Com as tensões que se manifestam em diferentes campos de conhecimento e das políticas públicas nacionais, principalmente no que diz respeito ao desmonte da arte em escolas de Educação Básica, acreditamos que as ações de ensino, pesquisa e extensão com natureza colaborativa, a tessitura de redes e o encontro corpo-a-corpo entre estudantes e docentes dos diferentes níveis de ensino configuram táticas para assegurar o ensino e aprendizagem em Artes, disseminar conhecimentos, recriar ambientes, reinventar estruturas e, por fim, viver encontros significativos com nossos pares, celebrando (em vez de aniquilar) a diversidade e a diferença.
Os textos que aqui se apresentam delineiam uma paisagem por onde podemos caminhar, (re)conhecendo percursos de docentes, estudantes egressxs da UFU, estudantes chegadxs de outras universidades, atualmente professorxs da escola básica e pós-graduandxs em nossos programas, com pesquisas em andamento ou concluídas.
Na paisagem aparecem: as políticas vinculadas à Educação para as Relações Étnicoraciais, para a Educação Especial e Inclusiva, as práticas voltadas para disseminação da diversidade da arte contemporânea no contexto da escola básica. Elas são também as curvas e encruzilhadas, dessa vez, desvelando novos horizontes ou reinventando os horizontes perdidos na forma de relatos, ensaios fotográficos, artigos, escritas performativas.
Assim, na construção de nossos próprios caminhos, desejamos que os textos possam compartilhar essas trajetórias com outrxs viajantes que vivem os mesmos desafios em outras paragens e que nosso seminário tenha sido fértil, intenso, inventando ideias, cavando brechas para ações e gerando micropolíticas em nossos campos de atuação no mundo!
Boa leitura e boa viagem!
Fraternalmente,
Paulina Maria Caon (Partilhas Teatrais em Extensão – UFU)
Dirce Helena Carvalho (Mestrado Profissional em Artes – UFU)
2. 02 03
Organizadoras: Paulina Maria Caon | Dirce Helena Benevides Carvalho
Oguatá: Anais do 2º. Seminário de Ensino e Aprendizagem em Teatro, 50º. Fórum
de Diálogos entre Professores de Teatro de Uberlândia e 1º. Seminário de Ensino e
Aprendizagem em Artes do Prof-Artes - Desafios do fazer artístico na Educação Básica
em tempos de diversidade e ruptura.
Diagramação e arte-final: Luana Oliveira | Criação e Arte da Capa: Luana Oliveira |
Coordenação de Produção dos Anais: Paulina Maria Caon e Dirce Helena Benevides
Cavalho | Comitê Científico: Dirce Helena Carvalho (UFU), Elsiene Coelho (UFU), João
Agreli (UFU), Luiz Eduardo Gasperin (UNICAMP), Luiz Humberto Arantes Martins
(UFU), Paulina Maria Caon (UFU), Roberta Mello (UFU), Wellington Menegaz (UFU),
Vilma Campos Leite (UFU).
Esta publicação faz parte das ações do projeto Partilhas Teatrais em Extensão, contemplado
pelo Edital REDEUFU/DIREC/PROEX/UFU – Nº 90/2016, do Programa de Formação
Inicial e Continuada de Profissionais da Educação Básica da Universidade Federal de
Uberlândia.
Coordenação Geral: Paulina Maria Caon | Equipe executora: Paulina Maria Caon, Luiz
Eduardo Gasperin, Wellynton Menegaz de Paula (Tom), Neibe Leane, Nélia Angélica
Araújo | Bolsistas: Felipe Augusto Lemes e Matheus Maia | A realização do Seminário
e dos Anais contou ainda com o apoio do Mestrado Profissional em Artes – UFU, da
FAPEMIG, Instituto de Artes – IARTE/UFU, Curso de Teatro, Laboratório de Práticas
Pedagógicas em Teatro – LAPET, Grupo de Estudos e Investigações Sobre Criação e
Formação em Artes Cênicas – GEAC, e todos os laboratórios do Curso de Teatro.
Agradecemos a todxs xs participantes e convidadxs
pela disponibilidade, presença e envio de textos para
o evento.
Axs estudantes, docentes, discentes e técnicxs do
Curso de Teatro e do Instituto de Artes, que apoiaram
a realização do seminário.
Ao financiamento da Pró-Reitoria de Extensão da UFU,
bem como ao acompanhamento cotidiano da Divisão
de Apoio à Educação Básica da Diretoria de Extensão,
especialmente a Melina, Adenísia e Stephannie.
Ao apoio do Mestrado Profissional em Artes da UFU e
à direção geral da UDESC.
Ao financiamento da FAPEMIG.
3. 04 05
De quando se chega tarde...
Dona está reclamando porque nós tamo’
chegando agora Dona está reclamando porque
nós tamo’ chegando agora Eu acho impossível,
dona. Eu acho impossível, dona. Sempre se
chegar na hora...
As ruas tem barranco, não se deve andar na
carreira, Um esbarra no outro, não podemos
trocar as passadas ligeira...
(toada de Boi)
Nossos seminários, nossas memórias, narradas nos Anais que
aqui apresentamos, parece que chegam atrasados, como na toada de
boi da epígrafe. É na e por meio da toada que aprendemos a entender
os diferentes momentos de nossa história. Acontece que os barrancos, as
pedras, as curvas (ou encruzilhadas) da estrada nos fizeram aprender, com
certeza sofrer um pouco e nos fizeram, esperamos, gozar mais o próprio
encontro.
O 1º. Seminário de Ensino e Aprendizagem em Teatro aconteceu
em 2014, no contexto do Projeto Partilhas, Ateliês e Redes de Cooperação
– aprendizagens teatrais na escola básica (financiamento FAPEMIG/
CAPES). Desde então, o cenário histórico-político de nosso país se alterou
radicalmente e as próprias conquistas de políticas públicas no campo
das Artes na Educação Básica foram abaladas. De mãos e pés na terra,
agarrados às raízes mais profundas, continuamos nossa jornada nesses
três anos, perambulando pelos barrancos, tentando reencontrar nossas
passadas, talvez menos ligeiras do que poderiam e deveriam ser.
Chegamos em 2017, com o apoio do Edital 090 para formação
continuada de professores da Escola Básica da PROEX-UFU, que deu
condições para viabilizar o curso Partilhas Teatrais em Extensão. Nessa
atmosfera intensa em que nos encontramos é que resolvemos juntar
forças com o Mestrado Profissional em Artes da UFU para realizar nosso
4. 06 07
encontro: 2º. Seminário de Ensino e Aprendizagem em Teatro, 50º. Fórum
de Diálogos entre Professores de Teatro de Uberlândia e 1º. Seminário
de Ensino e Aprendizagem em Artes do Prof-Artes –Desafios do fazer
artístico na Educação Básica em tempos de diversidade e ruptura.
Com as tensões que se manifestam em diferentes campos de
conhecimentoedaspolíticaspúblicasnacionais,principalmentenoquediz
respeito ao desmonte da arte em escolas de Educação Básica, acreditamos
que as ações de ensino, pesquisa e extensão com natureza colaborativa, a
tessitura de redes e o encontro corpo-a-corpo entre estudantes e docentes
dos diferentes níveis de ensino configuram táticas para assegurar o ensino
e aprendizagem em Artes, disseminar conhecimentos, recriar ambientes,
reinventar estruturas e, por fim, viver encontros significativos com nossos
pares, celebrando (em vez de aniquilar) a diversidade e a diferença.
Os textos que aqui se apresentam delineiam uma paisagem
por onde podemos caminhar, (re)conhecendo percursos de docentes,
estudantes egressxs da UFU, estudantes chegadxs de outras universidades,
atualmente professorxs da escola básica e pós-graduandxs em nossos
programas, com pesquisas em andamento ou concluídas. Na paisagem
aparecem: as políticas vinculadas à Educação para as Relações Étnico-
raciais, para a Educação Especial e Inclusiva, as práticas voltadas para
disseminação da diversidade da arte contemporânea no contexto da escola
básica. Elas são também as curvas e encruzilhadas, dessa vez, desvelando
novos horizontes ou reinventando os horizontes perdidos na forma de
relatos, ensaios fotográficos, artigos, escritas performativas.
Assim, na construção de nossos próprios caminhos, desejamos
que os textos possam compartilhar essas trajetórias com outrxs viajantes
que vivem os mesmos desafios em outras paragens e que nosso seminário
tenha sido fértil, intenso, inventando ideias, cavando brechas para ações e
gerando micropolíticas em nossos campos de atuação no mundo!
Boa leitura e boa viagem!
Fraternalmente,
Paulina Maria Caon (Partilhas Teatrais em Extensão – UFU)
Dirce Helena Carvalho (Mestrado Profissional em Artes – UFU)
5. 08 09
Adriana Moreira Silva
A (Des) Construção do Caos para a Potencialização das Experiências
Estéticas Dentro do Espaço Escolar............................................................. 10
Camila Ribeiro do Nascimento
Conteúdos Étnico-Raciais e Ensino de Arte na Rede Municipal de
Uberlândia...................................................................................................... 19
Cristiane Cândida
Ensino de Arte: entre identidades e diversidades, possibilidades para
enfrentar o bullying....................................................................................... 30
Daiane Aparecida Costa
Intervenções Performáticas: ensaio fotográfico das trilhas docentes com
teatro no Ensino Médio................................................................................. 42
Darlene Maria Medeiros Garcêz Cunha
Isso Tudo Acontecendo e Eu Aqui Parada Dando Milho aos Pombos... 58
Fabiana Aparecida Goulart Fonseca
Diversidade Racial: a leitura de imagens das obras de Heitor dos Prazeres
por estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental........................ 65
Flaviane dos Santos Malaquias
O Reflexo da Educação que Recebi na Educação que Ofereço................ 75
Gleuter Alves Guimarães
Espelho e Jardim de Inverno - lugares de atravessamentos: “Tia Paloma”
construindo jardins de vida e utopias na escola........................................ 86
Lanamarcia da Silva Bianchi
Livro de Artista: uma experiência em sala de aula.................................... 96
Leandro Sousa Alves e Cleber do Couto Freitas Junior
Devir- ciborgue: enfrentamento, autonomia e ciberespaço no ambiente
escolar............................................................................................................ 110
Luís Müller Posca
Do Tradicional ao Moderno: Rupturas entre a Discência e a Docência do
Ensino de Arte na Educação Básica.......................................................... 121
Luiz Eduardo Rodrigues Gasperin
Ensaio para uma Criança-protagonista ou (Des)Fazer do Adulto-
professor-proponente.................................................................................. 130
Marcia Inês da Silva
A Poética do Bordardo: interculturalidade e identidade no ensino de
Artes Visuais................................................................................................. 141
Maria Aparecida da Silva Machado
Incluir com Arte ou a Arte de Incluir: parangolando na escola, uma
experiência inclusiva................................................................................... 154
Massuel dos Reis Bernardi
Corpo Mais - Fotografia No IE CIEP 179: ensaio visual/fotográfico como
parte da pesquisa sobre a corporeidade dx normalista em formação....164
Nélia Angélica de Araújo
A Imagem Corporal no Autorretrato para Alunos com Deficiência
Intelectual..................................................................................................... 185
Paulina Maria Caon e Getúlio Góis Araújo
Espaço do Caminhar: uma experiência com audiotour em espaço
escolar....................................................................................................... 197
Roberta Liz de Queiroz Sousa de Deus
O Estado-de-jogo no Encontro com Crianças na primeira infância.... 207
Sergio Naghettini
Ensino de Arte e Ruralidade: reflexões e apontamentos interculturais... 218
Sônia Maria Ferreira
Brincadeira e Aprendizagem...................................................................... 228
Vilma Campos dos Santos Leite
Máscaras de Paucartambo: pequena narrativa de uma festa ................ 241
Viviani Patrícia Pimenta Amaral
Autorretrato como construção da identidade: uma ação educativa em
artes visuais para o ensino fundamental .................................................. 252
6. 10 11
A (DES) CONSTRUÇÃO DO CAOS PARA A POTENCIALIZAÇÃO
DAS EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS DENTRO DO ESPAÇO
ESCOLAR.
