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A espiã de Monte Carlo
Barbara Cartland
Coleção Barbara Cartland – Livro duplo nº 2:
A espiã de Monte Carlo & Perdão, amor
Título original: “Mission to Monte Cario”
Copyright: © Cartland Promotions 1982
Tradução: Maria do Rosário Sobral
Copyright para a língua portuguesa: 1984
Abril S.A. Cultural — São Paulo
Este Livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos.
Sua comercialização é estritamente proibida.
Digitalização: Palas Atenéia
Revisão: Sheyla Oliveira
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CAPÍTULO I
1900
Um homem alto saiu da carruagem, que parou na frente do Ministério do Exterior.
Assim que entrou, e antes que o empregado pudesse falar, um jovem usando
sobrecasaca apareceu apressado.
— Sr. Vandervelt?
O recém-chegado concordou.
— O ministro está aguardando o senhor.
— Muito obrigado — respondeu Craig Vandervelt.
Foi encaminhado através dos imponentes corredores até a uma sala magnífica.
Sentado a uma mesa na frente da janela que dava para o pequeno jardim de trás,
estava o marquês de Lansdowne, um homem bastante atraente, de cabelos grisalhos.
Levantou-se assim que Craig Vandervelt foi anunciado, estendendo-lhe a mão.
— Só fiquei sabendo ontem que você estava em Londres, Craig. Estou encantado em
vê-lo.
— Obrigado, senhor. Estou a caminho de Monte Carlo — respondeu Craig
Vandervelt, como se quisesse avisar o marquês de que estava só de passagem pela
Inglaterra.
Percebendo a insinuação, o ministro pediu:
— Sente-se. Tenho muito que conversar com você.
Craig deu uma risada.
— Era disso mesmo que eu tinha medo!
Sentou-se em uma poltrona, cruzando as pernas com um ar muito à vontade.
O marquês observou-o, pensando que seria difícil encontrar homem mais indicado
para o que queria.
O pai de Craig viera do Texas. Era astuto, inteligente e soubera transformar os
Vandervelt em uma das maiores fortunas da América. A mãe, filha do duque de Newcastle,
havia sido uma das beldades de sua geração. Era natural que o único filho deles fosse não só
bonito e atraente, como também muito inteligente; embora pouca gente soubesse disso.
Como não sentia necessidade de aumentar mais ainda a fortuna da família, Craig
tinha se tornado um bon-vivant. Viajava sem parar, divertindo-se nas grandes capitais ou
indo para lugares longínquos e desconhecidos, onde um homem vale por aquilo que é e não
pela fortuna que tem.
— Estava pensando em você ainda há poucos dias — disse o marquês — e,
subitamente, minhas preces foram atendidas. Soube que tinha chegado, e estava tentando
descobrir como entrar em contato com você.
— Estou com meu primo, em Park Lane.
— Agora já sei, mas passei horas de tormento tentando caçá-lo.
— Assim, me faz sentir uma raposa — protestou Craig. — Como já lhe disse, estou
indo para Monte Carlo.
— Era o que eu esperava. Disseram-me que a temporada está mais alegre do que
nunca e que as beldades da sociedade e do demi-monde, cobertas de jóias e plumas, estão
deslumbrantes!
Craig deu uma gargalhada.
— Noto uma certa inveja na sua voz, senhor. Devia me acompanhar até Monte Carlo.
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— Não havia nada que eu desejasse mais. Infelizmente, tenho que ficar aqui.
Certamente, você vai encontrar o príncipe de Gales entre os visitantes reais que estarão
jogando. Na verdade, se você não estivesse indo para lá, eu ia lhe pedir que cancelasse todos
os planos e fosse.
— Fala como se houvesse um assunto urgente para resolver, senhor.
— É muito urgente, e acredito que só você pode me ajudar.
Craig não respondeu. Sabia que o ministro não lhe falaria assim, a não ser em caso de
um problema internacionalmente importante.
Antes de ser nomeado para o Ministério do Exterior, o marquês de Lansdowne tinha
pedido a ajuda de Craig Vandervelt para resolver problemas que teriam aturdido aqueles que
pensavam que o milionário americano vivia apenas em busca de prazer.
Foi o marquês quem percebeu que Craig estava ficando enfastiado com a vida que
levava, principalmente com as mulheres que se atiravam a ele, como moscas no mel. Nessa
ocasião, pedira sua ajuda para uma missão pequena, mas importante, referente à ambição
alemã de supremacia na Europa.
Craig havia tido uma atuação tão brilhante que chegara a ser louvado não só pelo
primeiro-ministro, mas pela própria rainha.
A partir daí, o marquês continuou pedindo a colaboração do jovem americano
freqüentemente.
Craig deliciava-se com esses trabalhos secretos e tão diferentes da sua rotina
habitual; embora, às vezes, se tornassem um passatempo muito perigoso. Por duas vezes
escapara por um triz de ser baleado; em outra, de levar uma punhalada.
Tornara-se parte de sua vida contracenar com a morte, ele costumava dizer. Gostava
daquelas emoções e sabia que, fosse o que fosse que o marquês lhe pedisse, aceitaria.
O marquês, contudo, parecia ter dificuldade em falar na nova missão de Craig:
— Desculpe a minha hesitação. Não é que eu queira esconder alguma coisa de você,
mas estou encontrando dificuldades em lhe dizer o pouco que sei sobre o assunto. Não tive
tempo de preparar um relatório antes de você chegar.
— A primeira coisa que deve fazer — disse Craig, sorrindo divertido —, é me dizer
o nome do inimigo desta vez.
“Isso é muito importante”, pensou.
Em outra missão não tinha recebido informações específicas sobre contra quem
estavam trabalhando e somente sua intuição o salvara de cair em uma armadilha fatal.
— O problema é que no momento só tenho suspeitas, e não fatos que justifiquem
minha convicção de que você é imprescindível em Monte Carlo.
— Então, vamos ouvir suas suspeitas — sugeriu Craig. — Tenho certeza de que, no
devido tempo, elas vão se confirmar através de algo mais mortal do que um arco e flecha.
O marquês deu uma risada, sabendo, porém, que o assunto não era para brincadeiras.
— A verdade, Craig, é que estou muito apreensivo com o que vou lhe pedir. Nossos
próprios agentes descobriram muito pouco e, para ser franco, os homens que temos agora
em Monte Carlo não podem freqüentar as altas rodas, onde acho que estão sendo
necessários.
— Até aí, não tenho nenhum problema!
Era tão rico que o recebiam de braços abertos, onde quer que entrasse.
Aos vinte e nove anos, lamentava não saber se reis e rainhas o acolhiam com tanto
entusiasmo por seu encanto pessoal ou se por causa de seu saldo bancário.
— Você tem popularidade onde quer que vá, Craig. E essa é a sua grande vantagem,
no meu ponto de vista profissional — disse o marquês, como se lesse os pensamentos dele.
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Baixando a voz, continuou: — Acredito e espero que ninguém saiba que sua ligação comigo
ultrapassa o parentesco que temos pelo lado de sua mãe. E que todos pensem que você anda
por lugares estranhos apenas em busca de divertimento.
— Se não fosse assim, não teria durado muito tempo nas situações em que me
envolvi.
O marquês franziu a testa.
— Talvez eu esteja cometendo um erro pedindo tanto de você; mas não preciso lhe
dizer como tem sido útil e como estamos reconhecidos. Ninguém, ninguém a não ser você
teria conseguido as informações que obteve e que nos salvaram de sermos envolvidos em
circunstâncias desastrosas, que poriam em risco a paz mundial.
— Obrigado, senhor. E agora, que tal me contar exatamente o que quer?
— Também gostaria de saber — respondeu o marquês. — Mas vou tentar dar-lhe as
linhas gerais. Como deve entender, nossa posição na índia parece ameaçada pelo avanço da
Rússia na Ásia Central.
Craig concordou com a cabeça e o marquês continuou:
— Como a Rússia estende sua soberania através do Afeganistão, aumentamos as
fronteiras da Índia para oeste e noroeste, o que é de conhecimento geral. O Tibete, que este-
ve dominado pela China, continua independente e hostil com o exterior, mas estamos
preocupados.
— Por quê? — perguntou Craig, inclinando-se para a frente.
O marquês baixou ainda mais a voz:
— O vice-rei nos mandou uma mensagem em código, dizendo que acredita que a
Rússia e a China assinaram um tratado secreto, dando à primeira direitos especiais sobre o
Tibete.
— Isso parece impossível.
— Concordo com você, mas lorde Curzon tem certeza de que a Rússia mandou
armas para o Tibete e suspeita que em breve seja deflagrado algum problema na fronteira da
Índia com o Tibete.
O marquês ficou em silêncio e Craig comentou:
— Pensei que queria que eu fosse para Monte Carlo.
— E quero, porque soube que Randall Sare chegou lá há três semanas.
— Randall Sare? Não posso acreditar! Nunca pensei que ele voltasse. Quando estive
com ele pela última vez, na Índia, me disse que tinha a intenção de passar o resto da vida no
Tibete.
— Você me contou, mas evidentemente ele mudou de idéia. Como chegou a Monte
Carlo sem entrar em contato conosco, só posso pensar que está se escondendo porque sabe
demais.
— Mas por que Monte Carlo? Por que não voltou diretamente para a Inglaterra?
— Não sei. Concordo que é uma atitude estranha, pois nunca soube que Sare
gostasse de jogo.
— Não, isso seria impossível — afirmou Craig, recostando-se na cadeira, com a testa
franzida. — Só resta mesmo a hipótese de ele ter uma razão especial para desembarcar em
Villefranche, onde o navio em que vinha deve ter parado. Mesmo assim, não entendo como
foi até Monte Carlo.
— Não sei lhe dizer — afirmou o marquês. — É por isso que estou lhe pedindo, ou
antes, implorando, que vá para Monte Cario o mais depressa que puder para achar Randall
Sare...
— Quer dizer que sua gente ainda não entrou em contato com ele?
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— Não. Viram-no na rua, acho, mas o perderam de vista antes que pudessem falar
com ele.
— Parece incrível e muito pouco eficiente — murmurou Craig.
— Não deve censurar nossos homens precipitadamente. Como me explicou um deles,
foram ensinados a não interpelar alguém tão importante como Randall Sare sem estarem
cercados de toda a segurança, nem sem saber primeiro se Sare estaria de acordo com essa
aproximação.
— Entendo isso perfeitamente, senhor. Mas se, como suspeita, ele está de posse de
informações tão importantes, deve preferir ficar escondido, até despistar alguém que o esteja
seguindo.
— Foi o que também pensei. Ainda mais, por ter deixado o navio em que viajava. —
O marquês fez uma pausa, antes de acrescentar: — O mar serve às mil maravilhas, quando
alguém quer se livrar de uma pessoa.
— Concordo, mas não acredito que Randall Sare ainda continue em Monte Carlo, se
está sendo perseguido há três semanas.
— Eu disse que ele chegou há três semanas e que foi visto uma semana depois. Só
nessa ocasião um dos meus homens voltou para me contar a novidade e que tinha deixado
outros dois tentando encontrá-lo. A esta altura, naturalmente, já devem tê-lo descoberto;
mas, se não, só me resta rezar para que você consiga encontrá-lo.
— Desconfio que o senhor está sendo otimista. Conhecendo Sare como conheço, os
locais onde pode estar escondido não são aqueles que costumo freqüentar quando vou a
Monte Carlo — comentou Craig, cinicamente.
— Sei disso, e aí está a segunda parte desta missão.
— E qual é?
— O informante que voltou para me contar sobre Sare também disse que está
apreensivo com lorde Neasdon.
— Será que eu o conheço?
— Ele está há relativamente pouco tempo no Ministério do Exterior. Acho que você
não o conhece e penso que seria um erro muito grande deixá-lo saber que entre nós dois
existe algo mais do que um parentesco distante.
— Claro — murmurou Craig.
— Ele deve ser uns dez anos mais velho do que você. É um homem atraente e
trabalhou duro no corpo diplomático até conseguir a posição que tem agora. Como o meu
antecessor o conhecia há muitos anos e era muito amigo dele, conseguiu que fizesse parte
do quadro permanente aqui, enquanto pode servir na Europa.
— Entendo.
— Neasdon é solteiro, embora eu não precise dizer que tem vários casos com as
beldades que circulam em Marlborough House.
O marquês fez uma pausa que Craig não interrompeu, e depois continuou:
— Agora soube que há uma nova mulher na vida dele e, pelo que ouvi dizer, ela pode
ser perigosa.
— Quem é?
— Chama-se condessa Aloya Zladamir.
— Deve ser russa, não?
— Acho que sim, embora aparentemente ninguém tenha certeza. Os russos daqui, de
quem mencionei o nome casualmente, nunca ouviram falar nela.
— Creio que há mais de dois milhões de condes na Rússia. Deve ser impossível
alguém conhecer todos!
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— Isso só dificulta as coisas, Craig.
— Então, terei que procurar Aloya Zladamir, além de Sare?
— Exatamente! Estou consciente de que o interesse de Neasdon por ela pode não ter
importância, mas ao mesmo tempo os russos são muito espertos no que diz respeito à
espionagem e a conseguir saber o que a gente não quer que eles saibam. Principalmente, em
relação ao Tibete.
— Acha que existe alguma ligação entre Sare e a condessa?
— Que eu saiba, nenhuma. Mas você é quem tem que descobrir. Não posso lhe dar
nenhuma carta de apresentação para Neasdon, seria muito evidente.
— Estou certo de que não terei nenhuma dificuldade em conhecê-lo.
— Ele tem muitos amigos em Monte Carlo que, estou certo, são os mesmos que você
tem. Tudo que lhe peço é que tente evitar qualquer indiscrição de Neasdon, se for o caso.
Craig levantou as sobrancelhas, espantado.
— Está mesmo sugerindo...
— Estou simplesmente dando um palpite. Se puder escolher, qualquer mulher vai
preferir um jovem milionário americano a um par do reino inglês, aborrecido e sem muito
dinheiro!
Craig desatou a rir.
— Desta vez, descobri uma situação melodramática, muito mais apropriada para um
palco do que para o cassino de Monte Carlo!
— Não fique tão seguro disso. Para ser franco, estou preocupado.
— Por quê?
— Só há dois dias descobri que, por um erro de excesso de zelo, um dos meus
subordinados informou Neasdon sobre nossos receios em relação ao Tibete e que temos
agentes secretos mantendo-nos informados das atitudes da Rússia nesse pequeno e distante
país. Tudo isso pode parecer um simples melodrama à primeira vista, mas, se Randall Sare
está sendo seguido pelos russos e se Neasdon inadvertidamente revelar alguma informação
importante à condessa, essa conjugação pode ser explosiva e capaz de deitar por água
abaixo todo o trabalho de anos. E muitas vidas ficarão em perigo.
— Compreendo, senhor. De qualquer forma, será um prazer conhecer a condessa.
— Disseram-me que é muito bonita — comentou o marquês, sorrindo.
— Isso torna a missão ainda mais agradável. Era tudo que tinha para me dizer?
O marquês levantou-se.
— Tenho aqui os nomes dos nossos homens em Monte Carlo, mas como sabe, seria
prejudicial entrar em contato com eles; a não ser que seja estritamente necessário. Não
devem ficar sabendo que você tem ligações conosco. Aliás, ninguém em Monte Carlo deve
saber.
— Também prefiro assim — disse Craig. — Se há uma coisa de que não gosto é
trabalhar com outras pessoas.
— Sei disso. Talvez seja essa a razão do seu sucesso. Mesmo assim, tome cuidado!
Com uma expressão intrigada, Craig pegou a folha de papel que o marquês lhe deu.
— Não me lembro de o senhor me ter feito essa recomendação antes.
— Estou dizendo desta vez. Levo à ameaça russa muito, muito a sério. Acredito que
eles farão qualquer coisa para conseguir seus objetivos.
— Quer dizer, a índia!
— Claro. Já nos mostraram no Afeganistão como podem ser cruéis, e não há dúvida
de que todo o dinheiro, armas e incentivo às tribos da fronteira noroeste partiram de São
Petersburgo.
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— E também não há dúvida de que, desta vez, minha missão é fora do comum e
intrigante. Só espero não decepcioná-lo.
— Você nunca me decepcionou. E, por causa da sua posição de destaque na
sociedade, não há ninguém melhor para me ajudar nesse caso particular. Se tiver que se
comunicar comigo, faça-o pelos caminhos habituais. Estou certo de que o código que
usamos antes ainda não foi descoberto.
— Espero que não! — Craig guardou o papel no bolso e estendeu a mão. —
Obrigado, senhor. Era mesmo o que eu estava precisando neste momento. Nova York
tornou-se monótona e Londres, a mesma coisa.
— O que quer dizer é que seu coração está livre. Felizmente para mim!
Craig deu uma risada.
— Nem sequer tenho certeza de ter um coração. Estou é aborrecido de ver sempre a
mesma paisagem. Uma mudança será muito bem-vinda.
O marquês percebeu imediatamente que ele estava dizendo! que havia acabado
algum romance e ainda não encontrará uma substituta.
Tinha ouvido muitas mulheres se queixarem de que Craig Vandervelt era cruel,
impiedoso e sem coração, e que sempre partia dele a iniciativa do rompimento, enquanto
elas ficavam chorando e lamentando o fim do caso.
Como Craig só se envolvia com mulheres sofisticadas e casadas, não corria nunca o
perigo de ser obrigado por algum pai furioso a levar alguma jovem ao altar, embora de vez
em quando tivesse problemas com maridos ciumentos.
Mas com uma habilidade especial, sempre conseguia evitar escândalos.
O marquês levou-o até a porta, lamentando sua juventude perdida e também não ter
aproveitado mais a vida, quando era da idade de Craig. Depois disse a si mesmo que, sendo
um homem casado, não devia ter tais pensamentos!
Sabendo da importância de manter aquela conversa em segredo, assim que a porta se
abriu, Craig falou, em um tom que pudesse ser ouvido do corredor:
— Então, adeus, senhor. Dê meus cumprimentos a sua família e diga que tenho muita
pena de não vê-los desta vez. Espero poder voltar quando for para Nova York.
— Venha, sim. Divirta-se em Monte Carlo. Espero que ganhe no jogo.
— Duvido — respondeu Craig, sorrindo. — Mas existem outras diversões além das
cartas.
A insinuação era óbvia e o bom humor com que falou fez as pessoas que ouviram
sorrirem com cumplicidade.
No dia seguinte, Craig Vandervelt partiu no trem para Dover.
Viajava com um ajudante, dois criados e um secretário, um vagão inteiro tinha sido
reservado para ele e seu pessoal. Em Dover, tinha duas cabines no barco. E no expresso
Calais-Mediterrâneo, ocupou novamente um vagão privativo.
Como de hábito seu secretário comprou todos os jornais e revistas que lhe
interessavam e providenciou para que não faltassem bebidas e vários pratos preparados pelo
cozinheiro-chefe de seu primo, em Newcastle House.
Craig sentou-se sozinho, pensando em tudo que ouvira do marquês e achando que o
trabalho que tinha pela frente era emocionante.
Já estava fazendo quase um ano desde sua última missão e, embora soubesse que
seria um erro envolver-se com muita freqüência com o marquês para evitar suspeitas,
ansiava por começar a trabalhar de novo.
Cada vez estava mais enfastiado das pessoas que o recebiam de braços abertos em
Londres, Paris e Nova York. Sabia que devia todos os convites à fortuna do pai, apesar de
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que por sua educação esmerada, a alta sociedade mundial o recebesse com todo o prazer.
Mesmo os mais arrogantes aristocratas franceses lhe ofereciam hospitalidade, talvez
inicialmente por seu avô ter sido duque; mas logo se tornavam seus amigos quando
conheciam seu encanto, o perfeito domínio da língua francesa e sua competência nos
esportes que preferiam.
Era convidado não só para os bailes e recepções em Paris, freqüentados
exclusivamente por franceses, mas também para caçar e velejar com jovens aristocratas que
normalmente não aceitavam a presença de estrangeiros em seus passatempos.
Em relação às mulheres, as francesas não diferiam muito das inglesas ou americanas.
Depois que o conheciam, não o largavam.
Às vezes, Craig dizia a si mesmo que eram as moedas de ouro que as atraíam, mas
seria muita falta de modéstia de sua parte não reconhecer que elas também o achavam fasci-
nante e um amante incomparável.
“Je fadore!”, murmuravam, e essa frase era repetida em quase todas as línguas.
Era uma coisa que Craig nunca tinha dito a uma mulher. Nem se lembrava mais de
quando tinha jurado a si mesmo que nunca haveria de declarar amor a alguém, a não ser que
essas palavras fossem profundamente sinceras.
Sua mãe, uma mulher linda e que ele adorava, lhe havia incutido esses ideais de
romantismo e a convicção de que o amor entre um homem e uma mulher, quando profundo,
era algo sagrado.
Lady Elizabeth, primogênita do duque de Newcastle, apaixonou-se por Cornelius
Vandervelt quando ele foi para a Inglaterra, jovem, ambicioso, um americano típico,
determinado a tornar-se milionário.
Pelos padrões europeus, já era rico. Mas, para ele, estava ainda no início da escalada,
e ninguém o impediria de chegar ao topo.
Encontrou lady Elizabeth em uma festa em Londres e se apaixonou loucamente.
Como em tudo que queria na vida, lutou até conseguir casar-se com ela.
Não foi uma tarefa fácil, porque o duque se opôs violentamente ao casamento. Mas
Elizabeth, que sentia por ele um amor igual, insistiu até convencer o pai.
Tiveram um casamento feliz, até que ela morreu, quando o filho tinha apenas
dezesseis anos. A essa altura já havia ensinado a Craig seus próprios ideais e seu desejo de
perfeição. E ele sabia que, enquanto não encontrasse uma mulher tão bonita, tão doce e com
a mesma nobreza de caráter da mãe, nunca se apaixonaria.
Era essa reserva que deixava suas amantes furiosas. Apaixonavam-se assim que o
viam e entregavam-lhe o coração antes mesmo de ele se dar conta do que estava
acontecendo. Evidentemente, Craig aproveitava tudo que lhe ofereciam, mas ao longo dos
anos foi se enfastiando de ouvir sempre as mesmas perguntas:
— O que está errado? Onde foi que eu falhei? O que você quer que eu ainda não lhe
tenha dado?
E era impossível explicar, impossível traduzir em palavras o que lhe faltava.
Às vezes, quando uma mulher muito bonita lhe estendia os braços, com os olhos
brilhando de emoção, Craig pensava que tinha encontrado o que desejava, mas logo a seguir
se desiludia e continuava a busca.
Claro que tudo isso era inconsciente, e chegava a pensar que sua vida era uma
peregrinação que só teria fim no dia em que morresse.
Viajando para Monte Carlo, pensava mais em Randall Sare do que na condessa
Aloya Zladamir.
Ninguém melhor do que ele sabia da importância do trabalho que Randall fizera no
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Tibete para o governo britânico. Filho de um explorador e profundo conhecedor do Oriente,
Sare tinha sido criado na Índia e no Nepal, antes de ir estudar na Inglaterra, onde havia se
diplomado em Oxford.
Depois de terminar o curso brilhantemente, voltou para a terra onde nascera e que
amava, tornando-se de valor inestimável para os ingleses naquilo que era conhecido como
“O Grande Jogo”.
Por toda a Índia havia uma organização secreta de espionagem que recrutava e
treinava homens, para a proteção do país e a paz do mundo oriental. “O Grande Jogo” era
uma rede que se estendia pelo Afeganistão e envolvia não só europeus, mas também um
grande número de indianos.
Em um livro secreto do Departamento Indiano de Inspeção, havia uma lista de
números que representava a variedade de agentes secretos que os russos e outros inimigos
freqüentemente descobriam, quando menos esperavam. Randall Sare tornou-se um desses
números, e o brilhantismo com que desempenhava suas tarefas logo o transformou no mais
importante da lista.
Para Craig, era inverossímel que Sare tivesse saído do Tibete e ido para Monte Carlo
sem comunicar-se com os agentes ingleses de lá, que ele devia saber quem eram.
Tal como o marquês, começou a suspeitar que ele tivesse uma boa razão para manter-
se escondido, o que era sinal de estar sendo seguido e ter a vida em perigo.
Como admirava Randall Sare e o estimava, só lhe restava rezar para ter sucesso e
encontrá-lo o mais rapidamente possível. Não subestimava o risco que correria e que,
eventualmente, poderia pôr em perigo a vida de Sare e a sua própria.
Só depois de analisar bem sua tarefa com relação a um homem que conhecia o Tibete
melhor do que qualquer outro e que cujos segredos não teriam preço se caíssem nas mãos
dos russos, é que se permitiu pensar na segunda parte da missão; a condessa Aloya
Zladamir.
Neste caso, suas suspeitas também coincidiam com as do marquês. Se ela estava atrás
de lorde Neasdon, devia ter uma boa razão. Não acreditava que Neasdon fosse tolo a ponto
de não saber que, na sua posição, precisava ser muito cauteloso na escolha das companhias.
“Russos! Sempre os russos!”, pensou Craig, embora fosse amigo de alguns em
Monte Carlo.
Os arquiduques, sempre fabulosamente ricos e a maioria muito interessante, tinham
feito de Monte Carlo um paraíso para onde iam quando se fartavam da pompa de seu
próprio país e dos problemas que pareciam aumentar no reinado de todos os czares.
