3. A centelha do fogo no breu do paiol: explosão. Para dentro de si,
quiçá, mas certamente para além do óbvio. Quando desembarquei
em Curitiba, por primeira vez, e assisti ao show do Fato no Paiol,
era fato que tudo aquilo era uma grande memória, a ser construída
enquanto revisitada. Esse pedaço de mundo aos pedaços, ora tão
meu, era o futuro que, claro, esteve sempre aqui. Ousar ouvir o que
ele nos sussurrava era nossa urgência. Como quem planeja a figa.
Tudo em volta desabando e eu permaneço. No exercício diário da
harmonia dos dissensos, pois é neles que repousa a beleza.
Seguimos, em vigília, manufaturando pontes, equilibrando absur-
dos, inventando o impossível e suas soluções. Mais um dia. Qual a
pedra. Qual o mistério. Qual o gelo que põe a pedra em movimento.
Qual o solo sobre o qual a pedra, em movimento, deixa sua marca.
A trupe lava a face e cata os trastes pra recomeçar, como fará e
fará e fará nos muitos lustros ainda por vir. Porque a trupe é feita
de recomeços e é feita do porvir, trocando passos com o passado -
quem se atreverá a dizer que não?
Ainda estamos por aqui.
João_Cavalcanti
5. Arder_de_Novo
Agora a vida só se leva a ferro e soco
Agora o jogo só desata a murro e faca
Agora o cara a cara é desrazão
Até que já não reste um olho
Até que a boca já nem guarde cacos
pra risada
À vera o escuro desce bruto num sufoco
Um bote surdo feito enrosco de
emboscada
Na hora em que a estiagem greta o chão
O sonho verte em sumidouro
E a trupe lava a face e cata os trastes
pra recomeçar
Em frente a serpentear
Mambembe caravana segue a estrada
Estranha e inusitada procissão
Cada morro mais um morro pra derrotar
Atrás de terra chã que a lona abrace
E o circo remendado coração
Vai poder armar de novo
Louco
Picadeiro doido
Fogo
Vai arder de novo
Um dia o mundo esgota o gosto pelo turvo
Quiçá por luz ou mero efeito do cansaço
Charada que não pede explicação
A fúria cega inveja o sonho
A força bruta cede aos arlequins e suas graças
E num segundo a chuva entorne todo
o escuro
Tornando tudo imenso açude desbordado
Um mar assim repleto de tesão
Até que já não reste sombra
Nem dor, nem medo e nem vontade
de voltar atrás
Em frente a serpentear
Mambembe caravana segue a estrada
Estranha e inusitada procissão
Cada morro mais um morro pra derrotar
Atrás de terra chã que a lona abrace
E o circo remendado coração
Vai poder armar de novo
Louco
Picadeiro doido
Fogo
Vai arder de novo
Ventania_
Enxurrada que leva o sossego pra longe
Terremoto que abala a mais sólida construção
Tempestade que arrasa o que vê pela frente
Ventania que arranca o que tem no chão,
no chão
As certezas de um tempo não muito distante
De uma hora pra outra se apagam na
escuridão
O que era seguro e tão importante
Já não faz mais sentido não tem razão,
razão
Tudo em volta desabando o mundo de
ponta-cabeça
Tantas marcas na lembrança, a pressionar
Mesmo assim segue pulsando, aconteça
o que aconteça
Tanta fé, tanta esperança, força de um
ser imortal
Enxurrada que leva a tristeza pra lá
Terremoto que enterra a angústia no chão
Tempestade que lava a alma de vez
Ventania que sopra a renovação
Cinema_Cantado
no filme da vida
um rastro na trilha embaixo do céu
o que veio e o que foi
o tudo e o nada
e o pó
no filme da vida
de braços o ateu, a rameira e o cristão
um grito e o silêncio
a dor mais fecunda
e o céu
no filme da vida
brilha a centelha de um fogo no breu
a beira do abismo
o fundo do poço
e o mar
no filme da vida
os modos do mundo, a história sem fim
o olhar mais profundo
o toque
o sim
6. Paiol_
só...sopra, inspiração
sopra, inspiração
solta e vira um som
e só
isso, inspiração
sobra a piração
sóbria, a lira, o tom:
um dó?