Adriana Moreira Silva1
RESUMO
A partir das minhas experiências estéticas realizadas com crianças de 2
a 6 anos de idade dentro de diversos espaços escolares, tenho percebido
a necessidade de investigar a relação que essas práticas estabelecem
com o modo singular da criança em se relacionar com criação artística.
Percebe-se que existe uma lógica de desorganização, de turbulências e de
instabilidades que se fazem presentes em tais experiências. Essa lógica
aponta para alguns princípios presentes na Teoria do Caos, que, desse
modo, nos direciona para uma inegável relação do modo de organização e
de elaboração estéticas das crianças com a Teoria do Caos. Por que ainda
se percebe o caos como um incômodo nos processos criativos? A teoria
do Caos que explica os processos complexos e dinâmicos encontra nas
experiências estéticas um inacreditável campo aberto ao caótico.
PALAVRAS-CHAVE: caos, processo criativo, espaço escolar.
Essa pesquisa acerca da relação dos processos criativos com a
Teoria do Caos teve início em 2011 durante as investigações vinculadas à
pesquisa de Mestrado, cujo enfoque foi o estudo acerca das teatralidades
contemporâneas dentro do espaço escolar. Nesse momento foi
desenvolvido um processo criativo a partir dos conceitos dos viewpoints
com um grupo de adolescentes. Ao analisar esse processo o meu olhar
recaiu sobre alguns aspectos presentes na Teoria do Caos, e que foram
analisados e discutidos no decorrer da dissertação de mestrado2
.
Recentemente o contato com o livro Fazer e pensar arte da arista
dinamarquesa Ana Marie Holm tem aguçado meu olhar para as práticas
criativas com crianças. Nesse referido livro, a partir de suas experiências
1 Universidade Federal de Uberlândia-, Professora Colaboradora no Mestrado Profis-
sional em Artes. Projeto. Membro do Coletivo Teatro da Margem. Professora de Teatro
nas seguintes instituições de ensino: Snoopy Hotel Escola e Colégio Marista Champagnat
de Uberlândia.
2 Mestrado realizado junto ao Programa de Artes da Universidade Federal de Uber-
lândia. Dissertação: Memórias Em Quedas: os viewpoints como prática pedagógica na
educação básica.
em um ateliê de artes, a artista traz relatos do potencial criativo que
envolve as ações das crianças. Ela desenvolve ações a partir de instalações
e explorações de materiais inusitados sobre seus diferentes e variados
aspectos, a fim de permitir que as crianças criem à sua própria maneira
suas histórias, situações e experiências estéticas.
Esse modo de pensar e fazer arte com crianças me fez iniciar em
2014 uma prática em que eu denominei de Experimentação de texturas.
Dentro das escolas nas quais eu tenho perpassado, essa prática têm me
permitido explorar a poética, as linguagens e as estéticas que surgem da
relação entre corpo, espaço e as interferências que materiais inusitados
podem trazer para o processo de criação cênica ou estética da criança.
Em uma perspectiva de uma prática artístico-pedagógica, venho
delineando um modo particular de estruturar as aulas de teatro dentro
das escolas de educação básica, tendo como norte ou ponto de partida a
presença dos mais variados materiais: tecidos, papel kraft, folhas secas,
copos descartáveis, algodão, objetos de cozinha (garfos, vasilhas, panelas),
caixas de papelão, plástico bolha, papel crepom, retalhos de tecidos e
tantos outros que permitem em muitos momentos o aparecimento de
imagens, de situações, de narrativas, de instalações, de performances, ou
seja, de construções estéticas que de algum modo convergem ou me leva
a pensar e constatar a presença de um modo caótico em se fazer teatro.
É uma prática de caráter improvisacional, onde a criança afeta
e é afetada de acordo com as relações que ela mesma estabelece consigo,
com o outro, com as novas materialidades inseridas no espaço da sala de
aula. Desse modo perpasse-se pelos conceitos de escuta extraordinária e
resposta sinestésica empregados por Bogart (2017), bem como o olhar
lúdico trazido por Soares (2010). São conceitos cujos apontamentos
referem-se a uma capacidade dos atuantes perceberem seus entorno de
modo sensível, permitindo que as informações ao seu redor lhe cheguem
através de todo o corpo de maneira sensível, estética e poética.
E nesses momentos o intuito é cada vez menos intervir, porém,
sem deixar de investigar conjuntamente e experimentar toda essa
7. 12 13
potencialidade criativa do caos. Percebo que tais formas de se relacionar
e de criar arte precisam e merecem ser aprofundadas visto que, não
se trata somente de mais um momento lúdico, mas refere-se a uma
dimensão estética que é elaborada pelas crianças e, como tal, necessita
de enfrentamentos e de diálogos para se tornarem significativas diante
do modo como o ensino de teatro é proposto para crianças nas escolas de
educação básica.
Enquanto performer eu identifico elementos de distintas
linguagens artísticas. Poder-se-ia afirmar com toda convicção que o
que surge nos momentos de Experimentação de texturas é um modo
peculiar das crianças contarem e criarem suas histórias, visto que se pode
identificar a presença de uma narração que é construída pelas sonoridades
e oralidades; de memórias que se vinculam a fatores do cotidiano ou
ainda da integração de corpo/voz que permitem instaurar e construir os
fatos, ou seja, as crianças estão ali construindo a seu modo suas próprias
narrativas.
Há muitos - e eu mesma já assim considerei- que afirmariam
categoricamente que as crianças estão criando a partir do jogo. Segundo
Bertoni (2012), o jogo dramático infantil apontado por Peter Slade, traz a
ideia de que a criança já traz desde o seu nascimento potencialidades que
a permite experienciar atividades espontâneas, lúdicas e prazerosas. Isto é,
Slade vê no jogo dramático a possibilidade do atuar como se de fato aquilo
fosse inerente aos seres humanos.
Poderia, eu, então, concluir que venho me debruçando sobre os
jogosdramáticos? Atépoderia,sediantedessasexperiênciasnãomesaltasse
aos olhos a capacidade performática ou performativa das proposições
estéticas das crianças. Não há apego ao que se cria, a criança repete ações
e as abandona com facilidade. Ela modifica o objeto e objeto a modifica
em suas formas de fazer e contar as experiências vivenciadas. Não se fixa
a um personagem, tão pouco as regras, ela sabe o que está fazendo, o que
está propondo e é capaz de manter-se em estado de presença, entrando e
saindo do jogo instaurado, criando pontes de diálogos e fricções entre o
real e o ficcional.
E nesse sentido, poder-se-ia perceber que nessas aulas de teatro
tais aspectos mencionados, comporiam, também, a ideia da Arte da
Performance. Por isso, é preciso admitir que exista algo na prática com
crianças que apontam para o contemporâneo. E é sobre esse aspecto do
contemporâneo, talvez por ser o fato mais contundente e dialógico com
a atualidade, que eu, enquanto pesquisadora vejo a possibilidade de
aprofundamento, a fim de definir e nomear esse novo modo de se inserir
e de se relacionar com essas novas experiências estéticas. Não se pode
negar que o modo da criança apreender o que está a sua volta é outro,
mais caótico, mais desorganizado, mais simultâneo, mais híbrido e nem
por isso menos significativo.
É preciso encontrar um conceito que operacionaliza o que de fato
são tais experiências estéticas vivenciadas atualmente nas aulas de teatro
com crianças e analisar o impacto que isso gera dentro das instituições de
ensino. É justamente por essa real necessidade, pela dificuldade ou falta de
um conceito que operacionalize tais práticas e processos acerca da criação
em teatro com crianças que essa investigação se torna uma necessidade
emergente para o campo da pedagogia do teatro.
O caminho que tem sido apontado perpassa, delineia ou indica
uma intrínseca relação entre as experiências estéticas e a Teoria do Caos. A
professora Patrícia Fagundes (2010) considera o caos enquanto alguns “...
sistemas dinâmicos não lineares, distantes do equilíbrio e muito sensíveis
às condições iniciais, que possuem a capacidade de auto-organização”
(Fagundes, 2010, p. 01). A professora enumera alguns princípios que
podem afetar e interferir diretamente nos “conceitos, ideias e imagens que
colaboram na composição de novos mecanismos para pensar o mundo e
a própria criação teatral”. (Fagundes, 2010, p. 01) São estes: a sensibilidade
das condições iniciais; os sistemas distantes do equilíbrio; o princípio da
incerteza; o princípio de complementaridade e a relação com a física de
Lucrécio
Não é raro, as vezes que sinto a presença de um caos instaurado
nas aulas de teatro, principalmente, quando estas estão calcadas nas
práticas de Experimentação de textura. Os princípios da teoria do caos se
8. 14 15
entrelaçavam com a estrutura daquelas experiências estéticas, do mesmo
modo, que as práticas teatrais crianças também apontam para outra lógica
de organização/estruturação das práticas teatrais. Por que escondemos
o caos dentro dos ambientes escolares? Por que ainda se percebe o caos
como um incômodo e/ou desconforto diante dos processos criativos ou
de ensino/aprendizagem?
O cotidiano da sala de aula pouco ou nada considera a esse
respeito. A tendência de se aprisionar na organização, nas regras e na
vigilância imposta por muitas escolas, nega toda e qualquer potencialidade
que possa existir para além do que é conhecido, e isso, dento do âmbito
escolar se torna limitador das experiências artísticas de professores e
crianças. Se a sala de aula passa a ser compreendida como um campo
caótico por natureza, o professor passa a olhar para o próprio papel que
ocupa, ou seja, resinifica as relações de hierarquias e constrói outra forma
de intervir e interagir com os processos dos alunos.
O caos na sala de aula, nada tem a ver com mal planejamento, e
sim, com situações que são afetadas constantemente e, que, por isso, estão
distantes de certezas tão absolutas. É desse, modo, que serão construídas
o que Holm (2005) denomina de narrativas sublimes. Essas narrativas
são possíveis de acontecer quando o adulto passa a ver nas entrelinhas as
possibilidades que as crianças apresentam diante dos materiais. Em seu
ateliê, a artista compreende o desenvolvimento da criação artística com
crianças a partir de experimentações que se baseiam na convivência e no
despertar de interesses pelos objetos que estão ao redor. Ela sugere que
arte surja de onde menos se espera, por isso, o que precisa ser modificado
é o sentido que se dá a presença do adulto nos ambientes criativos.
Em suas pesquisas Marina Marcondes Machado (2010) já
apontara para o potencial criativo da criança ao debruçar-se acerca da
relação performance e criança. Ela lança seu olhar para a performatividade
como algo presente cotidianamente na vida das crianças. Para a autora
o modo como a criança se organiza dentro de uma aula de teatro (em
sua relação com tempo/espaço) está intrinsecamente ligada a sua vida
cotidiana, conferindo, desse modo, um caráter performativo e uma
aproximação com a cena contemporânea, sem que o professor se veja na
função de reparar, consertar ou melhorar o que as crianças já trazem de
suas próprias experiências.
Essas ideias de Machado (2010) acerca da performatividade
da criança, bem como, as de Holm (2007) sobre as narrativas sublimes
reforçam a ideias de ser possível realizar uma prática artística dentro dos
ambientes escolares em que se encontre respaldo na ação/relação que a
criança estabelece com o mundo. O que parece estar em foco é a aceitação
de que os eventos cotidianos da sala de aula já acontecem repletos de
sentidos para quem faz e para quem observa e, isso, lhe confere uma
determinada qualidade estética e poética.
Celso Luiz de Araujo Cintra diz que o caos, “seria o estado de
coisas anterior ao surgimento do mundo”, (CINTRA, 2010, p.310) ou
seja, é o momento que antecede a criação, em que o mundo estava, então,
tomado pela escuridão, pelas não definições entre as espécies e pelos
elementos constituintes da matéria. Porém, o sentido aqui empregado ao
Caos, trata-se de considerar o caos não como um momento que antecede
a criação ou que perturba os atos criativos, mas como já sendo o cerne do
próprio ato criador, ou seja, é a partir dele que a experiência estética se
configura enquanto uma possibilidade criativa e libertadora dentro das
escolas.