Como aves migratórias, mas uma vez por ano, viajavam para Monte Carlo, onde
possuíam mansões magníficas; cercavam-se das mais lindas mulheres, que cobriam de
esmeraldas e pérolas, e jogavam somas astronômicas nos cassinos, para a felicidade das
autoridades.
Não existia outro tipo de homem mais extravagante, ostensivo e ao mesmo tempo
atraente.
Craig estava ansioso para rever o grão-duque Bóris e o grão-duque Michael, sempre
cercados das mulheres mais sofisticadas da Europa.
Imaginou se a condessa Aloya estaria entre elas, apesar da sua intuição lhe dizer que
não era provável.
Assim que o trem partiu para Nice, na manhã seguinte bem cedo, Craig ficou na
dúvida se devia desembarcar lá e pegar o iate que tinha mandado vir de Marselha. Seria
muito mais agradável seguir por mar até Monte Carlo do que fazer o resto da viagem no
trem.
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Depois, pensando melhor, decidiu continuar no expresso, pois demoraria menos
tempo.
Seu secretário apareceu, perguntando se precisava de alguma coisa. Mandou comprar
os jornais franceses que folheou até chegar a Monte Carlo.
Na estação, uma carruagem aberta esperava por ele. Deixou os empregados tratando
da bagagem e seguiu sozinho, tirando o chapéu para sentir a brisa do mar e o calor do sol.
Enquanto os cavalos desciam uma pequena ladeira que ia dar no porto, reparou na
quantidade de iates ancorados. Havia de todos os tipos e tamanhos, com as bandeiras de
seus países tremulando ao vento. No meio de vários iates franceses e ingleses, percebeu dois
russos, lado a lado, com a águia imperial hasteada.
A primeira coisa que precisaria fazer era descobrir a quem pertenciam.
Assim que os cavalos começaram a subir em direção ao cassino, Craig olhou para
trás, como se os barcos russos o atraíssem e contivessem os segredos que estava tentando re-
solver.
Como era solteiro, sempre que vinha a Monte Cario preferia hospedar-se no Hotel de
Paris, em vez de alugar uma casa, e mandava vir seu iate. Assim, não se sentia preso, po-
dendo viajar a qualquer momento ou ficar a sós com alguma sereia atraente, passeando pela
costa da Itália por um dia ou dois.
No hotel, foi recebido com todo o respeito pelo próprio gerente, que o levou
pessoalmente aos aposentos.
Eram luxuosos. Não só por serem os melhores, mas também porque, como Craig
queria tranqüilidade, costumava reservar os apartamentos vizinhos do seu.
A sala estava repleta de flores. Embora não fosse habitual em um homem, ele
gostava do perfume e detestava a frieza dos quartos de hotel.
Foi até a janela e viu que seu iate já havia chegado. Não tinha linhas particularmente
bonitas, mas era equipado com todo o conforto necessário para viajar no mar. Como sua
cabeça não parava nunca de trabalhar, Craig Vandervelt inventara uma série de dispositivos
para seu barco, alguns dos quais já tinham sido copiados por outros proprietários de iates.
Satisfeito, pensou que poderia testar suas invenções mais recentes nos próximos dias,
embora no momento o mais importante fosse descobrir a pista de Randall Sare.
Uma hora e meia depois, ao vê-lo sair ao sol, ninguém suspeitaria que Craig pudesse
estar pensando em outra coisa além de aproveitar as frivolidades do pequeno principado de
Mônaco.
Apesar de ainda ser cedo, muitos dos hóspedes importantes já estavam tomando sol,
passeando no jardim atrás do cassino ou tomando aperitivos e mexericando no Café de La
Paix.
Mal chegou à rua, Craig começou a ser cumprimentado por amigos e conhecidos.
— Craig! Tinha certeza de que você estaria aqui! — exclamou uma mulher
encantadora, usando jóias e peles.
Gaby Delys, a mais aclamada atriz parisiense, beijou-o no rosto.
— Mon cher! Estou encantada em ver você!
Craig beijou suas mãos macias e, pelo resto da manhã, foi de mesa em mesa, de
grupo em grupo.
Estava habituado àquela acolhida, sempre certo de perceber um convite no olhar das
mulheres e uma provocação nos lábios.
Finalmente sentou-se, tomando um aperitivo junto de Zsi-Zsi de La Tour, conhecida
como uma notável mexeriqueira, e perguntou:
— Diga-me Zsi-Zsi, quem está em Monte Cario?
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— No que me diz respeito, monbrave, só existe você!
— O que o grão-duque vai dizer? — comentou Craig, brincalhão.
Ela encolheu os ombros.
— Fica com ciúme, o que é ótimo para ele!
Craig caiu na risada.
— Não tenho nenhum desejo de estragar o tempo feliz que Sua Alteza Imperial está
tendo com você.
— O que é uma maneira educada de dizer que você tem outro peixe para pescar.
Zsi-Zsi era sempre imprevisível e, apesar de terem tido um caso cinco anos atrás,
continuavam muito amigos. Ele nunca ia a Paris sem visitá-la.
Craig deu uma olhada em volta.
— Vejo poucos rostos novos e muitos que já estão ficando velhos.
— Que falta de amabilidade, Craig! Que diferença das palavras bonitas que você
costumava dizer.
— Não estou me referindo a você, querida. Sabe muito bem que será eternamente
jovem e mais bonita a cada ano.
— Agora melhorou. Que bom se fosse verdade! Pelo menos, Bóris ainda me acha
irresistível.
— Fico satisfeito. Gosto dele e, pelo que vejo, tem-lhe dado lindas jóias.
Craig olhava para as esmeraldas que Zsi-Zsi usava no pescoço e outra, enorme, no
dedo.
Ela lançou-lhe um olhar provocante, antes de dizer:
— Sabe qual é a jóia que mais adoro, de todas que me deram?
— Não faço idéia.
— O pequeno São Cristóvão que você me deu. Acredite que é verdade; trago-o
sempre na bolsa. Me dá sorte, é ó meu talismã no cassino.
— Fico contente. E agora, vamos voltar à minha pergunta. Com quem posso me
divertir por aqui, uma vez que você está comprometida?
— Deixe-me pensar. . . Como dizem os ingleses, creio que não quer cozinhar os
legumes na mesma água duas vezes.
— Claro que não.
— Agora, pensando no assunto, vejo que há mesmo poucas caras novas! — disse ela,
fazendo um muxoxo. — Há uma mas não faço idéia de onde veio.
— Quem? — perguntou Craig, indiferente, olhando para as pessoas que passavam.
— Ela se intitula condessa Aloya Zladamir, mas Bons diz que nunca ouviu falar nela.
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CAPÍTULO II
Quando Craig voltou para o hotel, dirigiu-se primeiro à recepção, para saber se tinha
correspondência.
Enquanto o recepcionista verificava, deu uma olhada rápida no registro, aberto em
cima do balcão.
Entre uma lista de celebridades, viu o nome que procurava.
Gostou de saber que a condessa estava sob o mesmo teto, e quando o homem voltou
com algumas cartas dos Estados Unidos, Craig disse, casualmente:
— Estou muito satisfeito com meus aposentos, mas espero que não tenham colocado
gente barulhenta no mesmo andar, como fizeram há dois anos.
— Tenho certeza de que vai encontrar muita tranqüilidade, monsieur Vandervelt.
— Espero que tenha razão — Craig comentou, um pouco duvidoso.
O recepcionista olhou para o quadro das chaves.
— Um dos hóspedes perto do senhor é o duque de Norfolk, que sempre se deita cedo,
e outro é o grão-duque de Lichtensteim
Craig fez um ar de quem estava mais ou menos satisfeito, e o recepcionista, ansioso
para agradar, acrescentou:
— Outra é a condessa Aloya Zladamir, que acabou de chegar.
— Acho que não ouvi falar nela — disse Craig, afastando-se com um ar indiferente.
Conseguira descobrir o que queria e, fazendo outras perguntas ao garçom que lhe
serviu água no quarto, soube que o apartamento da condessa estava ligado aos seus
aposentos. Isso queria dizer que a varanda da sala dela dava para o mesmo lado da dele, com
uma vista magnífica do mar e do palácio no alto do promontório.
Craig tinha um convite para almoçar. Quando desceu para encontrar os amigos no
bar do restaurante, ficou imaginando se encontraria a condessa e se seria capaz de
reconhecê-la.
Conhecia várias russas muito bonitas e sempre achou que possuíam uma atração
especial, que convidava ao romance.
O restaurante estava cheio de pessoas conhecidas que o saudaram, mas não viu
ninguém que lhe parecesse ser a condessa.
Avistou lorde Neasdon, almoçando com dois cavalheiros, mas sem companhia
feminina.
Depois da refeição, Craig teve uma certa dificuldade para desvencilhar-se dos amigos
e, dizendo que precisava de um pouco de exercício, saiu a pé em direção ao porto.
Mas não foi para seu iate, e sim a uma pequena igreja, debaixo da ponte da estrada de
ferro. Quem o visse, ficaria surpreso, porque era raro um jogador de Monte Carlo freqüentar
aquela igreja.
A capela do santo devoto tinha sido construída no sopé de uma ravina; por isso,
entrava pouca luz pelas janelas. Lá dentro, a única iluminação era a das velas colocadas em
frente a uma imagem.
Craig dirigiu-se ao confessionário. Apesar de não poder vê-lo, o padre pressentiu sua
presença e disse em latim:
— In nomine Patris et Filii, et Spiritus Sancti, Amen.
Craig ajoelhou-se, encostou o rosto na grade e perguntou, em um sussurro:
— É o senhor, padre Augustin? É Craig.
Houve um silêncio de surpresa, antes que o outro respondesse:
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— Não sabia que tinha chegado, meu filho.
— Cheguei há poucas horas.
— É bom saber que voltou para junto de nós.
— Estou contente de estar aqui, padre, mas preciso de sua ajuda.
— Eu já devia ter adivinhado que havia uma razão atrás dessa visita — disse o padre,
em um tom brincalhão.
— Procuro alguém que deve estar em grande perigo.
— E pensa que eu o conheço?
— Não tenho outra maneira de fazer contato, e o senhor me ajudou no passado,
evitando que um homem fosse morto.
— Diga-me o nome do homem que está procurando.
— Randall Sare.
— Acho que não conheço.
— Deve ter ouvido falar nele. O pai, Conrad Sare, era um profundo conhecedor dos
assuntos orientais. Os livros que escreveu foram lidos por todos que se interessavam pelo
Oriente. Tenho certeza de que a maioria das bibliotecas dos mosteiros possui seu trabalho
sobre o budismo.
— Agora já sei de quem está falando. É o filho dele que está procurando?
— Soube que chegou a Monte Carlo há poucas semanas, mas penso que agora está se
escondendo.
— De onde ele veio?
Craig hesitou um pouco, mas depois, sabendo que podia confiar inteiramente no
padre, contou a verdade:
— Do Tibete.
Não havia necessidade de mais explicações. O padre Augustin era extremamente
inteligente e bem informado.
— Vou fazer o que puder.
— É tudo que lhe peço, e obrigado, padre. Tenho certeza de que seus pobres estão
precisando de uns poucos dólares americanos.
— Não me agradeça enquanto eu não puder ajudá-lo. Volte aqui amanhã.
— Voltarei. Queria que soubesse que o homem que ajudou está vivendo
confortavelmente perto de Nova York, muito satisfeito em ser cidadão americano.
— Vou agradecer a Deus pela ajuda que me deu para poder salvá-lo.
— Até amanhã, padre. Nem posso lhe dizer como estou grato por sua ajuda.
Num tom mais alto, que podia ser ouvido da igreja, o padre disse:
— Misereatur vestri omnipoteus Deus, et dimissis peccatis vestris perducat vos ad
vitam aeternam.
Quando Craig saiu, havia apenas uma mulher rezando, e não pareceu notá-lo. Para
evitar suspeitas, ele foi até a imagem de Joana d'Arc, acendeu uma vela e deixou algumas
moedas na caixa das esmolas.
Depois saiu para o sol, aliviado por ter dividido aquele problema com alguém.
Nenhum de seus conhecidos poderia imaginar que fosse amigo de um padre católico; por
isso, esperava não ter sido visto.
Não era provável, porque àquela hora todos os visitantes de Monte Carlo ou estavam
repousando, ou já tinham começado a jogar na Sala Touzet, no cassino principal, hipnotiza-
dos pela roleta. Craig estava satisfeito por não ter que ir até lá.
Assim que chegou ao cais, foi recebido com entusiasmo por seu capitão e pelo
primeiro oficial, nitidamente contentes de terem saído para o mar depois de um inverno
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ancorados em Marselha.
— Para onde tenciona ir, sr. Vandervelt? — perguntou o capitão, ansioso por zarpar.
— Por enquanto ainda não sei; mas gostaria que tudo estivesse pronto para partir a
qualquer momento. Sabe que fico nervoso quando passo muito tempo no mesmo lugar.
— Era o que eu esperava ouvir, senhor. As ilhas gregas são lindas nesta época do
ano.
— Não me esqueci. Já instalaram todos os novos equipamentos que encomendei?
— Sim, senhor. Estou ansioso para que os veja.
Craig viu uma de suas invenções funcionando e depois deu uma volta pelo iate. Uma
nova idéia de fixar as mesas durante as tempestades também já estava instalada, além da
nova cama de casal que comprara para sua cabine. Voltou para o convés.
— Vejo que há dois iates russos no porto. Será que pode descobrir a quem
pertencem?
— Já perguntei, senhor — respondeu o capitão —, mas ninguém soube responder.
Mas o iate do duque de Westminster é magnífico e o que está ao lado é do sr. Pierpont
Morgan, que chegou na semana passada.
Craig ouvia e reparava que havia um espaço entre o iate do duque de Westminster e o
primeiro iate russo.
— Estou muito interessado em saber se os russos estão tão avançados como nós.
Acho que seria uma boa idéia sairmos para o mar agora e, na volta, mudarmos para o
ancoradouro ao lado do primeiro iate com bandeira russa.
— Tenho certeza de que podemos arranjar isso, senhor. Vou falar com o capitão do
porto.
Enquanto o capitão foi à terra, Craig ficou entretido inspecionando o iate.
Chamava-se A Sereia, e ele próprio supervisionara toda a construção. Não gostaria
nada se outro daqueles barcos caros e bonitos tivesse uma tecnologia mais avançada ou
fosse mais confortável.
O capitão voltou logo em seguida e, pela cara dele, Craig percebeu que o pedido
tinha sido recusado.
— Lamento, sr. Vandervelt. Os russos não estão usando aquele ancoradouro no
momento, mas o alugaram.
Craig fez um ar espantado, mas não disse nada. O capitão continuou:
— Ele me disse que os melhores lugares, os que dão diretamente no cais, estão todos
reservados e que só esta manhã já teve três pedidos para aquela vaga e teve que recusar.
“Quem chegar agora, terá que desembarcar primeiro em um bote, o que é
extremamente irritante”, pensou Craig.
— Bem, pelo menos, você conseguiu este lugar. Agora, mostre-me a velocidade que
A Sereia pode atingir com o novo motor.
Duas horas depois, Craig deixou o iate e voltou a subir a encosta que ia dar no
cassino.
Tinha seu próprio carro em Monte Carlo e, embora ainda não o tivesse pedido, sabia
que o motorista estaria ansioso para vê-lo e também para entrar no Concurso de Elegância,
que começara a ser promovido dois anos antes e fazia sempre um tremendo sucesso.
Pensando nisso, Craig lembrou-se de que todos os proprietários que iam concorrer
deviam estar procurando beldades para se exibirem.
Os automóveis ficavam expostos em um terraço embaixo do cassino, onde eram
examinados por um júri. Às três da tarde, saíam em procissão pelos jardins, seguindo até o
stand onde os prêmios eram distribuídos. Depois, circulavam novamente pelo jardim e um
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prêmio era dado à senhora mais elegante que estivesse nos carros.
Craig tinha ganho o Grande Prêmio de Honra no ano anterior. As regras do concurso
não permitiam segundo e terceiro lugares. Assim, eram atribuídos o Prêmio de Honra, o
Grande Prêmio de Honra e o Primeiro Prêmio, sendo também mencionados os nomes das
acompanhantes, seus cabeleireiros e suas modistas.
Isso desencadeava uma acirrada competição entre as senhoras e aqueles que as
vestiam.
Lembrou-se, divertido, de que a beldade que o acompanhava tinha contado que
aquele prêmio lhe rendera um ano de roupas em seu costureiro de Paris, pagando metade do
preço ou mesmo de graça.
Como precisava encontrar uma mulher espetacular, foi até o cassino e entrou na Sala
Touzet.
Em todas as mesas, havia mulheres lindas e elegantíssimas, com os olhos fixos nas
cartas ou na roleta e prestando pouca atenção aos homens com quem estavam e aos que
circulavam pela sala, procurando alguém para se distraírem.
O grão-duque Bóris fumava um grande charuto, enquanto Zsi-Zsi colocava uma
moeda de ouro naquele que considerava seu número de sorte.
Craig sabia como Zsi-Zsi era supersticiosa. Não havia mais nada de novo por ali,
tirando os talismãs que os jogadores usavam para tentar ganhar. Conhecia mulheres que
levavam na bolsa a pele de uma cobra venenosa, uma garra de águia, um pé de coelho ou até
mesmo a corda de um enforcado. Alguns homens colocavam uma colher de sal no bolso
para dar sorte.
Sempre achara tudo isso ridículo. Tudo que um homem precisava era de intuição que
o avisasse do perigo ou de problemas. No entanto, não podia fazer esse comentário com o
grão-duque Bóris, que, como todos os seus compatriotas, acreditava que o que lhe dava
sorte era uma mulher que ainda por cima podia ser cortejada.
— Como vai, Craig? — perguntou o grão-duque.
— Satisfeito em vê-lo, senhor. Está se divertindo?
— Isto estava um pouco monótono. Mas agora que você chegou, vou organizar uma
festa. Que tal amanhã à noite?
— Terei muita honra.
— Vou pedir a Zsi-Zsi que convide todos os seus amigos mais chegados, mas
nenhum dos seus inimigos, se é que tem algum.
— Espero que poucos. E quanto mais longe estiverem, melhor.
— Tem razão. É um homem muito popular, Craig, e como vejo que está sozinho,
teremos que arranjar uma beldade que o mantenha ancorado aqui por algum tempo. — Fez
uma pausa, antes de acrescentar: — Vi seu iate no porto. Isso quer dizer que pode partir a
qualquer momento?
Craig deu uma risada.
— Vou ficar aqui por alguns tempos. Nova York está muito aborrecida e Londres
também não me apetece nesta época do ano.
— Deve estar chovendo.
— Tenho certeza de que está.
Enquanto conversavam, atravessaram a sala e sentaram-se perto de uma janela
aberta.
Imediatamente um garçom apareceu, perguntando o que queriam beber. O grão-
duque pediu uma garrafa de champanhe e perguntou a Craig:
— Há uma mulher deslumbrante que eu nunca tinha visto antes, mas que parece já
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estar comprometida com um patrício seu; lorde Neasdon. Você deve conhecer, não é?
— Creio que não. Como ele é?
— Enfatuado. Acho muito estranho alguém tão atraente como a condessa Aloya
Zladamir achá-lo interessante.
Craig ficou em silêncio por uns momentos.
— Com esse nome, imagino que seja russa, não?
— Acho que sim. Nunca conheci nenhum Zladamir, mas isso não quer dizer que não
existam.
Craig deu uma risada.
— Não se pode esperar que alguém conheça todo mundo em um país do tamanho do
seu!
— Ela é muito jovem — continuou o grão-duque —, e ainda não consegui descobrir
se pertence à alta sociedade ou ao demi-monde.
— Certamente que não lhe será difícil.
— Tenho que admitir que essa mulher me intriga. Fui apresentado a ela e, quer você
acredite ou não, deixou bem claro que não estava interessada em mim!
Craig riu do modo infantil do grão-duque falar. Sabia muito bem que conhecer Bóris,
bonito, rico, muito generoso e uma pessoa que dominava a sociedade de Monte Cario, era a
ambição de todas as mulheres. Certamente, era a primeira vez que se interessava por uma
beldade que não correspondia a seu entusiasmo.
— Pensei que, sendo sua primeira visita a Monte Carlo, ela estivesse desejosa de
conhecer pessoas. Mas não! Ou é vista com Neasdon ou sozinha. — Continuou o grão-
duque, ressentido.
— A explicação mais lógica é que está apaixonada por ele.
— Não acredito. Neasdon pode ser um ótimo diplomata, mas tenho certeza de que
deve ser tão aborrecido na cama como em uma mesa!
Craig riu novamente.
— O que é muito condenável, especialmente sendo opinião de um perito como o
senhor.
O grão-duque também riu.
— Na verdade, estou fazendo uma tempestade em um copo d'água, mas realmente
fiquei irritado. Não diga nada a Zsi-Zsi; ela não sabe que tentei me aproximar daquela
mulher.
— Sabe muito bem que não costumo fazer comentários.
— Bem, vou tentar convidar a condessa para a festa de amanhã à noite. Assim, você
poderá conhecê-la. Mas duvido que ela vá.
— Por que não convida Neasdon, sugerindo que ele a leve?
— Eu devia saber que você arranjaria um jeito de resolver esse problema! Mas é
evidente! Está aí a solução! Neasdon deve ficar muito lisonjeado. Nunca o convidei antes.
— Garanto que ficará encantado, senhor. Não se esqueça de fazer o convite aos dois.
— Claro!
Ficaram falando do Concurso de Elegância e depois o grão-duque quis conhecer o
Sereia.
Ao voltar para o Hotel de Paris, Craig achou que tinha sido um dia proveitoso,
embora não tivesse conseguido fazer contato com as duas pessoas mais importantes.
Quando chegou ao corredor de seus aposentos, viu à sua frente uma figura muito
elegante; uma mulher de andar gracioso, extremamente esbelta, que entrou em uma porta no
fim do corredor.
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Soube imediatamente que era a condessa Aloya Zladamir.
Que feliz coincidência! Os apartamentos eram ligados, o dela ficando junto do que
ele tinha alugado e que estava vazio.
“Minha sorte não me abandonou. Não preciso de cobras, cordas de enforcados ou
gatos pretos!”
Ficou lendo os jornais até a hora de vestir-se para jantar e depois desceu para juntar-
se aos amigos que encontrara no terraço em frente ao cassino, de manhã, e que o convi-
daram.
Havia uma série de pessoas que Craig teria prazer em rever e algumas que queria
evitar.
O príncipe e a princesa de Bragança, seus anfitriões naquela noite, eram encantadores
e ela, muito bonita. O jantar seria para apenas dez pessoas e ocupavam uma das melhores
mesas, junto das janelas que davam para o jardim todo iluminado.
Com as árvores também iluminadas, o céu estrelado e o luar banhando a torre do
cassino, o lugar parecia encantado.
Craig imaginava se em qualquer outra parte do mundo se poderia encontrar pessoas
mais bonitas e elegantes. Ali estava reunida a nata da sociedade de diferentes países. A
conversa discorria-se em várias línguas ao mesmo tempo, interessante e variada. Todos riam
e falavam na sala, até que, de repente, pareceu se ouvir uma exclamação coletiva de
admiração.
Craig olhou para a porta, intrigado.
A mulher mais bonita que jamais tinha visto acabava de entrar. Assim que
reconheceu seu acompanhante, percebeu quem ela era.
Um dos homens da mesa murmurou:
— Deus do céu! Aí está uma coisa que vale a pena olhar!
Como já tinha reparado no corredor, ela era muito esbelta, mais alta do que a maioria
das mulheres e se vestira para causar sensação.
Todas as outras damas usavam as cores da moda de primavera: verde, rosa, amarelo.
E a maioria, chiffon branco e tule. A condessa Aloya estava de preto. Um vestido simples e
sóbrio, que lhe realçava as curvas suaves e a cintura estreita.
Ao contrário das outras, não usava muitas jóias. Grande conhecedor de mulheres,
Craig sabia que ela não precisava. Sua própria pele, branca e macia, já era uma jóia. E os
cabelos, tão louros que pareciam prateados, brilhavam tanto que dispensavam a ajuda de
diamantes.
Só quando a condessa sentou-se a uma mesa próxima, ele reparou que usava apenas
um broche, com um enorme brilhante da cor dos cabelos.
Era realmente linda. Tinha olhos enormes, amendoados, e cílios pretos e muito
compridos. Embora não conseguisse ver a cor dos olhos, suspeitou de que deviam ser
verdes. A condessa estava sentada de frente para ele e agora dava para reparar na perfeição
de seu pequeno nariz e seus lábios.
Sem saber por que, teve a impressão de que sentia-se insegura e preocupada. Disse a
si mesmo que estava imaginando coisas e ficou olhando para aquele rosto tão fora do
comum, sem encontrar palavras que o definissem.
Por um momento a conversa na mesa morreu. Então, a princesa comentou:
— Tenho que admitir que ela é surpreendente. Ontem à noite usava um vestido
branco, e parecia uma deusa grega. A única jóia era um colar de pérolas quase do tamanho
de um ovo de pomba.
— A senhora a conhece? — perguntou Craig.
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A princesa sacudiu a cabeça, sorrindo.
— Meu marido ainda não sabe bem se devo conhecê-la.
Craig riu.
— O grão-duque Bóris tem a mesma dúvida. Não me parece um enigma muito
comum em Monte Carlo.
— E não é mesmo. Mas garanto-lhe que todos os homens desta cidade estão tentando
descobrir o segredo da esfinge. E todas as mulheres, incluindo eu, têm esperança de que não
consigam tão cedo.
