O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul analisou um agravo de instrumento interposto por uma instituição de ensino contra decisão que indeferiu pedidos de medidas atípicas em execução de título extrajudicial. Por maioria, os desembargadores deram parcial provimento ao recurso para determinar a entrega de eventual passaporte do devedor, mas mantiveram o indeferimento da suspensão da CNH e do uso de cartões de crédito.
Suspensão de passaporte em execução de título extrajudicial
1. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
@ (PROCESSO ELETRÔNICO)
PLP
Nº 70072360993 (Nº CNJ: 0000214-88.2017.8.21.7000)
2017/CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO
ESPECIFICADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO
EXTRAJUDICIAL. Pretensão do credor de aplicação
de medidas previstas no art. 139, IV, do CPC/2015.
Inviabilidade da suspensão da CNH e do uso de
cartões de crédito. Possibilidade de suspensão do
passaporte, pois se o devedor não tem meios para
pagar à exequente, não pode suportar os gastos
com uma viagem ao exterior.
RECURSO PROVIDO EM PARTE, POR MAIORIA,
VENCIDA EM PARTE A DES. ANA LUCIA, QUE NEGAVA
PROVIMENTO.
UNÂNIME.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Nº 70072360993 (Nº CNJ: 0000214-
88.2017.8.21.7000)
COMARCA DE PORTO ALEGRE
CENTRO ASSISTENCIAL SARANDI - CENASA AGRAVANTE
JOAO SALUSTIANO ILHA SILVEIRA AGRAVADO
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Segunda
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, vencida em parte a
Desa. Ana Lucia, que negava provimento, em dar parcial provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) E DES.ª ANA LÚCIA CARVALHO
PINTO VIEIRA REBOUT.
Porto Alegre, 16 de março de 2017.
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DES. PEDRO LUIZ POZZA,
Relator.
R E L A T Ó R I O
DES. PEDRO LUIZ POZZA (RELATOR)
Trata-se de agravo de instrumento interposto por CENTRO
ASSISTENCIAL SARANDI – CENASA em razão da decisão que indeferiu o pedido de
suspensão do direito da parte agravada de dirigir veículos automotores.
Em suas razões recursais, o agravante alega, em síntese, que,
esgotados todos os demais meios para a satisfação do débito, as medidas atípicas,
previstas na nova legislação processual, devem ser aplicadas para dar
cumprimento às ordens judiciais proferidas no processo.
Refere que caso mantido o indeferimento das medidas atípicas, há
grave receio de irreparável prosseguimento da ação, eis que já foram esgotados
todos os meios para o prosseguimento da execução, sem sucesso. Aduz que o art.
461, §5º, do CPC, autoriza a utilização de medidas atípicas e de ofício pelo juiz.
Colaciona precedentes jurisprudenciais a fim de amparar sua tese.
Pugna pelo recebimento e provimento do agravo de instrumento a
fim de que seja deferida a suspensão da parte agravada do direito de dirigir
veículos, expedindo-se mandado para a apreensão do documento de CNH, bem
como a expedição de ofício ao DETRAN para que não promova futuras renovações
do documento até que a devedora satisfaça a dívida.
Recebido o recurso, indeferido o pedido de antecipação de tutela
recursal e dada vista à agravada para contrarrazões, estas não apresentadas.
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
V O T O S
DES. PEDRO LUIZ POZZA (RELATOR)
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Eminentes Colegas, o recurso prospera em parte.
Com efeito, entendo que a recorrente pretende dar uma
interpretação alargada demais ao disposto no art. 139, IV, do novo CPC.
Efetivamente, na direção do processo, o juiz pode determinar as
medidas de toda espécie que entender necessárias à satisfação do direito da parte
autora, inclusive quando se tratar de ação que tenha por objeto prestação
pecuniária, como é o processo de execução por quantia certa contra devedor
solvente.
De qualquer sorte, essas medidas têm um limite, razão pela qual
entendo que não se mostra razoável proibir o devedor de dirigir veículos, ainda
mais porque pode ser inclusive instrumento de sua profissão, sendo ele, por
exemplo, taxista ou mesmo motorista do UBER.
Ademais, o uso de veículo particular muitas vezes é uma
necessidade para o devedor deslocar-se de casa ao trabalho e vice-versa, multas
vezes pela deficiência do transporte coletivo, servindo do mesmo modo para o
transporte escolar dos filhos, etc.
Desta forma, suspender a CNH do devedor implicaria ferir de morte
sua dignidade e até mesmo de sua família.
O mesmo ocorre com a pretensão de vedar ao devedor o uso de
cartões de crédito. Certo que nessa espécie de produto bancário, os juros
cobrados são escorchantes. Todavia, não há prova de que o devedor tenha cartões
de crédito, muito menos que o mesmo se utiliza do crédito rotativo e, assim,
pague os juros mais elevados do mundo.
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De lembrar que o cartão de crédito, se bem utilizado, muitas vezes
é uma ferramenta de organização financeira de seu usuário, servindo também
como forma de parcelamento de compras, tornando mais fácil a aquisição de bens
e serviços.
Em um ponto, todavia, a recorrente tem razão, pois se o devedor
não quita o débito objeto da presente execução, por não possuir meios para tanto,
não se mostra razoável que o mesmo possua passaporte e possa, por
consequência, viajar ao exterior.
Sabido que uma viagem ao exterior tem custos enormes, ainda mais
se o devedor se faz acompanhar de sua família.