Mas como estabelecer e criar essa outra relação entre o caos e
os processos criativos dentro do espaço escolar? De que modo é possível
conduzir os princípios da teoria do caos em favor de processos criativos?
Assumir essa nova perspectiva poética e criativa na sala de aula é também
para o professor permitir uma investigação profunda acerca do seu “estar
em sala de aula” e o modo que esse ambiente e suas relações contribuem
para o desenvolvimento do seu trabalho.
É preciso, fundamentalmente, entender que dentro dessa
perspectiva o professor modifica o papel que ocupa. Acredito que o
professor tenha ações performativas, mais do que planejamentos bem
estruturados. Eleonora Fabião (2009) aponta que as performances são
9. 16 17
práticas que ampliam as maneiras de pensar a arte contemporânea e de agir
em seus contextos. As ações performativas são “... maneiras alternativas de
lidar com o estabelecido, de experimentar estados psicofísicos alterado, de
criar situações que disseminam dissonâncias diversas...” (Fabião, 2008, p.
237).
Percebe-se nas ideias da autora não uma tentativa de nomear ou
criar nomenclaturas para a performance, mas de considerá-la uma “zona
de desconforto”, por isso, ela aponta quinze tendências dramatúrgicas
gerais da performance e deixa claro que o intuito não é engendrar
princípios classificatórios, mas que trata-se de reconhecer e investigar
algumas tendências que apontam, essencialmente, para a relação entre
sujeitos e objetos envolvidos.
Baseado nas tendências dramatúrgicas apontadas por Eleonora
Fabião (2009), destacam-se àquelas que mais se aproximam e dialogam
com a proposição do ensino como performance:
“[...]o desinteresse em performar personagens fictícios
e o interesse em explorar características próprias; o
curto-circuito entre arte e não-arte; a ritualização
do cotidiano e a desmistificação da arte; a ampliação
da presença, da participação e da contribuição
dramatúrgica do espectador; a aproximação e fricção
de elementos de distintas naturezas ontológicas e
aguda simplificação de materiais, formas e ideias num
namoro evidente com o minimalismo [...]. (FABIÃO,
2009, p.239).
A partir dessas tendências o professor pode de maneira mais
concisa compreender as possibilidades mutáveis e não lineares da
criança de repensar o mundo. Ele dialoga com o fictício, pois permite
que a pessoalidade seja parte da criação; não distingue a qualidade de
estéticas e linguagens, mas compreende a experiência como um todo e
se utiliza de todas as possibilidades materiais e corpóreas para escapar da
regulamentação formal e do senso comum.
O que interessa para a pesquisa nesse momento, portanto, é mergulhar
no universo da sala de aula, a fim de que esse espaço seja considerado
enquanto uma possibilidade latente para a criação e para a elaboração
estética, além, de ser capaz de permitir que o professor esteja no espaço
escolar também com um olhar de performer que atuará e (re) criará
perspectivas estéticas dentro e fora do espaço escolar.
Ao modificar a práxis em sala de aula será possível identificar um
modo particular de a criança elaborar a linguagem artística e os discursos
estéticos. Muitos elementos presentes na relação da criança com a arte
evidenciam um grau de desordem, de imprevisibilidade, de turbulências e
de instabilidades que dialogam com os princípios da teoria do caos, e que,
ao contrário do que possa parecer, surgem para potencializar, alterar e (re)
significar as práticas poético-estéticas, bem como, enriquecer os processos
de ensino e aprendizagem em teatro. Vê-se, então, que é necessário
investigar, criar ou desenvolver uma perspectiva que desconstrua e (re)
construa o modo como se estrutura as aulas de teatro e as experiências
estéticas com crianças dentro do espaço escolar. E, para tal, seria o caos
o dispositivo disparador de tais novas perspectivas acerca do ensino e da
criação artística.
De que modo o caos, um elemento tão conflitante para o
ambiente escolar, pode contribuir na elaboração de processos criativos
e nas experimentações poético-estéticas presentes nas aulas de teatro
com crianças de 2 a 6 anos de idade? É a partir dessa investigação acerca
da teoria do caos que se espera entender e formular um diálogo prático
e conceitual acerca do modo como a criança constrói seus discursos
estéticos e poéticas dentro do espaço escolar.
REFERÊNCIAS
BOGART, Anne. LANDAU, Tina. O livro dos viewpoints: um guia prático
para viewpoints e composição. Tradução de Sandra Meyer. São Paulo:
Perspectiva, 2017.
CINTRA, Celso Luiz de Araujo. Imponderável: as composições de acaso
e suas influências na composição musical contemporânea. OuvierOUver,
10. 18 19
v 6, n. 2, p. 302-319. 2010.
FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena
contemporânea. Sala Preta, v.08, p. 235-246. 2009.
FAGUNDES, Patrícia. Caos e criação processos de ensaio. In: VI
Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. 2010. https://
ciarustica.files.wordpress.com/2015/04/patrc3adcia-fagundes-caos-e-
processo-de-ensaios.pdf. Acesso em 22/10/2017.
HOLM, Ana Marie. Fazer e pensar arte. Tradução de Ana Angélica
Albano, Du Moreira. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo,
2005.
______________. Baby Arte: os primeiros passos com a arte. Tradução
de Karina Dandanell, Miriam Modesto. São Paulo: Museu de Arte
Moderna de São Paulo, 2007.
MACHADO, Marina Marcondes. A criança é performer. Educação e
Realidade, v.35, n.02, p.115-137.2010.
SANTOS, Vera Lúcia Bertoni dos. Shakespeare enfarinhado: estudos
sobre teatro, jogo e aprendizagem. São Paulo: HUCITEC, 2012.
SOARES, Carmela. Pedagogia do jogo teatral: uma poética do efêmero:
ensino do teatro na escola pública. São Paulo: Hucitec, 2010.
PINEAU, Elyse Lamm. Nos Cruzamentos entre a Performance e a
Pedagogia: uma revisão prospectiva. Educação e Realidade, p. 89-110,
v.35, n.02, 2010.
CONTEÚDOS ÉTNICO-RACIAIS E ENSINO DE ARTE NA REDE
MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA.
Camila Ribeiro do Nascimento1
RESUMO
Pensando na possibilidade de construção de conhecimentos que
contribuirão de forma efetiva para a produção e a reflexão dos saberes e
das práticas de ensino das artes visuais no contexto da educação básica,
tendo como pano de fundo a Lei 10.639/03, colocamos como norte desta
pesquisa o seguinte questionamento: como os professores de Artes que
atuam na educação básica têm elaborado práticas pedagógicas diante dos
conteúdos étnico-raciais obrigatórios no ensino das artes visuais a partir
da implementação da Lei 10.639/03? Isso com o objetivo geral investigar
estapráticadocente.Apesquisaapresentaumaabordagemqualitativacom
estudo de casos múltiplos. Utilizamos como referências neste primeiro
momento os documentos legais LDB, RCNEI e a Lei 10.639/03 e autores
como, Yin, Rocha e Araújo, Sant’Ana e Marques e Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Racismo, Lei 10.639/2003, Artes Visuais e Prática
Pedagógica.
Sou professora da Educação Infantil há seis anos, atuando na rede
municipal da cidade de Uberlândia (MG) e tenho como formação inicial
a Pedagogia. Não tenho formação específica na área das Artes Visuais, o
que acredito ser um pesar, visto que considero a Arte uma importante
disciplina para o desenvolvimento intelectual e social das crianças.
Pelo exposto é importante considerar que no ano de 1998 foi criado o
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI),
constituídodeumacoleçãodetrêsvolumes.Aapresentaçãododocumento
explica que o volume 1 (um) traz uma introdução e reflexão sobre “creches
e pré-escolas no Brasil, situando e fundamentando concepções de criança,
de educação e de instituição profissional que foram utilizadas para definir
1 Universidade Federal de Uberlândia-MG(UFU). Mestranda do Programa PROF-
ARTES. Pesquisa em andamento. Linha de Pesquisa: Processos de ensino, aprendizagem
e criações em Artes. Orientadora: Profª. Dra. Mara Lucia Leal e Co-orientadora: Profª.
Dra. Elsieni Coelho da Silva. Bolsa de fomento-CAPES. Professora da Educação Básica
na Rede Municipal de Uberlândia-MG.
11. 20 21
os objetivos gerais da educação infantil” (p.07). O volume 2 (dois) –
denominado Formação Pessoal e Social, aborda os eixos de trabalho com
as crianças na construção da Identidade e Autonomia. Já o volume 3
(três), Conhecimento de Mundo contém seis documentos referentes aos
eixos de trabalho orientados para a construção das diferentes linguagens
pelas crianças e para as relações que estabelecem com os objetivos do
conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e
Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. (MEC/SEF, 1998).
Segundo o RCNEI, esses volumes pretendem contribuir para o
planejamento, desenvolvimento e avaliação de práticas educativas que
considerem a pluralidade e a diversidade étnica, religiosa, de gênero, social
e cultural das crianças brasileiras, favorecendo a construção de propostas
educativas que respondam às demandas das crianças e seus familiares nas
diferentes regiões do país.
Conforme estabelecido no volume 3 (três) do RCNEI,
Conhecimento de Mundo, “as Artes Visuais são linguagens e, portanto,
uma das formas de expressão e comunicação humanas, o que, por si só,
justifica sua presença no contexto da educação, de um modo geral, e na
educação infantil, particularmente.” (p.85).
Apesar de o RCNEI ser um documento legal, que como o próprio
nome diz é uma referência que orienta os eixos curriculares da educação
infantil, ele não tem conseguido garantir que as diferentes linguagens da
arte tenham o mesmo valor acadêmico como a linguagem oral e escrita.
Podemos comprovar essa assertiva na própria distribuição da carga
horária nas escolas de educação infantil em Uberlândia, a qual destina um
horário de 50 minutos para o eixo de Artes Visuais e dois horários de 50
minutos para o eixo Música, sendo o restante da carga horária para eixos
que são considerados como mais relevantes para a construção do processo
de ensino e aprendizagem.
Como professora da educação infantil, vejo que o trabalho com
a Arte é fundamental nessa modalidade de ensino, e que apesar dos
referenciais expostos, o trabalho desenvolvido com Artes Visuais ainda
não está estruturado de forma a atingir os objetivos desse eixo, pois como
professores/pedagogos tivemos pouca formação de conteúdos artísticos.
Dessa forma, constato diariamente que as Artes Visuais fazem parte do
cotidiano escolar das crianças, mas infelizmente, percebo que muitas
vezes são vistas apenas como um suporte para as outras disciplinas,
não sendo trabalhadas como linguagem e área de conhecimento. Além
desse pouco espaço na educação infantil, deparo-me também com a
questão do despreparo do professor para desenvolver o trabalho com as
Artes Visuais devido a pouca ou nenhuma formação específica, como é
o meu caso. Apesar de diversos saberes que a formação em Pedagogia
me proporcionou, acredito que ainda faltem as especificidades que a
Arte requer para a eficiência do processo de ensino-aprendizagem nesse
campo.
Durante esse tempo de docência sempre atuei na sala de aula
como professora Regente, trabalhando com os eixos considerados mais
relevantes dentro da escola. No entanto, no ano de 2015, por escolha
pessoal, resolvi assumir pela primeira vez o cargo de Professora Regente
2 (R2) na escola em que atuo. Na rede Municipal de Uberlândia, esse
profissional tem entre suas atribuições desenvolver atividades relacionadas
aos eixos de trabalho da base nacional comum que são: movimento, artes
visuais e música e a parte diversificada, como culturas regionais e locais.