Craig riu novamente.
A conversa foi voltando ao normal, mas ele não conseguia tirar os olhos daquela
mulher.
Reparou que lorde Neasdon falava o tempo todo — um monólogo bem aborrecido,
disso estava certo — e que ela demonstrava prestar muita atenção, embora não tomasse ati-
tudes provocantes, como todas as outras mulheres na sala estavam fazendo.
Deu uma olhada e viu La Belle Otero, uma das cortesãs mais famosas de Paris,
enfeitiçando os homens em sua mesa. Levantavam os copos sem parar, brindando em sua
homenagem, e deviam estar prometendo aumentar a preciosa coleção de jóias que ela
possuía.
Na primeira vez que a viu, Craig achou que seria difícil encontrar mulher mais
deslumbrante. Não ficou surpreso quando lhe disseram que as cúpulas do novo Carlton
Hotel, em Cannes, tinham sido moldadas parecendo os seios de La Belle.
Em outra mesa, estavam La Juniery, cuja cama tinha o formato de uma enorme
concha, e Gaby Delys, que normalmente usava uma profusão de pérolas, cada volta mais
comprida e valiosa do que a outra.
Mas todas essas mulheres se apagavam diante da beleza da condessa Aloya, e Craig
não conseguia descobrir o que a fazia tão diferente.
Depois de observá-la durante um bom tempo, viu que não eram só suas feições
perfeitas, ou os olhos exóticos, ou os cabelos penteados para trás e presos com simplicidade.
Era algo mais profundo, qualquer coisa que emanava dela, como se a transcendesse.
Achou que ela brilhava como se estivesse envolta em luz.
Disse a si mesmo que estava apenas influenciado pelo que o marquês de Lansdowne
lhe havia contado, mas a verdade era que durante todo o jantar não conseguira olhar para
outro lado.
Resolveu que precisava conhecê-la. Mal podia esperar pelo dia seguinte, para saber
se Neasdon a levaria à casa do grão-duque.
Fez o possível para que alguém o apresentasse a ela quando foram todos para o
cassino, mas não conseguiu.
Pensou em dirigir-se pessoalmente a Neasdon e apresentar-se, dizendo que o
marquês de Lansdowne lhe tinha dito que deviam se encontrar em Monte Carlo. Mas não
queria tomar essa atitude. Ao mesmo tempo, não encontrava outro meio de falar com lorde
Neasdon e sua acompanhante. Eles estavam na Sala Touzet, mas nenhum dos dois jogava.
Sentados a uma mesa, conversavam e bebiam champanhe. Embora Neasdon falasse
sem parar, ambos pareciam pouco animados.
Craig ia de mesa em mesa, conversando com os amigos, fazendo de conta que
prestava atenção nos números que saíam nas roletas ou observava o bacará, mas no íntimo
sentia-se frustrado e sem saber o que fazer.
No passado, esse tipo de problema tinha sido fácil de resolver. Na verdade, não se
lembrava de alguma vez ter que esperar para conhecer alguém, especialmente uma mulher.
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Embora por várias vezes parasse perto da condessa, ela não lhe prestou a menor atenção.
Não levantava os olhos para reparar nele ou em quem quer que fosse. Simplesmente
escutava lorde Neasdon, fazendo um comentário ocasional ou gesticulando um pouco com a
mão esquerda.
“O que posso fazer?”, perguntava-se Craig, até que, à meia-noite e meia, a condessa
levantou-se.
Neasdon fez um ar de quem lhe pedia para ficar mais um pouco, mas ela se dirigiu
para a porta, imperturbável, e Craig resolveu segui-la.
A condessa pegou uma capa de veludo verde no vestiário feminino e, colocando-a
nos ombros, saiu.
Como um autômato, Craig continuou atrás dela, vendo-a descer a escada e levantar o
rosto para admirar o céu e o luar.
Lorde Neasdon teve que correr para alcançá-la e, juntos, entraram no Hotel de Paris.
Sem ao menos pensar que devia ter-se despedido dos amigos, Craig foi atrás,
mantendo uma distância prudente.
Ao chegar ao corredor de seu andar viu que a condessa estava novamente sozinha,
como de manhã.
Fosse qual fosse seu relacionamento com Neasdon, de uma coisa tinha certeza; não
eram amantes. O lorde nem sequer estava hospedado no mesmo hotel, e sim no
L'Hermitage, o segundo melhor hotel de Monte Carlo.
Craig ficou uns instantes sentado na sala, pensando. Depois, movido pelo instinto, foi
até a varanda. A noite de primavera estava fria e a vista para o porto e o promontório era
muito bonita.
As estrelas e o luar refletiam na água tornando-a prateada, o que o fez lembrar-se dos
cabelos da condessa.
Nesse momento, ela apareceu na varanda, suspirando. Não percebeu a presença dele.
Estava sem casaco e ficou apoiada no parapeito, olhando para o céu, Craig teve a impressão
de que estava rezando.
Passado um pouco ele disse, suavemente:
— Sempre achei que esta é uma das vistas mais lindas do mundo.
Ela endireitou-se, virando o rosto para ele, e desviando-o imediatamente.
— Eu. . . eu não sabia.. . que o senhor estava... aí!
Ficaram em silêncio por alguns instantes.
— Sempre tenho a sensação de que esses iates lá embaixo estão irriquietos no cais,
ansiosos por partir para uma aventura que os espera para além do horizonte.
Falou como se contasse uma história de fadas a uma criança, e ela, entrando na
mesma fantasia, respondeu:
— Era o que eu adoraria fazer; viajar para longe e. . . nunca mais voltar!
— Nunca mais voltar para este mundo ou para Monte Carlo em particular?
— Para. . . Monte Carlo.
Pelo tom dela, Craig sentiu que tinha respondido em um impulso.
Como se estivesse arrependida disso, acrescentou:
— Preciso entrar. Disseram-me que as noites aqui podem ser muito traiçoeiras.
— É verdade, mas a temperatura hoje tem estado amena e, a não ser que esteja com
frio, não creio que vá lhe fazer mal.
— Espero que não!
Craig teve a sensação de que ela não falava de si mesma.
— Claro que os mais velhos têm que tomar cuidado com o clima, que muda bastante.
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Por causa do vento que sopra dos Alpes, à noite esfria bastante.
Ela prendeu a respiração e depois disse, como se falasse sozinha.
— Se isso é verdade, quando se vem de um clima quente é preciso tomar ainda mais
cuidado.
— Naturalmente. Lembro-me de uma vez que fiquei em Monte Carlo, quando vinha
da Índia, e passei uns dias de cama por culpa minha.
— Esteve na índia?
— Várias vezes. É um país pelo qual sinto uma grande e profunda afinidade.
— Tenho certeza de que, se a gente for lá uma vez, nunca mais esquece — disse a
condessa.
— Não, mesmo. Quando estou na índia, penso sempre como somos loucos em não
escutar aquilo que a terra nos diz.
Ela virou-se para ele, surpresa.
— No Oriente, tudo é muito... diferente. Onde é que esteve na Índia?
Craig riu.
— Acho que será mais fácil dizer onde não estive. É um país tão belo que seu
encanto nos fascina. A partir do momento em que pisamos o solo indiano, começamos a
aprender e não paramos nunca.
— Como sabe e como pode pensar dessa maneira?
— Eu poderia fazer a mesma pergunta. E já que a Índia nos apresentou um ao outro,
há muitas coisas mais que eu gostaria de conversar com a senhora.
A condessa pareceu entusiasmada, mas, olhando para o Porto, disse, insegura:
— Tenho que ir me deitar. Boa noite, senhor.
Sem esperar resposta, entrou no apartamento, fechando as janelas.
Craig ficou quieto, imaginando o motivo daquela atitude e a razão daquele tremor na
voz. Então, ouviu alguém falar no quarto dela.
Por um momento, pensou que fosse um homem. Depois, enquanto tentava entender,
as janelas se abriram e alguém fechou as persianas.
Era uma empregada. E parecia falar em russo.
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CAPÍTULO III
Craig decidiu que no dia seguinte tentaria obter mais informações sobre os iates
russos que estavam no porto.
O contato com a condessa até tinha sido satisfatório, mas o que o preocupava
realmente era Randall Sare.
Desde que o conhecera na índia, aos vinte e um anos, Sare era para ele um herói,
alguém que admirava mais do que qualquer outro homem no mundo.
Havia sido o vice-rei quem lhe falara dele primeiro, com respeito e admiração,
dizendo que aquele homem tinha qualquer coisa especial.
O cargo de vice-rei da Índia era tão importante quanto o de qualquer outro dirigente.
Não havia rei ou imperador que tivesse mais poder, nem governante branco que vivesse com
mais pompa e suntuosidade.
Evidentemente, os ingleses levavam os seus jogos para onde iam, e o esporte acima
de todos. Os jovens soldados, cheios de bravura e energia, passavam todos os momentos
livres praticando os esportes de seu país de origem.
Assim que Craig Vandervelt chegou à Índia, com a aura de fortuna que o envolvia,
inevitavelmente, foi levado para assistir às corridas de cavalos em Calcutá.
O dia mais importante do ano na capital era o dia da Taça do Vice-Rei. O hipódromo
estava cheio de belas e importantes senhoras da Inglaterra, da América, enfim, de toda a
parte do mundo, e para Craig tudo aquilo teve um encanto inesperado.
Uma vez aceito pelos ingleses como sendo um deles, foi levado para caçar, o que na
Índia consistia numa matilha de cães de caça ajudados por um terrier que os incitava a
perseguir o chacal, alce, javali, lebre, veado, hiena ou o que houvesse para caçar.
Depois de demonstrar que era tão bom caçador como cavalariço, levaram-no para
jogar pólo, e logo estava jantando no Palácio do Governo, na mesa dos oficiais do mais
importante regimento.
Foi nessa ocasião que ouviu falar pela primeira vez no “Grande Jogo”. Muito pouco,
mas o suficiente para lhe despertar a curiosidade.
Como tinha uma excelente memória, além de uma curiosidade insaciável, foi
ouvindo daqui e dali, até o assunto começar a fazer sentido.
Só quando o vice-rei falou em Randall Sare, é que Craig fez umas perguntas que
foram respondidas com ambigüidade.
Pelo que lhe disseram, Sare era um estranho, extraordinariamente inteligente, mas
que preferia misturar-se com os nativos e não com os europeus.
De início, Craig pensou inocentemente que os nativos fossem os rajás e marajás, que
recebiam luxuosamente em seus palácios e cuja hospitalidade qualquer inglês gostaria de
aceitar. Depois, alguém lhe contou que Randall falava todos os dialetos conhecidos na Índia
e que freqüentemente desaparecia meses a fio, sem que ninguém soubesse o porquê e onde
estava.
Foi por acaso que o encontrou em Simla e começou a conhecer e admirar aquele
homem.
Sare tinha um rosto inesquecível. Habitualmente assumia várias identidades,
disfarçando-se sem o auxílio de maquilagem, usando apenas conhecimentos e uma
experiência de vida.
Craig ficou impressionado com ele e o procurou na segunda viagem que fez à Índia.
Como esperava, não só era a pessoa mais interessante que conhecia, mas também uma mina
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de informações em todos os assuntos, principalmente aqueles que representavam um enigma
para o Ocidente, como as castas e as crenças hindus.
Foi nessa ocasião que Craig entendeu como homens como Sare podiam amar um
país, do mesmo jeito que um homem ama uma mulher.
A Índia tinha um modo de vida maravilhosamente complexo, que escondia segredos
que inspiraram algumas das maiores religiões do mundo.
Aos vinte e quatro anos, Craig estava preparado para tornar-se discípulo de um
grande homem que ele considerasse mais do que todos. No pouco tempo em que estiveram
juntos, aprendeu com Randall Sare mais do que a maioria das pessoas aprende em uma vida
inteira.
Três anos atrás, em sua terceira visita à Índia, Sare lhe dissera que estava indo para o
Tibete.
— Para quê? — perguntou Craig.
— Estou convencido de que os russos estão anexando, um após o outro, os khans da
Ásia Central e querem controlar toda a fronteira norte da índia.
— Não pode ser!
— Eles já estão construindo uma estrada de ferro que atravessa a Sibéria até o
Extremo Oriente. Soube que também estão construindo outra no Turquestão e... — Fez uma
pausa. — ...Planejando a anexação do Tibete.
— Pensei que não era permitido a ninguém entrar nesse país.
— Creio que seria muito difícil impedir o avanço dos russos. Se é isso que eles
querem fazer, farão.
— Como poderemos impedir?
Randall sorriu, o que lhe deu uma atração toda especial.
— É exatamente o que vou descobrir.
Quando se despediram, Craig sabia que haveria de se passar muito tempo antes de
voltar a ver o amigo, se é que voltaria.
Agora, se a suspeita do marquês era verdade, Sare não só tinha voltado para a
Europa, como desaparecido em Monte Carlo. Parecia inacreditável que ele deixasse a índia
sem que o Ministério do Exterior fosse informado e desembarcasse logo em um lugar
conhecido como o mais frívolo, extravagante e vicioso de toda a Europa.
Bispos e padres de todos os credos protestavam continuamente contra o vício que
dominava a “cidade do jogo”.
Apesar disso, o cassino de Monte Carlo era patrocinado por quase todas as cabeças
coroadas e a ameaça do fogo do inferno não surtia resultado.
Só havia uma explicação possível para a presença de Sare ali; não se sentira capaz de
chegar à Inglaterra e não tivera outra alternativa.
“Preciso encontrá-lo. Preciso.”
Imerso em seus pensamentos, Craig passou todo o almoço distraído, o que provocou
queixas tanto de sua linda anfitriã, como da senhora que estava a seu lado.
As reclamações fizeram com que se lembrasse imediatamente de que não estava
desempenhando o papel que esperavam dele.
Pediu desculpas, alegando uma ligeira dor de cabeça, e voltou a ser a pessoa
divertida, inconseqüente e alegre de sempre. No fim do almoço, as duas estavam mais
apaixonadas do que nunca.
Tinha um convite para ir jogar tênis, mas já havia jogado com um profissional, de
manhã cedo.
— Tem que entrar no campeonato, senhor — disse-lhe o profissional.
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Esse campeonato começara três anos atrás e ele já havia pensado era inscrever-se na
taça individual masculina, oferecida pelo príncipe de Mônaco. Mas, pensando melhor no
assunto, achou que tinha coisas mais interessantes e mais importantes para fazer do que
colecionar troféus. Além disso, gostava mais de jogar sem platéia.
Como era muito bom jogador, contratou um profissional para jogar com ele todas as
manhãs, enquanto estivesse em Monte Carlo. Assim, teria as tardes livres para cuidar de sua
missão. E a primeira providência era ir falar com o padre Augustin.
Como na véspera, foi a pé até a capela. Depois do barulho e da confusão do hotel,
sentiu uma paz que parecia transmitida pela fé daquele local.
Dirigiu-se rapidamente ao confessionário, onde sabia que o padre Augustin esperava.
Ajoelhou-se e, automaticamente, o padre pronunciou as palavras em latim que
iniciam cada confissão.
Quando disse “Amém”, Craig perguntou:
— Tem alguma notícia para mim?
— Poucas, meu filho, mas você não me deu muito tempo,
— Mas já soube de alguma coisa?
— Soube que o homem que procurava estava escondido num certo lugar da cidade,
duas semanas atrás.
— Não está ferido ou doente?
— Não me disseram; apenas que estava se escondendo. O esconderijo é um lugar
normalmente usado pelos procurados pela polícia ou que têm outras razões para não serem
vistos.
— Ele ainda está?
Percebeu imediatamente que a resposta seria desapontadora.
— Pelo que pude descobrir, foi embora.
— E disseram para onde?
— É o que estou tentando averiguar. Mas, como deve compreender, não é fácil fazer
muitas perguntas nesse tal lugar, onde os homens vão para se esconder e cujas identidades
são sempre secretas.
— Compreendo. Mas por favor, padre, tente descobrir mais. É muito importante.
— Estou tentando, meu filho, estou tentando. Se eu me mostrar muito curioso,
inevitavelmente as portas que devem ficar abertas, vão se fechar.
Craig sabia que era a pura verdade.
— Fico profundamente agradecido, padre. Esse homem é de grande importância para
a humanidade e preciso salvá-lo.
— Tenho rezado muito a Deus, pedindo Sua ajuda.
— Então, por favor, continue. — Fez uma pequena pausa e acrescentou: — Tenho
uma coisa que pode ajudar a soltar a língua dos que sabem a resposta às nossas perguntas.
Onde devo deixar?
O padre Augustin ficou em silêncio por um momento.
— Há uma coroa de flores em frente da imagem da santa. Não era preciso dizer mais
nada.
— Quando devo voltar outra vez?
— Amanhã, as confissões serão um pouco mais tarde; só devo estar aqui ao
anoitecer.
— Será melhor ainda — disse Craig.
Esperou o padre Augustin dar a bênção em latim e levantou-se, fechando a cortina do
confessionário.
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Havia mais gente na igreja agora e, com um sobressalto, viu a condessa Aloya
ajoelhada perto dele. Estava de mãos postas e olhava com fervor para o sacrário, totalmente
absorta. Pelo menos, parecia estar.
Craig não conseguiu ir embora. Foi sentar-se ao lado dela. Não se ajoelhou; apenas
baixou a cabeça, como se rezasse.
Tentava descobrir o que lhe diria, quando, sem se mexer, ela falou, baixinho:
— Por favor, não fale comigo. Há alguém me observando.
Qualquer outro teria olhado para ela, surpreso, mas Craig tinha sido treinado em uma
escola onde qualquer movimento em falso poderia significar a diferença entre a vida e a
morte. Ficou quieto por alguns instantes. Depois, como se acabasse de rezar, levantou-se
sem olhar para a condessa, fez uma genuflexão e dirigiu-se lentamente para a imagem da
santa à qual a capela era dedicada.
Santa Devota, padroeira de Mônaco, nascera na Córsega em 283 d.C. Os pais eram
pagãos, mas seu nome cristão a fez crente da nova fé. Durante as perseguições aos católicos,
foi torturada, suportando tudo rezando e sorrindo. Quando morreu, sua alma foi para o céu
em forma de pomba.
A mesma pomba apareceu no barco que levou seu corpo para Mônaco, onde foi
colocado num rochedo. Nesse mesmo lugar, tinha sido erguida a capela.
Poucas pessoas que vinham jogar em Monte Carlo conheciam o santuário, mas Craig,
que gostava de saber das origens de tudo, aprendera a lenda e nunca mais se esquecera.
Ficou parado algum tempo, olhando a imagem de uma jovem com uma pomba na
cabeça. Só então reparou na coroa de flores colocada diante da santa. As folhas verdes de
videira, os cravos cor-de-rosa e brancos e a fita de cetim eram tão comuns que não
chamavam a atenção.
Craig ajoelhou-se e colocou rapidamente um envelope em baixo da coroa. Depois
levantou-se e saiu da igreja, sem pressa.
Como já esperava, enquanto estava junto da imagem da santa deixando uma soma
considerável para o padre Augustin, a condessa tinha ido embora.
Estava certo de que fizera isso de propósito, para que quem a estivesse observando
não o visse; ou, pelo menos, o visse apenas de costas.
Era exatamente o que ele faria em seu lugar, e, pensando no assunto, ficou admirado
com a astúcia dela.
Na porta da igreja, Craig demorou de novo, pegando e folheando alguns livros de
oração e fingindo ler um folheto que informava o horário das missas.
Só saiu de lá quando teve certeza de que a condessa já não podia estar por perto.
Agora, tinha muito em que pensar.
Na noite anterior, era óbvio que ela ouvira a empregada russa entrando no quarto.
Essa empregada devia tê-la acompanhado até a igreja, o que era normal; ou então, tinha
outro tipo de guarda-costas.
Craig estava tão intrigado que não conseguiu pensar em outra coisa a tarde inteira.
Ansiava por vê-la novamente.
Só então se lembrou de que o grão-duque Bóris daria uma festa naquela noite. Será
que lorde Neasdon iria? E ela?
Já eram quatro horas e Craig tinha certeza de encontrar o grão-duque no cassino.
O lugar estava cheio, como habitualmente antes do jantar. Dirigiu-se diretamente
para a Sala Touzet, onde viu, aliviado, o grão-duque sentado à mesa de bacará, jogando uma
fortuna.
Enquanto Craig observava, Bóris perdeu a pilha de moedas de ouro e notas que tinha
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à sua frente, e levantou-se com um ar totalmente imperturbável.
Estendeu a mão para Craig.
— Venha, meu amigo, vamos tomar uma bebida. Estou precisando.
Craig não fez nenhum comentário sobre o jogo, sabendo que os jogadores detestavam
isso, mesmo os parabéns quando ganhavam, porque diziam que dava azar.
— Ainda é muito cedo para eu começar a beber. Estou me guardando para sua festa
desta noite, se é que vai mesmo haver.
— Claro que vai haver! Zsi-Zsi convidou todos os seus amigos, se bem que acho que
a maioria deles já sabe que você está entre nós.
— Pelo seu jeito de falar, parece que, como Lúcifer, eu caí do céu.
— Boa analogia — brincou o grão-duque. — Acho que pelo simples fato de você ser
tão rico, Craig, todos que o conhecem ficam endemoniados. Principalmente, as mulheres.
— Discordo. Mas não importa, e desde já lhe agradeço pela festa. Conseguiu
convencer Neasdon a aceitar o convite?
Não queria parecer muito interessado.
— Aceitou como um salmão esfomeado. Nunca o tinha convidado antes e duvido
que o fizesse, a não ser com um bom motivo por trás.
— Ele vai levar a condessa?
— Disse que sim, o que me pareceu estranho. Afirmou com tanta certeza, que creio
que nem lhe perguntará se ela quer ir ou não.
— Evidentemente, Neasdon tem um encanto escondido que nós não conhecemos.
— Se tiver, garanto-lhe que sou um péssimo juiz do ser humano, o que nunca
acreditei que fosse. De qualquer modo, esta noite você vai ver a condessa e talvez descobrir
por que anda grudada em Neasdon. Pode não acreditar, mas nunca a vi falando com mais
ninguém desde que chegou e isso me parece muito esquisito.
Craig concordou, mas, como podia levantar suspeitas interessar-se muito pela
condessa, mudou de assunto. Depois, dando uma desculpa, voltou ao hotel.
Em seus aposentos, resistiu ao impulso de ir até a varanda que dava para o
apartamento da condessa.
Primeiro, porque não queria que nenhum de seu criados soubesse que a conhecia;
segundo, porque se a condessa estivesse no quarto, a empregada russa deveria estar com ela.
Mas por que parecia ter medo da empregada e por que era tão importante que não
falasse com ela na capela?
Não conseguia encontrar resposta. Enquanto se vestia para o jantar, teve a sensação
de que ia começar uma aventura excitante, tão imprevisível que não podia nem ao menos
imaginar o que estava para vir.
Era um pressentimento que não tinha há muito tempo, mas que já sentira no passado,
quando estava em perigo ou quando o marquês o incumbia de missões estranhas.
Adorava tudo aquilo, tão diferente da vida irresponsável que levava em Nova York e
em Londres.
Sabia agora que, para ter sucesso, precisaria de todo o poder místico para o qual
costumava apelar nas horas de emergência.
Interessado em saber mais sobre os iates russos, conversara com o gerente do hotel,
antes de subir para seus aposentos.
O gerente do Hotel de Paris era um dos homens mais bem informados de todo o
principado. Fazia parte de seu trabalho saber não só todos os antecedentes de cada hóspede,
mas também dos clientes habituais do cassino, uma vez que trabalhava em conjunto.
O que as autoridades mais detestavam era um escândalo ou um suicídio, tomavam
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todas as precauções possíveis para evitar qualquer coisa que pudesse manchar a reputação
de Monte Carlo. Se fosse de todo impossível impedir, o incidente devia ser abafado, rápida
e discretamente.
Monsieur Bleuet era um homem discreto, além de ter uma inteligência viva e
brilhante que não deixava escapar nada. Craig estava certo de que para o gerente, ele não
passava de um milionário americano em busca de divertimento. Por isso, precisava tomar
muito cuidado com o que falava.
— Espero que esteja confortável, monsieur Vandervelt. Posso ajudar em alguma
coisa?
— Vim exatamente dizer-lhe que estou muito bem instalado e que foi muita
amabilidade sua reservar-me os mesmos aposentos onde fiquei nos últimos dois anos.
Monsieur Bleuet sorriu.
— Tentamos sempre fazer com que nossos clientes favoritos sintam-se em casa, e
para isso é importante que ocupem o mesmo apartamento e, se possível, sejam atendidos
pelos mesmos empregados.
— É uma preocupação muito agradável. Eu também queria que me dissesse alguma
coisa sobre os dois iates russos que estão no porto. — Sorriu e acrescentou: — Pode parecer
mera curiosidade, mas estou ansioso para saber se são novos e compará-los com meu
próprio iate, que gosto de pensar que é o melhor que existe.
— Sempre ouvi dizer, monsieur Vandervelt, que o Sereia faz inveja a todos os
proprietários que estão no porto, com seu motor excepcional e todos os novos equipamentos
que o senhor instalou.
— No ano passado, estive a bordo do iate do duque de Westminster e sei que não se
compara com o Sereia. A mesma coisa acontece com o do sr. Pierpont Morgan. Aliás, o iate
dele está velho; é mais do que hora de comprar um novo.
Monsieur Bleuet riu.
