O primeiro poema descreve o mar como um elemento que traz o mundo e une todas as pessoas. O segundo fala sobre a identidade portuguesa do autor e seu nascimento em Portugal. O terceiro é uma canção infantil sobre preferir brincadeiras à guerra.
1. O MAR
Rio
As águas vêm de longe,
O mar,
trazem o mundo,
o meu mar.
os montes a terra as pedras todo o mar
os bichos pólen do mundo
ao meu encontro.
as folhas e a luz Mar meu,
a chuva o granizo centro.
e a sede dos homens Mergulho
no mar.
o rumor das noites e dos dias.
Entro?
Rio vivo, quase mudo,
cheio de água
Ou entra
cheio de terra
em mim
cheio de tudo.
o mar?
SELECÇÃO DE ADILSON
2. EU SOU PORTUGUÊS AQUI
Eu sou português
aqui Eu sou português
em terra e fome talhado aqui
feito de barro e carvão no teatro mentiroso Nasci
rasgado pelo vento norte mas afinal verdadeiro aqui
amante certo da morte na finta fácil no mês de Abril
no silêncio da agressão. no gozo quando esqueci toda a saudade
no sorriso doloroso e comecei a inventar
Eu sou português no gingar de um marinheiro. em cada gesto
aqui
a liberdade.o
mas nascido deste lado Nasci
do lado de cá da vida deste lado da ternura Nasci
do lado do sofrimento do coração esfarrapado aqui
da miséria repetida eu sou filho da aventura SELECÇÃO DE ADMILSON
ao pé do mar
do pé descalço da anedota do acaso de uma garganta magoada no cantar.
do vento campeão do improviso Eu sou a festa
trago as mãos sujas do sangue inacabada
Nasci que empapa a terra que piso. quase ausente
deste lado da cidade
eu sou a briga
nesta margem Eu sou português a luta antiga
no meio da tempestade aqui renovada
durante o reino do medo. na brilhantina em que embrulho ainda urgente.
Sempre a apostar na viagem no alto da minha esquina
quando os frutos amargavam a conversa e a borrasca Eu sou português
e o luar sabia a azedo. eu sou filho do sarilho aqui
no gesto desmesurado o português sem mestre
nos cordéis do desenrasca. mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
3. Rei, Capitão, Soldado, Ladrão
Tudo de pernas para o ar Rei, capitão,
soldado, ladrão,
Numa noite escura, escura, menina bonita
o sol brilhava no céu. do meu coração.
Subi pela rua abaixo,
Não quero ter coroa,
vestido de corpo ao léu. nem arma na mão,
nem fazer assaltos
Fui cair dentro de um poço com um facalhão.
mais alto que a chaminé,
Quero ser criança,
vi peixes a beber pão, quero ser feliz,
rãs a comerem café. não quero nas lutas
partir o nariz.
Construí a minha casa
Quero ter amigos
com o telhado no chão jogar futebol,
e a porta bem no cimo descobrir o mundo
para lá entrar de avião. debaixo do sol.
Rei, capitão,
Na escola daquela terra
soldado, ladrão,
ensinavam trinta burros.
não.
O professor aprendia
SELECÇÃO DE EDWIGES
a dar coices e dar zurros. Mas quero a menina
do meu coração.
4. Poemas perdidos.
Real, real porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste
que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.
Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado! Mas onde encontrar um passado?
SELECÇÃO DE CLAUDINA