Essas atribuições vieram com a Lei nº. 12.796, de 4 de abril
de 2013, que altera a LDB Nº. 9.394/96, em que as crianças de 4 anos
devem ser matriculadas na Educação Infantil. Com essa alteração a
Educação Infantil passa a fazer parte da Educação Básica e, como uma das
consequências, os seus currículos, do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio devem ter uma base nacional comum, a ser contemplada em cada
sistema de ensino, e uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.
No ano de 2016, como mencionado acima, esses eixos sofreram
alterações em seus nomes, e são denominados agora de movimento, artes
visuais, música e culturas regionais e locais, mas contemplam basicamente
os mesmos temas.
12. 22 23
Nesse sentido, fiz diversas reflexões a respeito da didática de como
que fazíamos na escola em relação às artes, se era realmente o que era
proposto nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB nº. 9.394/96 e
nos RCNEIs. Cheguei à conclusão de que estávamos até desenvolvendo o
trabalho de artes na escola, mas de forma desarticulada e atropelada pelas
datas comemorativas que são sequenciadas e tão cobradas na Educação
Infantil.
Segundo Marques e Brasil (2014, p. 105), o ensino de Arte não
serve somente para preencher os espaços vazios do currículo ou do dia
dos estudantes. O ensino de Arte não se configura por um apanhado de
atividades mal alinhavadas, mesmo que motivem e alegrem os estudantes
carentes de “vida”, cidadania e liberdade.
Percebi assim, que esse trabalho desarticulado não trazia
benefícios às crianças e muito menos ao seu desenvolvimento educacional.
Compreendi, também, que o fato de ser pedagoga não era o bastante
para ensinar a Arte de forma pedagógica na escola, cumprindo todas as
exigências e fundamentos que possui esse eixo de trabalho.
Uma questão que me incomodava dentro da escola era quando
se aproximava o mês de novembro e era designado ao Professor R2
desenvolver trabalhos com o tema da consciência negra, devido à
obrigatoriedade da Lei 10.639/03, mesmo sem ter nenhuma formação a
respeito do tema. Outra questão relevante é o fato dos trabalhos serem
expostos em uma Feira Cultural, que acontece na escola devido à data do
dia 20 de novembro, que apesar de ser um dos conteúdos obrigatórios,
eram realizadas atividades de forma desarticulada pela maioria dos
professores.
No decorrer do 2º semestre do ano de 2016, quando fui
fazendo algumas leituras, surgiram alguns questionamentos diante da
obrigatoriedade da Lei 10.639/03: a responsabilidade do Município de
Uberlândia sobre essa legalidade, e como os profissionais da educação
estavam desenvolvendo suas práticas no cotidiano escolar.
Diante das questões levantadas, estamos desenvolvendo uma
pesquisaemrelaçãoàspráticasdidáticaspedagógicasdeconteúdosétnico-
raciais realizadas por professores especialistas em Arte na Educação
Básica. Em um primeiro momento, pensamos apenas em professores
que ministram essa disciplina e que trabalham na educação infantil, no
entanto, decidimos estender aos docentes do ensino fundamental, na
perspectiva de ampliar o material de pesquisa para a análise das práticas
pedagógicas desses profissionais, uma vez que também corríamos o risco
de não encontrar tantos professores atuando nessa modalidade, devido ao
fato do pedagogo assumir esse eixo na educação infantil na maioria das
escolas municipais de Educação Infantil (EMEI).
É sabido que nosso meio social é marcado por desigualdades
que se apresentam em todas as esferas da sociedade brasileira, e por
consequência, também na área da educação e em todas as etapas de ensino.
O racismo é um fenômeno estrutural da nossa sociedade, e a luta por
sua superação é importante para a construção de novos tipos de relações
sociais. Acreditamos que essas relações são construídas e reconstituídas
desde a educação infantil e vão se perpetuando ao longo do processo de
escolarização.
Vivemos em uma sociedade constituída por diferentes grupos
étnico-raciais, que em termos culturais são muito ricos, e se apresentam
com uma grande diversidade. Apesar disto, sua história é marcada por
desigualdades e discriminações contra os negros, criando barreiras
políticas, sociais e econômicas a eles.
A Lei 10.639/03, que institui a obrigatoriedade do ensino da
História e Cultura Afro-Brasileira, é uma possibilidade na perspectiva
de superação desses mecanismos ideológicos que dão sustentação às
desigualdades raciais e sociais no Brasil, desde que suas diretrizes sejam
implantadas e trabalhadas adequadamente.
Contudo, após a criação dessa lei, que consequentemente
modificou a Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),
ocorreu uma nova alteração com a aprovação da nova Lei 11.645/2008,
13. 24 25
que inclui como obrigatório também o ensino da cultura indígena.
Ciente dessa alteração, e dos fatos acima mencionados, esta
pesquisa terá como abordagem principal as relações étnico-raciais com
ênfase na Lei 10.639/03, que regulamenta uma nova formatação curricular
da Educação Básica, tendo como temática a História e Cultura Africana e
Afro-Brasileira. Dessa forma, Rosa afirma que é preciso
O reconhecimento do espaço de pertencimento
étnico, de consciência das diferenças presentes entre
os sujeitos, é ferramenta de emancipação social. A
percepção da arte como prática histórico-cultural
repleta de significados e significação político-social
auxilia no processo de conhecimento das populações
que ainda estão fora das tecnologias de fruição e
produção de arte nas instituições culturais. Isto quer
dizer, na atualidade, o sistema das artes inicia um
processo de abertura lenta para ampliar o próprio
conceito de arte. (2008, p.31-32).
Sendo assim, essas colocações relativas à obrigatoriedade da
legislação em se desenvolver práticas pedagógicas em Artes com os
conteúdos étnico-raciais e os problemas vivenciados por mim atualmente,
como o incômodo do trabalho desarticulado com as especificidades
também do fazer artístico em artes visuais, nos conduziram ao interesse
pelatemáticasobreossaberes,osprocessosdeensinoeaspráticasdocentes
desse universo. Como ferramenta de pesquisa utilizamos a Lei 10.639/03
embasando as práticas pedagógicas de arte visual na educação básica nas
escolas municipais da cidade de Uberlândia, bem como os objetivos desta
investigação.
Pensando na possibilidade de construção de conhecimentos que
contribuirão de forma efetiva para a produção e a reflexão dos saberes e
das práticas de ensino das artes visuais no contexto da educação básica,
tendo como pano de fundo a Lei 10.639/03, colocamos como norte desta
pesquisa o seguinte questionamento: como os professores de Artes que
atuam na educação básica têm elaborado práticas pedagógicas diante
dos conteúdos étnico-raciais obrigatórios no ensino das artes visuais a
partir da implementação da Lei 10.639/03? Isto posto, considera-se essa a
questão central desse estudo e que impulsiona também outras indagações.
Considerando o percurso dinâmico da pesquisa elaboramos
questões para serem levantadas e analisadas durante o percurso desta
dissertação, tendo como questão central: 1 - Como os professores de artes
têm trabalhado didaticamente os conteúdos étnico-raciais na Educação
Básica? Esse questionamento provocou outras três questões derivadas,
que também nortearão a pesquisa em sua problemática central: 1.1 -
Como o professor de artes interpreta a Lei 10.639/03, as demandas sociais,
educacionais e formativas no trabalho docente de conteúdos étnico-raciais
na Educação Básica? 1.2 - quais as motivações dos professores de artes que
trabalham com os conteúdos étnico-raciais na Educação Básica da Rede
Municipal de Ensino de Uberlândia? 1.3- Como os professores de artes
têm desenvolvido o trabalho docente na definição de temas, conteúdos,
referenciais teóricos, artísticos e metodologia de ensino de conteúdos
étnico-raciais na Educação Básica?
Acreditamos que o desenvolvimento desta pesquisa irá contribuir
para minha formação, expandido as possibilidades das minhas práticas
pedagógicas como professora da educação infantil.
Desse modo, este trabalho acadêmico tem como objetivo geral
investigar a prática docente dos professores de Artes e o modo como eles
trabalham os conteúdos étnico-raciais na educação básica do município
de Uberlândia.
Comoobjetivosespecíficosficaramestabelecidos:1-compreender
a obrigatoriedade da Lei nº.10.639/03 e os conteúdos étnico-raciais ; 2 -
identificar os professores de Arte Visuais que trabalham com os conteúdos
étnico-raciais; 3- apresentar as etapas metodológicas que foram realizadas
durante esta pesquisa; 4- mapear e analisar as práticas pedagógicas
desenvolvidas pelos professores de Arte da rede Municipal de Uberlândia
a partir da Lei 10.639/03
14. 26 27
Diante dos objetivos propostos, buscaremos verificar se
há valorização e efetivação de relações étnico-raciais e se ocorre
verdadeiramente uma educação multiculturalista da cultura afro-
brasileira e africana, não apenas nas salas de aula, mas em todos os
espaços das instituições escolares, em conformidade com a legislação
mencionada.
A pesquisa está em andamento, sendo desenvolvida com
professores da rede dessa cidade. Primeiramente, foi aplicado um
questionário com a intenção de selecionar os professores que trabalham
com os conteúdos étnico-raciais, para posteriormente fazer um
levantamento dos possíveis docentes que realizariam entrevista semi-
estruturada.
Esta pesquisa privilegia a abordagem qualitativa de pesquisa
educacional, pois possibilita aos investigados uma visão ampla do objeto
estudado e seu envolvimento com a realidade social, política, econômica
e cultural. A abordagem qualitativa não se resume aos aspectos
superficiais e limitados, permite considerar e respeitar a subjetividade
dos sujeitos da pesquisa, e por isso escolhemos trabalhar com o método
de estudo de caso.
Segundo Yin (2010 p.24), esse método é usado em muitas
situações de pesquisa “para contribuir com nosso conhecimento sobre
os fenômenos individuais, grupais, organizacionais, sociais, políticos
e relacionados”. Neste trabalho, porém, utilizamos o estudo de casos
múltiplos, uma vez que pesquisamos professores especialistas nas Artes
Visuais que atuam na Educação Básica. As técnicas utilizadas serão:
entrevistas, observação de imagens artísticas utilizadas como referencias
pelos professores de artes visuais, à observação de imagens produzidas
como registro de aulas de professores e observação de planos de aulas de
professores entrevistados e também a análise documental.
Segundo Rocha e Araújo (2013), a Lei 10.639/03 é um importante
instrumento de combate ao racismo e de superação das desigualdades
raciais e sociais da nossa sociedade. A referida Lei tem o dever de “atuar
no sentido de desvelar construções ideológicas que deram suporte à
efetivação do quadro de exclusão social da população negra no país,
como a de inferioridade do negro e a do mito da democracia racial
brasileira”. (ARAÚJO, 2013, p. 24).
Dessa forma, a educação brasileira teve suas crenças
estabelecidas em uma sociedade em que prevaleceu a exclusão social, em
que seus valores estão enraizados no preconceito e no racismo. Segundo
Sant’Ana (2005, p.41): “O racismo é a pior forma de discriminação
porque o discriminado não pode mudar as características raciais que a
natureza lhe deu”. Entendemos que há diferentes formas de preconceito
e que um deles se evidencia diante das características físicas e com suas
especificidades, como a cor da pela, a textura dos cabelos e os traços
marcantes da etnia. Sendo assim, tencionamos também compreender
como ocorre o racismo na educação e os caminhos didáticos e
metodológicos do trabalho docente por meio as artes visuais neste
contexto da Lei.
Buscamos compreender a prática docente e as concepções
metodológicas do trabalho com os conteúdos de Artes Visuais dos
professores. Para isso, fazemos um levantamento do que tem sido
utilizado como embasamentos teórico-metodológicos sobre o ensino de
Artes Visuais, Africana e Afro-brasileira em suas manifestações artístico-
culturais no espaço escolar. Ainda, utilizaremos a análise dos dados
coletados nas entrevistas, fazendo uma relação com o levantamento
bibliográfico, construindo assim, um panorama deste trabalho na rede
Municipal de Uberlândia.