— E pode muito bem comprar outro.
— Acho que quando uma pessoa começa a envelhecer se apega às coisas que tem.
Entendo isso muito bem e creio que o senhor também. Mas para mim, no que diz respeito a
iates e automóveis, quanto mais novos, melhor.
— Eu diria o mesmo em relação às mulheres, monsieur!
— Isso já é outro assunto — disse Craig. — Estávamos falando dos iates russos.
— Claro. Lamento dizer que nunca estive a bordo de nenhum deles e não conheço
ninguém que já tenha ido lá.
— Então. Os proprietários não recebem?
— O proprietário, monsieur.
— São do mesmo dono?
— Pertencem ao barão Strogoloff. Ele é inválido.
— Ah, isso explica tudo!
— Não, exatamente. O barão tem qualquer problema nas pernas e usa uma cadeira de
rodas. Passeia pelo tombadilho e também vem ao cassino.
— Para jogar?
O gerente sacudiu a cabeça.
— Não. Disseram-me que ele gosta muito de música; por isso, vem assistir aos
concertos e às óperas.
— Então joga?
— Monsieur le baron nunca entrou na sala Touzet, o que para nós é um grande
desgosto, como deve compreender. Ele é fabulosamente rico. Assim, quando for embora,
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levará o dinheiro todo com ele!
Craig deu uma risada.
— Isso é uma tragédia! Mas ele deve ser muito excêntrico para precisar de dois iates.
— Monsieur le baron usa um e o outro é para os convidados e para aqueles que o
servem.
— Que luxo! E que tal são os convidados dele?
— O senhor não vai acreditar, mas ficam a bordo e não saem nunca.
— Não é possível!
— Nós também achamos e, quando temos reuniões oficiais, passamos a maior parte
do tempo discutindo sobre o barão.
— Não duvido. E o que o príncipe Albert pensa de tudo isso?
— Ainda não tivemos o privilégio de falar sobre isso com Sua Alteza Real. Mas
agora que tocou no assunto, acho que ele, e somente ele, conseguiria convencer o barão a
ser um pouco mais sociável.
— Duvido. Esses russos são sempre imprevisíveis, e o senhor pode agradecer a Deus
por termos entre nós esse encantador grão-duque Bóris.
— Concordo plenamente, monsieur Vandervelt. Temos sorte, muita sorte. Como o
grão-duque Bóris me dizia ainda ontem, quando ele volta para a Rússia, fica contando os
dias até poder voltar para nós. Para o “lar longe do lar”, como chama Monte Carlo.
A deferência do gerente deixou bem claro para Craig quanto o grão-duque contribuía
para os altíssimos lucros do cassino todos os anos.
Sabia bem que os acionistas estavam se tornando milionários e os outros lugares do
mesmo tipo rangiam os dentes de raiva, pelo sucesso conseguido por Monte Carlo.
Ainda ficaram conversando um pouco, mas, deliberadamente, Craig não fez menção
a condessa.
Para agradar o gerente e aumentar seu próprio prestígio, falou como estava satisfeito
em encontrar tantos visitantes distintos, como o príncipe Radziwell, que tinha comprado
seus pôneis de pólo, o duque de Montrose e a linda duquesa de Marlborough, que era
americana.
O gerente tinha algum pormenor interessante a dizer sobre cada um deles, mas Craig,
que já sabia o que queria, nem prestou atenção.
Quando chegou ao quarto, ficou algum tempo na janela, olhando para os dois iates
russos, lado a lado, no cais.
A mansão do grão-duque era um verdadeiro sonho oriental, uma mistura do gosto
russo (com cúpulas e abóbadas e uma profusão de ouro) com todo o conforto ocidental;
sofás e poltronas imponentes, cortinados de veludo e quadros que qualquer apreciador de
arte daria um braço para possuir.
Cada tapete oriental no chão era uma maravilha, e os ornamentos de ouro que
decoravam a mesa de jantar tinham um valor incalculável; não só pela antigüidade, como
pelas maravilhosas pedras preciosas que só as minas da Sibéria poderiam dar.
Havia orquídeas por todo lado, mas, como todos os convidados eram muito
elegantes, não ficavam apagados pelo luxo que os cercava.
Como sempre, antes de uma festa, o grão-duque dava um jantar para cerca de
cinqüenta amigos. Os conhecidos chegavam por volta da meia-noite, só saindo quando
amanhecia.
Craig olhou ao longo da mesa, com um serviço de ouro e copos de cristal que
brilhavam como diamantes, mas não viu nem a condessa, nem Neasdon.
Era o que esperava. Mesmo assim, ficou desapontado. Queria vê-la, talvez para
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confirmar que era tão linda como parecia na véspera.
Parecia incrível que não a tivesse visto o dia inteiro, a não ser rezando na igreja, e
ficou imaginando onde se esconderia quando não estava com Neasdon.
Observando bem os presentes, Craig soube finalmente a que categoria o grão-duque
achava que ela pertencia. Todos os homens eram muito importantes, autênticos aristocratas,
com exceção dele próprio. E as mulheres, extremamente bem vestidas, sem dúvida nenhuma
pertenciam ao demi-monde.
Isso não queria dizer que não fossem companhias deliciosas, tanto em público quanto
em particular. Por causa da profissão, tinham maneiras tão elegantes quanto sua aparência e
obedeciam sempre a um código de honra de nunca colocar em cheque seus protetores,
tentando conhecer a família deles.
Craig sabia por experiências passadas que o comportamento delas numa mesa de
jogo era exemplar e que nunca faziam cenas, como às vezes as senhoras da sociedade
provocavam.
Como era de esperar, as cocottes usavam jóias valiosas. Os vestidos, dos melhores
costureiros de Paris, na maioria desenhados por Frederick Worth, poderiam ser usados em
qualquer palácio real.
Mesmo em Monte Carlo, onde as regras sociais eram menos rígidas, as mulheres de
vida livre nunca tentavam ultrapassar a linha que as separava da alta sociedade.
Além de Belle Otero e Gaby Delys estavam presentes umas poucas de sangue azul,
que, por amor, tinham abdicado da suas posições sociais.
Craig reconheceu uma marquesa que fugira de um marido bêbado e bruto para viver
“em pecado” com um duque francês, que já tinha mulher e vários filhos. Também a filha de
um conde inglês muito conhecido, que se divorciara duas vezes e continuava
suficientemente encantadora e bonita para arriscar o terceiro marido.
Craig já estava mais do que habituado com aquilo tudo e gostava do ambiente, mas
teria sido muito melhor se a condessa Aloya Zladamir estivesse lá.
Resolveu então ter paciência até o jantar acabar e os outros convidados do grão-
duque chegarem, e esforçou-se para ser agradável com seus vizinhos de mesa.
Assim que entraram no grande salão, onde tinham estado antes do jantar, Craig viu a
condessa. Estava em pé junto a uma janela, olhando para o jardim iluminado com milhares
de pequenas velas, cujas chamas dançavam ao vento, e lindas lanternas chinesas penduradas
nas árvores.
Sentia-se o aroma das mimosas floridas, e Craig, vendo o perfil da condessa
recortado contra o céu, pensou que seria impossível existir mulher mais linda.
Achara que, depois da entrada triunfal da véspera no restaurante do Hotel de Paris,
vestida de negro, não conseguiria voltar a causar tanta sensação. Mas agora, vendo-a em um
vestido prateado como o luar, sentia que estava ainda mais espetacular.
Com o brilho do luar de um lado e a iluminação dos candelabros do outro, parecia
envolta em prata líquida, como uma ninfa etérea e irreal.
Ficou olhando para ela, sem aproximar-se. Quando a condessa voltou-se para o grão-
duque, que foi cumprimentá-la, reparou que a única jóia que usava era uma magnífica
estrela de diamantes no alto da cabeça, que lhe realçava ainda mais o prateado dos cabelos.
Ao vê-la fazer uma reverência ao grão-duque, pensou que não existia ninguém mais
graciosa.
Lorde Neasdon, recebido afavelmente pelo anfitrião, estava nitidamente satisfeito.
Uma orquestra de vinte violinos tocava no salão ao lado, e na cabeça de Craig tudo
aquilo parecia um sonho.
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Havia também outra sala, com mesas de jogo, onde os convidados podiam perder seu
dinheiro sem ter que ir ao cassino. As convidadas, ansiosas, levavam seus companheiros
para a roleta ou para o trinta e quarenta, que era um meio mais rápido de perder ou ganhar.
Era praxe o cavalheiro oferecer metade de seus lucros à senhora que o acompanhava
e, além disso, daria também o dinheiro necessário para ela jogar, se assim desejasse.
O grão-duque afastou-se de lorde Neasdon para ir cumprimentar outros convidados e
a condessa olhou novamente para o jardim, enquanto Neasdon falava com ela.
Craig decidiu que, se queria ser apresentado formalmente, teria que tratar disso
imediatamente.
Essa decisão ficou facilitada quando viu Zsi-Zsi, que nessa noite fazia as honras de
anfitriã, sozinha por um momento.
Embora todos soubessem que ela vivia com o grão-duque em Monte Carlo, enquanto
a mulher ficava na Rússia, Zsi-Zsi era aceita por grande parte da alta sociedade por ter sido
casada com um respeitável conde francês. Por isso, mesmo que Bóris recebesse apenas a
alta sociedade, Zsi-Zsi estaria presente.
Aproximando-se dela, tomou-lhe o braço, dizendo:
— Você me fez ficar curioso com a recém-chegada. Agora, o mínimo que pode fazer
é me apresentar a ela.
— Não acho boa idéia. É evidente que ela pertence a lorde Neasdon, e há muitas
mulheres aqui que me imploraram uma oportunidade de estar com você; inclusive a dama
que estava sentada à sua direita durante o jantar.
— Continuo querendo conhecer a condessa.
Zsi-Zsi encolheu os ombros.
— Muito bem, já que insiste. Mas não me culpe se levar um fora como o que o pobre
Bóris recebeu, embora ele tente manter isso escondido de mim!
— Vou arriscar. E se a minha moral ficar muito arrasada, sempre posso recorrer a
você para me consolar.
— Esteja certo de que terei muito prazer — disse Zsi-Zsi, brincalhona.
Enquanto falavam, Craig foi levando-a através do salão para onde estavam a
condessa e lorde Neasdon.
Assim que chegaram, a condessa virou a cabeça e olhou para Zsi-Zsi.
“Timidamente”, pensou Craig.
Depois, achou que era ridículo pensar assim. Devia ser um truque para valorizá-la
aos olhos de uma mulher mais velha e principalmente diante de qualquer homem.
— Que bom vê-la, condessa! E, lorde Neasdon, Sua Alteza Real está encantado em
tê-lo conosco esta noite. Há muito tempo que esperava conhecê-lo.
— É muito gentil, madame.
— Como é a primeira vez que é nosso convidado, insisto em abrir o baile com o
senhor. A orquestra está tocando o Danúbio Azul. Que dança poderia haver mais
maravilhosa para começar a nossa amizade?
Zsi-Zsi sorria para lorde Neasdon. Nenhum homem resistiria àquele convite, mas,
diplomaticamente, ele hesitou, olhando para a condessa.
— Céus! Esqueci-me! — exclamou Zsi-Zsi. — Madame Ia contesse, deixe-me
apresentar-lhe o sr. Craig Vandervelt, que vai cuidar da senhora enquanto danço com o
encantador lorde Neasdon. — Fez uma pausa, antes de lhe dizer, teatralmente: — O sr.
Vandervelt é americano. Mas, como é também muito rico, nós o desculpamos por viver
nessa longínqua parte do mundo.
Falou rindo e sua voz soou como a trinar de um canário alegre. Sem dizer mais nada,
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levou Neasdon pela mão, para o salão de dança.
Craig aproximou-se da condessa e ficou olhando para ela.
— Esperei tanto por este momento! E, como temos muito para dizer um ao outro e
não quero ser interrompido, podemos ir lá para fora?
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CAPÍTULO IV
Craig teve a impressão de que a condessa iria recusar. Depois, olhando nervosa por
cima do ombro, verificou se lorde Neasdon a observava.
Mas ele já tinha desaparecido no outro salão. Subitamente aliviada de qualquer
opressão que Craig não podia entender, saiu depressa para o jardim.
Havia pouca gente passeando no gramado. Quando passavam, debaixo de umas
árvores, Craig pegou seu braço, levando-a para onde havia menos luz.
Conhecia bem o jardim do grão-duque e sabia onde encontrar bancos confortáveis,
com coxins de seda e caramanchões discretos.
Foram andando em silêncio, ele sempre com medo de que a condessa protestasse.
Mas percebeu que ela também sentia que ali estariam em segurança.
Sentaram-se e ele olhou em volta para verificar se estavam sozinhos.
— Finalmente posso conversar com você, como tanto queria — falou, em um tom
que todas as mulheres achavam irresistível.
Mas ela nem o olhou.
— Sobre o que quer conversar?
— Sobre você — respondeu Craig. — Mas é difícil saber por onde começar.
— Acho que não temos nada a dizer um ao outro.
— Eu tenho muito para falar. Mas, primeiro, quero saber por que e de quem você tem
medo.
Notou que ela ficou tensa, e depois disse, rapidamente:
— Por favor, creio que é melhor voltarmos. Tenho certeza de que lorde Neasdon vai
querer dançar comigo.
— Ele mal começou a dançar com nossa anfitriã, e não há dúvida de que ela é a
mulher mais deslumbrante da festa, excluindo você. Não acho que ele esteja com pressa de
mudar de par.
Enganou-se, pensando que a acalmaria. A condessa parecia mais tensa do que antes,
apertando as mãos com força. Craig inclinou-se para ela, dizendo, suavemente:
— Deixe-me ajudá-la. Se tem problemas, prometo que a libertarei desse medo que
está sentindo agora.
— Ninguém pode me ajudar — disse, tão baixo que mal se ouviu.
— Por que não? — Ela não respondeu. — Sei que há alguma coisa errada, muito
errada. Você é a mulher mais linda de Monte Carlo. Todo mundo está ansioso para conhecê-
la, todos os homens querendo ajoelhar-se a seus pés. Mesmo assim, está cheia de medo, e
tenho que acabar com isso.
— Por favor, não fale desse jeito comigo! Preciso desesperadamente de ajuda, mas
não posso pedir a você. . . nem a ninguém.
— Acredite, sou a única pessoa que pode ajudá-la. — Ela virou o rosto e ele insistiu:
— Nós dois estivemos na índia. Sabemos que podem acontecer coisas estranhas que o
mundo ocidental desconhece; e que essa certeza possibilita a duas pessoas se conhecerem
profundamente, mesmo que estejam a quilômetros de distância uma da outra.
Ela não disse nada, mas estremeceu.
— Sei que precisa de mim e que sou a única pessoa que poderia ajudá-la. Acho que
você também sabe disso.
Olhou para ele e respondeu, aturdida:
— Como pode falar comigo assim? Como é capaz de entender?
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— Sabe muito bem a resposta. Não temos necessidade de perder tempo com
explicações um ao outro.
— Mas como pode estar tão seguro? Você é um homem que nunca vi antes.
— Mesmo assim, me avisou de que seria perigoso falar com você esta tarde, na
igreja. Por que faria isso, se me considera apenas um estranho?
— Eu... eu não. Estou assustada, terrivelmente assustada. Ainda assim, não me atrevo
a confiar em você.
Havia um tom de desespero nas palavras dela. De propósito Craig esperou um pouco,
antes de dizer, suavemente:
— Não dê ouvidos a sua cabeça, ouça apenas seu instinto; como faria se estivesse na
Índia.
Ela respirou fundo e, sentindo uma confiança súbita nele, perguntou baixinho:
— E se alguém estiver escutando?
— Aqui? Não é nada provável. Mas se alguém a está seguindo, diga-me por quê.
— Eu... não posso — respondeu, quase em um soluço. — Eles estão me espreitando,
estão sempre me observando. Embora às vezes não os veja, sei que estão.
— Quem são eles? E por quê?
Percebeu que ela não ia dizer nada; estava apavorada e não conseguia pensar com
clareza.
— Escute, entendo suas dificuldades melhor do que pensa. Só quero que se lembre
de que estou aqui, que posso e quero ajudá-la como ninguém mais poderá fazer.
Ela não respondeu e novamente desviou o olhar.
— Seu apartamento é ligado ao meu. Assim que voltar ao hotel, vou destrancar a
porta de comunicação do meu lado. Se precisar de mim, a qualquer hora, coloque uma folha
de papel debaixo da porta e eu abrirei sem que ninguém fique sabendo. — Vendo que ela
prestava atenção continuou: — Ou, se preferir, poderemos falar na varanda. Mas só quando
você achar que é seguro.
— Obrigada, não vou me esquecer. Mas, por favor, não vá novamente à igreja à
tarde. Eles podem descobrir que os nossos apartamentos são juntos.
— Entendo. Se me dissesse quem são eles, seria mais fácil para mim ajudá-la.
— Não, não... eu não posso dizer. Por favor, esqueça que estivemos conversando —
disse, em pânico.
— Na verdade, acho que quem falou fui eu. Mas ao menos você sabe que estou aqui,
disposto a ajudá-la. Farei qualquer coisa para afastar as lágrimas de seus olhos.
Mesmo na penumbra, viu um sorriso triste nos lábios dela.
— Tenho que voltar. A dança deve ter terminado.
— Ande devagar e naturalmente. Se, como receia, alguém a estiver observando, vai
pensar que tem alguma coisa para esconder, se correr.
Enquanto andavam pelo gramado, ela falou em um tom muito diferente:
— Como deve ser maravilhoso ter um jardim como este e saber que está cheio de
flores durante quase todo o ano!
Craig sabia que falava assim para disfarçar, no caso de alguém estar escutando.
— Na minha opinião, a Cote d'Azur fica mais bonita quando as mimosas estão em
flor e os primeiros hibiscos começam a florir.
Iam devagar e só quando se aproximaram mais das luzes foi que ele reparou como
estava pálida. Com o vestido prateado e os cabelos do mesmo tom, parecia irreal.
Assim que entraram em casa, Craig viu lorde Neasdon e Zsi-Zsi voltando do outro
salão. Teve a sensação de que a condessa estremeceu ao ver Neasdon, e que se chegou mais
32
para junto dele.
— Dançamos maravilhosamente — disse Zsi-Zsi. — Sua Senhoria é um ótimo
dançarino.
— E isso não é normal em um inglês? — perguntou Craig. — Espero que você nos
apresente, ainda não nos conhecemos.
— Oh, que falta imperdoável! Lorde Neasdon, este é Craig Vandervelt; um
americano encantador que nos honra com sua presença todos os anos aqui em Monte Carlo e
que faz com que nós todas o esperemos com o coração ansioso.
O outro estendeu a mão.
— Como vai? Já tinha ouvido falar no senhor.
— Eu também do senhor. Creio que trabalha no Ministério do Exterior com um
parente meu, o marquês de Lansdowne.
— Ele é seu parente? — perguntou Neasdon, surpreso.
— Primo afastado.
— Não fazia idéia!
— Vejo-o de vez em quando — disse Craig. — Moro nos Estados Unidos, onde, na
verdade, fico muito poucas vezes.
Zsi-Zsi riu.
— Craig é um viajante inveterado, vai de um lado a outro do mundo como um
meteoro. Acho que esta é a definição apropriada.
— Deve ser interessante — comentou o lorde.
Era evidente que não estava nada interessado naquela conversa, não tirando os olhos
da condessa. Ela olhava para ele com uma expressão que Craig não conseguia entender.
Parecia querer defender-se dele, mas ao mesmo tempo conquistá-lo.
Seguiu-se um silêncio desconfortável, pois ninguém tinha mais nada para dizer e
Craig cumprimentou a condessa.
— Espero ter o prazer de dançar com a senhora mais tarde. Foi muito agradável
conhecê-la. — Sem esperar resposta afastou-se, de braço dado com Zsi-Zsi.
Quando estavam longe dos ouvidos deles, Zsi-Zsi disse:
— Espero que esteja agradecido. Nunca encontrei homem mais aborrecido. Só fala
dele próprio!
— Estou muito grato.
— Que mulher adorável! O que será que ela vê nele? O homem não diz nada de
interessante, dança como um elefante e é tão convencido que acreditou quando falei que é
um bom dançarino.
— E se você dançasse comigo? Assim, poderia esquecer Neasdon.
— Vou adorar. Mas primeiro, tenho que ver se Bóris precisa de alguma coisa e
cumprimentar uns convidados que acabam de chegar.
Afastou-se, e Craig viu que lorde Neasdon estava levando a condessa para o jardim.
Lembrou-se de repente de que, se ela temia que alguém ouvisse a conversa deles, não
havia razão para que ele não fosse ouvir o que os dois diziam.
A orquestra estava tocando uma música alegre, que levou para o salão de dança todos
os convidados, menos os que jogavam.
Craig foi andando devagar, como se desfrutasse o frescor da noite, e viu lorde
Neasdon e a condessa caminhando pelo atalho fartamente iluminado que ia dar no outro
lado do jardim.
Ficou atento, até ver com satisfação que eles haviam ido para um caramanchão
iluminado por lanternas chinesas.
33
Foi para trás de uns arbustos próximos e ouviu lorde Neasdon dizendo:
— Está se divertindo?
— Muito. Foi muita gentileza sua me trazer a esta... festa tão agradável.
— O grão-duque Bóris dá festas freqüentemente, quando está em Monte Carlo.
— Ele é muito distinto.
— Acredito que muitas mulheres achem que sim.
— É estranho — disse a condessa — que haja tantos ingleses nesta festa. Pensei que
os ingleses não estavam em boas relações com os russos.
— Por que diz isso?
— Ouvi falar, mas pode ser boato, que Rússia e Inglaterra estão se desentendendo
por causa da Índia.
Ficaram em silêncio, como se lorde Neasdon procurasse uma resposta.
— Não deve acreditar em tudo que ouve.
— Mas não é verdade, que os russos deixaram o governo inglês furioso?
— Não sei o que você ouviu, mas há sempre falatório quando acontece um
remanejamento de tropas e alguns tiros são disparados na fronteira. Todos acreditam que é
uma batalha.
— Acha que vai haver... guerra entre nossos países? Seria terrível!
— Não há perigo disso, minha cara. Garanto-lhe que os ingleses controlam muito
bem a situação.
— Quer dizer que não vão permitir que haja uma guerra, mesmo que a Rússia o
deseje?
Lorde Neasdon deu uma risada desagradável.
— Os ingleses podem muito bem com os russos e, mesmo que haja algumas
escaramuças na fronteira noroeste, eles não vão nos derrotar.
— Tem certeza?
— Absoluta.
A condessa suspirou.
— Isso quer dizer que os ingleses têm muitas tropas na índia para impedir qualquer
infiltração russa no Afeganistão.
Parecia que só a idéia lhe dava medo.
— Vamos, não preocupe essa linda cabeça, Aloya. Prometo a você que não haverá
nenhuma guerra. Mesmo que houvesse, eu cuidaria de você e a protegeria.
— Isso seria difícil, se nossos países se tornassem inimigos.
— Nunca serei seu inimigo. Vou lhe mostrar como tratarei bem de você.
Deve ter tentado abraçá-la, porque a condessa deu um gritinho.
— Não, por favor! Não pode fazer isso... aqui! Seria muito... indiscreto.
— Ninguém está vendo. E você sabe muito bem que está me enlouquecendo!
Prometeu fazer amor comigo assim que nos conhecêssemos melhor e creio que é tempo de
começar a cumprir a promessa.
— Nós nos conhecemos há tão pouco tempo! — disse a condessa, parecendo
aterrorizada.
— Tempo suficiente para eu saber que desejo e amo você. Por que está sendo fiel a
esse seu marido que permite que ande pelo mundo sozinha, em vez de cuidar de você, como
devia?
— Ainda assim, ele é meu marido... e gosto dele.
— Se ele gostasse de você, não a deixaria sozinha. Mas eu estou aqui e você disse
que me achava interessante e atraente. Eu a acho adorável e muito, muito desejável. Deixe
34
que eu vá ao seu apartamento esta noite, para lhe demonstrar o quanto significa para mim e
como poderemos ser felizes juntos.
— Oh, não! Esta noite, não. Ainda é. . . muito cedo. — E acrescentou, em um tom de
desespero: — Sabe que gosto de estar com você, conversar com você. Acho que é uma
pessoa muito interessante e que pode me ensinar coisas sobre este mundo. . . que conheço
tão pouco.
— Um mundo no qual você brilha! Não há em Monte Carlo outra mulher igual, e
estou muito orgulhoso. — Continuou, como se quisesse vangloriar-se: — Agora que o grão-
duque nos convidou, vamos ter muitos convites mais e penso que poderei apresentá-la a
pessoas bastante interessantes.
— Fico muito satisfeita em estar com você — disse a condessa, timidamente. —
Você fala de tudo que me interessa.
— Quero falar de nós dois e, francamente, Aloya, pouco me importa se nossos
patrícios se batem na fronteira noroeste ou se tentam invadir o Tibete. Tudo que quero é
invadir o seu quarto.
— Talvez seja tão difícil quanto invadir o Tibete!
— Sou um homem determinado.
— Eu continuo pensando no meu marido.
— Então, esqueça-se dele!
— Eu tento, mas é difícil.
— Para mim não é.
A condessa deu uma risadinha, que pareceu forçada.
— Será que sou mesmo como o Tibete?
— Claro que é. Misteriosa, desconhecida e impenetrável; exceto para mim, é claro!
