fazendo-a sentir-se desconfortável. Sabia que ali, em frente ao fogo, suas vestes deviam estar transparentes e seu decote, perturbador. - Sinto muito que o senhor esteja desapontado por não. . . encontrar a dona da casa. - De maneira nenhuma! Não estou desapontado. Você é muito mais atraente do que ela. É fascinante, é... muitas coisas que lhe direi, mais tarde, depois de nosso jantar. O lorde deu um passo à frente e Arilla, aterrorizada, recuou com medo de que ele a tocasse. - Vamos jantar aqui mesmo ou quer sair? - Eu. . . eu preciso explicar - ela falou, desamparada, começando a tossir. - Não, não quero explicações; eu a quero o mais rapidamente... na cama. - E ia avançar para ela quando uma voz metálica e firme anunciou: - O sr. Vernon, senhora. Lorde Rochfield virou-se contrariado mas, controlando-se, exclamou: - Harry Vernon! Que diabo você está fazendo aqui? - Devolvo-lhe a pergunta - disse Harry, de mau humor. - Ainda bem que Mimi deixou uma substituta.. . Esta deusa encantadora. Nesse momento Harry já tinha alcançado Arilla que, amedrontada, agarrou-se ao braço dele. - Vossa Graça talvez não saiba que Mimi foi a Paris, e minha prima, lady Lindsey, alugou esta casa de Barlow, na ausência dela. Lorde Rochfield olhou desconfiado para Arilla, achando que estivesse sendo ludibriado. Todavia, ao perceber o pavor estampado no semblante da jovem, convenceu-se. - É... parece que houve um engano. - Não foi culpa sua. Mimi devia ter avisado que deixaria a Inglaterra por algum tempo - disse Harry, com firmeza. - Minha prima, milorde, levava uma vida serena no campo e chegou recentemente a Londres. Espero que não a desaponte, pois Sua Graça é o primeiro representante da sociedade londrina a ser-lhe apresentado. - Uma situação assaz privilegiada! - exclamou o lorde. - Vou servir um drinque. Deve haver champanhe por aqui. - Harry atravessou o salão, afastando-se. - Espero que me desculpe se a ofendi antes de conhecê-la. - Oh, sim. Eu apenas fiquei confusa porque nem sabia o nome da senhora que mora aqui. Lorde Rochfield tossiu e falou com voz acariciante: - Gostaria de levá-la para dar uma volta de carruagem pelo parque. - Sorriu e achou melhor arriscar outro convite: - Talvez vocês dois concordem em jantar comigo uma noite dessas?
  • 17. - Será um prazer! Harry já voltava com duas taças de champanhe, que entregou a ambos, retornando ao bufet para servir-se. - Não há necessidade de desejar sucesso a você disse o lorde, levantando a taça para Arilla - porque, obviamente, o terá, e esmagador! Espero, isso sim, que não esqueça seu primeiro contato aqui em Londres. fazendo-me seu amigo. - O senhor é. muito amável. E as duas taças tilintaram ao tocarem-se delicadamente. Só depois de meia hora, com visível relutância, lorde Rochfield despediu-se. Arilla achou que ele esperava um convite para jantar, mas não caberia a ela fazê-lo. Assim que a carruagem distanciou-se, comentou: - Que sorte você ter chegado, Harry. Lorde Rochfield começou a falar de um modo tão estranho! - Eu sabia. - Mas ele se desculpou, depois. Notou como queria ficar para jantar? - Sim. Mas não é pessoa indicada para se envolver com você. Se bem que... é preferível tê-lo como amigo do que como inimigo. - Por que não posso envolver-me com ele? - Muito simples: nunca se casaria com você. - Não? E se me conhecesse melhor? - Ele é faladíssimo por seus casos amorosos, que nunca o levarão a um outro desastroso casamento. - Ah! Então já foi casado? - É evidente. com essa idade! E foi casado com uma mulher encantadora, filha do duque de Doncaster mas a fez sofrer muito. - O que ele fazia? - Tinha muitas amantes, divertia-se com coristas enfim, quase matou a esposa de desgosto. Ela morreu há cinco anos, mas, garanto, ele não vai se amarrar outra vez. Já tem dois filhos para herdarem seu título e uma imensa fortuna. Ele acha a vida de boémio mais divertida e interessante do que a de um esposo dedicado. - Esse homem é horrível. - concluiu Arilla, com ingenuidade. - Por isso deve mantê-lo a distância. - Mas você foi gentil com ele. - Para evitar que crie problemas. - Como? Harry sacudiu os ombros, descontente. - Chega de falar nele. Estamos perdendo nosso tempo. - Concordo. E, francamente, nunca mais quero encontrar esse monstro - ela disse em voz fraca. Lembrava-se da maneira vulgar e atrevida com que ele a fitara e das palavras estranhas que lhe tinha dirigido. - Então esqueça-o. Se um dia a convidar para sair, apenas negue, ou melhor, eu a orientarei como fazer. - Já me convidou para passear no parque e quer que jantemos qualquer noite com ele. Harry soltou uma risada e disse: - Ele estava querendo "emendar o soneto". Pois tomou-a por uma. Hesitou mas Arilla já completava: - Substituta de Mimi. Sei lá o que isso possa significar. - Que lorde Rochfield vá para o inferno com sua impertinência. Devia ter imaginado que você era uma moça de família. - Antes de você chegar pensou que eu fosse uma. empregada? Harry pigarreou, nervoso e ao mesmo tempo encantado com a inocência da prima. " Isso não estava no programa. Preciso avisar a