E para finalizar, com a intenção de contribuir para a minha
prática docente, acreditamos que essas reflexões e análises sobre o
trabalho docente dos professores de Arte na Educação Básica possam
também contribuir para expandir os conteúdos étnico-raciais e,
15. 28 29
consequentemente, a promoção das políticas para a igualdade racial nos
espaços escolares da cidade de Uberlândia.
REFERÊNCIAS
BOGDAN, Robert e BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em
educação. Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora,
1994.
BRASIL. Lei 10.639 – 09 de janeiro de 2003. Brasília: Ministério da
Educação, 2003.
BRASIL. Lei nº 9.394 – 24 de dezembro de 1996: Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Brasília: Ministério da Educação, 1996.
BRASIL. Lei no10. 639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino
a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2003,
p. 01. Disponível em <: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/
L10.639.htm>. Acesso em: 28 Jul. 2017.
MARQUES, Izabel A.; BRASIL, Fábio. Arte em Questões. 2ª ed., São
Paulo: Cortez, 2014.
ROCHA, Luiz Carlos Paixão da; ARAUJO, Débora Cristina de. Política
educacional e a Lei 10.639/03. In: COSTA, Hilton; SILVA, Paulo
Vinicius Baptista da (Orgs.). África da e pela diáspora: Unesco, 2005.
ROSA, Maria Cristina da. Formação Inclusiva do Professor de Arte:
desafios propostos pela Lei 10.639/03. In: CARDOSO, P. de J. F. (Org.)
Multiculturalismo e educação: experiências de implementação da Lei
Federal 10.639/03 em Santa Catarina. Itajaí: Casa Aberta, 2008.
SANT’ANA, Izabella Mendes. Educação inclusiva: concepções de
professores e diretores. Psicologia em Estudo, p. 227-234, 2005.
Disponível em http://www.scielo.br/pdf/pe/v10n2/v10n2a09.pdf.
Acesso em: 27.jul.2017
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre:
Bookman, 2010.
16. 30 31
ENSINO DE ARTE: entre identidades e diversidades, possibilidades
para enfrentar o bullying
Cristiane Cândida dos Santos Silva1
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo demonstrar como ensinar arte
explorando temas como identidade e diversidade, proporcionando ao
aluno que ele tenha um novo olhar a respeito de si mesmo e do outro,
buscando minimizar as atitudes de preconceito, discriminação, bullying
e racismo nos espaços escolares. O projeto de pesquisa se desenvolve em
uma escola municipal na periferia da cidade de Uberlândia MG, em que
os alunos viviam em um contexto de indisciplina muitas vezes geradas
pelo bullying. A metodologia trata de abordagem qualitativa, do tipo
etnográfica(André 2000), utilizando o método fenomenológico . Para
embasar as discussões recorro a autores como Tomaz Tadeu(2002), Cléo
Fante(2005/2011), Ana Mae Barbosa(1998/2005), Rosa Iavelberg(2003).
PALAVRAS-CHAVE: Arte, Bullying, Diferenças, Educação, Identidade.
INTRODUÇÃO
A pesquisa Identidade e Diversidade no ensino de arte teve início
a partir da minha experiência profissional em uma escola na periferia
da cidade de Uberlândia. Ela tem como foco, estabelecer conexões entre
as artes visuais e as relações com os temas identidade e diversidade, na
expectativa de promover uma consciência na criança sobre as diferenças
desde os anos iniciais do ensino fundamental.
Pretendo discutir conceitos que vão além das questões de etnia
discorrendo sobre práticas artísticas que contemplem o tema e que
1 UFU- Universidade Federal de Uberlândia. Mestranda no curso Prof-Artes; Projeto em
andamento, Identidade e Diversidade no Ensino de Arte, início em Fev/2016; Área de
Estudo: Abordagens Teórico-metodológicas das Práticas Docentes orientado pela profes-
sora Dra. Roberta Maira de Melo – Bolsa CAPES; Atuação Profissional: Professora de
arte lotada da Secretaria de educação de Uberlândia atuando na Escola Municipal Irmã
Odélcia Leão Carneiro.
promovam as relações entre crianças de diferentes pertencimentos étnico-
raciais considerando a convivência escolar em sua multiplicidade em
diferentes modos de vida.
Essa pesquisa parte da indagação: como posso através do ensino
de arte proporcionar ao aluno que ele tenha um novo olhar a respeito de
si mesmo e do outro?
Esse tema surgiu mediante a constante indisciplina dos alunos,
fator gerador de vários conflitos em sala de aula devido principalmente à
prática do bullying. As palavras preconceituosas pronunciadas no grupo
acarretavam certas atitudes acentuando o racismo, desencadeavam brigas
e discussões, interferindo e prejudicando as aulas ,impossibilitando o
ensino e a aprendizagem.
Para desenvolvimento do tema, procuro investigar como as
questões sobre identidade e diferença se traduzem no currículo em nosso
país e, especialmente, no contexto da nossa cidade; explorar o ensino de
arte como meio possível de se lidar com essas temáticas em sala de aula;
apreender o contexto identitário e de diversidade cultural do educando no
processo do fazer artístico.
A pesquisa teve inicio por meio de uma revisão bibliográfica que
atendesse à temática escolhida sendo que sua metodologia trata-se de
uma pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo etnográfica e narrativa,
utilizando o método fenomenológico em que o processo de investigação
será feito por etapas que serão estruturadas por meio de um portifólio
para fins de registro, documentação e análise da produção das crianças.
O ENSINO DE ARTE FRENTE A PROBLEMAS SOCIAIS COMO O
BULLYING .
Hoje em dia os problemas sociais são maiores do que as disciplinas
isoladas são capazes de enfrentar. São problemas contemporâneos
complexos e podemos dizer que não pertencem exclusivamente a
nenhuma disciplina. Disciplina, de acordo com Michael Parsons(2005)
17. 32 33
da Universidade de Ohio State nos Estados Unidos, compreendida como
ferramenta, formas de organizar o conhecimento que podem ser usadas
para colaborar com questões que enfrentamos na contemporaneidade .
Um desses problemas é o bullying.
Palavra de origem inglesa, adotada em muitos países
para definir o desejo consciente e deliberado de
maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão
(FANTE, 2011, p.27)
Segundo os especialistas Cléo Fante e José Augusto Pedra;
Bully pode ser traduzido como valentão, tirano,
brigão. Como verbo, bully, significa tiranizar,
amedrontar, brutalizar, oprimir, e o substantivo
bullying descreve o conjunto de atos de violência física
ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados
por um indivíduo(bully) ou grupo de indivíduos com
o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo
(ou grupo de indivíduos) incapaz de se defender.
(FANTE; PEDRA, 2008,p.34)
O bullying pode ser praticado de diversas maneiras e através de
diferentes meios. Esse fenômeno:
Encontra-sepresente,eventualmente,emvariadíssimas
situações: colocar apelidos, ofender, zoar, gozar,
sacanear,humilhar,discriminar,excluir,isolar,ignorar,
intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar,
tiranizar, dominar, agredir, bater, chutar, empurrar,
ferir, roubar, quebrar pertences etc. O bullying pode se
manifestar de quatro formas diferentes: verbal, físico,
psicológico e como cyberbullying.(GUARESCHI,
2008,p.17)
O simples fato de ser diferente da outra pessoa, pode se tornar um
motivo para se manifestar o bullying. De acordo com o autor:
As discriminações em geral ocorrem mediante uma
intolerância à diferença, devido ao fato de os padrões
estabelecidos como normais serem extremamente
fixos e restritos e a crenças esteriotipadas. As pessoas
dentro dos padrões normais têm a falsa crença de
serem superiores, gerando um forte sentimento de
ódio e ojeriza aos diferentes. (GUARESCHI, 2008,
p.19)
Como abordar essas questões atuais de diversidade e problemas
de violência como bullying no espaço escolar em meio a tantas disciplinas
e conteúdos que são estabelecidos no currículo? E como podemos lidar
pedagogicamente com essas questões que fazem parte do cotidiano das
escolas?
Segundo a autora Marina Subirats, na educação do século XXI
há uma urgência de uma educação moral, mas esses conhecimentos
raramente são levados em conta na elaboração dos currículos. Ela salienta
ainda que houve mudança no conceito da educação, pois os sistemas
educativos tiveram de adaptar-se a demandas sociais que nem sequer
eram previsíveis no Século XIX. A respeito dos conteúdos curriculares ela
questiona:
De que tipo de conhecimento necessitam as novas
gerações?Dequetipodeatitudes,aptidões,habilidades,
disposições, valores? Ainda que tais perguntas sejam
às vezes formuladas, raramente são levadas em
conta na elaboração dos currículos. A produção de
personalidades capazes de viver em sociedade, que é a
finalidade da educação, continua sendo pensada como
resultado casual de um conjunto de circunstâncias
complexas e, geralmente, incontroláveis. (SUBIRATS,
2000, p. 195)
18. 34 35
Pensando nessas questões do currículo e no ensino de Arte, num
contextogeralháumadiversidadedecurrículosdeArtenasescolasdaRede
Municipal de Ensino de Uberlândia, embora tenhamos como referência
curricular as Diretrizes Básicas do Ensino de Arte para Educação Infantil
e Ensino Fundamental. Esse documento acerca do currículo, é explicitado
por Moreira(2006):
O currículo constitui significativo instrumento
utilizado por diferentes sociedades tanto para
desenvolver os processos de conservação,
transformação e renovação dos conhecimentos
historicamente acumulados como para socializar
as crianças e os jovens segundo valores tidos como
desejáveis. Em virtude da importância desses
processos, a discussão em torno do currículo assume
cada vez mais lugar de destaque no conhecimento
pedagógico (MOREIRA, 2006, apud UBERLÂNDIA,
2010, p. 34)
Esse documento deixa claro que cabe ao docente a seleção e a
sistematização dos conteúdos, ou seja, os professores têm a liberdade
de definir os conteúdos que irão ensinar. Enfatiza também que ficará a
critério de cada professor adequar metodologias e estratégias de ensino.
Portanto:
Os conteúdos específicos das Artes Visuais, bem como
os conteúdos atitudinais tratados ao longo dessas
Diretrizes,sãopassíveisdeensinoeaprendizagemtanto
na Educação Infantil como no Ensino Fundamental,
mas ficará a critério de cada professor(a) adequar
metodologias e estratégias de ensino às diferentes
faixas etárias e níveis de escolaridade de cada turma.
(UBERLÂNDIA, 2010 p.34)
Creio que o Ensino de Arte é uma área de conhecimento fértil,
que perpassa vários outras áreas de conhecimento podendo contribuir em
vários aspectos para abordagem desses temas.
Ana Mae Barbosa menciona que a arte é fundamental na educação
de um país que se desenvolve, e ainda ressalta sobre a necessidade da arte
se pretendemos uma educação humanizadora, ela afirma que:
Se pretendemos uma educação não apenas intelectual,
mas principalmente humanizadora a necessidade da
arte é ainda mais crucial para desenvolver a percepção
e a imaginação, para captar a realidade circundante
e desenvolver a capacidade criadora necessária à
modificação desta realidade. (BARBOSA, 1998, p.5)
A autora ainda enfatiza que a arte é uma linguagem que transmite
significados e que as artes visuais tornam possível visualizar quem somos:
A arte como linguagem aguçadora dos sentidos
transmitesignificadosquenãopodemsertransmitidos
por meio de nenhum outro tipo de linguagem, tal
como a discursiva ou a científica. Dentre as artes, as
visuais, tendo a imagem como matéria-prima, tornam
possível a visualização de quem somos, de onde
estamos e de como sentimos. (BARBOSA, 2005, p.99)
A autora Rosa Iavelberg , doutora em arte-educação pela Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) que coordenou
e elaborou os Parâmetros Nacionais Curriculares do Ensino Fundamental
de 1º a 4º séries, em sua obra intitulada Para gostar de aprender arte,
sala de aula e formação de professores, enfatiza os temas transversais na
reorientação do ensino das artes visuais, e no que diz respeito à proposta
curricular afirma:
19. 36 37
Uma proposta curricular voltada à cidadania precisa
priorizar conteúdos e temas como prática de inclusão,
participaçãosocialerespeitoàpluralidadesociocultural.