— Isso é muito lisonjeiro, mas talvez as barbeiras que mantêm os russos afastados
sejam igualmente impenetráveis para você.
— Isso é o que diz, mas tenho confiança que vou destruir todas as barreiras e
obstáculos. Deixe-me beijá-la agora e verá que essas barreiras desaparecem facilmente.
— Não. Aqui, não! Ficaria muito embaraçada se voltasse para o salão descomposta.
Lorde Neasdon não respondeu, e Craig teve a impressão de que a condessa se
levantara.
— Se ficarmos aqui muito tempo vão fazer comentários, e isso não é bom para a sua
reputação ou para a minha. Afinal, você é um membro importante do Ministério do Exterior
inglês.
— Fico contente por você pensar assim e talvez tenha razão. Podemos falar de nós
mais tarde, quando voltarmos ao hotel.
— Seria um erro! — disse ela, rapidamente. — Se viesse ao meu quarto a empregada
poderia falar, e meu marido é muito ciumento.
— Diabos o levem!
Craig ficou no mesmo lugar, enquanto eles se afastavam, e só saiu quando estavam
fora da vista.
O marquês tinha razão em pensar que a condessa era uma espiã russa que tentava
obter informações de lorde Neasdon. Tinha sido um erro da parte dele mencionar o Tibete,
mas os métodos dela eram tão amadores que saltavam aos olhos de qualquer homem que
não fosse um poço de convencimento.
Lorde Neasdon devia perceber o que estava acontecendo, mas Craig tinha o
pressentimento de que ele era tão tolo, ou talvez estivesse tão cego pelo desejo, que não via
o perigo que corria.
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A espiã de Monte Carlo

  • 1. A espiã de Monte Carlo Barbara Cartland Coleção Barbara Cartland – Livro duplo nº 2: A espiã de Monte Carlo & Perdão, amor Título original: “Mission to Monte Cario” Copyright: © Cartland Promotions 1982 Tradução: Maria do Rosário Sobral Copyright para a língua portuguesa: 1984 Abril S.A. Cultural — São Paulo Este Livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos. Sua comercialização é estritamente proibida. Digitalização: Palas Atenéia Revisão: Sheyla Oliveira 1
  • 2. CAPÍTULO I 1900 Um homem alto saiu da carruagem, que parou na frente do Ministério do Exterior. Assim que entrou, e antes que o empregado pudesse falar, um jovem usando sobrecasaca apareceu apressado. — Sr. Vandervelt? O recém-chegado concordou. — O ministro está aguardando o senhor. — Muito obrigado — respondeu Craig Vandervelt. Foi encaminhado através dos imponentes corredores até a uma sala magnífica. Sentado a uma mesa na frente da janela que dava para o pequeno jardim de trás, estava o marquês de Lansdowne, um homem bastante atraente, de cabelos grisalhos. Levantou-se assim que Craig Vandervelt foi anunciado, estendendo-lhe a mão. — Só fiquei sabendo ontem que você estava em Londres, Craig. Estou encantado em vê-lo. — Obrigado, senhor. Estou a caminho de Monte Carlo — respondeu Craig Vandervelt, como se quisesse avisar o marquês de que estava só de passagem pela Inglaterra. Percebendo a insinuação, o ministro pediu: — Sente-se. Tenho muito que conversar com você. Craig deu uma risada. — Era disso mesmo que eu tinha medo! Sentou-se em uma poltrona, cruzando as pernas com um ar muito à vontade. O marquês observou-o, pensando que seria difícil encontrar homem mais indicado para o que queria. O pai de Craig viera do Texas. Era astuto, inteligente e soubera transformar os Vandervelt em uma das maiores fortunas da América. A mãe, filha do duque de Newcastle, havia sido uma das beldades de sua geração. Era natural que o único filho deles fosse não só bonito e atraente, como também muito inteligente; embora pouca gente soubesse disso. Como não sentia necessidade de aumentar mais ainda a fortuna da família, Craig tinha se tornado um bon-vivant. Viajava sem parar, divertindo-se nas grandes capitais ou indo para lugares longínquos e desconhecidos, onde um homem vale por aquilo que é e não pela fortuna que tem. — Estava pensando em você ainda há poucos dias — disse o marquês — e, subitamente, minhas preces foram atendidas. Soube que tinha chegado, e estava tentando descobrir como entrar em contato com você. — Estou com meu primo, em Park Lane. — Agora já sei, mas passei horas de tormento tentando caçá-lo. — Assim, me faz sentir uma raposa — protestou Craig. — Como já lhe disse, estou indo para Monte Carlo. — Era o que eu esperava. Disseram-me que a temporada está mais alegre do que nunca e que as beldades da sociedade e do demi-monde, cobertas de jóias e plumas, estão deslumbrantes! Craig deu uma gargalhada. — Noto uma certa inveja na sua voz, senhor. Devia me acompanhar até Monte Carlo. 2
  • 3. — Não havia nada que eu desejasse mais. Infelizmente, tenho que ficar aqui. Certamente, você vai encontrar o príncipe de Gales entre os visitantes reais que estarão jogando. Na verdade, se você não estivesse indo para lá, eu ia lhe pedir que cancelasse todos os planos e fosse. — Fala como se houvesse um assunto urgente para resolver, senhor. — É muito urgente, e acredito que só você pode me ajudar. Craig não respondeu. Sabia que o ministro não lhe falaria assim, a não ser em caso de um problema internacionalmente importante. Antes de ser nomeado para o Ministério do Exterior, o marquês de Lansdowne tinha pedido a ajuda de Craig Vandervelt para resolver problemas que teriam aturdido aqueles que pensavam que o milionário americano vivia apenas em busca de prazer. Foi o marquês quem percebeu que Craig estava ficando enfastiado com a vida que levava, principalmente com as mulheres que se atiravam a ele, como moscas no mel. Nessa ocasião, pedira sua ajuda para uma missão pequena, mas importante, referente à ambição alemã de supremacia na Europa. Craig havia tido uma atuação tão brilhante que chegara a ser louvado não só pelo primeiro-ministro, mas pela própria rainha. A partir daí, o marquês continuou pedindo a colaboração do jovem americano freqüentemente. Craig deliciava-se com esses trabalhos secretos e tão diferentes da sua rotina habitual; embora, às vezes, se tornassem um passatempo muito perigoso. Por duas vezes escapara por um triz de ser baleado; em outra, de levar uma punhalada. Tornara-se parte de sua vida contracenar com a morte, ele costumava dizer. Gostava daquelas emoções e sabia que, fosse o que fosse que o marquês lhe pedisse, aceitaria. O marquês, contudo, parecia ter dificuldade em falar na nova missão de Craig: — Desculpe a minha hesitação. Não é que eu queira esconder alguma coisa de você, mas estou encontrando dificuldades em lhe dizer o pouco que sei sobre o assunto. Não tive tempo de preparar um relatório antes de você chegar. — A primeira coisa que deve fazer — disse Craig, sorrindo divertido —, é me dizer o nome do inimigo desta vez. “Isso é muito importante”, pensou. Em outra missão não tinha recebido informações específicas sobre contra quem estavam trabalhando e somente sua intuição o salvara de cair em uma armadilha fatal. — O problema é que no momento só tenho suspeitas, e não fatos que justifiquem minha convicção de que você é imprescindível em Monte Carlo. — Então, vamos ouvir suas suspeitas — sugeriu Craig. — Tenho certeza de que, no devido tempo, elas vão se confirmar através de algo mais mortal do que um arco e flecha. O marquês deu uma risada, sabendo, porém, que o assunto não era para brincadeiras. — A verdade, Craig, é que estou muito apreensivo com o que vou lhe pedir. Nossos próprios agentes descobriram muito pouco e, para ser franco, os homens que temos agora em Monte Carlo não podem freqüentar as altas rodas, onde acho que estão sendo necessários. — Até aí, não tenho nenhum problema! Era tão rico que o recebiam de braços abertos, onde quer que entrasse. Aos vinte e nove anos, lamentava não saber se reis e rainhas o acolhiam com tanto entusiasmo por seu encanto pessoal ou se por causa de seu saldo bancário. — Você tem popularidade onde quer que vá, Craig. E essa é a sua grande vantagem, no meu ponto de vista profissional — disse o marquês, como se lesse os pensamentos dele. 3
  • 4. Baixando a voz, continuou: — Acredito e espero que ninguém saiba que sua ligação comigo ultrapassa o parentesco que temos pelo lado de sua mãe. E que todos pensem que você anda por lugares estranhos apenas em busca de divertimento. — Se não fosse assim, não teria durado muito tempo nas situações em que me envolvi. O marquês franziu a testa. — Talvez eu esteja cometendo um erro pedindo tanto de você; mas não preciso lhe dizer como tem sido útil e como estamos reconhecidos. Ninguém, ninguém a não ser você teria conseguido as informações que obteve e que nos salvaram de sermos envolvidos em circunstâncias desastrosas, que poriam em risco a paz mundial. — Obrigado, senhor. E agora, que tal me contar exatamente o que quer? — Também gostaria de saber — respondeu o marquês. — Mas vou tentar dar-lhe as linhas gerais. Como deve entender, nossa posição na índia parece ameaçada pelo avanço da Rússia na Ásia Central. Craig concordou com a cabeça e o marquês continuou: — Como a Rússia estende sua soberania através do Afeganistão, aumentamos as fronteiras da Índia para oeste e noroeste, o que é de conhecimento geral. O Tibete, que este- ve dominado pela China, continua independente e hostil com o exterior, mas estamos preocupados. — Por quê? — perguntou Craig, inclinando-se para a frente. O marquês baixou ainda mais a voz: — O vice-rei nos mandou uma mensagem em código, dizendo que acredita que a Rússia e a China assinaram um tratado secreto, dando à primeira direitos especiais sobre o Tibete. — Isso parece impossível. — Concordo com você, mas lorde Curzon tem certeza de que a Rússia mandou armas para o Tibete e suspeita que em breve seja deflagrado algum problema na fronteira da Índia com o Tibete. O marquês ficou em silêncio e Craig comentou: — Pensei que queria que eu fosse para Monte Carlo. — E quero, porque soube que Randall Sare chegou lá há três semanas. — Randall Sare? Não posso acreditar! Nunca pensei que ele voltasse. Quando estive com ele pela última vez, na Índia, me disse que tinha a intenção de passar o resto da vida no Tibete. — Você me contou, mas evidentemente ele mudou de idéia. Como chegou a Monte Carlo sem entrar em contato conosco, só posso pensar que está se escondendo porque sabe demais. — Mas por que Monte Carlo? Por que não voltou diretamente para a Inglaterra? — Não sei. Concordo que é uma atitude estranha, pois nunca soube que Sare gostasse de jogo. — Não, isso seria impossível — afirmou Craig, recostando-se na cadeira, com a testa franzida. — Só resta mesmo a hipótese de ele ter uma razão especial para desembarcar em Villefranche, onde o navio em que vinha deve ter parado. Mesmo assim, não entendo como foi até Monte Carlo. — Não sei lhe dizer — afirmou o marquês. — É por isso que estou lhe pedindo, ou antes, implorando, que vá para Monte Cario o mais depressa que puder para achar Randall Sare... — Quer dizer que sua gente ainda não entrou em contato com ele? 4
  • 5. — Não. Viram-no na rua, acho, mas o perderam de vista antes que pudessem falar com ele. — Parece incrível e muito pouco eficiente — murmurou Craig. — Não deve censurar nossos homens precipitadamente. Como me explicou um deles, foram ensinados a não interpelar alguém tão importante como Randall Sare sem estarem cercados de toda a segurança, nem sem saber primeiro se Sare estaria de acordo com essa aproximação. — Entendo isso perfeitamente, senhor. Mas se, como suspeita, ele está de posse de informações tão importantes, deve preferir ficar escondido, até despistar alguém que o esteja seguindo. — Foi o que também pensei. Ainda mais, por ter deixado o navio em que viajava. — O marquês fez uma pausa, antes de acrescentar: — O mar serve às mil maravilhas, quando alguém quer se livrar de uma pessoa. — Concordo, mas não acredito que Randall Sare ainda continue em Monte Carlo, se está sendo perseguido há três semanas. — Eu disse que ele chegou há três semanas e que foi visto uma semana depois. Só nessa ocasião um dos meus homens voltou para me contar a novidade e que tinha deixado outros dois tentando encontrá-lo. A esta altura, naturalmente, já devem tê-lo descoberto; mas, se não, só me resta rezar para que você consiga encontrá-lo. — Desconfio que o senhor está sendo otimista. Conhecendo Sare como conheço, os locais onde pode estar escondido não são aqueles que costumo freqüentar quando vou a Monte Carlo — comentou Craig, cinicamente. — Sei disso, e aí está a segunda parte desta missão. — E qual é? — O informante que voltou para me contar sobre Sare também disse que está apreensivo com lorde Neasdon. — Será que eu o conheço? — Ele está há relativamente pouco tempo no Ministério do Exterior. Acho que você não o conhece e penso que seria um erro muito grande deixá-lo saber que entre nós dois existe algo mais do que um parentesco distante. — Claro — murmurou Craig. — Ele deve ser uns dez anos mais velho do que você. É um homem atraente e trabalhou duro no corpo diplomático até conseguir a posição que tem agora. Como o meu antecessor o conhecia há muitos anos e era muito amigo dele, conseguiu que fizesse parte do quadro permanente aqui, enquanto pode servir na Europa. — Entendo. — Neasdon é solteiro, embora eu não precise dizer que tem vários casos com as beldades que circulam em Marlborough House. O marquês fez uma pausa que Craig não interrompeu, e depois continuou: — Agora soube que há uma nova mulher na vida dele e, pelo que ouvi dizer, ela pode ser perigosa. — Quem é? — Chama-se condessa Aloya Zladamir. — Deve ser russa, não? — Acho que sim, embora aparentemente ninguém tenha certeza. Os russos daqui, de quem mencionei o nome casualmente, nunca ouviram falar nela. — Creio que há mais de dois milhões de condes na Rússia. Deve ser impossível alguém conhecer todos! 5
  • 6. — Isso só dificulta as coisas, Craig. — Então, terei que procurar Aloya Zladamir, além de Sare? — Exatamente! Estou consciente de que o interesse de Neasdon por ela pode não ter importância, mas ao mesmo tempo os russos são muito espertos no que diz respeito à espionagem e a conseguir saber o que a gente não quer que eles saibam. Principalmente, em relação ao Tibete. — Acha que existe alguma ligação entre Sare e a condessa? — Que eu saiba, nenhuma. Mas você é quem tem que descobrir. Não posso lhe dar nenhuma carta de apresentação para Neasdon, seria muito evidente. — Estou certo de que não terei nenhuma dificuldade em conhecê-lo. — Ele tem muitos amigos em Monte Carlo que, estou certo, são os mesmos que você tem. Tudo que lhe peço é que tente evitar qualquer indiscrição de Neasdon, se for o caso. Craig levantou as sobrancelhas, espantado. — Está mesmo sugerindo... — Estou simplesmente dando um palpite. Se puder escolher, qualquer mulher vai preferir um jovem milionário americano a um par do reino inglês, aborrecido e sem muito dinheiro! Craig desatou a rir. — Desta vez, descobri uma situação melodramática, muito mais apropriada para um palco do que para o cassino de Monte Carlo! — Não fique tão seguro disso. Para ser franco, estou preocupado. — Por quê? — Só há dois dias descobri que, por um erro de excesso de zelo, um dos meus subordinados informou Neasdon sobre nossos receios em relação ao Tibete e que temos agentes secretos mantendo-nos informados das atitudes da Rússia nesse pequeno e distante país. Tudo isso pode parecer um simples melodrama à primeira vista, mas, se Randall Sare está sendo seguido pelos russos e se Neasdon inadvertidamente revelar alguma informação importante à condessa, essa conjugação pode ser explosiva e capaz de deitar por água abaixo todo o trabalho de anos. E muitas vidas ficarão em perigo. — Compreendo, senhor. De qualquer forma, será um prazer conhecer a condessa. — Disseram-me que é muito bonita — comentou o marquês, sorrindo. — Isso torna a missão ainda mais agradável. Era tudo que tinha para me dizer? O marquês levantou-se. — Tenho aqui os nomes dos nossos homens em Monte Carlo, mas como sabe, seria prejudicial entrar em contato com eles; a não ser que seja estritamente necessário. Não devem ficar sabendo que você tem ligações conosco. Aliás, ninguém em Monte Carlo deve saber. — Também prefiro assim — disse Craig. — Se há uma coisa de que não gosto é trabalhar com outras pessoas. — Sei disso. Talvez seja essa a razão do seu sucesso. Mesmo assim, tome cuidado! Com uma expressão intrigada, Craig pegou a folha de papel que o marquês lhe deu. — Não me lembro de o senhor me ter feito essa recomendação antes. — Estou dizendo desta vez. Levo à ameaça russa muito, muito a sério. Acredito que eles farão qualquer coisa para conseguir seus objetivos. — Quer dizer, a índia! — Claro. Já nos mostraram no Afeganistão como podem ser cruéis, e não há dúvida de que todo o dinheiro, armas e incentivo às tribos da fronteira noroeste partiram de São Petersburgo. 6
  • 7. — E também não há dúvida de que, desta vez, minha missão é fora do comum e intrigante. Só espero não decepcioná-lo. — Você nunca me decepcionou. E, por causa da sua posição de destaque na sociedade, não há ninguém melhor para me ajudar nesse caso particular. Se tiver que se comunicar comigo, faça-o pelos caminhos habituais. Estou certo de que o código que usamos antes ainda não foi descoberto. — Espero que não! — Craig guardou o papel no bolso e estendeu a mão. — Obrigado, senhor. Era mesmo o que eu estava precisando neste momento. Nova York tornou-se monótona e Londres, a mesma coisa. — O que quer dizer é que seu coração está livre. Felizmente para mim! Craig deu uma risada. — Nem sequer tenho certeza de ter um coração. Estou é aborrecido de ver sempre a mesma paisagem. Uma mudança será muito bem-vinda. O marquês percebeu imediatamente que ele estava dizendo! que havia acabado algum romance e ainda não encontrará uma substituta. Tinha ouvido muitas mulheres se queixarem de que Craig Vandervelt era cruel, impiedoso e sem coração, e que sempre partia dele a iniciativa do rompimento, enquanto elas ficavam chorando e lamentando o fim do caso. Como Craig só se envolvia com mulheres sofisticadas e casadas, não corria nunca o perigo de ser obrigado por algum pai furioso a levar alguma jovem ao altar, embora de vez em quando tivesse problemas com maridos ciumentos. Mas com uma habilidade especial, sempre conseguia evitar escândalos. O marquês levou-o até a porta, lamentando sua juventude perdida e também não ter aproveitado mais a vida, quando era da idade de Craig. Depois disse a si mesmo que, sendo um homem casado, não devia ter tais pensamentos! Sabendo da importância de manter aquela conversa em segredo, assim que a porta se abriu, Craig falou, em um tom que pudesse ser ouvido do corredor: — Então, adeus, senhor. Dê meus cumprimentos a sua família e diga que tenho muita pena de não vê-los desta vez. Espero poder voltar quando for para Nova York. — Venha, sim. Divirta-se em Monte Carlo. Espero que ganhe no jogo. — Duvido — respondeu Craig, sorrindo. — Mas existem outras diversões além das cartas. A insinuação era óbvia e o bom humor com que falou fez as pessoas que ouviram sorrirem com cumplicidade. No dia seguinte, Craig Vandervelt partiu no trem para Dover. Viajava com um ajudante, dois criados e um secretário, um vagão inteiro tinha sido reservado para ele e seu pessoal. Em Dover, tinha duas cabines no barco. E no expresso Calais-Mediterrâneo, ocupou novamente um vagão privativo. Como de hábito seu secretário comprou todos os jornais e revistas que lhe interessavam e providenciou para que não faltassem bebidas e vários pratos preparados pelo cozinheiro-chefe de seu primo, em Newcastle House. Craig sentou-se sozinho, pensando em tudo que ouvira do marquês e achando que o trabalho que tinha pela frente era emocionante. Já estava fazendo quase um ano desde sua última missão e, embora soubesse que seria um erro envolver-se com muita freqüência com o marquês para evitar suspeitas, ansiava por começar a trabalhar de novo. Cada vez estava mais enfastiado das pessoas que o recebiam de braços abertos em Londres, Paris e Nova York. Sabia que devia todos os convites à fortuna do pai, apesar de 7
  • 8. que por sua educação esmerada, a alta sociedade mundial o recebesse com todo o prazer. Mesmo os mais arrogantes aristocratas franceses lhe ofereciam hospitalidade, talvez inicialmente por seu avô ter sido duque; mas logo se tornavam seus amigos quando conheciam seu encanto, o perfeito domínio da língua francesa e sua competência nos esportes que preferiam. Era convidado não só para os bailes e recepções em Paris, freqüentados exclusivamente por franceses, mas também para caçar e velejar com jovens aristocratas que normalmente não aceitavam a presença de estrangeiros em seus passatempos. Em relação às mulheres, as francesas não diferiam muito das inglesas ou americanas. Depois que o conheciam, não o largavam. Às vezes, Craig dizia a si mesmo que eram as moedas de ouro que as atraíam, mas seria muita falta de modéstia de sua parte não reconhecer que elas também o achavam fasci- nante e um amante incomparável. “Je fadore!”, murmuravam, e essa frase era repetida em quase todas as línguas. Era uma coisa que Craig nunca tinha dito a uma mulher. Nem se lembrava mais de quando tinha jurado a si mesmo que nunca haveria de declarar amor a alguém, a não ser que essas palavras fossem profundamente sinceras. Sua mãe, uma mulher linda e que ele adorava, lhe havia incutido esses ideais de romantismo e a convicção de que o amor entre um homem e uma mulher, quando profundo, era algo sagrado. Lady Elizabeth, primogênita do duque de Newcastle, apaixonou-se por Cornelius Vandervelt quando ele foi para a Inglaterra, jovem, ambicioso, um americano típico, determinado a tornar-se milionário. Pelos padrões europeus, já era rico. Mas, para ele, estava ainda no início da escalada, e ninguém o impediria de chegar ao topo. Encontrou lady Elizabeth em uma festa em Londres e se apaixonou loucamente. Como em tudo que queria na vida, lutou até conseguir casar-se com ela. Não foi uma tarefa fácil, porque o duque se opôs violentamente ao casamento. Mas Elizabeth, que sentia por ele um amor igual, insistiu até convencer o pai. Tiveram um casamento feliz, até que ela morreu, quando o filho tinha apenas dezesseis anos. A essa altura já havia ensinado a Craig seus próprios ideais e seu desejo de perfeição. E ele sabia que, enquanto não encontrasse uma mulher tão bonita, tão doce e com a mesma nobreza de caráter da mãe, nunca se apaixonaria. Era essa reserva que deixava suas amantes furiosas. Apaixonavam-se assim que o viam e entregavam-lhe o coração antes mesmo de ele se dar conta do que estava acontecendo. Evidentemente, Craig aproveitava tudo que lhe ofereciam, mas ao longo dos anos foi se enfastiando de ouvir sempre as mesmas perguntas: — O que está errado? Onde foi que eu falhei? O que você quer que eu ainda não lhe tenha dado? E era impossível explicar, impossível traduzir em palavras o que lhe faltava. Às vezes, quando uma mulher muito bonita lhe estendia os braços, com os olhos brilhando de emoção, Craig pensava que tinha encontrado o que desejava, mas logo a seguir se desiludia e continuava a busca. Claro que tudo isso era inconsciente, e chegava a pensar que sua vida era uma peregrinação que só teria fim no dia em que morresse. Viajando para Monte Carlo, pensava mais em Randall Sare do que na condessa Aloya Zladamir. Ninguém melhor do que ele sabia da importância do trabalho que Randall fizera no 8