  • 18. moça que atende à porta para ter mais cuidado e receber só pessoas previamente recomendadas. - Talvez ela tenha pensado que ele era seu convidado. - É... talvez. Mas não deve acontecer de novo. A seguir os dois foram jantar. Harry se mostrou alegre e carinhoso, parecendo querer compensar o aborrecimento causado por lorde Rochfield. Mas Arilla não mais pensava no incidente, encantada que estava com a companhia sempre tão agradável do primo. Quando terminaram de jantar, Harry disse com ar protetor: - vou mandá-la para a cama cedo porque amanhã temos muito o que fazer. À noite, quero você na melhor das formas para uma entrada triunfal na sociedade mais sofisticada da Inglaterra. - Deteve-se por um instante e prosseguiu: - É muito importante a condessa de Jersey aceitar você. Por isso fiquei preocupado com o lorde. Ele poderá fazer algum comentário desagradável a seu respeito. pelo fato de morar sozinha, sem uma dama de companhia. - Isso é mau? - Para pessoas tradicionais, apegadas a convencionalismos... é um escândalo! Mas. todos sabem que sou seu primo e uma espécie de tutor, o que atenua a situação. Além disso, você mora em uma boa área desta cidade e também está rodeada de criados. - Brincou. - Ninguém vai lhe atirar pedras, espero. - Se fosse para ter uma dama de companhia, preferia ser uma debutante. - E não conheceria nem a metade das pessoas importantes que, como viúva rica, vai conhecer. - Não se interessam por mocinhas? Elas causam problemas para a maioria dos ho mens e, de um modo geral, são desinteressantes. inexperientes. - Meio sem jeito, Harry aconselhou: Tome cuidado com homens do tipo de lorde Rochfield! Cortejam as mulheres por outras razões... nunca para oferecer uma aliança de casamento. - Que outras razões? Harry entrou em conflito: deveria ou não dizer a verdade? Não queria ferir os sentimentos de Arilla. Ademais, sabia que sua inocência e aura de pureza a faziam ainda mais atraente e a protegiam melhor do que ele mesmo a poderia proteger. Ao mesmo tempo, pensou: "Ela está tão bela e sedutora nesse vestido de gaze que entendo por que lorde Rochfield relutou tanto para sair". Temia pelo futuro dela, pensando nos inúmeros Rochfield espalhados por esse mundo afora. Harry ficou carrancudo, e Arilla o interrogou, aflita: - Você está zangado, Harry? Falei alguma bobagem? - Não, claro que não. Nossa corrida já começou. Vá para a cama convencida de que teve um bom início, minha linda priminha. - E acrescentou, feliz: - Já ultrapassou a primeira cancela, agora as outras serão mais fáceis. Arilla sorriu de modo encantador. - O primeiro obstáculo a ser vencido será a condessa de Jersey - lembrou. - Por enquanto só pulei um perigoso fosso: lorde Rochfield. - Há muitos outros obstáculos, cuidado! - Mas eu me agarrei em você, Harry. Vai ser empolgante! - Vai mesmo, Arilla, e... haja o que houver, não desistiremos de correr atrás de nossa boa sorte! CAPITULO iii Ao entrar no magnífico salão de recepções da condessa de Jersey, Arilla desejava ardentemente que a mãe a estivesse vendo. Havia lustres de cristal da Boémia, mobília francesa, tapetes Aubusson, e o teto era
  • 19. lavrado a ouro. Quando Harry chegara a Islington para apanhá-la, ela procurava aprovação para sua aparência no olhar dele. O espelho de seu quarto lhe mostrara a imagem de uma boneca, criada por Liza e Harry, e não a sua. Seu vestido de renda, cheio de flores, fitas e babados, longe de ser por demais enfeitado, lembrava em leveza e nuances a chegada da primavera. Era a própria Perséfone, deixando o Hades para se oferecer à luz e ao calor do sol. Contudo, ao cruzar a sala em direção ao primo, um tremor percorrera-lhe o corpo, receosa de que ele não a achasse bela. com ansiedade, perguntara: - Que tal? - Liza trabalhou muito bem - afirmara ele. E colocara-lhe a estola sobre os ombros desnudados porque uma leve brisa se fazia sentir lá fora. Uma confortável e luxuosa carruagem os esperava. Não era um faetonte e devia ter sido emprestada, como sempre. Sem nada dizer, Arilla lamentou, mais uma vez, a situação de dependência de Harry, apesar de sabê-lo muito querido entre os ricos amigos. Não descartou, todavia, a possibilidade de alguma vez ele ter sido objeto de chacota por estar em inferioridade económica. E sofreu com isso, como ele próprio teria sofrido. Arilla foi tomada de pânico ao se aproximar da mansão. "E se estivermos cometendo um grave erro com toda essa encenação?", questionou-se. Sua grande preocupação era não prejudicar os bons relacionamentos de Harry. Lembrava-se de como ele a prevenira sobre o papel importante da condessa em seu meio social. Contudo, Harry não entrara em detalhes a respeito do que ela representava para o príncipe regente. Tivera medo de chocar Arilla, que jamais entenderia como Frances Jersey destruíra a felicidade entre o então príncipe de Gales e a sra. Fitzherbert. Mãe de dois filhos e sete filhas, dos quais alguns a haviam presenteado com netos, a condessa era nove anos mais velha do que o príncipe, porém dona de um charme maduro e marcante, aliado a uma incrível formosura. Harry lembrava-se de como o pai e seus contemporâneos se referiam a ela como alguém que transpirava malícia, encanto e sedução. Também comentavam a respeito como sendo uma mulher perversa e inescrupulosa na conquista de suas ambições. Certa ocasião, o velho pai observara: "O príncipe não poderia deixar de cair nas malhas dessa infernal Jezebel. Ele estava ciente de toda a crueldade dela, mas os artifícios femininos que ela usou eram de tal forma significantes que lhe foram fatais". E o pai continuara em tom amargo: "Na verdade, o príncipe regente queria ambas as mulheres. Não lhe foi fácil viver sem a sua Fitzherbert. Mas, finalmente, com uma férrea perseverança, a condessa de Jersey venceu". Era evidente que, depois de ouvir tudo isso sobre a condessa, Harry quisesse conhecê-la. Por isso, ao voltar da guerra e estando em Londres, ele a procurou. Encontrou-a velha, mas ainda bonita e sensual. E Harry, atraente, de personalidade forte e muito boas maneiras, advindas de sua origem nobre, tornou-se o encanto da velha senhora, que o impulsionou às alturas da sociedade inglesa.