Todos os conteúdos podem ser ensinados: conceitos,
princípios, fatos, procedimentos, valores e atitudes,
e essas classificações estão articuladas entre si. Por
exemplo, o respeito é um conceito, e seu exercício é
procedimental e atitudinal. Em artes visuais, muit;as
vezes, encontramos nos conteúdos das obras de arte
a expressão das temáticas transversais, o que favorece
sobremaneira sua inclusão nos planejamentos.
Quando Lasar Segall retrata-se como negro ou pinta
os horrores da guerra e os dilemas da emigração,
reúne conteúdos relativos à justiça, à solidariedade,
ao respeito à diversidade, à rejeição, à xenofobia, à
inclusão social. O artista, por intermédio de sua obra,
pode ser um agente de conscientização das questões
sociais de cada época, e a análise das poéticas das
obras de artes visuais oriundas da produção regional,
nacional ou internacional pode ser a porta dos temas
transversais (IAVELBERG,2003 p.71).
Embasado nas ideias de Ana Mae Barbosa, bem como de outros
autores citados, é possível compreender que no ensino de arte, é possível
abordar tema como identidade para compreendermos mais de nós
mesmos, quem somos, onde estamos e como nos sentimos.
Considerando o trabalho de arte em minha escola, percebo
dentro dessa “liberdade” para se definir o currículo uma porta aberta para
se tratar desses temas que são relevantes, especialmente, levando em conta
a realidade dos alunos matriculados na instituição de ensino.
Se a infância é uma fase primordial de aprendizagem na vida de
uma pessoa, se questões de identidade e diferença configura-se em um
repertório educacional significativo, e considerando que os currículos não
contemplam de forma ampla essa educação que produz personalidades
capazesdeviveremsociedade,creioqueessapesquisacontribuiaolevantar
essas questões, e de forma subjetiva através das artes visuais, possibilitará
que os alunos tenham novos modos de ver, ouvir, agir, compreender e
refletir sobre o tema.
O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
Desde o inicio em sala de aula percebi questões referentes à
indisciplina decorrentes de situações de bullying. Por diversas vezes
me inquietei ao ver crianças chorando, a ponto de soluçar após serem
ofendidas por outras crianças, percebia a dor de alguns alunos, e isso fez
com que eu não ficasse insensível diante destas situações. Fui desafiada a
pensar, como posso alterar situações de agressões verbais ou físicas para
que sejam evitadas no ambiente escolar?
A partir de então pensei em um projeto que eu pudesse reafirmar
com as crianças quem elas são, trabalhando questões sobre identidade,
além disso, possibilitar que elas percebessem o quanto são diferentes
das outras pessoas, e incutissem nelas a necessidade de se respeitar essa
diversidade.
Tendo a fotografia como mediadora, em uma das propostas
(Fotografia abaixo) as crianças trabalhavam com a reprodução de seu
retrato a partir de um papel carbono em uma folha branca e inseriam cor.
(Trabalhando a identidade através do seu próprio retrato).
Figura 1–Sequência de Desenhos autorretratos dos alunos 3°Anos (Imagens
scaneadas) - acervo pessoal.
20. 38 39
A segunda proposta (foto abaixo) foi realizada com os alunos
do Terceiro ano, onde tirei a fotografia deles, cada um manipulava sua
própria imagem fotográfica que foi quadruplicada em papel A4 sendo que
em cada uma das imagens ele deveria mudar suas características físicas.
A proposta era enfatizar que cada um tem o seu valor independente da
cor da pele, dos olhos, do tipo ou cor do cabelo. Somos únicos, especiais e
importantes do jeito que a gente é.
Figura 2- Desenho realizadopela aluna (Milena) 3°Ano- onde altera suas características
físicas - acervo pessoal.
Figura 3 - Fotografia dos alunos dos terceiros anos interagindo com o painel pintado –
arquivo pessoal.
As propostas citadas proporcionaram aos alunos que refletissem,
observassem como são, pois somos diferentes e devemos respeitar a todos
do jeito que são.
De acordo com Rosa Iavelberg (2003), como professora de arte,
precisoserumaorientadora,queincentivaaprodução,ensinaoscaminhos
da criação e solicita do aluno envolvimento e constância. Preciso dedicar
o tempo necessário a fornecer orientações e conteúdos adequados para a
formação em arte, que inclui tanto saberes universais como aqueles que se
relacionam ao cotidiano do aluno.
REFERÊNCIAS
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2000.
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Perspectiva S.A, 1998.
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experiência e história em pesquisa qualitativa. Tradução: Grupo de
Pesquisa Narrativa e Educação de professores ILEEI/UFU. Uberlândia:
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escolas e educar para a paz. 6º Ed. – Campinas, SP: Verus Editora, 2011.
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sério do que se imagina. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. 100 p.
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(org.). Pesquisa Educacional Baseada em Arte: A/r/tografia. Santa Maria:
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CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADE. Orientações e
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educação. Uberlândia: Sincopel Gráfica, 2008
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- São Paulo: Editora Cortez, 2005.
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IGUALDADE RACIAL. Plano Nacional de Promoção da Igualdade
Racial. Brasília, SEPPIR, 2009.
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teorias do currículo. -2.ed Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
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respeito à diferença: uma reflexão a partir da proposta Escola Plural.
In: CANDAU, V. M. (org). Sociedade Educação e Cultura(s) questões e
propostas. Petrópolis: Ed. Vozes 2002 p.156-172
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desafios do futuro imediato (org). Porto Alegre: Artes Médicas Sil, 2000
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UBERLÂNDIA. Secretaria Municipal de Educação. Centro Municipal de
Estudos e Projetos Educacionais. Diretrizes Curriculares para o Ensino
de Arte. 2010.
22. 42 43
INTERVENÇÕES PERFORMÁTICAS:
Ensaio fotográfico das trilhas docentes com teatro no Ensino Médio.
Daiane Aparecida Costa1
RESUMO
O ensaio fotográfico está presente no registro da pesquisa Intervenções
Performáticas: trilhas docente com o Teatro no Ensino Médio. A pesquisa
de mestrado é uma descrição poética e narrativa das ações teatrais e
performáticas experienciadas na Escola Estadual de Uberlândia com
estudantesdoEnsinoMédio.Nodecorrerdotextodescrevominhatrajetória
docente nessa instituição de ensino, apresentando as metodologias de
trabalho utilizadas nesses processos de ensino. No desenvolvimento do
texto faço referência ao transcorrer das proposições, acontecimentos e
desmembramentos das aulas de Teatro Componente de Arte, ao encontro
com a poética contemporânea da performance e das intervenções que
passam a ser realizadas na escola. Ao fazer as descrições e narrativas
busco refletir sobre o Teatro dentro de um ambiente de ensino básico
e público: tensões, rupturas, adaptações, enfrentamentos, descobertas,
silenciamentos, resistências, efemeridades. Nessas investigações narro
sobre poéticas de corpos e de identidades, ocupando, ressignificando e
transformando um espaço sistematizado e historicamente pensado para
homogeneizar o sujeito.
PALAVRAS-CHAVE: Performance, Ensino Médio, Arte.
1 Escola Estadual de Uberlândia. Professora efetiva. Mestrado profissional em anda-
mento na Universidade Federal de Uberlândia. Teatro Educação. Orientação da profes-
sora Paulina Maria Caon. Capes. http://lattes.cnpq.br/9722705154903464. Orientadora:
Paulina Maria Caon.
Caminhos...
entre
Tantos passos, rostos histórias marcas
e traços
Que ultrapassam os limites limítrofes dos enquadra-
mentos
Cimentos e desenhos
janela aberta como o peito
Sorrisos em cantos recheio
Melodiam os dias
E antes que seca seque a cheia cubro-me
De um guarda-chuvas
Que protege os instantes sentidos
Vividos vagarosos se escondem da lógica estrutural-
ista
“Adultista para secundaristas”
E mergulhamos
Nos eus uniformizados que um dia se mostrou
roqueiro
E por quê não o batom vermelho,
menino menina todos os gêneros
não é a tinta que define quem sou
eu que sou colocado invisível
que busco camuflagem e pontos zeros
digo não mesmo repetindo os nossos pais
e o que eu sou refletido em quem me vê?
Seria o amor o tempero para melhorar esses dias
Essas paredes que sem nós, os estudantes, são vazias?
23. 44 45
Imagem1, foto: ACosta: janela da escola vista por dentro da biblioteca.
Imagem2,foto:CallOliver(bolsistaPIBID).Performance“Táchovendooquêaqui”.
29. 56 57
Imagem 15, foto: Valéria. Performance “espelhos”
REFERÊNCIAS
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processosdecriação:experiênciascontemporâneas.Uberlândia: EDUFU,
2016.
CAON, P. M. Desvelando Corpos na Escola: experiências corporais e
estéticas no convívio com crianças, adolescentes e professores. 2015.
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Cênicas, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
São Paulo, 2015. Orientação de Maria Lucia de Souza Barros Pupo.
CIOTTI, Naiara. O professor- performer: Natal, RN: EDUFRN, 2014.
DUARTE, João Francisco Jr. O sentido dos sentidos: a educação (do)
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FABIÃO, Eleonora. Ações. Rio de Janeiro, 2015.
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Urdimento (Revista de Estudos em Artes Cênicas). Florianópolis, SC Nº
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RAQUEL, Denise Pereira. Adote o artista, não deixe ele virar professor
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Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, Proposta Curricular,
Currículo Básico Comum- CBC- ARTE, 2006
BONDÍA,JorgeLarrosa.Notassobreaexperiênciaeosaberdeexperiência.
Universidade de Barcelona, Espanha .Tradução de João Wanderley Geraldi.
Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Linguística.
30. 58 59
ISSO TUDO ACONTECENDO E EU AQUI PARADA DANDO
MILHO AOS POMBOS.
Darlene Maria Medeiros Garcêz Cunha 1
RESUMO
O presente texto é uma escrita performativa autobiográfica, desenhado
para a disciplina Arte do movimento: educação somática, criação e
pesquisa, sob supervisão da Prof. Dra. Renata Meira, que aconteceram no
Programa de Mestrado Profissional em Artes (Prof-Artes), no segundo
semestre de 2016. Trata-se do percurso de criação, durante as aulas da
disciplina, da performance: Isso tudo acontecendo e eu aqui parado,
dando milho aos pombos. A performance parte de três pontos: o corpo,
a memória e o sensível. Apresento-o para participação no 2º Seminário
de Ensino e Aprendizagem em Teatro, da Universidade Federal de
Uberlândia.
PALAVRAS-CHAVE: performance, corpo, movimento, sensibilidade,
memória emotiva.
Meus brique-braques privados
Esse foi um termo que apareceu durante nossas aulas. Os
brique-braques são as quinquilharias que vou guardando; coleção de
sensibilidades; coisas que estão quebradas mas que tenho dó de jogar
fora porque são importantes para mim. Descobrir este termo foi muito
interessante, pois tinha tudo a ver com o que eu estava montando como
performance. Mas primeiro, vou falar um pouco sobre as linhas que foram
usadas na construção desta trama.
Noções corporais, mudanças de apoios, educação somática.
Descoberta das potências corporais. O tônus adequado para cada
situação. As bolinhas que nos ajudam a “abrir espaços” entre as
1 Mestranda em Artes pelo programa Prof-Artes da Universidade Federal de Uberlândia,
na linha de pesquisa Abordagens teórico-metodológicas das práticas docentes sob orien-
tação do Prof. Dr. Luiz Humberto Arantes. Bolsista pela Capes. Professora de Artes no
Ensino Fundamental e Médio da rede pública e particular da cidade de Uberlândia, MG.