  • 9. Tibete para o governo britânico. Filho de um explorador e profundo conhecedor do Oriente, Sare tinha sido criado na Índia e no Nepal, antes de ir estudar na Inglaterra, onde havia se diplomado em Oxford. Depois de terminar o curso brilhantemente, voltou para a terra onde nascera e que amava, tornando-se de valor inestimável para os ingleses naquilo que era conhecido como “O Grande Jogo”. Por toda a Índia havia uma organização secreta de espionagem que recrutava e treinava homens, para a proteção do país e a paz do mundo oriental. “O Grande Jogo” era uma rede que se estendia pelo Afeganistão e envolvia não só europeus, mas também um grande número de indianos. Em um livro secreto do Departamento Indiano de Inspeção, havia uma lista de números que representava a variedade de agentes secretos que os russos e outros inimigos freqüentemente descobriam, quando menos esperavam. Randall Sare tornou-se um desses números, e o brilhantismo com que desempenhava suas tarefas logo o transformou no mais importante da lista. Para Craig, era inverossímel que Sare tivesse saído do Tibete e ido para Monte Carlo sem comunicar-se com os agentes ingleses de lá, que ele devia saber quem eram. Tal como o marquês, começou a suspeitar que ele tivesse uma boa razão para manter- se escondido, o que era sinal de estar sendo seguido e ter a vida em perigo. Como admirava Randall Sare e o estimava, só lhe restava rezar para ter sucesso e encontrá-lo o mais rapidamente possível. Não subestimava o risco que correria e que, eventualmente, poderia pôr em perigo a vida de Sare e a sua própria. Só depois de analisar bem sua tarefa com relação a um homem que conhecia o Tibete melhor do que qualquer outro e que cujos segredos não teriam preço se caíssem nas mãos dos russos, é que se permitiu pensar na segunda parte da missão; a condessa Aloya Zladamir. Neste caso, suas suspeitas também coincidiam com as do marquês. Se ela estava atrás de lorde Neasdon, devia ter uma boa razão. Não acreditava que Neasdon fosse tolo a ponto de não saber que, na sua posição, precisava ser muito cauteloso na escolha das companhias. “Russos! Sempre os russos!”, pensou Craig, embora fosse amigo de alguns em Monte Carlo. Os arquiduques, sempre fabulosamente ricos e a maioria muito interessante, tinham feito de Monte Carlo um paraíso para onde iam quando se fartavam da pompa de seu próprio país e dos problemas que pareciam aumentar no reinado de todos os czares. Como aves migratórias, mas uma vez por ano, viajavam para Monte Carlo, onde possuíam mansões magníficas; cercavam-se das mais lindas mulheres, que cobriam de esmeraldas e pérolas, e jogavam somas astronômicas nos cassinos, para a felicidade das autoridades. Não existia outro tipo de homem mais extravagante, ostensivo e ao mesmo tempo atraente. Craig estava ansioso para rever o grão-duque Bóris e o grão-duque Michael, sempre cercados das mulheres mais sofisticadas da Europa. Imaginou se a condessa Aloya estaria entre elas, apesar da sua intuição lhe dizer que não era provável. Assim que o trem partiu para Nice, na manhã seguinte bem cedo, Craig ficou na dúvida se devia desembarcar lá e pegar o iate que tinha mandado vir de Marselha. Seria muito mais agradável seguir por mar até Monte Carlo do que fazer o resto da viagem no trem. 9
  • 10. Depois, pensando melhor, decidiu continuar no expresso, pois demoraria menos tempo. Seu secretário apareceu, perguntando se precisava de alguma coisa. Mandou comprar os jornais franceses que folheou até chegar a Monte Carlo. Na estação, uma carruagem aberta esperava por ele. Deixou os empregados tratando da bagagem e seguiu sozinho, tirando o chapéu para sentir a brisa do mar e o calor do sol. Enquanto os cavalos desciam uma pequena ladeira que ia dar no porto, reparou na quantidade de iates ancorados. Havia de todos os tipos e tamanhos, com as bandeiras de seus países tremulando ao vento. No meio de vários iates franceses e ingleses, percebeu dois russos, lado a lado, com a águia imperial hasteada. A primeira coisa que precisaria fazer era descobrir a quem pertenciam. Assim que os cavalos começaram a subir em direção ao cassino, Craig olhou para trás, como se os barcos russos o atraíssem e contivessem os segredos que estava tentando re- solver. Como era solteiro, sempre que vinha a Monte Cario preferia hospedar-se no Hotel de Paris, em vez de alugar uma casa, e mandava vir seu iate. Assim, não se sentia preso, po- dendo viajar a qualquer momento ou ficar a sós com alguma sereia atraente, passeando pela costa da Itália por um dia ou dois. No hotel, foi recebido com todo o respeito pelo próprio gerente, que o levou pessoalmente aos aposentos. Eram luxuosos. Não só por serem os melhores, mas também porque, como Craig queria tranqüilidade, costumava reservar os apartamentos vizinhos do seu. A sala estava repleta de flores. Embora não fosse habitual em um homem, ele gostava do perfume e detestava a frieza dos quartos de hotel. Foi até a janela e viu que seu iate já havia chegado. Não tinha linhas particularmente bonitas, mas era equipado com todo o conforto necessário para viajar no mar. Como sua cabeça não parava nunca de trabalhar, Craig Vandervelt inventara uma série de dispositivos para seu barco, alguns dos quais já tinham sido copiados por outros proprietários de iates. Satisfeito, pensou que poderia testar suas invenções mais recentes nos próximos dias, embora no momento o mais importante fosse descobrir a pista de Randall Sare. Uma hora e meia depois, ao vê-lo sair ao sol, ninguém suspeitaria que Craig pudesse estar pensando em outra coisa além de aproveitar as frivolidades do pequeno principado de Mônaco. Apesar de ainda ser cedo, muitos dos hóspedes importantes já estavam tomando sol, passeando no jardim atrás do cassino ou tomando aperitivos e mexericando no Café de La Paix. Mal chegou à rua, Craig começou a ser cumprimentado por amigos e conhecidos. — Craig! Tinha certeza de que você estaria aqui! — exclamou uma mulher encantadora, usando jóias e peles. Gaby Delys, a mais aclamada atriz parisiense, beijou-o no rosto. — Mon cher! Estou encantada em ver você! Craig beijou suas mãos macias e, pelo resto da manhã, foi de mesa em mesa, de grupo em grupo. Estava habituado àquela acolhida, sempre certo de perceber um convite no olhar das mulheres e uma provocação nos lábios. Finalmente sentou-se, tomando um aperitivo junto de Zsi-Zsi de La Tour, conhecida como uma notável mexeriqueira, e perguntou: — Diga-me Zsi-Zsi, quem está em Monte Cario? 10
  • 11. — No que me diz respeito, monbrave, só existe você! — O que o grão-duque vai dizer? — comentou Craig, brincalhão. Ela encolheu os ombros. — Fica com ciúme, o que é ótimo para ele! Craig caiu na risada. — Não tenho nenhum desejo de estragar o tempo feliz que Sua Alteza Imperial está tendo com você. — O que é uma maneira educada de dizer que você tem outro peixe para pescar. Zsi-Zsi era sempre imprevisível e, apesar de terem tido um caso cinco anos atrás, continuavam muito amigos. Ele nunca ia a Paris sem visitá-la. Craig deu uma olhada em volta. — Vejo poucos rostos novos e muitos que já estão ficando velhos. — Que falta de amabilidade, Craig! Que diferença das palavras bonitas que você costumava dizer. — Não estou me referindo a você, querida. Sabe muito bem que será eternamente jovem e mais bonita a cada ano. — Agora melhorou. Que bom se fosse verdade! Pelo menos, Bóris ainda me acha irresistível. — Fico satisfeito. Gosto dele e, pelo que vejo, tem-lhe dado lindas jóias. Craig olhava para as esmeraldas que Zsi-Zsi usava no pescoço e outra, enorme, no dedo. Ela lançou-lhe um olhar provocante, antes de dizer: — Sabe qual é a jóia que mais adoro, de todas que me deram? — Não faço idéia. — O pequeno São Cristóvão que você me deu. Acredite que é verdade; trago-o sempre na bolsa. Me dá sorte, é ó meu talismã no cassino. — Fico contente. E agora, vamos voltar à minha pergunta. Com quem posso me divertir por aqui, uma vez que você está comprometida? — Deixe-me pensar. . . Como dizem os ingleses, creio que não quer cozinhar os legumes na mesma água duas vezes. — Claro que não. — Agora, pensando no assunto, vejo que há mesmo poucas caras novas! — disse ela, fazendo um muxoxo. — Há uma mas não faço idéia de onde veio. — Quem? — perguntou Craig, indiferente, olhando para as pessoas que passavam. — Ela se intitula condessa Aloya Zladamir, mas Bons diz que nunca ouviu falar nela. 11
  • 12. CAPÍTULO II Quando Craig voltou para o hotel, dirigiu-se primeiro à recepção, para saber se tinha correspondência. Enquanto o recepcionista verificava, deu uma olhada rápida no registro, aberto em cima do balcão. Entre uma lista de celebridades, viu o nome que procurava. Gostou de saber que a condessa estava sob o mesmo teto, e quando o homem voltou com algumas cartas dos Estados Unidos, Craig disse, casualmente: — Estou muito satisfeito com meus aposentos, mas espero que não tenham colocado gente barulhenta no mesmo andar, como fizeram há dois anos. — Tenho certeza de que vai encontrar muita tranqüilidade, monsieur Vandervelt. — Espero que tenha razão — Craig comentou, um pouco duvidoso. O recepcionista olhou para o quadro das chaves. — Um dos hóspedes perto do senhor é o duque de Norfolk, que sempre se deita cedo, e outro é o grão-duque de Lichtensteim Craig fez um ar de quem estava mais ou menos satisfeito, e o recepcionista, ansioso para agradar, acrescentou: — Outra é a condessa Aloya Zladamir, que acabou de chegar. — Acho que não ouvi falar nela — disse Craig, afastando-se com um ar indiferente. Conseguira descobrir o que queria e, fazendo outras perguntas ao garçom que lhe serviu água no quarto, soube que o apartamento da condessa estava ligado aos seus aposentos. Isso queria dizer que a varanda da sala dela dava para o mesmo lado da dele, com uma vista magnífica do mar e do palácio no alto do promontório. Craig tinha um convite para almoçar. Quando desceu para encontrar os amigos no bar do restaurante, ficou imaginando se encontraria a condessa e se seria capaz de reconhecê-la. Conhecia várias russas muito bonitas e sempre achou que possuíam uma atração especial, que convidava ao romance. O restaurante estava cheio de pessoas conhecidas que o saudaram, mas não viu ninguém que lhe parecesse ser a condessa. Avistou lorde Neasdon, almoçando com dois cavalheiros, mas sem companhia feminina. Depois da refeição, Craig teve uma certa dificuldade para desvencilhar-se dos amigos e, dizendo que precisava de um pouco de exercício, saiu a pé em direção ao porto. Mas não foi para seu iate, e sim a uma pequena igreja, debaixo da ponte da estrada de ferro. Quem o visse, ficaria surpreso, porque era raro um jogador de Monte Carlo freqüentar aquela igreja. A capela do santo devoto tinha sido construída no sopé de uma ravina; por isso, entrava pouca luz pelas janelas. Lá dentro, a única iluminação era a das velas colocadas em frente a uma imagem. Craig dirigiu-se ao confessionário. Apesar de não poder vê-lo, o padre pressentiu sua presença e disse em latim: — In nomine Patris et Filii, et Spiritus Sancti, Amen. Craig ajoelhou-se, encostou o rosto na grade e perguntou, em um sussurro: — É o senhor, padre Augustin? É Craig. Houve um silêncio de surpresa, antes que o outro respondesse: 12
  • 13. — Não sabia que tinha chegado, meu filho. — Cheguei há poucas horas. — É bom saber que voltou para junto de nós. — Estou contente de estar aqui, padre, mas preciso de sua ajuda. — Eu já devia ter adivinhado que havia uma razão atrás dessa visita — disse o padre, em um tom brincalhão. — Procuro alguém que deve estar em grande perigo. — E pensa que eu o conheço? — Não tenho outra maneira de fazer contato, e o senhor me ajudou no passado, evitando que um homem fosse morto. — Diga-me o nome do homem que está procurando. — Randall Sare. — Acho que não conheço. — Deve ter ouvido falar nele. O pai, Conrad Sare, era um profundo conhecedor dos assuntos orientais. Os livros que escreveu foram lidos por todos que se interessavam pelo Oriente. Tenho certeza de que a maioria das bibliotecas dos mosteiros possui seu trabalho sobre o budismo. — Agora já sei de quem está falando. É o filho dele que está procurando? — Soube que chegou a Monte Carlo há poucas semanas, mas penso que agora está se escondendo. — De onde ele veio? Craig hesitou um pouco, mas depois, sabendo que podia confiar inteiramente no padre, contou a verdade: — Do Tibete. Não havia necessidade de mais explicações. O padre Augustin era extremamente inteligente e bem informado. — Vou fazer o que puder. — É tudo que lhe peço, e obrigado, padre. Tenho certeza de que seus pobres estão precisando de uns poucos dólares americanos. — Não me agradeça enquanto eu não puder ajudá-lo. Volte aqui amanhã. — Voltarei. Queria que soubesse que o homem que ajudou está vivendo confortavelmente perto de Nova York, muito satisfeito em ser cidadão americano. — Vou agradecer a Deus pela ajuda que me deu para poder salvá-lo. — Até amanhã, padre. Nem posso lhe dizer como estou grato por sua ajuda. Num tom mais alto, que podia ser ouvido da igreja, o padre disse: — Misereatur vestri omnipoteus Deus, et dimissis peccatis vestris perducat vos ad vitam aeternam. Quando Craig saiu, havia apenas uma mulher rezando, e não pareceu notá-lo. Para evitar suspeitas, ele foi até a imagem de Joana d'Arc, acendeu uma vela e deixou algumas moedas na caixa das esmolas. Depois saiu para o sol, aliviado por ter dividido aquele problema com alguém. Nenhum de seus conhecidos poderia imaginar que fosse amigo de um padre católico; por isso, esperava não ter sido visto. Não era provável, porque àquela hora todos os visitantes de Monte Carlo ou estavam repousando, ou já tinham começado a jogar na Sala Touzet, no cassino principal, hipnotiza- dos pela roleta. Craig estava satisfeito por não ter que ir até lá. Assim que chegou ao cais, foi recebido com entusiasmo por seu capitão e pelo primeiro oficial, nitidamente contentes de terem saído para o mar depois de um inverno 13
  • 14. ancorados em Marselha. — Para onde tenciona ir, sr. Vandervelt? — perguntou o capitão, ansioso por zarpar. — Por enquanto ainda não sei; mas gostaria que tudo estivesse pronto para partir a qualquer momento. Sabe que fico nervoso quando passo muito tempo no mesmo lugar. — Era o que eu esperava ouvir, senhor. As ilhas gregas são lindas nesta época do ano. — Não me esqueci. Já instalaram todos os novos equipamentos que encomendei? — Sim, senhor. Estou ansioso para que os veja. Craig viu uma de suas invenções funcionando e depois deu uma volta pelo iate. Uma nova idéia de fixar as mesas durante as tempestades também já estava instalada, além da nova cama de casal que comprara para sua cabine. Voltou para o convés. — Vejo que há dois iates russos no porto. Será que pode descobrir a quem pertencem? — Já perguntei, senhor — respondeu o capitão —, mas ninguém soube responder. Mas o iate do duque de Westminster é magnífico e o que está ao lado é do sr. Pierpont Morgan, que chegou na semana passada. Craig ouvia e reparava que havia um espaço entre o iate do duque de Westminster e o primeiro iate russo. — Estou muito interessado em saber se os russos estão tão avançados como nós. Acho que seria uma boa idéia sairmos para o mar agora e, na volta, mudarmos para o ancoradouro ao lado do primeiro iate com bandeira russa. — Tenho certeza de que podemos arranjar isso, senhor. Vou falar com o capitão do porto. Enquanto o capitão foi à terra, Craig ficou entretido inspecionando o iate. Chamava-se A Sereia, e ele próprio supervisionara toda a construção. Não gostaria nada se outro daqueles barcos caros e bonitos tivesse uma tecnologia mais avançada ou fosse mais confortável. O capitão voltou logo em seguida e, pela cara dele, Craig percebeu que o pedido tinha sido recusado. — Lamento, sr. Vandervelt. Os russos não estão usando aquele ancoradouro no momento, mas o alugaram. Craig fez um ar espantado, mas não disse nada. O capitão continuou: — Ele me disse que os melhores lugares, os que dão diretamente no cais, estão todos reservados e que só esta manhã já teve três pedidos para aquela vaga e teve que recusar. “Quem chegar agora, terá que desembarcar primeiro em um bote, o que é extremamente irritante”, pensou Craig. — Bem, pelo menos, você conseguiu este lugar. Agora, mostre-me a velocidade que A Sereia pode atingir com o novo motor. Duas horas depois, Craig deixou o iate e voltou a subir a encosta que ia dar no cassino. Tinha seu próprio carro em Monte Carlo e, embora ainda não o tivesse pedido, sabia que o motorista estaria ansioso para vê-lo e também para entrar no Concurso de Elegância, que começara a ser promovido dois anos antes e fazia sempre um tremendo sucesso. Pensando nisso, Craig lembrou-se de que todos os proprietários que iam concorrer deviam estar procurando beldades para se exibirem. Os automóveis ficavam expostos em um terraço embaixo do cassino, onde eram examinados por um júri. Às três da tarde, saíam em procissão pelos jardins, seguindo até o stand onde os prêmios eram distribuídos. Depois, circulavam novamente pelo jardim e um 14
  • 15. prêmio era dado à senhora mais elegante que estivesse nos carros. Craig tinha ganho o Grande Prêmio de Honra no ano anterior. As regras do concurso não permitiam segundo e terceiro lugares. Assim, eram atribuídos o Prêmio de Honra, o Grande Prêmio de Honra e o Primeiro Prêmio, sendo também mencionados os nomes das acompanhantes, seus cabeleireiros e suas modistas. Isso desencadeava uma acirrada competição entre as senhoras e aqueles que as vestiam. Lembrou-se, divertido, de que a beldade que o acompanhava tinha contado que aquele prêmio lhe rendera um ano de roupas em seu costureiro de Paris, pagando metade do preço ou mesmo de graça. Como precisava encontrar uma mulher espetacular, foi até o cassino e entrou na Sala Touzet. Em todas as mesas, havia mulheres lindas e elegantíssimas, com os olhos fixos nas cartas ou na roleta e prestando pouca atenção aos homens com quem estavam e aos que circulavam pela sala, procurando alguém para se distraírem. O grão-duque Bóris fumava um grande charuto, enquanto Zsi-Zsi colocava uma moeda de ouro naquele que considerava seu número de sorte. Craig sabia como Zsi-Zsi era supersticiosa. Não havia mais nada de novo por ali, tirando os talismãs que os jogadores usavam para tentar ganhar. Conhecia mulheres que levavam na bolsa a pele de uma cobra venenosa, uma garra de águia, um pé de coelho ou até mesmo a corda de um enforcado. Alguns homens colocavam uma colher de sal no bolso para dar sorte. Sempre achara tudo isso ridículo. Tudo que um homem precisava era de intuição que o avisasse do perigo ou de problemas. No entanto, não podia fazer esse comentário com o grão-duque Bóris, que, como todos os seus compatriotas, acreditava que o que lhe dava sorte era uma mulher que ainda por cima podia ser cortejada. — Como vai, Craig? — perguntou o grão-duque. — Satisfeito em vê-lo, senhor. Está se divertindo? — Isto estava um pouco monótono. Mas agora que você chegou, vou organizar uma festa. Que tal amanhã à noite? — Terei muita honra. — Vou pedir a Zsi-Zsi que convide todos os seus amigos mais chegados, mas nenhum dos seus inimigos, se é que tem algum. — Espero que poucos. E quanto mais longe estiverem, melhor. — Tem razão. É um homem muito popular, Craig, e como vejo que está sozinho, teremos que arranjar uma beldade que o mantenha ancorado aqui por algum tempo. — Fez uma pausa, antes de acrescentar: — Vi seu iate no porto. Isso quer dizer que pode partir a qualquer momento? Craig deu uma risada. — Vou ficar aqui por alguns tempos. Nova York está muito aborrecida e Londres também não me apetece nesta época do ano. — Deve estar chovendo. — Tenho certeza de que está. Enquanto conversavam, atravessaram a sala e sentaram-se perto de uma janela aberta. Imediatamente um garçom apareceu, perguntando o que queriam beber. O grão- duque pediu uma garrafa de champanhe e perguntou a Craig: — Há uma mulher deslumbrante que eu nunca tinha visto antes, mas que parece já 15
  • 16. estar comprometida com um patrício seu; lorde Neasdon. Você deve conhecer, não é? — Creio que não. Como ele é? — Enfatuado. Acho muito estranho alguém tão atraente como a condessa Aloya Zladamir achá-lo interessante. Craig ficou em silêncio por uns momentos. — Com esse nome, imagino que seja russa, não? — Acho que sim. Nunca conheci nenhum Zladamir, mas isso não quer dizer que não existam. Craig deu uma risada. — Não se pode esperar que alguém conheça todo mundo em um país do tamanho do seu! — Ela é muito jovem — continuou o grão-duque —, e ainda não consegui descobrir se pertence à alta sociedade ou ao demi-monde. — Certamente que não lhe será difícil. — Tenho que admitir que essa mulher me intriga. Fui apresentado a ela e, quer você acredite ou não, deixou bem claro que não estava interessada em mim! Craig riu do modo infantil do grão-duque falar. Sabia muito bem que conhecer Bóris, bonito, rico, muito generoso e uma pessoa que dominava a sociedade de Monte Cario, era a ambição de todas as mulheres. Certamente, era a primeira vez que se interessava por uma beldade que não correspondia a seu entusiasmo. — Pensei que, sendo sua primeira visita a Monte Carlo, ela estivesse desejosa de conhecer pessoas. Mas não! Ou é vista com Neasdon ou sozinha. — Continuou o grão- duque, ressentido. — A explicação mais lógica é que está apaixonada por ele. — Não acredito. Neasdon pode ser um ótimo diplomata, mas tenho certeza de que deve ser tão aborrecido na cama como em uma mesa! Craig riu novamente. — O que é muito condenável, especialmente sendo opinião de um perito como o senhor. O grão-duque também riu. — Na verdade, estou fazendo uma tempestade em um copo d'água, mas realmente fiquei irritado. Não diga nada a Zsi-Zsi; ela não sabe que tentei me aproximar daquela mulher. — Sabe muito bem que não costumo fazer comentários. — Bem, vou tentar convidar a condessa para a festa de amanhã à noite. Assim, você poderá conhecê-la. Mas duvido que ela vá. — Por que não convida Neasdon, sugerindo que ele a leve? — Eu devia saber que você arranjaria um jeito de resolver esse problema! Mas é evidente! Está aí a solução! Neasdon deve ficar muito lisonjeado. Nunca o convidei antes. — Garanto que ficará encantado, senhor. Não se esqueça de fazer o convite aos dois. — Claro! Ficaram falando do Concurso de Elegância e depois o grão-duque quis conhecer o Sereia. Ao voltar para o Hotel de Paris, Craig achou que tinha sido um dia proveitoso, embora não tivesse conseguido fazer contato com as duas pessoas mais importantes. Quando chegou ao corredor de seus aposentos, viu à sua frente uma figura muito elegante; uma mulher de andar gracioso, extremamente esbelta, que entrou em uma porta no fim do corredor. 16
  • 17. Soube imediatamente que era a condessa Aloya Zladamir. Que feliz coincidência! Os apartamentos eram ligados, o dela ficando junto do que ele tinha alugado e que estava vazio. “Minha sorte não me abandonou. Não preciso de cobras, cordas de enforcados ou gatos pretos!” Ficou lendo os jornais até a hora de vestir-se para jantar e depois desceu para juntar- se aos amigos que encontrara no terraço em frente ao cassino, de manhã, e que o convi- daram. Havia uma série de pessoas que Craig teria prazer em rever e algumas que queria evitar. O príncipe e a princesa de Bragança, seus anfitriões naquela noite, eram encantadores e ela, muito bonita. O jantar seria para apenas dez pessoas e ocupavam uma das melhores mesas, junto das janelas que davam para o jardim todo iluminado. Com as árvores também iluminadas, o céu estrelado e o luar banhando a torre do cassino, o lugar parecia encantado. Craig imaginava se em qualquer outra parte do mundo se poderia encontrar pessoas mais bonitas e elegantes. Ali estava reunida a nata da sociedade de diferentes países. A conversa discorria-se em várias línguas ao mesmo tempo, interessante e variada. Todos riam e falavam na sala, até que, de repente, pareceu se ouvir uma exclamação coletiva de admiração. Craig olhou para a porta, intrigado. A mulher mais bonita que jamais tinha visto acabava de entrar. Assim que reconheceu seu acompanhante, percebeu quem ela era. Um dos homens da mesa murmurou: — Deus do céu! Aí está uma coisa que vale a pena olhar! Como já tinha reparado no corredor, ela era muito esbelta, mais alta do que a maioria das mulheres e se vestira para causar sensação. Todas as outras damas usavam as cores da moda de primavera: verde, rosa, amarelo. E a maioria, chiffon branco e tule. A condessa Aloya estava de preto. Um vestido simples e sóbrio, que lhe realçava as curvas suaves e a cintura estreita. Ao contrário das outras, não usava muitas jóias. Grande conhecedor de mulheres, Craig sabia que ela não precisava. Sua própria pele, branca e macia, já era uma jóia. E os cabelos, tão louros que pareciam prateados, brilhavam tanto que dispensavam a ajuda de diamantes. Só quando a condessa sentou-se a uma mesa próxima, ele reparou que usava apenas um broche, com um enorme brilhante da cor dos cabelos. Era realmente linda. Tinha olhos enormes, amendoados, e cílios pretos e muito compridos. Embora não conseguisse ver a cor dos olhos, suspeitou de que deviam ser verdes. A condessa estava sentada de frente para ele e agora dava para reparar na perfeição de seu pequeno nariz e seus lábios. Sem saber por que, teve a impressão de que sentia-se insegura e preocupada. Disse a si mesmo que estava imaginando coisas e ficou olhando para aquele rosto tão fora do comum, sem encontrar palavras que o definissem. Por um momento a conversa na mesa morreu. Então, a princesa comentou: — Tenho que admitir que ela é surpreendente. Ontem à noite usava um vestido branco, e parecia uma deusa grega. A única jóia era um colar de pérolas quase do tamanho de um ovo de pomba. — A senhora a conhece? — perguntou Craig. 17