  • 20. Em troca, ela esperava que ele estivesse sempre disposto a colorir suas reuniões com seu encanto e inteligência brilhante. Chegava mesmo a sentir ciúme dele, quando requisitado pelo príncipe para outras atividades sociais que não as suas. Mais tarde, com medo de perder prestígio, aconselhou-o a atender Sua Alteza Real, sem deixar de preveni-lo porém: "O príncipe é muito interesseiro. adora bajulação. Quando menos esperar, se descartará de você. E se você fosse rico... o faria pagar pelo privilégio de tê-lo como amigo! " Harry rira gostosamente na ocasião. A mordacidade da condessa o divertia muito. Agora, ao levar Arilla para conhecê-la, sabia estar usando mais da intuição do que da lógica. A velhice tornava certas pessoas más e invejosas, e a prima poderia vir a ser uma vítima da condessa. com sua beleza inegável, Arilla seria invejada até por criaturas jovens, quanto mais por essa mulher tão atenta à sua progressiva decrepitude. A condessa poderia detestá-la e mesmo magoá-la, em vez de ir em seu auxílio. Mas a sorte estava lançada, e ele esperava que, apesar de Arilla portar uma aliança de casamento, seu aspecto quase infantil despertasse a benevolente proteção da velha. Mas não transmitira sua inquietação à prima para não deixá-la nervosa, roubando-lhe a espontaneidade. Mesmo de longe, Arilla notou os vestígios de beleza no rosto da condessa, mas achou-a mais velha do que supunha. Depois de serem anunciados, eles se dirigiram até a antiga bergère, onde a anfitriã se encontrava, como se estivesse num trono, rodeada por cavalheiros atentos e distintos, carentes de sua consideração. Quando Harry se aproximou, ela ofereceu-lhe a mão para ser beijada. - Você está mais lindo do que nunca, Harry! Como poderia negar um pedido seu? Onde está sua prima? Se é isso o que realmente ela é! - Claro que é minha prima! Jamais mentiria a Vossa Senhoria. - Você é capaz de tudo para atingir seus objetivos, Harry - retrucou ela, com sabedoria. - Vamos, mostre-me a jovem. - Arilla, venha conhecer a condessa - ele sussurrou, virando-se para trás. A seguir apresentou: - Esta é lady Lindsey, Arilla Lindsey. Arilla fez uma graciosa reverência para a condessa de Jersey. - Já sei que você é viúva, Arilla. Eu também sou e lhe asseguro que, se as pobres mulheres quiserem ter um mínimo de liberdade em suas vidas, devem providenciar para nascerem viúvas ou órfãs. Risos soaram pela sala em aplauso à espirituosa observação da condessa, que continuou. - com essa carinha, duvido que continue por muito tempo em seu invejável "estado de graça", ainda mais, como disse seu primo, sendo beneficiária de tão grande fortuna. Como era de se esperar, Arilla enrubesceu. - Vossa Senhoria está encabulando minha prima. Mas gostaria de informar que, se ela contrair núpcias novamente, será em razão de suas valiosas qualidades pessoais. - facilmente reconhecíveis - completou a condessa. - E muito breve surgirão dezenas de candidatos. - com a sua preciosa colaboração - Harry acrescentou com ousadia. Por um momento reinou um silêncio constrangedor; depois a condessa brincou: - Audacioso como sempre, não é, meu rapaz? Por isso, gosto de você - disse ela. E voltou-se para os convidados: - Quem os senhores sugerem que seja apresentado a essa jovem e charmosa viúva? Todos começaram a falar ao mesmo tempo, para total embaraço de Arilla,
  • 21. que se aproximou mais de Harry, pedindo guarida. Ele entendeu seu gesto e deu-lhe um sorriso tranquilizador. Nesse instante alguns retardatários adentraram o salão. Harry, aproveitando a distração da condessa, sussurrou ao ouvido da prima: - Não se preocupe. Já foi bem-aceita. Agora o resto é fácil! Harry tinha razão. Seguiram-se inúmeras apresentações a cavalheiros bem-apessoados, todavia, sempre acompanhadas das mordazes observações da condessa. Quando conversava com um par da Câmara dos Lordes, que falava com orgulho sobre um discurso que lá fizera, Arilla, para seu desalento, ouviu o mordomo anunciar: - Lorde Rochfield, milady. Ela notou logo a satisfação da condessa e observou o olhar soberano que o lorde lançou pelo salão. Virou o rosto, mas ele imediatamente a reconheceu. Prova disso foi o comentário que a condessa de Jersey fez, com voz maliciosa: - Já conhece lorde Rochfield... não, Arilla? Ele insiste em uma apresentação formal, por razões desconhecidas para mim. Portanto eu os apresento: lady Lindsey, lorde Rochfield. Enquanto Arilla o saudava friamente, ele explicava: - Quero iniciar um relacionamento sem equívocos. Ao encontrar os mesmos olhos escuros e atrevidos, ela se certificou mais uma vez de que o detestava. Aquele homem, contra o qual Harry já a havia prevenido, a amedrontava. E, quando ele fez menção de se aproximar mais, ela se desculpou: - com licença, preciso ver uma pessoa... Antes que lorde Rochfield pudesse retrucar, Arilla desapareceu entre os grupos de convivas. Encontrou Harry em animada conversa com um velho e conceituado estadista, que discretamente se afastou ante o surgimento inesperado dela. - Lorde Rochfield chegou, Harry - ela disse baixinho. - Eu vi. Seja gentil, mas evite-o, o mais que puder. Não o contrarie, para não criar problemas. Arilla ia dizer-lhe que não sabia como seguir instrução tão contraditória quando o lorde os alcançou, falando em tom cordial: - Boa-noite, Vernon. Pensei que o encontraria no clube. Pretendia convencê-lo a levar essa jovem fascinante para jantar em minha casa. - Sorriu para Arilla e prosseguiu: - vou dar um jantar em sua honra, com a presença de Sua Alteza Real, a quem devo não só um, mas muitos antares! - Isso se aplicaria a muitos de nós. O que nos consola é pensar que o príncipe gosta mesmo é de ser o convidado principal de sua própria mesa - disse Harry rindo. - Talvez. Eu já prefiro ser o anfitrião de sua adorável parente. Quando me darão esse prazer? O desejo de Arilla era que esse jantar nunca se realizasse. No entanto, ele lhe daria uma ótima oportunidade para encontrar personalidades interessantes e iniciar relacionamentos de futuro. Harry também devia ser da mesma opinião, tanto que logo se pronunciou. - Muita gentileza sua, milorde. Lady Lindsey e eu nos sentiríamos honrados com sua hospitalidade. Mas. estamos com nossa agenda lotada. Deixe-me ver... na próxima quarta-feira? - Perfeito! - exclamou lorde Rochfield. - Só espero que lady Lindsey se divirta porque... quanto aos outros... quem não se compraz ante tão encantadora criatura? "Muito formais para serem sinceras essas palavras", pensou Arilla. Notou que os olhos do lorde a examinavam com a mesma avidez da noite
  • 22. anterior. E, outra vez, sentiu-se desconfortável, achando que seu vestido era um pouco transparente e exagerado no decote. Apesar de ingénua, Arilla percebia que aquela não era a maneira de um cavalheiro olhar para uma dama de respeito. "Ele é odioso e está se comportando de um modo abominável", considerou. Nesse instante a condessa tocou Harry com seu leque para dizer-lhe: - A princesa de Lieven acaba de chegar. Veja se você a entretém a fim de paralisar sua língua viperina. Atónita, Arilla ouviu a risada dele e viu-o apressar-se obedientemente em direção à princesa, esposa do embaixador russo. Quis segui-lo, mas lorde Rochfield levou-a Para o canto extremo do salão, onde havia um sofá desocupado. - Agora me fale de você. Acredito que no campo, onde esteve escondida, sua beleza foi decantada apenas Pelos pássaros e pela brisa! Não deixa de ser uma pena. - É um poeta, milorde - disse ela em tom de ironia. - Só quando estou com você. Quando a encontrei ontem, pensei estar tendo uma visão. Contrariada, Arilla virou o rosto, mas ele continuou: 49 - Será que ainda não me desculpou por tê-la confundido com uma das meninas da Mimi? As circunstâncias me levaram a isso! - Continuo sem entender. Não conheço essa Mimi. - Então vamos esquecer a noite de ontem, com exceção do