ó, inspiração
olha a vibração
ouve o verso, a rima
e ri
ri, inspiração
grita, inspiração
gira, pira e cai
em si
sim, inspiração
cai como um trovão
raio nesse tal
paiol...
pólvora no chão:
nota a escuridão
já faísca lá
um sol
Guartelá_
Alva, brisa, manhã
Fina prata na flor, rocio
Veio aberto, céu
Mina nova, rio
Varadouro do dia
Brasa brilha, tamanha
Vontade de cor
Trempe armada ao léu
Mate amargo, bom
Coa os medos na luz
Mais um dia
Risca nova trilha lá
[Alva fina mina brasa risca nova trilha]
Vento incerto, clarão
Tempestade se armando, cinza
Vem lavrar o eito
Aplacar o estio
A promessa das nuvens
Rota arisca, bocaina
Desvãos do Iapó
Breia rente, estreito
Onde a falha é o fim
Onde a curva acha o breu
[Vento incerto lavra cinza breia curva breu não]
O céu / O som / O choque / O chão
Claro_
Claro que o futuro se cansou de esperar
Claro que o futuro já passou
Claro que o futuro tava a fim de brincar
Claro que o futuro alucinou
Claro que o futuro andava olhando pra trás
Claro que o futuro esteve sempre aqui
Trocando passos com o passado,
embaralhados tempos
Reprisar o mesmo velho sonho
Renitente
Deus me perdoe
Mas parece assim pesadelo
Gosto dos desejos que envelhecem
Das sementes
Que vingam como
Frutos bons pra comer sem medo
Claro que esse escuro pode até demorar
Claro, mas um dia chega ao fim
Claro que isso tudo aí vai desmoronar
Claro, num estouro de festim
Claro, em tanta voz que espalha
rimas no ar
Cala uma charada que não resolvi
Quando a palavra abraça o som,
tudo condiz
Notas da canção
A sorte, zás, vaza de vez
Da minha mão
Notas da canção
A sina, a esquina, o violão
Notas da canção
Azares nas linhas, em vai-e-vem
Na minha da mão
Notas da canção
Enigmas em claro e bom som
Claro que o futuro se cansou de esperar
Claro que o futuro já passou
Claro que o futuro tava a fim de brincar
Claro que o futuro alucinou
Claro que o futuro andava olhando pra trás
Claro que o futuro esteve sempre aqui
Trocando passos com o passado,
embaralhados tempos
Reprisar o mesmo velho sonho
Renitente
Deus me perdoe
Mas parece assim pesadelo, pesadelo,
pesadelo
Gosto dos desejos que envelhecem
Das sementes
Que vingam como
Frutos bons pra comer sem medo,
sem ter medo, nenhum medo
7. Claro que esse enredo pode
até desmanchar
Alvo de um zilhão de megatons
Claro que assim mesmo vale continuar
Calmo, que é o tal dever do show
Claro, se o planeta, após o fim, ressoar
Claro como o som de um pulso bom de ouvir
Quem sabe é charme só pra ver se
rola um bis
Movimento_
Para Ulisses, para Grace, para o Fato.
curto tempo
mar adentro
tudo invento
sempre alento
movimento
Finisterra_
o mar ouvir
o mar sentir
ousar ouvir
o mar em mim
sopro de sereia
vela içada
leme cego
quilha rasa
contravento
contratempo
contrassenso
sempre
areia fina
lambe a flor dos ventos
entalhe lento
dorso de restinga
o mar imenso
onda desejada
deságua o medo
onde a terra acaba
Vernissage_
Tem um grande museu no final
dessa estrada
Com palavras roubadas em exposição
Um dragão de papel ornamenta
a fachada
A beleza enjaulada é prisão. É prisão.
É quando a multidão inicia a jornada
A marcha anunciada da ressurreição
O grão da imensidão, o toque da alvorada
A voz desenjaulada é clarão. É clarão.
Se o vento soprar
A libertação
Quem se atreverá
A dizer que não?