  • 18. A princesa sacudiu a cabeça, sorrindo. — Meu marido ainda não sabe bem se devo conhecê-la. Craig riu. — O grão-duque Bóris tem a mesma dúvida. Não me parece um enigma muito comum em Monte Carlo. — E não é mesmo. Mas garanto-lhe que todos os homens desta cidade estão tentando descobrir o segredo da esfinge. E todas as mulheres, incluindo eu, têm esperança de que não consigam tão cedo. Craig riu novamente. A conversa foi voltando ao normal, mas ele não conseguia tirar os olhos daquela mulher. Reparou que lorde Neasdon falava o tempo todo — um monólogo bem aborrecido, disso estava certo — e que ela demonstrava prestar muita atenção, embora não tomasse ati- tudes provocantes, como todas as outras mulheres na sala estavam fazendo. Deu uma olhada e viu La Belle Otero, uma das cortesãs mais famosas de Paris, enfeitiçando os homens em sua mesa. Levantavam os copos sem parar, brindando em sua homenagem, e deviam estar prometendo aumentar a preciosa coleção de jóias que ela possuía. Na primeira vez que a viu, Craig achou que seria difícil encontrar mulher mais deslumbrante. Não ficou surpreso quando lhe disseram que as cúpulas do novo Carlton Hotel, em Cannes, tinham sido moldadas parecendo os seios de La Belle. Em outra mesa, estavam La Juniery, cuja cama tinha o formato de uma enorme concha, e Gaby Delys, que normalmente usava uma profusão de pérolas, cada volta mais comprida e valiosa do que a outra. Mas todas essas mulheres se apagavam diante da beleza da condessa Aloya, e Craig não conseguia descobrir o que a fazia tão diferente. Depois de observá-la durante um bom tempo, viu que não eram só suas feições perfeitas, ou os olhos exóticos, ou os cabelos penteados para trás e presos com simplicidade. Era algo mais profundo, qualquer coisa que emanava dela, como se a transcendesse. Achou que ela brilhava como se estivesse envolta em luz. Disse a si mesmo que estava apenas influenciado pelo que o marquês de Lansdowne lhe havia contado, mas a verdade era que durante todo o jantar não conseguira olhar para outro lado. Resolveu que precisava conhecê-la. Mal podia esperar pelo dia seguinte, para saber se Neasdon a levaria à casa do grão-duque. Fez o possível para que alguém o apresentasse a ela quando foram todos para o cassino, mas não conseguiu. Pensou em dirigir-se pessoalmente a Neasdon e apresentar-se, dizendo que o marquês de Lansdowne lhe tinha dito que deviam se encontrar em Monte Carlo. Mas não queria tomar essa atitude. Ao mesmo tempo, não encontrava outro meio de falar com lorde Neasdon e sua acompanhante. Eles estavam na Sala Touzet, mas nenhum dos dois jogava. Sentados a uma mesa, conversavam e bebiam champanhe. Embora Neasdon falasse sem parar, ambos pareciam pouco animados. Craig ia de mesa em mesa, conversando com os amigos, fazendo de conta que prestava atenção nos números que saíam nas roletas ou observava o bacará, mas no íntimo sentia-se frustrado e sem saber o que fazer. No passado, esse tipo de problema tinha sido fácil de resolver. Na verdade, não se lembrava de alguma vez ter que esperar para conhecer alguém, especialmente uma mulher. 18
  • 19. Embora por várias vezes parasse perto da condessa, ela não lhe prestou a menor atenção. Não levantava os olhos para reparar nele ou em quem quer que fosse. Simplesmente escutava lorde Neasdon, fazendo um comentário ocasional ou gesticulando um pouco com a mão esquerda. “O que posso fazer?”, perguntava-se Craig, até que, à meia-noite e meia, a condessa levantou-se. Neasdon fez um ar de quem lhe pedia para ficar mais um pouco, mas ela se dirigiu para a porta, imperturbável, e Craig resolveu segui-la. A condessa pegou uma capa de veludo verde no vestiário feminino e, colocando-a nos ombros, saiu. Como um autômato, Craig continuou atrás dela, vendo-a descer a escada e levantar o rosto para admirar o céu e o luar. Lorde Neasdon teve que correr para alcançá-la e, juntos, entraram no Hotel de Paris. Sem ao menos pensar que devia ter-se despedido dos amigos, Craig foi atrás, mantendo uma distância prudente. Ao chegar ao corredor de seu andar viu que a condessa estava novamente sozinha, como de manhã. Fosse qual fosse seu relacionamento com Neasdon, de uma coisa tinha certeza; não eram amantes. O lorde nem sequer estava hospedado no mesmo hotel, e sim no L'Hermitage, o segundo melhor hotel de Monte Carlo. Craig ficou uns instantes sentado na sala, pensando. Depois, movido pelo instinto, foi até a varanda. A noite de primavera estava fria e a vista para o porto e o promontório era muito bonita. As estrelas e o luar refletiam na água tornando-a prateada, o que o fez lembrar-se dos cabelos da condessa. Nesse momento, ela apareceu na varanda, suspirando. Não percebeu a presença dele. Estava sem casaco e ficou apoiada no parapeito, olhando para o céu, Craig teve a impressão de que estava rezando. Passado um pouco ele disse, suavemente: — Sempre achei que esta é uma das vistas mais lindas do mundo. Ela endireitou-se, virando o rosto para ele, e desviando-o imediatamente. — Eu. . . eu não sabia.. . que o senhor estava... aí! Ficaram em silêncio por alguns instantes. — Sempre tenho a sensação de que esses iates lá embaixo estão irriquietos no cais, ansiosos por partir para uma aventura que os espera para além do horizonte. Falou como se contasse uma história de fadas a uma criança, e ela, entrando na mesma fantasia, respondeu: — Era o que eu adoraria fazer; viajar para longe e. . . nunca mais voltar! — Nunca mais voltar para este mundo ou para Monte Carlo em particular? — Para. . . Monte Carlo. Pelo tom dela, Craig sentiu que tinha respondido em um impulso. Como se estivesse arrependida disso, acrescentou: — Preciso entrar. Disseram-me que as noites aqui podem ser muito traiçoeiras. — É verdade, mas a temperatura hoje tem estado amena e, a não ser que esteja com frio, não creio que vá lhe fazer mal. — Espero que não! Craig teve a sensação de que ela não falava de si mesma. — Claro que os mais velhos têm que tomar cuidado com o clima, que muda bastante. 19
  • 20. Por causa do vento que sopra dos Alpes, à noite esfria bastante. Ela prendeu a respiração e depois disse, como se falasse sozinha. — Se isso é verdade, quando se vem de um clima quente é preciso tomar ainda mais cuidado. — Naturalmente. Lembro-me de uma vez que fiquei em Monte Carlo, quando vinha da Índia, e passei uns dias de cama por culpa minha. — Esteve na índia? — Várias vezes. É um país pelo qual sinto uma grande e profunda afinidade. — Tenho certeza de que, se a gente for lá uma vez, nunca mais esquece — disse a condessa. — Não, mesmo. Quando estou na índia, penso sempre como somos loucos em não escutar aquilo que a terra nos diz. Ela virou-se para ele, surpresa. — No Oriente, tudo é muito... diferente. Onde é que esteve na Índia? Craig riu. — Acho que será mais fácil dizer onde não estive. É um país tão belo que seu encanto nos fascina. A partir do momento em que pisamos o solo indiano, começamos a aprender e não paramos nunca. — Como sabe e como pode pensar dessa maneira? — Eu poderia fazer a mesma pergunta. E já que a Índia nos apresentou um ao outro, há muitas coisas mais que eu gostaria de conversar com a senhora. A condessa pareceu entusiasmada, mas, olhando para o Porto, disse, insegura: — Tenho que ir me deitar. Boa noite, senhor. Sem esperar resposta, entrou no apartamento, fechando as janelas. Craig ficou quieto, imaginando o motivo daquela atitude e a razão daquele tremor na voz. Então, ouviu alguém falar no quarto dela. Por um momento, pensou que fosse um homem. Depois, enquanto tentava entender, as janelas se abriram e alguém fechou as persianas. Era uma empregada. E parecia falar em russo. 20
  • 21. CAPÍTULO III Craig decidiu que no dia seguinte tentaria obter mais informações sobre os iates russos que estavam no porto. O contato com a condessa até tinha sido satisfatório, mas o que o preocupava realmente era Randall Sare. Desde que o conhecera na índia, aos vinte e um anos, Sare era para ele um herói, alguém que admirava mais do que qualquer outro homem no mundo. Havia sido o vice-rei quem lhe falara dele primeiro, com respeito e admiração, dizendo que aquele homem tinha qualquer coisa especial. O cargo de vice-rei da Índia era tão importante quanto o de qualquer outro dirigente. Não havia rei ou imperador que tivesse mais poder, nem governante branco que vivesse com mais pompa e suntuosidade. Evidentemente, os ingleses levavam os seus jogos para onde iam, e o esporte acima de todos. Os jovens soldados, cheios de bravura e energia, passavam todos os momentos livres praticando os esportes de seu país de origem. Assim que Craig Vandervelt chegou à Índia, com a aura de fortuna que o envolvia, inevitavelmente, foi levado para assistir às corridas de cavalos em Calcutá. O dia mais importante do ano na capital era o dia da Taça do Vice-Rei. O hipódromo estava cheio de belas e importantes senhoras da Inglaterra, da América, enfim, de toda a parte do mundo, e para Craig tudo aquilo teve um encanto inesperado. Uma vez aceito pelos ingleses como sendo um deles, foi levado para caçar, o que na Índia consistia numa matilha de cães de caça ajudados por um terrier que os incitava a perseguir o chacal, alce, javali, lebre, veado, hiena ou o que houvesse para caçar. Depois de demonstrar que era tão bom caçador como cavalariço, levaram-no para jogar pólo, e logo estava jantando no Palácio do Governo, na mesa dos oficiais do mais importante regimento. Foi nessa ocasião que ouviu falar pela primeira vez no “Grande Jogo”. Muito pouco, mas o suficiente para lhe despertar a curiosidade. Como tinha uma excelente memória, além de uma curiosidade insaciável, foi ouvindo daqui e dali, até o assunto começar a fazer sentido. Só quando o vice-rei falou em Randall Sare, é que Craig fez umas perguntas que foram respondidas com ambigüidade. Pelo que lhe disseram, Sare era um estranho, extraordinariamente inteligente, mas que preferia misturar-se com os nativos e não com os europeus. De início, Craig pensou inocentemente que os nativos fossem os rajás e marajás, que recebiam luxuosamente em seus palácios e cuja hospitalidade qualquer inglês gostaria de aceitar. Depois, alguém lhe contou que Randall falava todos os dialetos conhecidos na Índia e que freqüentemente desaparecia meses a fio, sem que ninguém soubesse o porquê e onde estava. Foi por acaso que o encontrou em Simla e começou a conhecer e admirar aquele homem. Sare tinha um rosto inesquecível. Habitualmente assumia várias identidades, disfarçando-se sem o auxílio de maquilagem, usando apenas conhecimentos e uma experiência de vida. Craig ficou impressionado com ele e o procurou na segunda viagem que fez à Índia. Como esperava, não só era a pessoa mais interessante que conhecia, mas também uma mina 21
  • 22. de informações em todos os assuntos, principalmente aqueles que representavam um enigma para o Ocidente, como as castas e as crenças hindus. Foi nessa ocasião que Craig entendeu como homens como Sare podiam amar um país, do mesmo jeito que um homem ama uma mulher. A Índia tinha um modo de vida maravilhosamente complexo, que escondia segredos que inspiraram algumas das maiores religiões do mundo. Aos vinte e quatro anos, Craig estava preparado para tornar-se discípulo de um grande homem que ele considerasse mais do que todos. No pouco tempo em que estiveram juntos, aprendeu com Randall Sare mais do que a maioria das pessoas aprende em uma vida inteira. Três anos atrás, em sua terceira visita à Índia, Sare lhe dissera que estava indo para o Tibete. — Para quê? — perguntou Craig. — Estou convencido de que os russos estão anexando, um após o outro, os khans da Ásia Central e querem controlar toda a fronteira norte da índia. — Não pode ser! — Eles já estão construindo uma estrada de ferro que atravessa a Sibéria até o Extremo Oriente. Soube que também estão construindo outra no Turquestão e... — Fez uma pausa. — ...Planejando a anexação do Tibete. — Pensei que não era permitido a ninguém entrar nesse país. — Creio que seria muito difícil impedir o avanço dos russos. Se é isso que eles querem fazer, farão. — Como poderemos impedir? Randall sorriu, o que lhe deu uma atração toda especial. — É exatamente o que vou descobrir. Quando se despediram, Craig sabia que haveria de se passar muito tempo antes de voltar a ver o amigo, se é que voltaria. Agora, se a suspeita do marquês era verdade, Sare não só tinha voltado para a Europa, como desaparecido em Monte Carlo. Parecia inacreditável que ele deixasse a índia sem que o Ministério do Exterior fosse informado e desembarcasse logo em um lugar conhecido como o mais frívolo, extravagante e vicioso de toda a Europa. Bispos e padres de todos os credos protestavam continuamente contra o vício que dominava a “cidade do jogo”. Apesar disso, o cassino de Monte Carlo era patrocinado por quase todas as cabeças coroadas e a ameaça do fogo do inferno não surtia resultado. Só havia uma explicação possível para a presença de Sare ali; não se sentira capaz de chegar à Inglaterra e não tivera outra alternativa. “Preciso encontrá-lo. Preciso.” Imerso em seus pensamentos, Craig passou todo o almoço distraído, o que provocou queixas tanto de sua linda anfitriã, como da senhora que estava a seu lado. As reclamações fizeram com que se lembrasse imediatamente de que não estava desempenhando o papel que esperavam dele. Pediu desculpas, alegando uma ligeira dor de cabeça, e voltou a ser a pessoa divertida, inconseqüente e alegre de sempre. No fim do almoço, as duas estavam mais apaixonadas do que nunca. Tinha um convite para ir jogar tênis, mas já havia jogado com um profissional, de manhã cedo. — Tem que entrar no campeonato, senhor — disse-lhe o profissional. 22
  • 23. Esse campeonato começara três anos atrás e ele já havia pensado era inscrever-se na taça individual masculina, oferecida pelo príncipe de Mônaco. Mas, pensando melhor no assunto, achou que tinha coisas mais interessantes e mais importantes para fazer do que colecionar troféus. Além disso, gostava mais de jogar sem platéia. Como era muito bom jogador, contratou um profissional para jogar com ele todas as manhãs, enquanto estivesse em Monte Carlo. Assim, teria as tardes livres para cuidar de sua missão. E a primeira providência era ir falar com o padre Augustin. Como na véspera, foi a pé até a capela. Depois do barulho e da confusão do hotel, sentiu uma paz que parecia transmitida pela fé daquele local. Dirigiu-se rapidamente ao confessionário, onde sabia que o padre Augustin esperava. Ajoelhou-se e, automaticamente, o padre pronunciou as palavras em latim que iniciam cada confissão. Quando disse “Amém”, Craig perguntou: — Tem alguma notícia para mim? — Poucas, meu filho, mas você não me deu muito tempo, — Mas já soube de alguma coisa? — Soube que o homem que procurava estava escondido num certo lugar da cidade, duas semanas atrás. — Não está ferido ou doente? — Não me disseram; apenas que estava se escondendo. O esconderijo é um lugar normalmente usado pelos procurados pela polícia ou que têm outras razões para não serem vistos. — Ele ainda está? Percebeu imediatamente que a resposta seria desapontadora. — Pelo que pude descobrir, foi embora. — E disseram para onde? — É o que estou tentando averiguar. Mas, como deve compreender, não é fácil fazer muitas perguntas nesse tal lugar, onde os homens vão para se esconder e cujas identidades são sempre secretas. — Compreendo. Mas por favor, padre, tente descobrir mais. É muito importante. — Estou tentando, meu filho, estou tentando. Se eu me mostrar muito curioso, inevitavelmente as portas que devem ficar abertas, vão se fechar. Craig sabia que era a pura verdade. — Fico profundamente agradecido, padre. Esse homem é de grande importância para a humanidade e preciso salvá-lo. — Tenho rezado muito a Deus, pedindo Sua ajuda. — Então, por favor, continue. — Fez uma pequena pausa e acrescentou: — Tenho uma coisa que pode ajudar a soltar a língua dos que sabem a resposta às nossas perguntas. Onde devo deixar? O padre Augustin ficou em silêncio por um momento. — Há uma coroa de flores em frente da imagem da santa. Não era preciso dizer mais nada. — Quando devo voltar outra vez? — Amanhã, as confissões serão um pouco mais tarde; só devo estar aqui ao anoitecer. — Será melhor ainda — disse Craig. Esperou o padre Augustin dar a bênção em latim e levantou-se, fechando a cortina do confessionário. 23
  • 24. Havia mais gente na igreja agora e, com um sobressalto, viu a condessa Aloya ajoelhada perto dele. Estava de mãos postas e olhava com fervor para o sacrário, totalmente absorta. Pelo menos, parecia estar. Craig não conseguiu ir embora. Foi sentar-se ao lado dela. Não se ajoelhou; apenas baixou a cabeça, como se rezasse. Tentava descobrir o que lhe diria, quando, sem se mexer, ela falou, baixinho: — Por favor, não fale comigo. Há alguém me observando. Qualquer outro teria olhado para ela, surpreso, mas Craig tinha sido treinado em uma escola onde qualquer movimento em falso poderia significar a diferença entre a vida e a morte. Ficou quieto por alguns instantes. Depois, como se acabasse de rezar, levantou-se sem olhar para a condessa, fez uma genuflexão e dirigiu-se lentamente para a imagem da santa à qual a capela era dedicada. Santa Devota, padroeira de Mônaco, nascera na Córsega em 283 d.C. Os pais eram pagãos, mas seu nome cristão a fez crente da nova fé. Durante as perseguições aos católicos, foi torturada, suportando tudo rezando e sorrindo. Quando morreu, sua alma foi para o céu em forma de pomba. A mesma pomba apareceu no barco que levou seu corpo para Mônaco, onde foi colocado num rochedo. Nesse mesmo lugar, tinha sido erguida a capela. Poucas pessoas que vinham jogar em Monte Carlo conheciam o santuário, mas Craig, que gostava de saber das origens de tudo, aprendera a lenda e nunca mais se esquecera. Ficou parado algum tempo, olhando a imagem de uma jovem com uma pomba na cabeça. Só então reparou na coroa de flores colocada diante da santa. As folhas verdes de videira, os cravos cor-de-rosa e brancos e a fita de cetim eram tão comuns que não chamavam a atenção. Craig ajoelhou-se e colocou rapidamente um envelope em baixo da coroa. Depois levantou-se e saiu da igreja, sem pressa. Como já esperava, enquanto estava junto da imagem da santa deixando uma soma considerável para o padre Augustin, a condessa tinha ido embora. Estava certo de que fizera isso de propósito, para que quem a estivesse observando não o visse; ou, pelo menos, o visse apenas de costas. Era exatamente o que ele faria em seu lugar, e, pensando no assunto, ficou admirado com a astúcia dela. Na porta da igreja, Craig demorou de novo, pegando e folheando alguns livros de oração e fingindo ler um folheto que informava o horário das missas. Só saiu de lá quando teve certeza de que a condessa já não podia estar por perto. Agora, tinha muito em que pensar. Na noite anterior, era óbvio que ela ouvira a empregada russa entrando no quarto. Essa empregada devia tê-la acompanhado até a igreja, o que era normal; ou então, tinha outro tipo de guarda-costas. Craig estava tão intrigado que não conseguiu pensar em outra coisa a tarde inteira. Ansiava por vê-la novamente. Só então se lembrou de que o grão-duque Bóris daria uma festa naquela noite. Será que lorde Neasdon iria? E ela? Já eram quatro horas e Craig tinha certeza de encontrar o grão-duque no cassino. O lugar estava cheio, como habitualmente antes do jantar. Dirigiu-se diretamente para a Sala Touzet, onde viu, aliviado, o grão-duque sentado à mesa de bacará, jogando uma fortuna. Enquanto Craig observava, Bóris perdeu a pilha de moedas de ouro e notas que tinha 24
  • 25. à sua frente, e levantou-se com um ar totalmente imperturbável. Estendeu a mão para Craig. — Venha, meu amigo, vamos tomar uma bebida. Estou precisando. Craig não fez nenhum comentário sobre o jogo, sabendo que os jogadores detestavam isso, mesmo os parabéns quando ganhavam, porque diziam que dava azar. — Ainda é muito cedo para eu começar a beber. Estou me guardando para sua festa desta noite, se é que vai mesmo haver. — Claro que vai haver! Zsi-Zsi convidou todos os seus amigos, se bem que acho que a maioria deles já sabe que você está entre nós. — Pelo seu jeito de falar, parece que, como Lúcifer, eu caí do céu. — Boa analogia — brincou o grão-duque. — Acho que pelo simples fato de você ser tão rico, Craig, todos que o conhecem ficam endemoniados. Principalmente, as mulheres. — Discordo. Mas não importa, e desde já lhe agradeço pela festa. Conseguiu convencer Neasdon a aceitar o convite? Não queria parecer muito interessado. — Aceitou como um salmão esfomeado. Nunca o tinha convidado antes e duvido que o fizesse, a não ser com um bom motivo por trás. — Ele vai levar a condessa? — Disse que sim, o que me pareceu estranho. Afirmou com tanta certeza, que creio que nem lhe perguntará se ela quer ir ou não. — Evidentemente, Neasdon tem um encanto escondido que nós não conhecemos. — Se tiver, garanto-lhe que sou um péssimo juiz do ser humano, o que nunca acreditei que fosse. De qualquer modo, esta noite você vai ver a condessa e talvez descobrir por que anda grudada em Neasdon. Pode não acreditar, mas nunca a vi falando com mais ninguém desde que chegou e isso me parece muito esquisito. Craig concordou, mas, como podia levantar suspeitas interessar-se muito pela condessa, mudou de assunto. Depois, dando uma desculpa, voltou ao hotel. Em seus aposentos, resistiu ao impulso de ir até a varanda que dava para o apartamento da condessa. Primeiro, porque não queria que nenhum de seu criados soubesse que a conhecia; segundo, porque se a condessa estivesse no quarto, a empregada russa deveria estar com ela. Mas por que parecia ter medo da empregada e por que era tão importante que não falasse com ela na capela? Não conseguia encontrar resposta. Enquanto se vestia para o jantar, teve a sensação de que ia começar uma aventura excitante, tão imprevisível que não podia nem ao menos imaginar o que estava para vir. Era um pressentimento que não tinha há muito tempo, mas que já sentira no passado, quando estava em perigo ou quando o marquês o incumbia de missões estranhas. Adorava tudo aquilo, tão diferente da vida irresponsável que levava em Nova York e em Londres. Sabia agora que, para ter sucesso, precisaria de todo o poder místico para o qual costumava apelar nas horas de emergência. Interessado em saber mais sobre os iates russos, conversara com o gerente do hotel, antes de subir para seus aposentos. O gerente do Hotel de Paris era um dos homens mais bem informados de todo o principado. Fazia parte de seu trabalho saber não só todos os antecedentes de cada hóspede, mas também dos clientes habituais do cassino, uma vez que trabalhava em conjunto. O que as autoridades mais detestavam era um escândalo ou um suicídio, tomavam 25
  • 26. todas as precauções possíveis para evitar qualquer coisa que pudesse manchar a reputação de Monte Carlo. Se fosse de todo impossível impedir, o incidente devia ser abafado, rápida e discretamente. Monsieur Bleuet era um homem discreto, além de ter uma inteligência viva e brilhante que não deixava escapar nada. Craig estava certo de que para o gerente, ele não passava de um milionário americano em busca de divertimento. Por isso, precisava tomar muito cuidado com o que falava. — Espero que esteja confortável, monsieur Vandervelt. Posso ajudar em alguma coisa? — Vim exatamente dizer-lhe que estou muito bem instalado e que foi muita amabilidade sua reservar-me os mesmos aposentos onde fiquei nos últimos dois anos. Monsieur Bleuet sorriu. — Tentamos sempre fazer com que nossos clientes favoritos sintam-se em casa, e para isso é importante que ocupem o mesmo apartamento e, se possível, sejam atendidos pelos mesmos empregados. — É uma preocupação muito agradável. Eu também queria que me dissesse alguma coisa sobre os dois iates russos que estão no porto. — Sorriu e acrescentou: — Pode parecer mera curiosidade, mas estou ansioso para saber se são novos e compará-los com meu próprio iate, que gosto de pensar que é o melhor que existe. — Sempre ouvi dizer, monsieur Vandervelt, que o Sereia faz inveja a todos os proprietários que estão no porto, com seu motor excepcional e todos os novos equipamentos que o senhor instalou. — No ano passado, estive a bordo do iate do duque de Westminster e sei que não se compara com o Sereia. A mesma coisa acontece com o do sr. Pierpont Morgan. Aliás, o iate dele está velho; é mais do que hora de comprar um novo. Monsieur Bleuet riu. — E pode muito bem comprar outro. — Acho que quando uma pessoa começa a envelhecer se apega às coisas que tem. Entendo isso muito bem e creio que o senhor também. Mas para mim, no que diz respeito a iates e automóveis, quanto mais novos, melhor. — Eu diria o mesmo em relação às mulheres, monsieur! — Isso já é outro assunto — disse Craig. — Estávamos falando dos iates russos. — Claro. Lamento dizer que nunca estive a bordo de nenhum deles e não conheço ninguém que já tenha ido lá. — Então. Os proprietários não recebem? — O proprietário, monsieur. — São do mesmo dono? — Pertencem ao barão Strogoloff. Ele é inválido. — Ah, isso explica tudo! — Não, exatamente. O barão tem qualquer problema nas pernas e usa uma cadeira de rodas. Passeia pelo tombadilho e também vem ao cassino. — Para jogar? O gerente sacudiu a cabeça. — Não. Disseram-me que ele gosta muito de música; por isso, vem assistir aos concertos e às óperas. — Então joga? — Monsieur le baron nunca entrou na sala Touzet, o que para nós é um grande desgosto, como deve compreender. Ele é fabulosamente rico. Assim, quando for embora, 26