Professora de teatro, diretora e encenadora do Ministério de Teatro Entreatos da 8ª Igreja
Presbiteriana de Uberlândia.
articulações. Os enraizamentos, a eutonia, os circuitos de caminhadas,
o estado de neutralidade. Olhar as coisas com o frescor de como se
fossem olhadas pela primeira vez. Dificuldade de “não pensar em nada”.
Gestos expressivos livres da obrigação de parecerem óbvios. Forma de se
comunicar imagética, poética, não literal.
Eu sou corpo. Esse corpo também é o EU. O corpo é o esconderijo
de nós mesmos. Mas o que sou eu? O rosto? A foto da identidade é a foto do
meu eu? Ou será que eu sou a minha mente? Num corpo debilitado como
o de Stephen Hawking, por exemplo, o que é o EU dele? A imagem travada
na cadeira de rodas ou o pensamento infinito e além da compreensão?
Nascer pelo meio.
Todo verbo tem que pegar delírio.
Num momento prático, tivemos de empreender ações de
desprender do chão através de impulsos, partes que empurram o chão e
partes que são empurradas por ele.
O impulso de um braço “leva” o corpo todo para o movimento,
o corpo vai atrás. Muito chão. Tivemos que emitir sons. O primeiro som
que me veio à mente foi o de soltar ar forte. Depois me lembrei daquele
instrumento antigo chamado teremim2
, e fui fazendo ondas mais graves
quando a mão estava longe do peito e mais agudos quando a mão estava
perto.
Um bicho, um objeto, um nome e 3 poemas
Depois da chuva, ficam as poças d´água. Bichos aparecem. Qual
seria o meu bicho?
Lembrei do louva-a-deus, um bichinho que sempre aparece em
2 O teremim é um dos primeiros instrumentos musicais completamente eletrônicos, con-
trolado sem qualquer contato físico pelo músico. Seu nome vem da versão ocidental do
nome do seu inventor, o russo Léon Theremin, que patenteou seu dispositivo em 1928.
O instrumento é controlado através de duas antenas de metal, que percebem a posição
das mãos do músico e controlam osciladores de frequência com uma das mãos, e com
a outra a amplitude (volume), de forma que não seja preciso tocar no instrumento. Os
sinais elétricos do teremim são amplificados e enviados para um altifalante.
31. 60 61
minha casa. Ele fica paradinho num canto, com as mãozinhas juntinhas,
como se estivesse fazendo uma oração. Se algo se aproxima e o ameaça,
ele desfere golpes, esticando os braços e “desce a mão”. Esse bicho foi a
inspiração para a criação de um estilo da milenar arte marcial chinesa
do kung fu. Há cerca de 400 anos atrás, um lutador chamado Wang Lang
observou a agressividade e eficácia do louva-a-deus ao combater uma
cigarra. Criou então um estilo de luta no kung fu com grande velocidade,
ataques incessantes e movimentação complexa das mãos.
Nome
Que nome eu teria? Um pseudônimo, como o do Matsuo Bashô, autor
do livro de haicais que a Renata leu para a gente ou um nome próprio,
diferente do meu? Comecei a pesquisar. Nessa altura do meu cotidiano,
eu só conseguia pensar o quanto estava atarefada, cansada, sempre
com pressa, sempre cansada. Achei que Amélia seria um bom nome.
O significado de Amélia é: trabalhadora árdua, guerreira, ativa. Então
pensei: é isso. Meu nome será Amélia.
Objeto
Pensei na correria que tenho vivido, tantas preocupações, tantos
compromissos, tantos prazos apertados. A ideia de parar tudo para ter
um momento de descanso parece mais uma piada sem graça. Se descanso,
penso que estou deixando de fazer alguma outra coisa importante. Então
um dia, entre as leituras que Shusterman (2012) apresenta sobre o corpo
e folheando um livro didático da 5ª série (A arte de fazer arte, Ed. Saraiva,
2013), vi a foto de uma tribo indígena. A mulher e o bebê descansavam
numa rede. A legenda da foto dizia que os índios consideravam muito o
tempo de descanso na rede. Tinham-no, inclusive, como um compromisso.
Não achavam que descansar era falta de ter o que fazer, mas sim, era algo
a se fazer. Lembrei que eu tenho uma rede que nunca pendurei. Talvez por
falta de tempo, ou pelo fato de pensar que, se pendurasse, ela começaria a
pegar poeira, e eu teria que lavar, e isso daria ainda mais trabalho...
Então pronto! O meu objeto seria a rede. Iria construir minha performance
baseada na ideia de descansar na rede – ou não. Pois Amélia não pode parar.
Meus haicais
A inspiração para a construção dos haicais foi casa e despedida.
A professora disse que poderíamos buscar inspiração em qualquer coisa,
real ou imaginária, vivida ou não. E assim surgiram os meus: de coisas
vividas de verdade, memórias muito especiais, tristes e alegres.
Noutros tempos
As histórias da vovó
E a rede na varanda
Ele virou a esquina
Folha e poeira
Levadas pelo vento (de julho)
E assim nos despedimos
Com lágrimas e sorrisos.
Mudo. Basta um olhar.
Mudanças
Aos poucos, a performance foi tomando corpo. Foi deixando de
ser só um monte de movimentos e passando a ter um significado. Para
mim.
A rede era a minha casa. Meu casulo. Meu repouso e meu objeto
de ojeriza. Às vezes aversão e ressentimento. Mas no fim, pertencimento.
Casulo é lugar intermediário. Não é para sempre. Portanto só posso
pertencer a ele durante um breve período, não muito. Mas casa não. Casa
tem a ver com estar por muito tempo, pertencer de fato. Fazer parte.
Lembrei da casa da minha mãe, lugar que eu morei tantos anos
e de onde quis tanto sair. Sim, era a casa em que eu morava, mas não
me sentia pertencente a ela. Tivemos muitos conflitos, muitas histórias
de des-pertencimento. Muitas separações, muitas discordâncias, muitos
momentos em que estar em casa era como estar em uma zona de conflito.
32. 62 63
Faixa de Gaza. Lugar de conflito. Mas por outro lado, o conflito é porque
três povos diferentes querem chamar aquele lugar de seu. De lar.
Pegando delírio
O meu bicho louva-a-deus aparecia, tateando com cuidado aquele
objeto de repulsa, com medo de ser tragado por ele de novo. Mas, no fim,
lá estava eu de novo, me deixando ser engolida pela rede-casa-casulo.
O nome Amélia não combinava mais. Pesquisei um nome cujo
significado fosse algo como descanso. E achei esse: Noah. Significa
repouso, conforto, descanso.
As músicas embalavam os movimentos e pareciam cumprir
exatamente o papel desse embalo. Parecia até que eu mesma as tinha
escolhido. Uma expressão diferente surgia com as músicas, parece que
mais viva, mais “de verdade”.
Entra na casa-rede-casulo,
sai dela,
tenta segurar mas cai no abismo,
faz as despedidas.
Mais para o final do processo de criação, surge um elemento
novo: iríamos apresentar as performances em algum lugar público, onde
houvesse mobilização da greve da UFU e do movimento “Fora Temer”. O
que eu poderia fazer para que minha performance, criada até ali, tivesse a
ver com essas mobilizações? Pareceu-me apropriado colocar, ao invés de
um dos haicais, o trecho de uma música do Zé Geraldo bem antiga que
diz:
A cada conflito mais escombros.
Isso tudo acontecendo e eu aqui parado, dando milho aos pombos.
(Zé Geraldo, 1981)
Primeiramente, eu arrastava a rede até chegar no centro do
espaço. Fazia parecer que estava bem pesada, demonstrava que era difícil
de carregar. Colocava-a no chão e começava a me envolver com ela, como
se fosse um casulo de borboleta. Lá dentro a sensação era de conforto,
aconchego, paz. Então eu tentava me mexer, mas conseguia só um pouco,
porque o casulo faz com que o corpo fique apertado e com dificuldade de
movimentação. Depois, eu tentava me livrar do casulo, com dificuldade,
como se o casulo estivesse colado na pele, saindo primeiro só uma mão,
depois o ombro, o rosto, e aos poucos todo o corpo, arrastando pelo chão.
Despedia-me daquele invólucro.
Quando eu finalmente estava livre do casulo-rede-casa, olhava
para a rede no chão com olhar de espanto e me movimentava como o
louva-a-deus, desferindo golpes ligeiros na rede com as mãos, querendo
derrotá-la, de alguma forma. Mas depois de todo o embate, eu voltava e
repetia toda a ação.
Lá pela terceira vez, eu comecei a falar o trecho da música, já
demonstrando todo o cansaço de tentar lutar contra uma coisa e acabar
voltando para ela outra vez. Acabar me entregando, desistindo talvez.
Pormaisquehajamconflitoseuacabomeentregandoaocasulonovamente.
Por mais que eu tentasse sair fora, me arrastando, com dificuldade, no
fim eu voltava a ele. Relação de amor e aversão. E apresentar na praça foi
sensacional, combinando com tudo. Um cachorro que estava por lá entrou
na brincadeira, deitando-se na rede enquanto eu estava fora, desferindo
os golpes. Então, resolvi puxá-la, arrastando novamente com dificuldade,
voltando no início de tudo, e o cachorro permaneceu como se quisesse
dormir ali.
Para mim era a minha relação de casa e despedida, mas para
quem assistia poderia ser qualquer coisa.
Considerações finais
Quantas experimentações! Enxergar o meu fazer e o não-fazer, a
apatia e o desequilíbrio, o anseio por mudanças e o cansaço que consome...
a vida de professora! Na escola, tudo tão urgente e tão necessário, vontade
33. 64 65
de desvelar novos mundos ao mesmo tempo que tudo se mostra como tão
“mesma coisa de sempre”.
De Amélia a Noah, as mil tarefas, tantas obrigações, a necessidade
do descanso, a noção de lar, a vontade de sair.
Esse exercício marcou minha trajetória como docente-
pesquisadora. Explorar a consciência corporal me fez pensar em como
posso me posicionar no mundo, ainda que de forma errante, mas pelo
menos como quem tenta alguma coisa, como quem busca por respostas.
Algo que não se resuma a apenas ver a banda passar.
REFERÊNCIAS
GERALDO, Zé. Milho aos pombos. Intérprete: Zé Geraldo. 1981, LP.
HADDAD, Denise Akel; MORBIN, Dulce Gonçalves; OKINO, Priscila
Fumiko. A Arte de Fazer Arte - 5º Ano. Ed. Saraiva, 2013.
LEMINSKI, Paulo. Matsuó Bashô: a lágrima do peixe. São Paulo, Ed.
Brasiliense. 1983.
SHUSTERMAN, Richard. Consciência corporal. P. 91-128. Ed.
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Sites na internet
https://www.dicionariodenomesproprios.com.br/amelia/
https://www.dicionariodenomesproprios.com.br/noah/
https://br.rbth.com/arte/musica/2016/01/04/teremim-o-instrumento-
que-se-toca-sem-tocar_553319
DIVERSIDADE RACIAL: a leitura de imagens das obras de heitor dos
prazeres por estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental
Fabiana Aparecida Goulart Fonseca1
RESUMO
O ensino de artes visuais nas Escolas de Educação Básica tende a
ser reconhecido de forma distorcida, relacionam a disciplina apenas
com produções de trabalhos manuais, enfeites de festas ou datas
comemorativas, quando apresenta imagens de negros, estas se revelam
de forma estereotipada. O presente artigo tem como objetivo analisar a
imagem do negro presente no ensino de artes visuais em classes dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental. O estudo foi realizado, a partir de um
projeto interdisciplinar, em que em uma das fases se realizou a leitura de
imagens das obras de Heitor dos Prazeres. A leitura de imagens aconteceu
porocasiãode desenvolvimento de aulase oficinascom estudantesdo 3º ao
4º anos do Ensino Fundamental, da Escola Municipal Francisca Brandão
Ramalho, localizada em Palmas, TO. O trabalho com os estudantes se
mostrou relevante, uma vez que possibilitou aos professores, estudantes
e a própria comunidade o reconhecimento do ensino de Artes Visuais
como ciência e o negro como sujeito produtor de história.