impacto que você me causou. Sem mais delongas, minha linda, estou perdidamente apaixonado por você. - Não é possível, milorde! - retrucou ela. - E não devia falar assim... Em tão pouco tempo de conhecimento! Lorde Rochfield riu. - Não sabe que tempo não tem nada a ver com emoções? O amor nasce de repente, como uma faísca em céu tempestuoso... - Só posso duvidar de um sentimento com bases na fragilidade de um mero encontro! As palavras de Arilla eram frias e duras e seus olhos moviam-se, aflitos, à procura de Harry. com surpresa e desagrado, sentiu as mãos do lorde segurá-la pelos cotovelos e ouviu a voz clara e firme dizer: - Ouça bem, sou um homem obstinado. Quero você e vou tê-la só para mim... - E, fitando-a com ternura, continuou: - Tomarei parte no jogo, seja lá qual for, mas ao final a terei em meus braços. Arilla não pôde evitar a vaidade motivada por tal declaração, jamais ouvida da boca de algum homem. Instintivamente, olhou-o, impressionando-se com a chama reluzente que brilhava naqueles olhos escuros. Apavorou-se quando sentiu mãos poderosas agarrarem-na, puxando-a para junto de um corpo fremente. Teve ímpetos de fugir, mas seu bem treinado autocontrole de menina inglesa a fez raciocinar e optar pela diplomacia. - Cuidado, milorde, está quebrando o mais primário dos princípios da moral vitoriana. Sinto dizer que suas palavras não me interessaram, e é com todo o respeito que peço permissão para me retirar. Levantou-se com firmeza e afastou-se dele devagar. Lorde Rochfield não
  • 23. a deteve, para evitar escândalo. À medida que ela caminhava, ouvia-lhe a risada desdenhosa e artificial. Mais uma vez aproximou-se de Harry, que se ocupava com a princesa. Ele ia apresentá-la à princesa, quando um senhor atarracado, que estava ao lado, tomou a dama pelo braço, e ambos se afastaram falando em russo. - O que houve? - Harry perguntou, contrafeito. - Lorde Rochfield está sendo inconveniente. Vamos embora. - Pelo amor de Deus! A ceia nem foi servida. e seria um insulto sairmos antes da meia-noite. Será que não sabe intimidar lorde Rochfield? Tenha paciência, Arilla, você parece uma criança - reclamou Harry com voz irritada. - vou tentar... não é fácil. - Nada é fácil... mas faz parte de nossa empreitada - ele retorquiu. - Venha cá, vou apresentá-la a um grande amigo meu. Dirigiram-se a um jovem que atravessava o salão. - Charles, vem cá, há alguém que quero que conheça. - Olá, Harry, sabia que iria encontrá-lo aqui. Ao ver Arilla, ficou vivamente alvoroçado. - Sir Charles Ledger, minha prima lady Lindsey - apresentou Harry com voz solene. - Nunca soube que você tivesse uma prima assim encantadora, Harry! Todos os seus parentes que conheço são exatamente como os meus: maçantes e antipáticos. Mas. como dizia meu pai, "mesmo no pântano pode aparecer uma flor". 51 Arilla achou graça no exagero da observação e deu uma risada cascateante. - Paris deixou-o afiado, hem, meninão! Nunca o vi tão loquaz! Charles esteve em Paris, sob os auspícios da Secretaria dos Negócios do Exterior - Harry explicou - e, como se vê, aproveitou bem a viagem. - Adoraria conhecer Paris, agora que acabou a guerra - disse Arilla. - Tantos lugares que não passavam de simples nomes para nós tornaram-se propícios a uma visita. - Harry e eu conhecemos grande parte do continente durante a guerra. Mas, graças a Deus, as coisas estão muito diferentes agora. - É. ouvi falar. Precisaria examinar in loco disse Harry, dando um profundo suspiro. "Se eu fosse rica. faria tudo por Harry", pensou Arilla. "Parece incrível que ele seja tão pobre... enquanto seus amigos têm tanto dinheiro para esbanjar " E realmente não havia nenhum sinal de economia naquela noite. Sentaram- se para uma ceia magnífica, onde todo o requinte da arte de comer e de beber havia sido empregado. Excelentes vinhos foram servidos, sempre na temperatura ideal: suficientemente frios para parecerem aveludados na língua, mas nunca tão gelados que perdessem o aroma e o sabor. Os dois amigos não pouparam elogios. - Ao que parece, a condessa quer sobrepujar as reuniões de Carlton House ou do Pavilhão Real, em Brighton - comentou Charles. - Aliás, é o que aspiram todos esses grã-finos depois da reforma feita no bar e na adega do príncipe regente. Sua Alteza Real conseguiu criar uma verdadeira gruta de Aladim! - Gostei da comparação! - exclamou Harry. Já imaginou o que deve ter custado ao tesouro real? - E não sei se valeu a pena. Eu não gostei... Toda aquela decoração oriental não faz o meu género. Devo admitir que é tudo muito luxuoso, e a atmosfera é bem própria do gosto do príncipe.
  • 24. - Deve ser - Harry afirmou, lamentando não ter estado lá ainda. Arilla sonhava ter a oportunidade de algum dia visitar Carlton House e o Pavilhão Real, mas lembrou-se, com tristeza, do fraco que o príncipe tinha por mulheres maduras, se é que os mexericos eram verdadeiros.. . Quando voltaram ao salão, após a ceia, a orquestra de cordas tocava uma peça romântica, enchendo o salão de poesia e sensibilidade. Harry e Charles entretinham-se falando sobre as corridas a se realizarem no dia seguinte. Atraída por um quadro de Rubens, Arilla afastou-se um pouco. E outra vez soou ao seu ouvido a desagradável voz de lorde Rochfield: - Você é muito mais bonita do que qualquer obra de arte. Ela notara que, durante a ceia, o lorde sentara-se ao lado da anfitriã, provando sua grande respeitabilidade, e como temesse desagradar a condessa, aceitou com paciência o cumprimento dele. - Por certo Vossa Senhoria conhece bem a arte da pintura. Será que poderia me instruir sobre essas valiosas obras? - disse com ingenuidade e mostrou a fileira de quadros expostos ao longo das paredes. - Prefiro olhar para você, mas. . . vou lhe mostrar um quadro que não há quem não admire. É um Poussim. Levou-a para o fundo do salão, onde uma esplêndida tela despertou, em Arilla, a ambição de posse, que não passou despercebida ao lorde. Mais do que depressa, ele informou-lhe: - Vou presenteá-la com um quadro desse mestre. Ou... prefere diamantes? Arilla retesou-se. Sabia, por intuição, que não seria próprio um homem oferecer-lhe jóias... Sentiu-se insultada e respondeu ironizando: - Nem uma coisa, nem outra... Prefiro cavalos! - Então vai tê-los. Ela deu um gritinho de susto. - Eu estou brincando! É evidente que não posso receber presentes de Vossa Senhoria, seja lá o que for. - E por que não? Você é muito inocente. Duvido que nesta sala haja alguma mulher que já não tenha sido generosamente presenteada pelo sexo oposto. - Talvez, milorde. Na minha cidadezinha, tínhamos outros valores. Cresci sabendo que presentes... só se recebe de marido. Lorde Rochfield riu-se. - O que você me diz é muito claro: quer alguma coisa muito mais valiosa para uma mulher como você do que quadros, brilhantes e cavalos. uma aliança de casamento. - Nem pensei nisso! Mas. talvez tenha razão. Arilla sabia que ele não era do tipo de se casar. Harry já a havia prevenido. Assim como o príncipe regente, o lorde jamais chegaria ao casamento. Ambos escandalizavam toda a sociedade com suas aventuras amorosas. Não buscavam as mulheres para a satisfação de um ideal; queriam-nas apenas para a cama. Sua mãe também se chocaria, se conhecesse o lorde. Ao chegar a essa conclusão, sentiu-se bem esperta para uma moça simples do interior. Pondo um fim ao diálogo, voltou a contemplar Poussin. Nenhuma outra pintura a encantaria tanto! Em um sussurro, ouviu a voz de lorde Rochfield: - Quer se casar outra vez, não é? Poderemos pensar nisso, mais tarde. Arilla achou que não tinha ouvido bem e, quando se voltou, deparou-se com uma expressão estranha naqueles olhos escuros. Não entendeu mas se amedrontou bastante. Ele se aproximou ainda mais para dizer: Desde a noite passada você não saiu de meu pensamento. Não vejo mais nada, além da beleza de seus olhos e do tom dourado de seus cabelos.
