Entenda como é feita a infiltração de agentes no combate à corrupção no Brasil e a recomendação da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (ENCCLA).
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Premissas do Manual
a) A infiltração de agentes encontra-se prevista em duas
hipóteses do direito brasileiro: a1) Lei 12.850/13 e a2)
Lei 11.343/06.
b) O conceito de organização criminosa está devidamente
traçado pela Convenção de Palermo, internalizada no
nosso ordenamento pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de
março de 2004, que promulgou o Decreto Legislativo nº
231, e também no § 1.º do art. 1.º da Lei 12.850/13.
c) Tanto a Lei 12.850/13 quanto a Lei 11.343/06
estabeleceram a competência do magistrado para
deferir a utilização dessa técnica de investigação e
definir os parâmetros de sua aplicação, tais como prazo
de duração, limites de atuação do agente, entre outros
fatores.
d) Tal atuação tem natureza dúplice: a) oferecer a
segurança jurídica necessária ao exercício do trabalho
policial, bem como b) assegurar ao investigado o
respeito ao devido processo legal.
e) A infiltração de agentes, tanto pela vulneração da
intimidade do investigado e de terceiros, quanto pelos
riscos ofertados aos policiais envolvidos, deve ser
aplicada apenas quando a prova não puder ser produzida
por outros meios disponíveis.
f) Lembramos que o agente infiltrado ou encoberto
diferencia-se do agente à paisana.
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Afinal, o policial à paisana apenas não é identificado por
terceiros porque, no momento, não se encontra fardado.
Inexistindo ardil, portanto, a autorização judicial não se
afigura necessária.
Recomendações da ENCCLA 2013
Baseados nestas premissas, a Ação 9 de 2013 da Estratégia
Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (ENCCLA)
recomenda a utilização de agente infiltrados como meio especial de
investigação para os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, sempre
que presentes os requisitos legais e quando impossível o prosseguimento
das investigações por outros meios.
Por outro lado, a ENCCLA recomenda que as decisões
deferitórias da infiltração de agentes delimitem adequadamente a
atividade do agente e as obrigações das autoridades policiais, de sorte a
oferecer segurança jurídica para este eficaz meio de investigação.
São estas, por sinal, as balizas sugeridas pela ENCCLA, as quais
se espera sejam adotadas pelos magistrados, com o auxílio e incentivo dos
demais atores processuais.
1) Requisitos de admissibilidade
Os requisitos são os do artigo 10, § 2.º, da Lei 12.850/13.
Portanto, apenas será cabível a infiltração desde que:
a) haja indícios de infração penal de que trata o art. 1.º da Lei
12.850/13;
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b) a prova não puder ser produzida por outros meios
disponíveis.
2) Prazo
A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses,
sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua
necessidade (art. 10, § 3º, da Lei 12.850/13).
3) Uso de equipamentos de filmagem ou captação de conversas
Recomenda-se que a decisão deferitória autorize a realização de
gravações realizadas em ambiente privado, nos casos em que esta medida
seja possível e necessária, de sorte a evitar alegações de nulidade.
4) Fornecimento de documentação fictícia
a) Dados relativos à Pessoa Física
Tanto a Lei 12.850/13 quanto a Lei 11.343/06 permitem a
utilização do agente infiltrado.
O art. 14, inciso II, da Lei 12.850/13 prevê a sua alteração da
identidade.
Assim, incumbe ao magistrado determinar a criação de registros
e documentos fictícios, inclusive de histórico criminal, diplomas,
certificados e de tudo o mais que se fizer necessário para o êxito da
investigação.
A concessão de registros fictícios vem sendo acolhida por
inúmeros países como Espanha (art. 282 bis da Ley de Enjuiciamento
Criminal), Peru (art. 2-H da Ley 27.934) e Portugal (art. 5º da Lei 101), a
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indicar que “quem pode o mais (determinar a infiltração), pode o menos
(permitir a construção da falsa identidade)” .
Ao representar pela infiltração de agentes, a autoridade policial
deverá explicitar as medidas a serem tomadas para a criação de
identidade fictícia ao agente, discriminando os órgãos que deverão ser
oficiados para tal fim.
b) Criação de Pessoa Jurídica
Afigura-se possível, sempre que necessária, a criação de
personalidade jurídica apta a facilitar a infiltração em casos de crimes
cometidos em âmbito empresarial.
5) Rotinas de sigilo
Recomenda-se sejam implantadas rotinas que objetivem a
preservação do sigilo em casos de infiltração, considerando-se os riscos
pessoais ao agente que atua encoberto.
No recebimento, tramitação e na guarda de feitos que
contenham infiltração de agentes, os órgãos do Poder Judiciário, bem
como as delegacias de polícia e Ministério Público, deverão tomar as
medidas para que o acesso atenda as cautelas de segurança e sigilo,
limitando o manuseio a servidores previamente designados, sendo eles
responsáveis por seus atos, na forma da lei.
6) Relatórios
Ao autorizar a medida, o juiz poderá, se entender necessário,
exigir a apresentação dos relatórios periódicos de que trata o § 5º do
artigo 10 da Lei de Organizações Criminosas.
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7) Limitação da atuação do agente
A lei brasileira, ao contrário da francesa, por exemplo, não
delimita a atuação do agente infiltrado, o que implica a necessidade de o
magistrado oferecer os contornos desta atuação, com base no princípio da
proporcionalidade.
A atuação do agente não poderá violar a dignidade da pessoa do
acusado ou de terceiros, sendo limitada ao necessário para coleta da
prova.
A autorização judicial impedirá que a conduta do agente seja
considerada criminosa, seja por falta de dolo ou por estar ao abrigo de
causa excludente de ilicitude, como estrito cumprimento de dever legal.
Também não será punível a conduta do agente no curso da
investigação, quando inexigível conduta diversa, nos termos do parágrafo
único do art. 13 da Lei de Organizações Criminosas.
Em atenção ao art. 17 do Código Penal, a atuação do agente
infiltrado não pode ser idêntica à do agente provocador.
O art. 13 da Lei de Organizações Criminosas prevê que o agente
que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a
finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.
Assim, mantém-se a necessidade de o magistrado delimitar
adequadamente a conduta do infiltrado na decisão deferitória, como
forma de resguardar os direitos de terceiros e também oferecer segurança
ao agente, que terá ciência dos limites de sua atuação.
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Bibliografia recomendada
Espínola Filho, Eduardo. Código de Processo Penal
brasileiro anotado. Vol. I. 1. ed. Atualizado por José Geraldo
da Silva e Wilson Lavorenti. Campinas: Bookseller, 2000.
Jesus, Damásio E. de; Bechara, Fábio Ramazzini. Agente
infiltrado: reflexos penais e processuais. Jus Navigandi,
Teresina, ano 9, n. 825, 6 out. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7360>.
Acesso em: 21 dez. 2009.
Moro, Sérgio Fernando. Crime de Lavagem de Dinheiro. São
Paulo: Saraiva, 2010.
Noronha, Edgard Magalhães. Curso de direito processual
penal. 21. ed. rev. e atual. São Paulo: Sarai-va, 1992.
Oneto, Isabel. O agente infiltrado. Contributo para a
Compreensão do Regime Jurídico das Acções Encobertas.
Coimbra: Coimbra Editora, 2005.
WOLFF, Rafael. Agentes infiltrados: o magistrado como
ferramenta de aprimoramento deste meio especial de
investigação. São Paulo: Almedina, 2012.