O documento descreve as três gerações do Modernismo português, começando pela Geração Orpheu liderada por Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. A segunda geração foi a Geração Presença, fundada em 1927. Por fim, a terceira geração foi o Neorrealismo, iniciado em 1940. O documento também fornece detalhes sobre a poesia de Fernando Pessoa e seus principais heterônimos.
2. CRONOLOGIA DO MODERNISMO PORTUGUÊS
1ª GERAÇÃO → GERAÇÃO ORPHEU
Início: 1915 → Fundação da revista Orpheu
Término: 1927 → Fundação da revista
Presença
PRINCIPAIS ESCRITORES
→ Fernando Pessoa;
→ Mário de Sá-Carneiro;
3. 2ª GERAÇÃO → GERAÇÃO PRESENÇA
Início: 1927 → Fundação da revista Presença
Término: 1940 → Eclosão do Neorrealismo
PRINCIPAIS ESCRITORES
→ Branquinho da Fonseca;
→ José Régio;
→ João Gaspar Simões;
4. 3ª GERAÇÃO → NEORREALISMO
Início: 1940 → Eclosão do neorrealismo
PRINCIPAIS ESCRITORES
→ Ferreira de Castro;
→ Carlos de Oliveira;
→ Fernando Namora;
→ Alves Redol;
→ José Cardoso Pires;
→ Virgílio Ferreira;
5. UM POUCO DE HISTÓRIA: O Modernismo
em Portugal
Desde 1910, com a queda da Monarquia, Portugal passa por um dos
momentos mais fecundos e mais conturbados de sua história. Lisboa
centraliza a captação das ideias modernas, numa efervescência
intelectual que procura assimilar os movimentos de vanguarda,
provenientes do contexto mais amplo do Modernismo europeu.
Essa primeira experiência de governo democrático teria, entretanto,
vida curta.
Após superar a anarquia administrativa e orçamentária deixada pela
Monarquia, o Partido Democrático, de forte base popular, que dominou
o cenário político da Primeira República, propõe a entrada do país na
Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
6. Portugal alia-se às potências que lutavam contra a Alemanha, em
defesa de suas colônias ultramarinas, ameaçadas pela expansão
imperialista germânica.
Com o fim da guerra, o agravamento das questões econômicas e
sociais era nítido, tanto quanto a crise política, que se tornara
permanente, por causa das contínuas dissidências internas do
Partido Democrático e à gradual perda de apoio popular. Essa crise
une os setores militares, a grande burguesia e o clero, colocando um
ponto final no governo parlamentar e desencadeando o Golpe
Militar de 1926.
O professor de finanças da Universidade de Coimbra, Antônio de
Oliveira Salazar, recrutado para desenvolver a nova política, que
requeria medidas autoritárias, toma por completo o poder em 1933.
Inicia-se, assim, em Portugal, o Estado Novo (1933-1974), que se
alinha aos interesses do nazifascismo italiano e alemão.
7. AS 3 GERAÇÕES DO MODERNISMO PORTUGUÊS
Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro são os mais famosos participantes
da revista Orpheu, que deu origem à primeira geração do Modernismo
português: o Orfismo ou Geração Orpheu, cuja atuação, entre 1915 e 1927,
coincidiu com a vigência da chamada “República Jovem”, a Primeira República
portuguesa.
Em 1927, a fundação da revista Presença, por Branquinho Fonseca, José
Régio e João Gaspar Simões, marca o início da segunda geração do
Modernismo português. Denominada Geração Presença, ela tem o intuito não
apenas de continuar, mas de renovar o pensamento órfico. Elegendo seus
mestres os poetas de Orpheu, os integrantes da Geração Presença,
particularmente José Régio, defendiam uma “literatura viva”, espontânea,
original, contra a “literatura livresca” acadêmica ou com outros fins que não
os estéticos. Caracteriza-se assim, pelo elitismo, pelo descompromisso entre a
atividade artística e as questões político-sociais.
8. Em 1940, o Neorrealismo substitui o Presencismo, inaugurando-se uma nova
geração. Esta se coloca contra as posturas da anterior, principalmente pela
defesa do engajamento da literatura, da sua contribuição na conscientização
do público leitor, quanto aos problemas socioeconômicos e políticos do país.
Ferreira de Castro, Carlos Namora, Alves Redol, José Cardoso Pires e Virgílio
Ferreira são alguns dos principais representantes do Neorrealismo português.
9. CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS
DA GERAÇÃO ORPHEU
Alheados tanto do idealismo republicano quanto das reações
críticas que despertavam, os artistas da Geração Orpheu tinham
uma vivência cosmopolita (Fernando Pessoa passara a
adolescência na África do Sul, em contato com a cultura inglesa;
Mário de Sá-Carneiro frequentemente estava em Paris) e um
comportamento iconoclasta e irreverente que os distanciaram do
grande público, perante o qual passaram quase desconhecidos.
A preocupação de escandalizar o burguês e de lutar contra o
provincianismo das tradições neorromântica e neossimbolista não
se converteu num programa estético-literário.
10. Impregnados de uma religiosidade esotérica, do gosto pelas ciências
ocultas, de um sebastianismo místico, os escritores da Geração
Orpheu tornaram-se elitistas, herméticos, pouco acessíveis. A obra de
Fernando Pessoa, uma das mais significativas já escritas em língua
portuguesa, só foi publicada 10 anos após a sua morte, que se deu
em 1935.
Mário de Sá Carneiro, por sua vez, suicidou-se em Paris, em 1915,
aos 26 anos. Deixou, entre outras obras, A confissão de Lúcio (prosa),
de 1912, e Dispersão (poesia), de 1914.
11. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
DO ORFISMO
• Domínio da Metafísica e do Mistério
• Desejo de “escandalizar” o burguês
• Desajuste social e cultural
• Cosmopolitismo
• Elitismo
• Ruptura convencional
• Ruptura com o ideal romântico
• Ausência da metrificação
• Valorização do subconsciente
• Linguagem ousada
• Incorporação das propostas das vanguardas
• Idolatria do poético, do não prático, do não burguês
13. FERNANDO PESSOA
o criador de poetas, o multiplicador de eus
Autodefinindo-se como “histeroneurastênico”, apaixonado por ocultismo,
filosofia, por estudos de psiquiatria e psicanálise, autodidata de grande
erudição, Fenando Pessoa constitui um caso único de desdobramento de si
mesmo em outras personalidades poéticas.
Sua capacidade de deixar-se possuir por outros seres, que como ele são
poetas, e de assim criar os outros eus, os heterônimos, tem sido tema de
inumeráveis estudos, debates e controvérsias.
Álvaro de Campos, um dos heterônimos do poeta , afirma que “fingir é
conhecer-se”, enquanto Pessoa, num de seus poemas mais conhecidos, diz
que “O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a fingir
que é dor/ A dor que deveras sente”.
14. Esses paradoxos apontam para a modernidade do poeta, em seu
reconhecimento da crise da identidade do ser humano, da fragmentação do
eu, cindido num mundo que destruiu as certezas inquestionáveis e quebrou o
mito da personalidade como algo inteiro, igual a si mesmo.
Nesse sentido, o “fingimento” pessoano, isto é, o processo de
despersonalização que faz o poeta “inventar-se” por intermédio de outras
criaturas – as quais, no entanto, encontra dentro de si -, pode ser entendido
como busca de recriação poética de uma unidade perdida, de algo que seja
absoluto, que transcenda todas as verdades parciais, relativas, fragmentadas.
Assumindo a sua diversidade, a sua pluralidade, a sua multiplicidade de
elementos, quase sempre conflitantes, Pessoa procura a unidade, a
integridade do ser humano.
Os heterônimos, portanto, não são máscaras literárias, não se confundem
com pseudônimos. Pessoa não inventou personagens-poetas, mas criou
obras de poetas, e, por causa delas, as biografias de Álvaro de Campos,
Ricardo Reis e Alberto Caeiro, seus principais heterônimos.
16. ÁLVARO DE CAMPOS
o poeta das sensações do homem moderno
Nasceu em outubro de 1890, era engenheiro naval, alto,
magro, cabelos lisos e assemelhava-se a um judeu português.
Álvaro de Campos é um poeta modernista, futurista, cubista.
Por sua temática –as sensações do homem no mundo
moderno-, pode ser considerado também um sensacionista.
Na produção poética de Álvaro de Campos, os versos livres,
de ritmos explosivos e linguagem coloquial, testemunham a
crise de todos os valores da vida urbana e industrial, oscilando
entre a excitação e o cansaço, a euforia e a depressão, o êxtase
e a desilusão.