  • 25. Havia algo de esquisito naquela voz. Ela teve medo de fitá-lo. - de ser hipnotizada e impulsionada para aqueles braços suplicantes. Mas era muito tarde para se arrepender de tê-lo acompanhado ao fundo do salão. - Você já foi casada, minha querida. Por que está tão nervosa e em dúvida? Tinha medo de seu marido? - Não quero falar nisso. - Se ele não tivesse posto essa aliança em seu dedo, não acreditaria que algum homem a tivesse possuído ou mesmo. beijado. Há uma aura de pureza em você, e isso me enlouquece e me faz prisioneiro de seus encantos. Havia paixão nessas palavras, e Arilla amedrontou-se. Olhou para os convidados em busca de Harry, suspirando aliviada quando o viu caminhando para ela. Ao alcançá-la, ele advertiu: - Se você pretende montar amanhã, é conveniente irmos embora. - Tem razão - ela apressou-se a dizer. - Também estou muito cansada. - Na verdade. está querendo fugir - lorde Rochfield emendou. - Fugir? - exclamou Harry. - Por acaso esteve aborrecendo minha priminha, lorde Rochfield? Ela veio do campo e não está habituada com dom-juans da cidade. - Logo se vê. Mas lhe garanto que não tive intenção de magoá-la ou aborrecê-la. - Espero que não - Harry declarou com secura e firmeza. - Pode confiar em mim. vou tomar a liberdade de visitar lady Lindsey, amanhã. - Não sei se... vou poder. Arilla não completou a frase porque Harry já dizia: - Estamos muito ocupados. Não temos tempo para recebê-lo. - Está me provocando, ou prefere fazer uma aposta, sr. Vernon? - Não tenho dinheiro para apostas. Acho que um desafio fica mais barato. Os olhares dos dois homens se cruzaram, revelando uma rivalidade mortal. Arilla interrompeu graciosamente esse prelúdio de briga para despedir- se, dizendo: - Obrigada pela aula de arte que o senhor me deu. Estou me sentindo esgotada. Também, esta noite foi muito emocionante para mim. Lorde Rochfield tomou-lhe a mão, roçando-a ternamente com os lábios. Arilla teve a sensação de estar sendo tocada por um réptil e sentiu vontade de gritar, mas, com um sorriso de atriz, agradeceu: - Boa-noite, milorde, e mais uma vez, muito obrigada. Harry e Arilla despediram-se da condessa e saíram. Só depois que a carruagem deixou os pajens com seus archotes para trás, ele observou: - Agora me diga o que aquele imbecil disse para você ter ficado tão perturbada. CAPITULO IV Propositadamente Arilla escolheu o vestido de que menos gostava, na esperança de se tornar menos atraente a lorde Rochfield. Até a véspera não se lembrara do desagradável convite para jantarem na companhia dele. Mas, quando ela e Harry se despediram de seus anfitriões, depois de uma agradável reunião, ouvira sua voz impertinente dizendo-lhe: "Espero vê-la amanhã à noite, encantadora senhora". Ao ver seu interlocutor no grupo de pessoas que a rodeavam, respondera com falsa amabilidade: "Sim, estamos ansiosos para visitá-lo". Agora, ao aprontar-se para jantar com lorde Rochfield, sentia-se angustiada, apesar de saber que contaria com a presença de Harry para protegê-la. Rose, a camareira que a ajudava a vestir-se, terminou de abotoar-lhe o vestido e não se conteve:
  • 26. - A senhora está linda, milady! - Obrigada - respondeu Arilla com um sorriso. Dona Mimi costuma se enfeitar muito mais, não é? Ela estava plantando verde para colher maduro. Até aquele momento o nome de Mimi fora evitado, tanto por Harry como pela criadagem. E, no entanto, tudo no quarto revelava a presença habitual de uma mulher. Harry dissera que os móveis e os objetos de decoração pertenciam a lorde Barlow, mas havia ali coisas obviamente femininas. Houve um silêncio embaraçoso. Depois, um pouco relutante, Rose respondeu: - É, sim, mas... é diferente. - Logo acrescentou: - Se me permite a pergunta, que jóias vai usar, senhora? Arilla observou a imagem refletida no grande espelho e achou que a falta de jóias acentuava a alvura de seu colo. Teve certeza de que mais uma vez o lorde iria fazê-la sentir-se decotada demais. "Por que Harry não me arranjou algum adereço para usar?", pensou. Na primeira noite em que saíram, ela encontrara sobre uma mesinha da sala um lindo porta-jóias. "Trouxe um complemento muito importante para a toalete de uma viúva rica: diamantes", ele dissera. "Harry! De onde você pegou isto?", Arilla tinha nas mãos um precioso colar de brilhantes. "É soberbo! Apesar de ser um pouco espalhafatoso demais. quase vulgar para o meu gosto." Arilla compreendia, porém, que seu papel de viúva abastada reclamava tais exageros. Rememorou como as mulheres olhavam com ar de cobiça para o valioso colar, na recepção da condessa de Jersey. Depois disso, Harry sempre providenciara jóias. Uma das vezes, trouxera um colar de gosto duvidoso, que ele mesmo qualificara ser de extrema vulgaridade. "Tire essa coisa horrorosa do pescoço. ", dissera. "Não gostei desde o primeiro instante, mas a pronta oferta de minha amiga me obrigou a aceitá-lo." "Que bom você também não ter gostado!", Arilla exclamara aliviada. Harry, então, sugerira-lhe que usasse uma fita de veludo e pregasse nela uma orquídea branca, dando assim um toque chique e primaveril. Ficara mais bonito do que antes, e ela fora sobejamente elogiada; alguns comentários chegaram aos ouvidos do primo: "A viúva rica é tão linda quanto modesta... É digna e discreta em suas atitudes. Não se preocupa em exibir suas jóias. vou incluí-la em meu círculo de amizades". Talvez para essa noite ele também a quisesse usando apenas flores; por isso Arilla pediu a Rose que procurasse o mais lindo botão de rosa entre os frescos ramalhetes recém-chegados para a decoração da casa, a fim de colocá-lo em sua gargantilha. Infelizmente, não gostou do efeito e optou por uma simples fita de veludo cor-de-rosa. - Está lindo! - aprovou Rose. - Falta alguma coisa... - Arilla pensou em voz alta. - Está ótimo assim e. garanto que o sr. Harry vai gostar. É assim que nós o tratamos aqui - Rose informou, dando uma risadinha. - Espero que goste - Arilla respondeu. Depois, num impulso, ela perguntou: - Você disse que chama o sr. Vernon de sr. Harry? Ele vem aqui com frequência? - Vem, sim. Dona Mimi é louca por ele, como também todas as outras. Mas ele não pode muito. Rose parou de falar de repente, como se percebesse sua indiscrição. Depois gaguejou: - Mas. Sua Graça, o lorde Barlow, é muito generoso, e todas gostamos de trabalhar para ele. - Porém ele não mora aqui, mora?