Eu_
eu sou
eu ando
eu bato
eu bebo
eu beijo
eu como
eu durmo
eu falo
eu grito
eu jogo
eu julgo
eu faço
eu aconteço
eu vejo
eu pego
eu levo
eu abro
eu conto
eu quero
eu quebro
eu amo
eu calo
eu compro
eu finjo
eu firo
eu destruo
eu chego
eu entro
eu cobro
eu corto
eu deito
eu rolo
eu saio
eu danço
eu salto
eu minto
eu mando
eu mato
eu permaneço
eu olho
eu ouço
eu peço
eu roubo
eu sumo
eu tomo
eu uso
eu paro
eu corro
eu luto
eu sinto
eu morro
eu odeio
eu posso
eu mudo
eu mordo
eu gosto
eu ganho
eu brigo
eu ouso
eu busco
eu caço
eu acho
eu trago
eu tenho
eu sacrifico
eu tiro
eu falto
eu fujo
eu brinco
eu caio
eu pago
eu penso
eu nasço
eu cresço
eu malho
eu lavo
eu leio
eu ignoro
eu sento
eu sonho
eu gravo
eu subo
eu trato
eu troco
eu venço
8. eu creio
eu crio
eu digo
eu gasto
eu fecho
eu impeço
eu lembro
eu mostro
eu moldo
eu planto
eu queimo
eu piso
eu puno
eu junto
eu limpo
eu ponho
eu prendo
eu sigo
eu domino
eu brilho
eu chupo
eu dobro
eu firmo
eu forço
eu furo
eu gozo
eu peco
eu pinto
eu miro
eu pisco
eu podo
eu subtraio
eu surjo
eu tento
eu tolho
eu traio
eu transo
eu visto
eu vivo
eu cerco
eu cheiro
eu cito
eu cruzo
eu cumpro
eu conquisto
eu juro
eu posto
eu pulo
eu puxo
eu remo
eu fito
eu fuço
eu armo
eu brindo
eu cego
eu furto
eu rasgo
eu revelo
eu rezo
eu teimo
eu testo
eu lambo
eu largo
eu mimo
eu meço
eu voto
eu trepo
eu topo
eu sujo
eu reino
eu vomito
eu! eu! eu! eu!
Da Gema_
como o calombo de um cristo
colocando o pé em ovo
como quem sorri de susto
procurando pelo em ave
como quem planeja a figa
cruza os dedos e faz uva
como o vovô viu a ova
uma bate, a outra afoga
do canhão ele é a baixa
mora na cidade bucha
produz a toque de coxa
sem jamais fazer nas caixas
ele é um tigre de banguela
meio fora da lasanha
como um carro na bengala
uma bate, a outra assanha
na varanda fez acima
é carioca da gama
torce pro vasco da gema
não foge e não cai de cama
Lembra?_
Lembra quando éramos jovens
Jovens demais?
E tudo era sonho
Sonhos demais
Vida cantava só canções ao sol
Num céu azul tão sem fim
Lembra quando éramos jovens
Jovens demais?
O tempo nos pegou
Lembra quando éramos belos
Belos demais?
O mundo era nosso
Nosso demais
Deuses dançavam ao redor
Num cordão, tantas mãos entre as mãos
Lembra quando éramos belos
Belos demais?
O tempo nos feriu sem dó
Lembra quando éramos fortes
Fortes demais?
A gente queria
Mais, sempre mais
Nada bastava ao coração
Amares largos, longo singrar
Lembra quando éramos fortes
Fortes demais?
O tempo não parou
E ainda estamos por aqui
9. Arder_de_Novo_BROOQ2000001
Música_Humberto Araújo
Letra_Benito Rodriguez
Daniel Fagundes_voz e palmas
Andrezza Prodóssimo_teclados, vocais e palmas
Grace Torres_piano, sintetizador e palmas
Priscila Graciano_bateria
Ulisses Galetto_baixo
Ventania_BROOQ2000011
Música_Andrezza Prodóssimo
Letra_Doriane Conceição
Andrezza Prodóssimo_voz
Daniel Fagundes_guitarra
Grace Torres_teclados
Priscila Graciano_bateria e cajon
Ulisses Galetto_baixo
João Cavalcanti_tamancalha
Cinema Cantado_BROOQ2000002
Música_Grace Torres
Letra_Ulisses Galetto
Juliana Cortes_voz
Grace Torres_voz, teclados, órgão YC-30
Andrezza Prodóssimo_acordeon
Daniel Fagundes_tamancalha, tamancos,
ganzá e caxixi
Priscila Graciano_derbak
Ulisses Galetto_baixo
Paiol_BROOQ2000010
Música_Daniel Fagundes
Letra_Victor Neto
Daniel Fagundes_Voz, guitarra e tamanco
Andrezza Prodóssimo_asalatos, colher
e tamancalha