Portanto, prospera o recurso a fim de que, no juízo a quo, eventual
passaporte do devedor seja entregue em juízo, além de ser oficiado à Polícia
Federal para que seja procedido ao cancelamento e que outrem não seja emitido
sem prévia autorização do juízo da execução.
Destarte, dou parcial provimento ao recurso.
DES. GUINTHER SPODE (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES.ª ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA REBOUT
Colegas.
Peço vênia para divergir do entendimento exposto pelo Relator,
pelas mesmas razões expendidas pela magistrada de origem, conforme segue:
Vistos.
Indefiro os pedidos formulados na petição retro, uma vez que
ferem os direitos e garantias fundamentais do indivíduo.
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Não pode o juiz, arbitrariamente, condenar uma pessoa, por ser
devedora em um processo de execução, a não praticar os atos da vida
civil.
Tal pedido trata-se de interpretação sistemática da legislação
atual, não sendo oponível ao cidadão qualquer regulamentação que
tolha seus direitos fundamentais previstos no art. 5º, da CF/88.
Intime-se.
Diligências legais.
No caso em apreço, por não haver pagamento voluntário da
condenação e inexistir bens penhoráveis para a satisfação do crédito, postulou a
autora, ora agravante, com fundamento no artigo 139, inciso IV, do Novo Código
de Processo Civil1
, a) a suspensão do direito de dirigir pelo executado; b) a
apreensão do passaporte; e c) o cancelamento dos cartões de crédito do devedor,
até a quitação da dívida perseguida no cumprimento de sentença (ação
monitória).
A meu sentir, TODOS os pedidos são descabidos, revelando-se
medidas desproporcionais e atentatórias aos direitos e garantias individuais
asseguradas pela Constituição Federal.
Com efeito, a legislação processual preconiza que “o devedor
responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas
obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.” (artigo 789 do Novo Código de
Processo Civil).
Isso significa dizer que, pretendendo a satisfação do débito (dívida
pela prestação de serviços educacionais), caberá à exequente investir contra o
patrimônio do executado, e não contra a pessoa do devedor ou contra seus
direitos civis.
Não cabe, portanto, impor a suspensão do direito de dirigir do
executado, medida essa que em nada contribuirá para o pagamento da
condenação, senão causar “incômodo” ao devedor. Afinal, mesmo não possuindo
1
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-
lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-
rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
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bens para saldar a dívida, nada impede que o requerido conduza veículo de
terceiro, já que, perante a Administração Pública, possui habilitação para tanto.
Do mesmo modo, também não cabe a apreensão do passaporte do
devedor, medida que ultrapassa o limite do razoável, implicando grave restrição
ao direito de ir e vir da pessoa apenas pelo fato de possuir um débito não quitado.
Não se pode presumir que o passaporte seja utilizado para grandes viagens
internacionais ou para compras no exterior, tratando-se, na realidade, de
documento de identificação, indispensável, por exemplo, para a pessoa que resida
em uma cidade de fronteira ou em outro país. Ademais, pelo que se sabe, não
recai sobre o devedor qualquer impedimento de saída do Brasil, afigurando-se
arbitrária a pretensão de apreensão do passaporte, obstativa ao direito de ir e vir.
Por fim, quanto ao pedido de cancelamento dos cartões de crédito
do executado, também não prospera a insurgência, não havendo como admitir-se
a intromissão do exequente em relação contratual mantida pelo réu com terceiro.
Além do mais, a utilização do cartão de crédito não implica necessariamente o
pagamento de juros à instituição financeira, desde que as faturas sejam
adimplidas no vencimento.
Assim sendo, pelas razões expostas, divirjo do Relator e nego
provimento ao agravo de instrumento.
DES. GUINTHER SPODE - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70072360993,
Comarca de Porto Alegre: "POR MAIORIA, VENCIDA EM PARTE A DESA. ANA LUCIA
QUE NEGAVA PROVIMENTO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO."
Julgador(a) de 1º Grau:
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bens para saldar a dívida, nada impede que o requerido conduza veículo de
terceiro, já que, perante a Administração Pública, possui habilitação para tanto.
Do mesmo modo, também não cabe a apreensão do passaporte do
devedor, medida que ultrapassa o limite do razoável, implicando grave restrição
ao direito de ir e vir da pessoa apenas pelo fato de possuir um débito não quitado.
Não se pode presumir que o passaporte seja utilizado para grandes viagens
internacionais ou para compras no exterior, tratando-se, na realidade, de
documento de identificação, indispensável, por exemplo, para a pessoa que resida
em uma cidade de fronteira ou em outro país. Ademais, pelo que se sabe, não
recai sobre o devedor qualquer impedimento de saída do Brasil, afigurando-se
arbitrária a pretensão de apreensão do passaporte, obstativa ao direito de ir e vir.
Por fim, quanto ao pedido de cancelamento dos cartões de crédito
do executado, também não prospera a insurgência, não havendo como admitir-se
a intromissão do exequente em relação contratual mantida pelo réu com terceiro.
Além do mais, a utilização do cartão de crédito não implica necessariamente o
pagamento de juros à instituição financeira, desde que as faturas sejam
adimplidas no vencimento.
Assim sendo, pelas razões expostas, divirjo do Relator e nego
provimento ao agravo de instrumento.
DES. GUINTHER SPODE - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70072360993,
Comarca de Porto Alegre: "POR MAIORIA, VENCIDA EM PARTE A DESA. ANA LUCIA
QUE NEGAVA PROVIMENTO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO."
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