  • 27. Arilla lembrou-se de que, ao passar por Berkeley Square, Harry lhe mostrara a mansão dos Barlow, impressionante pela suntuosidade. - Oh, não, milady! Sua Graça só vem quando pode. por pouco tempo... Há outros cavalheiros! Mas gostamos mesmo é do doutor Harry. "Qual será o relacionamento de lorde Barlow e Mimi?", Arilla conjecturou. Perguntara muitas vezes a Harry mas ele se esquivara. Tinha perguntado também em que teatro Mimi trabalhava e nunca recebera resposta concreta: "Ela está trabalhando, no momento, em Paris, com o lorde. Por isso estamos aqui, usando a casa, as carruagens, os cavalos de Sua Excelência, sem... gastarmos nada! " Arilla esboçou um sorriso de felicidade por ter deixado tudo nas mãos do esperto primo e pensou: "Ele já deve estar chegando". Como seria bom se jantassem sozinhos. mesmo em casa. Eram tão poucos seus momentos a sós com ele. Apesar de Harry estar sempre presente para opinar sobre sua aparência, ela o queria a seu lado por mais tempo, uma vez que em sociedade ficavam distanciados, preocupados apenas com os bons partidos que poderiam aparecer. Parecia impossível já ter sido pedida em casamento em tão curta permanência em Londres. A proposta viera de um par do reino, a quem encontrara apenas duas vezes. Ele havia se sentado a seu lado durante um jantar, ignorando por completo todos os que o rodeavam, a ponto de Arilla achá-lo sem muita fidalguia. Depois do jantar, dançaram. O nobre senhor a convidara para se retirarem a uma sala, contígua ao salão, com o pretexto de admirarem uma pintura. Para surpresa dela, a sala estava deserta. Ele fechara a porta e dissera: "Finalmente a consegui só para mim. Gostaria de saber se me dará à honra de ser minha esposa". Arilla ficara estupefata. Nunca havia pensado que um pedido de casamento pudesse acontecer tão rápido e de forma tão banal. Por um instante achou que ele estivesse brincando, mas quando o viu, grave e emocionado, convenceu-se da seriedade da proposta. "Case-se comigo, por favor. Juro que será feliz! Poderemos fazer tantas coisas juntos, em minha fazenda..." Tomara-lhe as mãos e as cobrira de beijos. Os lábios frios e sequiosos a deixaram tão nauseada que lamentou o fato de não ter calçado as luvas, pois assim teria evitado aquele contato desagradável. "Desculpe... ", ela começara a falar, com voz trémula, quando a porta se abriu e um grupo de pessoas invadiu alegremente a sala, dando-lhe oportunidade para escapar em direção a Harry. Naquele momento, uma linda mulher não disfarçava a atração que sentia por ele. Sentara-se a seu lado durante o jantar, e, segundo Arilla, parecia enamorada. Sussurrava-lhe algo ao ouvido e tocava-lhe o braço com a mão ornada por faiscante e valioso anel, revelando claramente seus sentimentos. Assim que Arilla aproximou-se, Harry dissera com alegria: "Ah, você chegou! Queria mesmo apresentá-la a uma de minhas melhores amigas, a marquesa de Westbury". A nobre dama não mostrara entusiasmo e, com cerimónia, moveu a cabeça num cumprimento formal. Depois, como se Arilla não existisse, virou-se para Harry e continuou o assunto: "Não vá se esquecer, querido... Ficarei muito zangada se você não aparecer". "Jamais se zangaria comigo!", afirmara ele. A marquesa se afastou. Então Harry apressara-se em perguntar: "O que
  • 28. houve, Arilla? Está assustada!" "Agora não posso falar. ", dissera ela olhando ao redor. "Então vamos dançar." Harry pegou-a pelo braço e a levou até a pista de dança. O som de uma valsa sentimental, recentemente apresentada em Londres pela condessa de Lieven, enchia o salão. Muitos a achavam imprópria e reprovavam a maneira audaciosa com que os pares costumavam bailar aos acordes dessa recente composição. Arilla sabia que Harry era um ótimo dançarino. Enquanto dançaram, ela contou-lhe, com voz fraca e nervosa, que o duque de Fladbury acabara de lhe pedir em casamento. Ergueu o rosto à espera de uma resposta, temendo que ele quisesse uma aceitação sua, mas, surpreendentemente, ele soltara um riso franco. "Já esperava por isso." "Como assim? " "Ele está à procura de uma mulher rica. Está enterrado até os olhos de dívidas e há dois anos persegue herdeiras de grandes fortunas." "E... eu fiquei com medo." "De ter que casar-se com ele? Não. Não o indicaria à minha pior inimiga! " Arilla dera um riso sonoro e jovial. De repente a festa tornara-se mágica e animada. As luzes dos candelabros brilhavam mais, e os sons inebriantes da valsa transportavam-na aos céus. Finalizando os preparativos para jantar na casa de lorde Rochfield, Arilla pensava em quão maçante e cansativo seria o passeio. Consolava- se com a certeza de não ser assediada com um pedido de casamento. Rose foi ao guarda-roupa escolher um agasalho que combinasse com o vestido e trouxe um lindo casaco de veludo azul-claro, debruado com plumas. Arilla jogou-o displicentemente nos ombros e examinou-se ao espelho. Nesse instante, uma batida na porta sobressaltou-a. - A carruagem chegou, milady - avisou o lacaio. - O sr. Vernon teve um imprevisto e manda avisar que vai encontrar a senhora em casa de Sua Graça. Arilla ficou gelada de aflição e quase chorou de desapontamento. Uma das coisas de que mais gostava eram as idas e vindas das recepções, quando podia conversar a sós com o primo, sem a preocupação de representar o papel de viúva rica e ser simples e natural como sempre fora. "Qual será o imprevisto? A marquesa de Westbury ou alguma outra mulher?", perguntou-se. Harry era um homem atraente, sempre rodeado de mulheres belas e inteligentes, apesar de mais velhas do que ele. Isso às vezes a fazia sentir-se um estorvo na vida dele. Desanimada, tomou a carruagem, grande, confortável e luxuosa. Nunca usara uma igual. Os cavalos eram de raça, e, assim que a portinhola foi fechada, começaram a andar em passo suave e disciplinado. O som metálico e ritmado das ferraduras batendo nas pedras cessou e, mais do que nunca, ela quis ter Harry a seu lado. Assim que despediu o cocheiro, arrependeu-se. Agora nada mais havia a fazer a não ser rezar para que outros convidados já tivessem chegado. Eles evitariam a maneira desagradavelmente íntima e atrevida com que o lorde costumava recebê-la. Arilla não revelara a Harry seus temores, pois ele a qualificaria de tola e já lhe dissera ser preferível ter Rochfield como amigo. Também não queria instigar o primo contra o lorde, embora, na verdade, o detestasse apavorando-se com sua presença asquerosa de réptil. Havia chegado à Mansão Rochfield, em Picadilly em menos de vinte