  • 27. levará o dinheiro todo com ele! Craig deu uma risada. — Isso é uma tragédia! Mas ele deve ser muito excêntrico para precisar de dois iates. — Monsieur le baron usa um e o outro é para os convidados e para aqueles que o servem. — Que luxo! E que tal são os convidados dele? — O senhor não vai acreditar, mas ficam a bordo e não saem nunca. — Não é possível! — Nós também achamos e, quando temos reuniões oficiais, passamos a maior parte do tempo discutindo sobre o barão. — Não duvido. E o que o príncipe Albert pensa de tudo isso? — Ainda não tivemos o privilégio de falar sobre isso com Sua Alteza Real. Mas agora que tocou no assunto, acho que ele, e somente ele, conseguiria convencer o barão a ser um pouco mais sociável. — Duvido. Esses russos são sempre imprevisíveis, e o senhor pode agradecer a Deus por termos entre nós esse encantador grão-duque Bóris. — Concordo plenamente, monsieur Vandervelt. Temos sorte, muita sorte. Como o grão-duque Bóris me dizia ainda ontem, quando ele volta para a Rússia, fica contando os dias até poder voltar para nós. Para o “lar longe do lar”, como chama Monte Carlo. A deferência do gerente deixou bem claro para Craig quanto o grão-duque contribuía para os altíssimos lucros do cassino todos os anos. Sabia bem que os acionistas estavam se tornando milionários e os outros lugares do mesmo tipo rangiam os dentes de raiva, pelo sucesso conseguido por Monte Carlo. Ainda ficaram conversando um pouco, mas, deliberadamente, Craig não fez menção a condessa. Para agradar o gerente e aumentar seu próprio prestígio, falou como estava satisfeito em encontrar tantos visitantes distintos, como o príncipe Radziwell, que tinha comprado seus pôneis de pólo, o duque de Montrose e a linda duquesa de Marlborough, que era americana. O gerente tinha algum pormenor interessante a dizer sobre cada um deles, mas Craig, que já sabia o que queria, nem prestou atenção. Quando chegou ao quarto, ficou algum tempo na janela, olhando para os dois iates russos, lado a lado, no cais. A mansão do grão-duque era um verdadeiro sonho oriental, uma mistura do gosto russo (com cúpulas e abóbadas e uma profusão de ouro) com todo o conforto ocidental; sofás e poltronas imponentes, cortinados de veludo e quadros que qualquer apreciador de arte daria um braço para possuir. Cada tapete oriental no chão era uma maravilha, e os ornamentos de ouro que decoravam a mesa de jantar tinham um valor incalculável; não só pela antigüidade, como pelas maravilhosas pedras preciosas que só as minas da Sibéria poderiam dar. Havia orquídeas por todo lado, mas, como todos os convidados eram muito elegantes, não ficavam apagados pelo luxo que os cercava. Como sempre, antes de uma festa, o grão-duque dava um jantar para cerca de cinqüenta amigos. Os conhecidos chegavam por volta da meia-noite, só saindo quando amanhecia. Craig olhou ao longo da mesa, com um serviço de ouro e copos de cristal que brilhavam como diamantes, mas não viu nem a condessa, nem Neasdon. Era o que esperava. Mesmo assim, ficou desapontado. Queria vê-la, talvez para 27
  • 28. confirmar que era tão linda como parecia na véspera. Parecia incrível que não a tivesse visto o dia inteiro, a não ser rezando na igreja, e ficou imaginando onde se esconderia quando não estava com Neasdon. Observando bem os presentes, Craig soube finalmente a que categoria o grão-duque achava que ela pertencia. Todos os homens eram muito importantes, autênticos aristocratas, com exceção dele próprio. E as mulheres, extremamente bem vestidas, sem dúvida nenhuma pertenciam ao demi-monde. Isso não queria dizer que não fossem companhias deliciosas, tanto em público quanto em particular. Por causa da profissão, tinham maneiras tão elegantes quanto sua aparência e obedeciam sempre a um código de honra de nunca colocar em cheque seus protetores, tentando conhecer a família deles. Craig sabia por experiências passadas que o comportamento delas numa mesa de jogo era exemplar e que nunca faziam cenas, como às vezes as senhoras da sociedade provocavam. Como era de esperar, as cocottes usavam jóias valiosas. Os vestidos, dos melhores costureiros de Paris, na maioria desenhados por Frederick Worth, poderiam ser usados em qualquer palácio real. Mesmo em Monte Carlo, onde as regras sociais eram menos rígidas, as mulheres de vida livre nunca tentavam ultrapassar a linha que as separava da alta sociedade. Além de Belle Otero e Gaby Delys estavam presentes umas poucas de sangue azul, que, por amor, tinham abdicado da suas posições sociais. Craig reconheceu uma marquesa que fugira de um marido bêbado e bruto para viver “em pecado” com um duque francês, que já tinha mulher e vários filhos. Também a filha de um conde inglês muito conhecido, que se divorciara duas vezes e continuava suficientemente encantadora e bonita para arriscar o terceiro marido. Craig já estava mais do que habituado com aquilo tudo e gostava do ambiente, mas teria sido muito melhor se a condessa Aloya Zladamir estivesse lá. Resolveu então ter paciência até o jantar acabar e os outros convidados do grão- duque chegarem, e esforçou-se para ser agradável com seus vizinhos de mesa. Assim que entraram no grande salão, onde tinham estado antes do jantar, Craig viu a condessa. Estava em pé junto a uma janela, olhando para o jardim iluminado com milhares de pequenas velas, cujas chamas dançavam ao vento, e lindas lanternas chinesas penduradas nas árvores. Sentia-se o aroma das mimosas floridas, e Craig, vendo o perfil da condessa recortado contra o céu, pensou que seria impossível existir mulher mais linda. Achara que, depois da entrada triunfal da véspera no restaurante do Hotel de Paris, vestida de negro, não conseguiria voltar a causar tanta sensação. Mas agora, vendo-a em um vestido prateado como o luar, sentia que estava ainda mais espetacular. Com o brilho do luar de um lado e a iluminação dos candelabros do outro, parecia envolta em prata líquida, como uma ninfa etérea e irreal. Ficou olhando para ela, sem aproximar-se. Quando a condessa voltou-se para o grão- duque, que foi cumprimentá-la, reparou que a única jóia que usava era uma magnífica estrela de diamantes no alto da cabeça, que lhe realçava ainda mais o prateado dos cabelos. Ao vê-la fazer uma reverência ao grão-duque, pensou que não existia ninguém mais graciosa. Lorde Neasdon, recebido afavelmente pelo anfitrião, estava nitidamente satisfeito. Uma orquestra de vinte violinos tocava no salão ao lado, e na cabeça de Craig tudo aquilo parecia um sonho. 28
  • 29. Havia também outra sala, com mesas de jogo, onde os convidados podiam perder seu dinheiro sem ter que ir ao cassino. As convidadas, ansiosas, levavam seus companheiros para a roleta ou para o trinta e quarenta, que era um meio mais rápido de perder ou ganhar. Era praxe o cavalheiro oferecer metade de seus lucros à senhora que o acompanhava e, além disso, daria também o dinheiro necessário para ela jogar, se assim desejasse. O grão-duque afastou-se de lorde Neasdon para ir cumprimentar outros convidados e a condessa olhou novamente para o jardim, enquanto Neasdon falava com ela. Craig decidiu que, se queria ser apresentado formalmente, teria que tratar disso imediatamente. Essa decisão ficou facilitada quando viu Zsi-Zsi, que nessa noite fazia as honras de anfitriã, sozinha por um momento. Embora todos soubessem que ela vivia com o grão-duque em Monte Carlo, enquanto a mulher ficava na Rússia, Zsi-Zsi era aceita por grande parte da alta sociedade por ter sido casada com um respeitável conde francês. Por isso, mesmo que Bóris recebesse apenas a alta sociedade, Zsi-Zsi estaria presente. Aproximando-se dela, tomou-lhe o braço, dizendo: — Você me fez ficar curioso com a recém-chegada. Agora, o mínimo que pode fazer é me apresentar a ela. — Não acho boa idéia. É evidente que ela pertence a lorde Neasdon, e há muitas mulheres aqui que me imploraram uma oportunidade de estar com você; inclusive a dama que estava sentada à sua direita durante o jantar. — Continuo querendo conhecer a condessa. Zsi-Zsi encolheu os ombros. — Muito bem, já que insiste. Mas não me culpe se levar um fora como o que o pobre Bóris recebeu, embora ele tente manter isso escondido de mim! — Vou arriscar. E se a minha moral ficar muito arrasada, sempre posso recorrer a você para me consolar. — Esteja certo de que terei muito prazer — disse Zsi-Zsi, brincalhona. Enquanto falavam, Craig foi levando-a através do salão para onde estavam a condessa e lorde Neasdon. Assim que chegaram, a condessa virou a cabeça e olhou para Zsi-Zsi. “Timidamente”, pensou Craig. Depois, achou que era ridículo pensar assim. Devia ser um truque para valorizá-la aos olhos de uma mulher mais velha e principalmente diante de qualquer homem. — Que bom vê-la, condessa! E, lorde Neasdon, Sua Alteza Real está encantado em tê-lo conosco esta noite. Há muito tempo que esperava conhecê-lo. — É muito gentil, madame. — Como é a primeira vez que é nosso convidado, insisto em abrir o baile com o senhor. A orquestra está tocando o Danúbio Azul. Que dança poderia haver mais maravilhosa para começar a nossa amizade? Zsi-Zsi sorria para lorde Neasdon. Nenhum homem resistiria àquele convite, mas, diplomaticamente, ele hesitou, olhando para a condessa. — Céus! Esqueci-me! — exclamou Zsi-Zsi. — Madame Ia contesse, deixe-me apresentar-lhe o sr. Craig Vandervelt, que vai cuidar da senhora enquanto danço com o encantador lorde Neasdon. — Fez uma pausa, antes de lhe dizer, teatralmente: — O sr. Vandervelt é americano. Mas, como é também muito rico, nós o desculpamos por viver nessa longínqua parte do mundo. Falou rindo e sua voz soou como a trinar de um canário alegre. Sem dizer mais nada, 29
  • 30. levou Neasdon pela mão, para o salão de dança. Craig aproximou-se da condessa e ficou olhando para ela. — Esperei tanto por este momento! E, como temos muito para dizer um ao outro e não quero ser interrompido, podemos ir lá para fora? 30
  • 31. CAPÍTULO IV Craig teve a impressão de que a condessa iria recusar. Depois, olhando nervosa por cima do ombro, verificou se lorde Neasdon a observava. Mas ele já tinha desaparecido no outro salão. Subitamente aliviada de qualquer opressão que Craig não podia entender, saiu depressa para o jardim. Havia pouca gente passeando no gramado. Quando passavam, debaixo de umas árvores, Craig pegou seu braço, levando-a para onde havia menos luz. Conhecia bem o jardim do grão-duque e sabia onde encontrar bancos confortáveis, com coxins de seda e caramanchões discretos. Foram andando em silêncio, ele sempre com medo de que a condessa protestasse. Mas percebeu que ela também sentia que ali estariam em segurança. Sentaram-se e ele olhou em volta para verificar se estavam sozinhos. — Finalmente posso conversar com você, como tanto queria — falou, em um tom que todas as mulheres achavam irresistível. Mas ela nem o olhou. — Sobre o que quer conversar? — Sobre você — respondeu Craig. — Mas é difícil saber por onde começar. — Acho que não temos nada a dizer um ao outro. — Eu tenho muito para falar. Mas, primeiro, quero saber por que e de quem você tem medo. Notou que ela ficou tensa, e depois disse, rapidamente: — Por favor, creio que é melhor voltarmos. Tenho certeza de que lorde Neasdon vai querer dançar comigo. — Ele mal começou a dançar com nossa anfitriã, e não há dúvida de que ela é a mulher mais deslumbrante da festa, excluindo você. Não acho que ele esteja com pressa de mudar de par. Enganou-se, pensando que a acalmaria. A condessa parecia mais tensa do que antes, apertando as mãos com força. Craig inclinou-se para ela, dizendo, suavemente: — Deixe-me ajudá-la. Se tem problemas, prometo que a libertarei desse medo que está sentindo agora. — Ninguém pode me ajudar — disse, tão baixo que mal se ouviu. — Por que não? — Ela não respondeu. — Sei que há alguma coisa errada, muito errada. Você é a mulher mais linda de Monte Carlo. Todo mundo está ansioso para conhecê- la, todos os homens querendo ajoelhar-se a seus pés. Mesmo assim, está cheia de medo, e tenho que acabar com isso. — Por favor, não fale desse jeito comigo! Preciso desesperadamente de ajuda, mas não posso pedir a você. . . nem a ninguém. — Acredite, sou a única pessoa que pode ajudá-la. — Ela virou o rosto e ele insistiu: — Nós dois estivemos na índia. Sabemos que podem acontecer coisas estranhas que o mundo ocidental desconhece; e que essa certeza possibilita a duas pessoas se conhecerem profundamente, mesmo que estejam a quilômetros de distância uma da outra. Ela não disse nada, mas estremeceu. — Sei que precisa de mim e que sou a única pessoa que poderia ajudá-la. Acho que você também sabe disso. Olhou para ele e respondeu, aturdida: — Como pode falar comigo assim? Como é capaz de entender? 31
  • 32. — Sabe muito bem a resposta. Não temos necessidade de perder tempo com explicações um ao outro. — Mas como pode estar tão seguro? Você é um homem que nunca vi antes. — Mesmo assim, me avisou de que seria perigoso falar com você esta tarde, na igreja. Por que faria isso, se me considera apenas um estranho? — Eu... eu não. Estou assustada, terrivelmente assustada. Ainda assim, não me atrevo a confiar em você. Havia um tom de desespero nas palavras dela. De propósito Craig esperou um pouco, antes de dizer, suavemente: — Não dê ouvidos a sua cabeça, ouça apenas seu instinto; como faria se estivesse na Índia. Ela respirou fundo e, sentindo uma confiança súbita nele, perguntou baixinho: — E se alguém estiver escutando? — Aqui? Não é nada provável. Mas se alguém a está seguindo, diga-me por quê. — Eu... não posso — respondeu, quase em um soluço. — Eles estão me espreitando, estão sempre me observando. Embora às vezes não os veja, sei que estão. — Quem são eles? E por quê? Percebeu que ela não ia dizer nada; estava apavorada e não conseguia pensar com clareza. — Escute, entendo suas dificuldades melhor do que pensa. Só quero que se lembre de que estou aqui, que posso e quero ajudá-la como ninguém mais poderá fazer. Ela não respondeu e novamente desviou o olhar. — Seu apartamento é ligado ao meu. Assim que voltar ao hotel, vou destrancar a porta de comunicação do meu lado. Se precisar de mim, a qualquer hora, coloque uma folha de papel debaixo da porta e eu abrirei sem que ninguém fique sabendo. — Vendo que ela prestava atenção continuou: — Ou, se preferir, poderemos falar na varanda. Mas só quando você achar que é seguro. — Obrigada, não vou me esquecer. Mas, por favor, não vá novamente à igreja à tarde. Eles podem descobrir que os nossos apartamentos são juntos. — Entendo. Se me dissesse quem são eles, seria mais fácil para mim ajudá-la. — Não, não... eu não posso dizer. Por favor, esqueça que estivemos conversando — disse, em pânico. — Na verdade, acho que quem falou fui eu. Mas ao menos você sabe que estou aqui, disposto a ajudá-la. Farei qualquer coisa para afastar as lágrimas de seus olhos. Mesmo na penumbra, viu um sorriso triste nos lábios dela. — Tenho que voltar. A dança deve ter terminado. — Ande devagar e naturalmente. Se, como receia, alguém a estiver observando, vai pensar que tem alguma coisa para esconder, se correr. Enquanto andavam pelo gramado, ela falou em um tom muito diferente: — Como deve ser maravilhoso ter um jardim como este e saber que está cheio de flores durante quase todo o ano! Craig sabia que falava assim para disfarçar, no caso de alguém estar escutando. — Na minha opinião, a Cote d'Azur fica mais bonita quando as mimosas estão em flor e os primeiros hibiscos começam a florir. Iam devagar e só quando se aproximaram mais das luzes foi que ele reparou como estava pálida. Com o vestido prateado e os cabelos do mesmo tom, parecia irreal. Assim que entraram em casa, Craig viu lorde Neasdon e Zsi-Zsi voltando do outro salão. Teve a sensação de que a condessa estremeceu ao ver Neasdon, e que se chegou mais 32
  • 33. para junto dele. — Dançamos maravilhosamente — disse Zsi-Zsi. — Sua Senhoria é um ótimo dançarino. — E isso não é normal em um inglês? — perguntou Craig. — Espero que você nos apresente, ainda não nos conhecemos. — Oh, que falta imperdoável! Lorde Neasdon, este é Craig Vandervelt; um americano encantador que nos honra com sua presença todos os anos aqui em Monte Carlo e que faz com que nós todas o esperemos com o coração ansioso. O outro estendeu a mão. — Como vai? Já tinha ouvido falar no senhor. — Eu também do senhor. Creio que trabalha no Ministério do Exterior com um parente meu, o marquês de Lansdowne. — Ele é seu parente? — perguntou Neasdon, surpreso. — Primo afastado. — Não fazia idéia! — Vejo-o de vez em quando — disse Craig. — Moro nos Estados Unidos, onde, na verdade, fico muito poucas vezes. Zsi-Zsi riu. — Craig é um viajante inveterado, vai de um lado a outro do mundo como um meteoro. Acho que esta é a definição apropriada. — Deve ser interessante — comentou o lorde. Era evidente que não estava nada interessado naquela conversa, não tirando os olhos da condessa. Ela olhava para ele com uma expressão que Craig não conseguia entender. Parecia querer defender-se dele, mas ao mesmo tempo conquistá-lo. Seguiu-se um silêncio desconfortável, pois ninguém tinha mais nada para dizer e Craig cumprimentou a condessa. — Espero ter o prazer de dançar com a senhora mais tarde. Foi muito agradável conhecê-la. — Sem esperar resposta afastou-se, de braço dado com Zsi-Zsi. Quando estavam longe dos ouvidos deles, Zsi-Zsi disse: — Espero que esteja agradecido. Nunca encontrei homem mais aborrecido. Só fala dele próprio! — Estou muito grato. — Que mulher adorável! O que será que ela vê nele? O homem não diz nada de interessante, dança como um elefante e é tão convencido que acreditou quando falei que é um bom dançarino. — E se você dançasse comigo? Assim, poderia esquecer Neasdon. — Vou adorar. Mas primeiro, tenho que ver se Bóris precisa de alguma coisa e cumprimentar uns convidados que acabam de chegar. Afastou-se, e Craig viu que lorde Neasdon estava levando a condessa para o jardim. Lembrou-se de repente de que, se ela temia que alguém ouvisse a conversa deles, não havia razão para que ele não fosse ouvir o que os dois diziam. A orquestra estava tocando uma música alegre, que levou para o salão de dança todos os convidados, menos os que jogavam. Craig foi andando devagar, como se desfrutasse o frescor da noite, e viu lorde Neasdon e a condessa caminhando pelo atalho fartamente iluminado que ia dar no outro lado do jardim. Ficou atento, até ver com satisfação que eles haviam ido para um caramanchão iluminado por lanternas chinesas. 33
  • 34. Foi para trás de uns arbustos próximos e ouviu lorde Neasdon dizendo: — Está se divertindo? — Muito. Foi muita gentileza sua me trazer a esta... festa tão agradável. — O grão-duque Bóris dá festas freqüentemente, quando está em Monte Carlo. — Ele é muito distinto. — Acredito que muitas mulheres achem que sim. — É estranho — disse a condessa — que haja tantos ingleses nesta festa. Pensei que os ingleses não estavam em boas relações com os russos. — Por que diz isso? — Ouvi falar, mas pode ser boato, que Rússia e Inglaterra estão se desentendendo por causa da Índia. Ficaram em silêncio, como se lorde Neasdon procurasse uma resposta. — Não deve acreditar em tudo que ouve. — Mas não é verdade, que os russos deixaram o governo inglês furioso? — Não sei o que você ouviu, mas há sempre falatório quando acontece um remanejamento de tropas e alguns tiros são disparados na fronteira. Todos acreditam que é uma batalha. — Acha que vai haver... guerra entre nossos países? Seria terrível! — Não há perigo disso, minha cara. Garanto-lhe que os ingleses controlam muito bem a situação. — Quer dizer que não vão permitir que haja uma guerra, mesmo que a Rússia o deseje? Lorde Neasdon deu uma risada desagradável. — Os ingleses podem muito bem com os russos e, mesmo que haja algumas escaramuças na fronteira noroeste, eles não vão nos derrotar. — Tem certeza? — Absoluta. A condessa suspirou. — Isso quer dizer que os ingleses têm muitas tropas na índia para impedir qualquer infiltração russa no Afeganistão. Parecia que só a idéia lhe dava medo. — Vamos, não preocupe essa linda cabeça, Aloya. Prometo a você que não haverá nenhuma guerra. Mesmo que houvesse, eu cuidaria de você e a protegeria. — Isso seria difícil, se nossos países se tornassem inimigos. — Nunca serei seu inimigo. Vou lhe mostrar como tratarei bem de você. Deve ter tentado abraçá-la, porque a condessa deu um gritinho. — Não, por favor! Não pode fazer isso... aqui! Seria muito... indiscreto. — Ninguém está vendo. E você sabe muito bem que está me enlouquecendo! Prometeu fazer amor comigo assim que nos conhecêssemos melhor e creio que é tempo de começar a cumprir a promessa. — Nós nos conhecemos há tão pouco tempo! — disse a condessa, parecendo aterrorizada. — Tempo suficiente para eu saber que desejo e amo você. Por que está sendo fiel a esse seu marido que permite que ande pelo mundo sozinha, em vez de cuidar de você, como devia? — Ainda assim, ele é meu marido... e gosto dele. — Se ele gostasse de você, não a deixaria sozinha. Mas eu estou aqui e você disse que me achava interessante e atraente. Eu a acho adorável e muito, muito desejável. Deixe 34
  • 35. que eu vá ao seu apartamento esta noite, para lhe demonstrar o quanto significa para mim e como poderemos ser felizes juntos. — Oh, não! Esta noite, não. Ainda é. . . muito cedo. — E acrescentou, em um tom de desespero: — Sabe que gosto de estar com você, conversar com você. Acho que é uma pessoa muito interessante e que pode me ensinar coisas sobre este mundo. . . que conheço tão pouco. — Um mundo no qual você brilha! Não há em Monte Carlo outra mulher igual, e estou muito orgulhoso. — Continuou, como se quisesse vangloriar-se: — Agora que o grão- duque nos convidou, vamos ter muitos convites mais e penso que poderei apresentá-la a pessoas bastante interessantes. — Fico muito satisfeita em estar com você — disse a condessa, timidamente. — Você fala de tudo que me interessa. — Quero falar de nós dois e, francamente, Aloya, pouco me importa se nossos patrícios se batem na fronteira noroeste ou se tentam invadir o Tibete. Tudo que quero é invadir o seu quarto. — Talvez seja tão difícil quanto invadir o Tibete! — Sou um homem determinado. — Eu continuo pensando no meu marido. — Então, esqueça-se dele! — Eu tento, mas é difícil. — Para mim não é. A condessa deu uma risadinha, que pareceu forçada. — Será que sou mesmo como o Tibete? — Claro que é. Misteriosa, desconhecida e impenetrável; exceto para mim, é claro! — Isso é muito lisonjeiro, mas talvez as barbeiras que mantêm os russos afastados sejam igualmente impenetráveis para você. — Isso é o que diz, mas tenho confiança que vou destruir todas as barreiras e obstáculos. Deixe-me beijá-la agora e verá que essas barreiras desaparecem facilmente. — Não. Aqui, não! Ficaria muito embaraçada se voltasse para o salão descomposta. Lorde Neasdon não respondeu, e Craig teve a impressão de que a condessa se levantara. — Se ficarmos aqui muito tempo vão fazer comentários, e isso não é bom para a sua reputação ou para a minha. Afinal, você é um membro importante do Ministério do Exterior inglês. — Fico contente por você pensar assim e talvez tenha razão. Podemos falar de nós mais tarde, quando voltarmos ao hotel. — Seria um erro! — disse ela, rapidamente. — Se viesse ao meu quarto a empregada poderia falar, e meu marido é muito ciumento. — Diabos o levem! Craig ficou no mesmo lugar, enquanto eles se afastavam, e só saiu quando estavam fora da vista. O marquês tinha razão em pensar que a condessa era uma espiã russa que tentava obter informações de lorde Neasdon. Tinha sido um erro da parte dele mencionar o Tibete, mas os métodos dela eram tão amadores que saltavam aos olhos de qualquer homem que não fosse um poço de convencimento. Lorde Neasdon devia perceber o que estava acontecendo, mas Craig tinha o pressentimento de que ele era tão tolo, ou talvez estivesse tão cego pelo desejo, que não via o perigo que corria. 35