Grace Torres_teclados
Priscila Graciano_bateria, capô de carro
e vocais
Ulisses Galetto_baixo e tamanco
Guartelá_BROOQ2000007
Música_Ulisses Galetto
Letra_Benito Rodrigue
Daniel Fagundes_voz e baixo
Andrezza Prodóssimo_acordeon e vocais
Grace Torres_teclados e vocais
Priscila Graciano_bateria e derbak
Ulisses Galetto_violão e vocais
Claro_BROOQ2000003
Música_Grace Torres
Letra_Benito Rodriguez
Priscila Graciano_voz
Andrezza Prodóssimo_teclados
Daniel Fagundes_cajon, panelas e garrafas
Grace Torres_piano
Ulisses Galetto_baixo
Movimento_BROOQ2000009
Música e Letra_Antonio Saraiva
Antonio Saraiva_voz
Paulo Brandão_voz e voz processada
Pedro Luís_voz
João Cavalcanti_voz
Felipe Hickmann_synths e efeitos
Daniel Fagundes_voz e guitarra
Andrezza Prodóssimo_percussão corporal
e improvisos vocais
Grace Torres_tamancalha e vocais
Priscila Graciano_conga, pratos e vocais
Ulisses Galetto_baixo e vocais
Finisterra_BROOQ2000006
Música_Ulisses Galetto
Letra_Benito Rodriguez
Gustavo Proença_beatbox
Priscila Graciano_voz e vocais
Daniel Fagundes_voz e vocais
Andrezza Prodóssimo_vocais e percussão corporal
Ulisses Galetto_vocais e programação
Grace Torres_vocais
João Cavalcanti_tamancalha
Vernissage_BROOQ2000012
Música_Ulisses Galetto
Letra_João Cavalcanti
João Cavalcanti_voz e vocais
Fernando Montenegro Vivar_charango
Andrezza Prodóssimo_voz e vocais
Daniel Fagundes_voz, vocais e cavaquinho
Ulisses Galetto_violão
Grace Torres_baixo synth e vocais
Priscila Graciano_bombo leguero, caixa e vocais
Eu_BROOQ2000005
Música e letra_Ulisses Galetto
Ulisses Galetto: voz
Andrezza Prodóssimo_órgão synth e vocais
Daniel Fagundes_guitarra e vocais
Grace Torres_teclados e vocais
Priscila Graciano_bateria e vocais
Da Gema_BROOQ2000004
Música e letra_Márcio Mattana
Andrezza Prodóssimo_voz
Daniel Fagundes_violão 7 cordas e vocais
Grace Torres_teclados e vocais
Priscila Graciano_bateria e vocais
Ulisses Galetto_baixo e vocais
Lembra?_BROOQ2000008
Música_Ulisses Galetto
Letra_Marcelo Sandmann
Andrezza Prodóssimo_voz e acordeon
Daniel Fagundes_voz e cavaquinho
Grace Torres_voz
Priscila Graciano_voz
Ulisses Galetto_voz e baixo
10. Ficha_Técnica
Arranjos e Concepção Musical_Grupo FATO
Produção Musical_João Cavalcanti
Coprodução Musical_Ulisses Galetto
Engenheiro de Gravação_Valderval de Oliveira Filho
Gravações Adicionais_Ulisses Galetto
Edição, Mixagem e Masterização_Ulisses Galetto | UG Audio
Projeto Gráfico_Zeh Henrique Rodrigues
Coordenação Geral de Projeto_OQ Produções
Produção Executiva_Grace Torres e Ulisses Galetto
Assistência de Produção Executiva_Helena Sofia
Assessoria de Imprensa_Kátia Michelle e Dani Brito
Agradecimentos_
Mônica Drummond, Edison Luiz César (Grupo OM), Vilma Ribeiro e Anna Paula
Zétola (Sesi Cultura PR), Sauí Cultural, Márcio Mattana, João Cavalcanti,
Pedro Luís, Antonio Saraiva, Paulo Brandão, Felipe Hickmann, Juliana Cortes,
Gustavo Proença, Fernando Montenegro Vivar, Luciane Seretni, Silvio e Rosmary
Graciano, Mauro Castilhos, Valderval de Oliveira Filho, Mariana e Antonio Pimentel
Fagundes, Valdomiro, Jane e André Prodóssimo, Francisco Prodóssimo Pessoa,
Victor Gabriel Castro, Benito Rodriguez, Mari e Ivan Torres, Levy Galetto.
Gravado nos estúdios UG Audio | OQ Produções, em novembro de 2019
Contatos: oqproducoes@gmail.com
+55 41 99953-3445 | +55 41 99191-3445
Website: www.fato.org
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