  • 29. minutos. A casa ficava próxima ao recém-construído palácio do duque de Wellington na esquina do Hyde Park. Os duplos e pesados portões de ferro, decorados com heráldicos unicórnios, a marca do brasão dos Rochfield foram abertos de par em par. Ela subiu a escadaria exterior, coberta por um tapete vermelho até a porta, onde um mordomo e mais quatro lacaios esperavam à entrada do imenso vestíbulo de mármore. Um dos criados tomou o agasalho de Arilla, e o mordomo a fez subir por um dos lanços da escada em curva até o primeiro andar. Não pararam onde ela supunha ser o salão de recepção. Continuaram pelo largo corredor que ostentava obras de pintores célebres, iluminadas por pesados candeeiros de bronze. Em outra circunstância Arilla teria se interessado por esses quadros e pelas lindas peças de mobília francesa, dispostos ao longo da galeria, mas agora preocupava-se, achando que ninguém havia chegado e que se adiantara demais. Mais uma vez culpou-se por não ter feito a carruagem esperar até que Harry chegasse... O mordomo abriu uma porta e anunciou: - Lady Lindsey, milorde. Entrando na sala, ela sentiu um aperto no coração ao ver uma única pessoa, em pé, próxima à lareira de mármore ladeada por dois jarrões chineses, repletos de lírios do vale: o anfitrião. Lorde Rochfield não se moveu, esperou que ela fosse ao seu encontro. Arilla não podia conter o tremor de suas pernas e com dificuldade chegou até ele. Seus olhos, imensos em seu rosto, demonstravam pânico. A voz saiu débil e trémula: - Che... cheguei muito cedo, milorde. Meu primo virá mais tarde... atrasou-se. - Deve ter tido um bom motivo... - comentou, e ela o odiou pela insinuação. - Mas você está aqui, é o que me interessa... Lorde Rochfield tomou-lhe a mão e a levou aos lábios, sem pressa, e esse contato provocou-lhe repulsa. Um pajem entrou com uma bandeja que continha duas taças de champanhe, que ofereceu a ambos; ao pegar a sua, lorde Rochfield falou: - Hoje preciso fazer um brinde especial porque esta é a primeira vez que você visita minha casa. Espero que tenha gostado. - Há lindos quadros aqui! - E muitos deles retratam deusas, mas nenhuma delas é tão linda ou atraente quanto você! Os olhos escuros e cobiçosos cintilaram fitando-lhe o colo, como se ela estivesse decotada demais. Arilla olhou para a entrada esperando ver Harry ou outro convidado chegar. A porta se abriu, mas quem entrou foi o mordomo, não para anunciar alguém, porém para comunicar: - O sr. Vernon, milorde, manda apresentar suas desculpas por não poder comparecer esta noite. por motivo de força maior. - Obrigado - lorde Rochfield respondeu mais do que depressa. - O que será que aconteceu? Como Harry pôde faltar a um compromisso assim na última hora? - perguntou Arilla, não escondendo seu nervosismo. Lorde Rochfield lançou-lhe um olhar de homem experiente. - É muito fácil de se entender. A "força maior" pode ser o príncipe ou talvez alguém mais interessante como... a linda marquesa. - Mas. que indelicadeza! - Para mim é um presente dos deuses. Um verdadeiro milagre tê-la só para mim! Arilla percebeu nos olhos do lorde uma centelha de malícia enquanto um largo sorriso lhe aflorava aos lábios. com timidez,
  • 30. ousou perguntar: - E os outros convidados da festa? - Não há outros - ele respondeu cinicamente. Não poderia permitir nossa atenção desviada para outros convidados. - Quer. quer dizer. que estamos sozinhos? - Devo confessar que não via a hora de chegar este momento e. tenho certeza de que você não vai me desapontar. Enquanto pensava no que fazer, Arilla ouviu o criado anunciar o jantar. Lorde Rochfield ofereceu-lhe o braço, e ela timidamente o acompanhou. Todos os salões de banquete que conhecera ficavam no andar térreo, por isso ela pensou que se encaminhariam à escada. Contudo, seguiram até o fim do corredor, onde dois pajens os aguardavam diante de uma porta escancarada. Passando por ela, Arilla admirou-se com o tamanho reduzido da sala e com a decoração um tanto bizarra, repleta de flores e plantas, o que lhe dava a impressão de estar em um quiosque de jardim público. Teve vontade de rir vendo-se ali naquele "caramanchão", cercada de lírios, em uma companhia pouco conhecida, mas muito desagradável. Não pôde comer quase nada, pois o nervosismo não o permitiu. Contudo, manteve uma atitude calma porque não queria mostrar-se constrangida diante da criadagem. Permaneceu quieta, pensando num meio de escapar dali. Como se o anfitrião lesse seus pensamentos, procurou distraí-la, falando sem parar de suas propriedades e fazendo comentários sobre as últimas reuniões a que haviam comparecido. Arilla não o fitava, com medo de encontrar o atrevimento e a sensualidade sempre presentes naquele olhar. O jantar foi mais simples do que ela esperava, mas tudo que lambiscou estava delicioso. Quando terminaram, lorde Rochfield sugeriu: - Vamos sentar no sofá; ficará mais à vontade para provar um licor muito especial enquanto tomo meu brandy. - Não quero mais nada - retrucou ela. Não lhe passara despercebida a presteza dos criados em manter seu copo sempre cheio, apesar de ela só ter bebericado, procurando se conservar alerta e poder escapar sem alarde. Os empregados já tiravam a mesa, e ela achou que era o momento de se despedir. Então arriscou dizer: - Como sua festa não se realizou, o mais correto a fazer é... me retirar. - De maneira alguma, mesmo porque minha carruagem que a trouxe não está disponível. - Sua carruagem? - Isso mesmo! Queria ter certeza de sua vinda. Arilla estranhou que Harry tivesse consentido que o lorde a buscasse, mas se calou. Apesar de sua recusa, serviram-lhe licor. "Deve ser muito forte", ela pensou. Ignorou-o e sentou-se no extremo oposto ao lorde, tentando persuadi-lo a deixá-la sair. - Milorde - disse forçando um tom de meiguice em sua voz -, tenho uma boa reputação a guardar... O que dirão ao saber... que estive aqui sozinha? Permita-me ir embora. - O que acontecer entre nós será segredo... a não ser que você o revele. o que é impossível. - Ele achegou-se bem perto dela e continuou, sussurrando: Você não imagina como eu antegozei este momento... Não percebeu como enfeitei esta sala com alvas flores, em tributo à sua beleza? - É... elas são lindas! Gosto muito de lírios disse Arilla, desanimada.