PALAVRAS-CHAVE: Artes Visuais, Obras de Heitor dos Prazeres,
Ensino de Artes, Anos Inicias do Ensino Fundamental.
INTRODUÇÃO
O ambiente escolar é um lugar onde o legado africano e a presença
dos negros ainda são vistos de forma preconceituosa, pela desvalorização
ou pelo excesso visual da sua figura, às vezes apresentada de forma
estereotipada nas imagens apresentadas nos livros didáticos. Em geral na
nossa sociedade, a discriminação com o negro se dá de forma exacerbada,
criando-se uma figura caricatural repleta de estereótipos estigmatizadores.
1 Universidade Federal de Uberlândia. Mestranda do Programa de Pós-Graduação
Mestrado Profissional em Artes. Dissertação: Cadernos de Artes-Uma proposta para o
ensino de artes visuais no município de Palmas 2017. Área de Concentração Artes. Linha
de Pesquisa Abordagens teórico-metodológicas das práticas docentes. Professora de
Artes da Rede Municipal de Palmas/TO.
34. 66 67
Segundo Pereira (2005), essa representação do negro:
[...]éfeitaàbasedeestereótiposimpregnadosdealusão
à sua estética: feio, macaco, tição; ou ligados a sua
descategorizaçãosocialeàsua“frouxidãodecostumes”:
malandro, rufião, delinqüente, maloqueiro, amasiado,
bêbado, vagabundo, mandingueiro, pernóstico, servil;
ou ainda, relacionados com qualidades positivas,
como o seu talento para a música, a sua astúcia e a
sua ingenuidade: ou então, são estilizações piegas
decalcadas em tipos consagrados pela nossa tradição
paternalista, como preto velho bondoso, a meiga mãe-
preta ou o humilde e fiel servidor do homem branco.
(p, 182)
Essa discriminação existente em especial nos espaços escolares
e precisam ser tratadas, graças aos movimentos da comunidade afro-
brasileira, discussões, mudanças e ganhos tem ocorrido. A partir disso,
dentre os ganhos políticos advindos de tais alterações, podemos citar: a
política de cotas nas universidades públicas, o estatuto da igualdade racial
e a Lei 10.693/2003. Esses instrumentos jurídicos possuem um caráter
de reparação e baseiam-se no reconhecimento da importância do grupo
étnico afro-brasileiro na construção do país e na formação da nossa
sociedade. Vejamos o que fundamenta a lei:
Art.26-A- Nos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre história e Cultura Afro-
Brasileira.
§1º - O conteúdo programático a que se refere o
caput deste artigo incluirá o estudo da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e política, pertinentes à
História do Brasil.
§2º - Os conteúdos referentes à História e Cultura
Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo
currículo escolar em especial, nas áreas de Educação
Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras.
Art.79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de
novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.
Há inúmeros materiais disponíveis para consulta na internet
e com base neles, é possível pensar na organização do conteúdo afro-
brasileiro ao longo do ano letivo e não só em datas específicas como no
Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro,
porém é necessário fazer uma análise desses materiais que também
podem apresentar conceitos e atividades preconceituosas. A incorporação
do tema afro-brasileiro ao projeto político pedagógico (PPP), como a
influência do contexto local é muito importante, segundo Silva (2009), as
africanidades são expressões de culturas de raiz africanas, manifestações
histórico-culturais diretamente vinculadas a visões de mundo, enraizadas
em jeitos de ser, viver, pensar e construir existências próprias do mundo
africano. Nesse sentido entendemos como papel da escola:
Ainda que a escola sozinha não seja capaz de
reverter anos de desqualificação da população negra
e supervalorização da população branca, a longo
prazo ela pode desempenhar um importante papel na
construção de uma nova cultura, de novas relações
que vão além do respeito ás diferenças. Possibilitando
que todas as vozes possam ecoar no espaço escolar,
chegar-se-à consciência de que é na diversidade que
se constrói algo novo. (CAVALLEIRO, 2001, p. 102)
Inquietações em relação às questões étnico raciais sempre fizeram
parte da minha vida, porém aumentaram quando comecei a desenvolver
atividades como docente da disciplina de Artes Visuais, dessa forma
passei a propor trabalhos interdisciplinares tomando como um dos temas
principais a leitura de obras de artes que apresentam a imagem do negro
como figura principal. Um dos primeiros pontos seria repensar o currículo
35. 68 69
de Artes Visuais, outro ponto importante seria pensar o território marginal
que a Arte ocupa na escola, pois apesar dos avanços da disciplina, muitas
pessoas dentro e fora da escola ainda enxergam a arte como algo menor,
secundário e sem metodologias ou conteúdos próprios. A partir disso,
resolvi unir esses dois temas, antes marginalizados e silenciados, e propor
um projeto que tivesse como principal objetivo refletir sobre o ensino de
Artes Visuais no ensino fundamental séries iniciais e suas problemáticas
no que se refere a sua função enquanto disciplina e às relações étnico
raciais na escola através de atividades de leitura de imagens.
Por determinação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases)
9.3941/96, Arte é uma disciplina obrigatória nas escolas, promovendo
o desenvolvimento de competências, habilidade e conhecimento, além
de ter valor intrínseco em questões globalizadas. O currículo escolar é
uma prática social complexa, construída historicamente, vinculada às
relações sociais, políticas, econômicas e culturais Vários estudiosos têm se
preocupado com o ensino de artes e as diretrizes que o sustenta, esse fator
tem gerado discussões e reflexões. Para melhor atender à demanda de
qualidade de arte-educação em um conteúdo social de mudanças, cumpre
ressaltar que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), apresenta
como objetivos de aprendizagem em Artes:
o contexto regional, social e cultural dos estudantes,
levando-se em conta suas experiências e saberes
prévios. Esses fatores, em combinação com a interação
e a interlocução com outros campos do saber, vão exigir
abordagens e graus de complexidade específicas nas
práticas de conhecer, sentir, perceber, fruir, apreciar,
imaginar, expressar, criar, refletir, criticar e relacionar
nas artes e na cultura”.BNCC Módulo 1 (p. 129)
A área de Arte dada a própria natureza de seu objeto de
conhecimento, apresenta-se como um campo privilegiado para o
tratamento dos temas transversais propostas nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (2000, p.113). A articulação das artes com outras áreas do
conhecimento implica em proporcionar o conhecimento amplo de
determinado tema, dialogando com a própria arte. Assim, no modelo
de Arte Integrada, por meio do ensino a partir de um tema, os alunos
e professores desenvolvem atividades, sujeitando a relação entre uma
totalização, ou seja, uma aprendizagem que contemple uma pluralidade de
dimensões. Contudo, a metodologia de trabalhar “temas transversais na
proposta de Arte Integrada é clara ao considerar a Arte como condutora
de um projeto de trabalho no qual são contemplados várias áreas do
currículo em torno de um tema comum” (FISCH, 2006, p. 179).
Vários estudiosos têm se preocupado com o ensino de artes e as
diretrizes curriculares que a sustenta, esse fator tem gerado discussões e
reflexões para melhor atender à demanda de qualidade da arte-educação
em um contexto social de mudanças. Outras questões como identidade
cultural, a importância da diversidade cultural, demonstrando um
crescente interesse pela elaboração de currículos que contemple aspectos
socioeconômicos, políticos e culturais, e outras questões tem estado
presentes nos debates e pesquisas do ensino de artes.
Para me subsidiar teoricamente sobre o tema proposto na
pesquisa, utilizarei, em principio, autores de áreas distintas, mas que, em
muitos momentos dialogam entre si, dando ênfase em suas abordagens
e discussões. Para compreender melhor a relação do ensino de artes
visuais e algumas concepções de currículo na educação, examinei alguns
autores que tratam dessa demanda. Moreira (2.007) é um dos autores
que discute sobre o currículo presente nas escolas. Na obra “Indagações
sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura”, o autor apresenta
a construção do conhecimento escolar como característica da escola
democrática que reconhece a multiculturalidade e a diversidade como
elementos constitutivos do processo ensino-aprendizagem.
Em termos de arte, o ensino deve estar inserido no contexto de
valorização das diferenças, o que especialmente no Brasil, passa pelas
questões do ensino e reconhecimento da cultura afro-brasileira. Segundo
GOMES (2006).
Construir uma identidade negra positiva em uma
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sociedade que, historicamente, ensina aos negros,
desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-
se a si mesmo é um desafio enfrentado pelos negros
e pelas negras brasileiros (as). Será que, na escola,
estamos atentos a essa questão? Será que incorporamos
essa realidade de maneira séria e responsável, quando
discutimos, nos processos de formação de professores
(as), sobre a importância da diversidade cultural? (p.43)
Por meio da arte, diversos costumes e tradições da cultura afro-
brasileira passaram a ser mais difundidos. Na Escola Nacional de Belas
Artes, artistas como Pinto Bandeira, Estevão Silva e os irmãos Arthur e
João Timóteo da Costa, não apresentaram preocupação em desenvolver
um estilo que representasse os afro-descendentes, nas décadas seguintes e
até meados do século XX, outros artistas como Rubem Valentim, Heitor
dos Prazeres, Agnaldo dos Santos, mestre Didi, trouxeram ao cenário da
arte suas obras, altamente reveladoras, de fortes referências étnicas de
matriz africana, com uma iconografia que nos apresenta usos costumes e
crenças afro-brasileiras.
Conduru (2007), descreve o trabalho destes artistas como:
[...] uma vertente que é, simultaneamente, uma
inflexãoétnico-culturalistaespecífica,originalmesmo,
no campo da arte moderna e uma resposta plástico-
artística, algo tardia, no processo de “emergência
de uma nova postura de entendimento sobre a
problemática do negro e do mulato na sociedade
brasileira contemporânea”.(p.34)
Entendemos que no contexto da cultura afro-brasieleira, se
constitui de imagens da arte e do cotidiano com um precioso repertório
para professores e alunos, como um meio para reflexões, provocando por
via da fruição estética e compreensão crítica, acerca de sua identidade
cultural artística.
Para tratar do currículo de Arte e o lugar do ensino de Arte
na escola utilizarei os pensamentos de Ana Mae Barbosa que há algum
tempo milita nessa área problematizando os mais diversos temas que se
referem ao ensino de Arte (determinantes histórico-sociais no ensino
de arte, metodologia do ensino de arte, poéticas no ensino de arte, leis
educacionais e o ensino de arte, cultural visual etc.), mas especificamente
farei uso de sua bibliografia para apresentar questões relacionadas ao
currículo e conforme a autora é importante pensar:
Um currículo que integre atividades artísticas, história das artes
e análise dos trabalhos artísticos levaria à satisfação das necessidades e
interesses das crianças, respeitando ao mesmo tempo os conceitos da
disciplina a serem aprendidos, seus valores, suas estruturas e sua específica
contribuição à cultura. (BARBOSA, 1998, p.17).
Barbosa também apresenta a Abordagem Triangular para o
ensino de artes como referência para aulas, propondo o trabalho de forma
integrada desenvolvendo o fazer artístico, os processos de leitura de
imagens e a contextualização.
Levando em conta algumas considerações de autores como Ivan
Fazenda, que pressupõe atividades de integração das aprendizagens e do
conhecimento, oferecendo suporte para a realização desse processo de
maneira global, de modo a estabelecer relações de complementaridade
escolar é ao mesmo tempo “curricular, didática e pedagógica” (Fazenda,
1998), descrevo uma ação que experimentei na minha trajetória enquanto
professora de artes visuais da educação básica.
Ao longo desses vinte e seis anos atuando como professora da
educação básica e a dezessete como professora de artes visuais, desenvolvi
alguns trabalhos interdisciplinares porém descrevo o projeto na área
de artes visuais desenvolvido na Escola Municipal Francisca Brandão
Ramalho em Palmas/TO, com alunos do segundo ao quarto ano do ensino
fundamental.
1. Relato de uma experiência.