Na fase amargurada, o poeta escreveu longos poemas em
que revela um grande desencanto existencial.
17. LISBON REVISITED
NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me
enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das
ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da
técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de
qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a
vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser
sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da
companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me
sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca
tardo...
18. TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. (...).
19. RICARDO REIS
o poeta neoclássico
O médico Ricardo Reis é o heterônimo “clássico” de Fernando
Pessoa, pois observa-se em toda sua obra a influência dos clássicos
gregos e latinos baseada na ideologia do “Carpe Diem”, diante da
brevidade da vida e da necessidade de aproveitar o momento.
A temática de Ricardo Reis, o poeta neoclássico, é a passagem do
tempo, a irreversibilidade do Fado (o Destino), a necessidade de fruir
o momento presente. A obra desse poeta caracteriza-se por versos
curtos, que lembram a lírica grega, com vocabulário muitas vezes
erudito, sintaxe clássica, referências mitológicas.
Sua atitude diante da vida é serena, intelectualizada, contida,
contemplativa. Basicamente, combina duas correntes filosóficas da
Antiguidade: o epicurismo, que identifica o bem soberano com o
prazer encontrado na prática da virtude e na cultura do espírito, e o
estoicismo, que prega a impassibilidade diante da dor e do infortúnio.
20. ANJOS OU DEUSES
Anjos ou deuses, sempre nós tivemos,
A visão perturbada de que acima
De nós e compelindo-nos
Agem outras presenças.
Como acima dos gados que há nos campos
O nosso esforço, que eles não compreendem,
Os coage e obriga
E eles não nos percebem,
Nossa vontade e o nosso pensamento
São as mãos pelas quais outros nos guiam
Para onde eles querem E nós não desejamos.
21. ALBERTO CAEIRO
o poeta-pastor
Alberto Caeiro, o poeta-pastor, considerado por Pessoa o seu mestre, é
o homem reconciliado com a natureza, que rejeita todas as estéticas,
todos os valores, todas as abstrações.
É uma poesia aparentemente simples, mas que na verdade esconde
uma imensa complexidade filosófica, a qual aborda a questão da
percepção do mundo e da tendência do homem em transformar aquilo
que vê em símbolos, sendo incapaz de compreender o seu verdadeiro
significado.
Seus versos livres, próximos da prosa, convidam-nos a “desaprender as
ideias para aprender as coisas”, como se vivêssemos antes do
Cristianismo, antes do Trabalho, antes da História, antes da Consciência.
Autodidata, de grande simplicidade, sua sabedoria consiste em ver o
mundo de forma sadia e plena, sensorialmente, em comunhão direta
com ele e com seus fenômenos.
22. O GUARDADOR DE REBANHOS
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz....
23. FERNANDO PESSOA - ORTÔNIMO
O poeta-filosófico, que conjuga lucidez e vidência
24. Poeta-filosófico, sutil e complexo, Fernando Pessoa escreve
redondilhas rimadas, fundamentalmente procurando reunir “o sentir”
e “o pensar” (“O que em mim sente ‘stá pensando”).
A inquietação, a necessidade de compreender todas as coisas, a
busca constante de consciência, que inclui saber ser ela uma
impossibilidade, constituem algumas das características fundamentais
de sua obra.
Fernando Pessoa é o poeta que conjuga lucidez e vidência, que se
coloca entre o pendor para a paixão, o sonho, a entrega mágico-poética
aos mistérios e a postura analítico-racional, de constante indagação
crítica.
Assim, fragmentou-se, multiplicou-se, reinventou-se, convivendo em
profundidade com todas as grandes contradições do nosso tempo e
recriando-as poeticamente, numa das monumentais obras-primas de
poesia do século XX.
25. PRINCIPAIS OBRAS DE
FERNANDO PESSOA
POESIAS
Além de Mensagem, Pessoa escreveu Poemas completos
de Alberto Caeiro, Odes de Ricardo Reis, Poesias de
Álvaro de Campos, Poemas dramáticos, Poesias coligidas,
Quadras ao gosto popular, Novas poesias inéditas.
PROSA
Páginas de doutrina estética, A nova poesia portuguesa,
Análise da vida mental portuguesa, Apologia do
paganismo e Páginas íntimas e de auto interpretação.
26. AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração
27. ISTO
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está de pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!