  • 31. - É estranho como eu os associo a você, mesmo sendo uma mulher casada. Mas... há alguma coisa de inocente e intocável em você. Tenho certeza de que, se eu não for o primeiro homem a tocá-la, serei aquele que despertará seus sentidos para os prazeres do amor. Se uma serpente aparecesse rastejando na sala, Arilla não sentiria tanto asco quanto estava sentindo diante de lorde Rochfield. Apertou os lábios ressequidos, umedeceu-os e empinou o queixo para dizer, ofendida: - Eu não permito que me fale assim. Vossa Senhoria exorbitou. Quero ir embora. Ele deu uma gargalhada gostosa. - Você é um amor! Sei que está assustada, mas não nego: é muito corajosa! - Havia mel em sua voz quando ele continuou: - Você gostaria de saber que há muito tempo uma mulher não me atrai tanto? Que, depois de eu lhe ensinar as primeiras lições do desejo, você se capacitará de que vamos nos dar muito bem? Lorde Rochfield fez menção de tocá-la enquanto falava, mas ela deu um pulo para trás como uma corça assustada. Teria alcançado a porta se ele não tivesse impedido, segurando-a pelos pulsos. - Não tão depressa, minha querida. Preciso mostrar uma coisa que revelará melhor do que palavras a minha pretensão. - Deixe-me ir - ela gemeu -, por favor, deixe-me ir. Segurando-a ainda pelos pulsos, ele caminhou em direção a uma porta semi-aberta que, obviamente, dava para um quarto. Uma fragrância de lírios inundou o ambiente e, através das lágrimas, ela vislumbrou um enorme leito coberto por um dossel de cetim cor de vinho. Os lençóis dobrados mostravam bordas de finíssima renda de Veneza. - Agora você sabe o que eu quero e o que pretendo ter! Você é minha, meu amor. toda minha. - E abraçou-a pelos ombros com sofreguidão. Foi quando Arilla certificou-se de ter caído em uma armadilha. com um grito de horror, começou a se debater entre os braços do lorde, que parecia esperar por essa oportunidade para agarrá-la de vez, comprimindo-a de encontro ao seu corpo viril. Era como se uma cinta de aço a cingisse dolorosamente. Só lhe restava gritar e. gritar muito. Harry chegou à apertada entrada de seu alojamento, na rua Half Moon, e subiu os três lanços da escada, até o último andar. As melhores hospedarias e aposentos para homens modernos, frequentadores de St. James, ficavam nessa rua e Harry sabia disso, como também sabia serem bastante caros para ele. Contudo, Watkins, um subalterno seu da época do regimento de cavalaria, lhe arranjara essa água-furtada, de número 19, na rua Half Moon. Era usada como depósito de malas e móveis velhos por um dos donos daqueles pequenos estabelecimentos. Fora Watkins quem convencera o proprietário desses quartinhos a alugá- los por uma ninharia, e Harry ocupava dois cómodos. O bom amigo era quem cuidava desses aposentos, como também da roupa de Harry, considerado o mais elegante cavalheiro do beau monde londrino. - Não é possível, Watkins - Harry dissera ao deixar o regimento. - Sei que seu maior desejo é ser meu valete, mas. não posso pagar. Infelizmente essa é a verdade. - Não tem importância... capitão. - Eu gostaria muito, porém não é possível mesmo. - Talvez seja. talvez não. Watkins achara um trabalho nas estrebarias do mercado, próximo ao alojamento de Harry. Costumava acordá-lo e servir-lhe o café da manhã,
  • 32. além de ajudá-lo a vestir-se para as recepções da noite. Se Harry tinha algum dinheiro, coisa rara, dava ao amigo; caso contrário, ele vivia apenas do salário. - Não sei o que seria de mim sem você! - Harry exclamava. De fato, ao entrar achava tudo sempre limpo e em seus lugares. Nesse dia sabia que logo Watkins chegaria para preparar-lhe o banho e ajudá- lo a se vestir. Harry foi até a velha escrivaninha para pegar a correspondência, farta em convites e cartinhas perfumadas. Cada uma, em caro papel timbrado, recendia um odor característico, permitindo sua identificação. Acabava de olhar no relógio quando ouviu um ruído na porta, pouco antes de surgir a figura atarracada de Watkins, carregando camisas muito bem lavadas e passadas. - Pensava em você pois constatei que é hora de meu banho - disse Harry, preocupado. - Não é preciso se apressar. - Como não? Já é tarde! - Um mensageiro comunicou, há algum tempo, que madame está com uma forte dor de cabeça e não vai sair esta noite. - Dor de cabeça? Ela parecia muito bem na hora do almoço! Haviam almoçado com a sra. Holland, uma dama da sociedade, célebre por suas reuniões culturais. Harry ficara encantado com o desempenho de Arilla na conversa, tão diferente das frívolas fofocas da maioria das anfitriãs do beau monde. Dois dos mais inteligentes homens de Londres estavam presentes e a ouviram com atenção. Ao voltarem para Islington, ela se achava tão exuberante quanto durante o almoço, e quando ele se despedira, apressado, pois deveria encontrar- se com o príncipe regente em Carlton House, esquecera-se de que ela poderia estar nervosa por causa do jantar e nem lhe dera uma palavrinha de ânimo. "Deve ser uma desculpa para se livrar do lorde", pensou Harry. Lorde Rochfield era um homem perigoso e por isso bajulado pela alta roda, preocupada em não tê-lo como inimigo. Harry não gostava dele, apenas o aturava, e temia que Arilla se indispusesse com ele e assim fosse vítima de sua tagarelice difamante. Não se surpreenderia se a prima, no último minuto, se esquivasse do convite, que também não lhe agradava apesar de saber que esses jantares eram muito requintados e regados a bons vinhos. com a recusa de Arilla ao convite, ele ficara sem programa para essa noite. Estendeu-se indolentemente na espreguiçadeira e comunicou a Watkins: - Já que dormi tarde a noite passada, vou aproveitar para cochilar, e depois irei ao clube. - Ótimo! Terei tempo de sobra para preparar o banho. Watkins fechou a porta da saleta, e Harry fechou os olhos, mas não apagou a imagem da prima de sua mente, tão linda e bem-sucedida no almoço. "Ninguém pode me acusar de não ter feito tudo por ela", pensou. "Mas, coitadinha, certamente esperava um melhor pretendente do que aquele caça-dotes do Fladbury." Um riso zombeteiro brotou em seus lábios ao pensar no desapontamento de Fladbury caso tivesse se comprometido, por engano, com uma moça tão pobre quanto ele. Ainda pensava na beleza do sorriso de Arilla... quando adormeceu. - Seu banho está pronto. Vamos, rápido, senão esfria...