Este documento descreve uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra um prefeito e outras partes por realizarem um processo seletivo irregular para contratação temporária de servidores municipais. O processo seletivo foi anulado por ter sido realizado por empresa inexperiente e sem licitação, com indícios de favorecimento político. Os recursos dos réus foram parcialmente acolhidos para reduzir as penalidades.
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Apelação sobre improbidade em contratação irregular para teste seletivo
1. Apelação Cível n. 2013.001642-9, de Catanduvas
Relator: Des. Cesar Abreu
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA NEÓFITA E
DE FORMA DIRETA, SEM PROCESSO ADMINISTRATIVO
PRÉVIO, PARA REALIZAÇÃO DE TESTE SELETIVO PARA
ADMISSÃO DE PESSOAL EM CARÁTER TEMPORÁRIO.
CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO QUE IDENTIFICAM OPERAÇÃO
DE FAVORECIMENTO, EM MENOSCABO AOS PRINCÍPIOS DA
ISONOMIA E IMPESSOALIDADE. CERTAME ANULADO PELA
SENTENÇA E CONFIRMADO NESTA INSTÂNCIA. ATO
ÍMPROBO DEVIDAMENTE CARACTERIZADO. MATERIAL
PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO DOS
ENVOLVIDOS, INDEPENDENTEMENTE DO
APROVEITAMENTO DO EXAME GRAFOSCÓPICO,
REALIZADO SEM AS GARANTIAS ELEMENTARES
PROTETORAS DO DIREITO À AMPLA DEFESA,
IMPOSSIBILITADA A INDICAÇÃO DE ASSISTENTE TÉCNICO,
FORMULAÇÃO DE QUESITOS E DO CONHECIMENTO DE DIA
E LOCAL DE SUA REALIZAÇÃO. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES
PRESCRITAS NO ART. 12, III, DA LIA. NECESSIDADE DE
ADEQUAÇÃO. REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA CIVIL,
EXTENSIVA AO CORRÉU, EX OFFICIO. SANCIONAMENTO DO
ENTÃO PREFEITO TAMBÉM COM A SUSPENSÃO, EM PARTE,
DOS DIREITOS POLÍTICOS POR 3 ANOS. REEXAME
SUBSUMIDO AO PEDIDO RESSARCITÓRIO QUE DISPENSA
AJUSTE. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO ENTÃO PREFEITO
PROVIDO EM PARTE, PARA SIMPLES EQUAÇÃO DA MULTA
CIVIL.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2013.001642-9, da comarca de Catanduvas (Vara Única), em que é apte/apdo/rdoad
o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, apdos/aptes Jairo Casara e
apdo/apte/rtead Edegar Antonio Felippe e outro:
2. A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, dar
parcial provimento ao recurso do Ministério Público e do réu Jairo Casara, negar
provimento ao reexame necessário e, de ofício, adequar a multa civil aplicada ao
corréu Edegar Antônio Felippe. Inclua-se Jairo Casara no rol do "Cadastro Nacional
de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que implique
Inelegibilidade - CNCIAI", à vista da aplicação da sanção de suspensão dos direitos
políticos. Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 14 de outubro de 2014, foi presidido pelo
signatário, com voto, e dele participaram o Excelentíssimo Senhor Desembargador
Pedro Manoel Abreu e o Excelentíssimo Senhor Desembargador Paulo Ricardo
Bruschi. Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo
Senhor Doutor Mário Gemim.
Florianópolis, 22 de outubro de 2014.
Cesar Abreu
PRESIDENTE E RELATOR
Gabinete Des. Cesar Abreu
3. RELATÓRIO
Cuida-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa
proposta pelo Ministério Público contra o então prefeito do Município de Vargem
Bonita, Jairo Casara, o Instituto FAEE S/C Ltda. e seu representante legal Edegar
Antônio Felippe, na qual lhes é atribuida a responsabilidade pela realização de
processo seletivo simplificado, para contratação em caráter temporário de servidores
municipais, à revelia dos princípios constitucionais e administrativos que informam os
atos da administração pública, e em flagrante favorecimento pessoal, para atender
pessoas próximas e simpatizantes políticos.
Julgada procedente a ação, e condenados ao ressarcimento integral dos
danos ao erário, à devolução dos valores da inscrição aos candidatos do concurso
anulado, à multa civil e à proibição de contratar com o poder público, com o
enquadramento na figura do art. 11 da LIA e sanções do art. 12, III, do mesmo
diploma legal, vieram os recursos de apelação.
O Ministério Público propugna pela aplicação ao Prefeito da sanção de
suspensão dos direitos políticos.
O então Prefeito, após invocar cerceamento de defesa, por falta de
acesso à integralidade dos documentos que materializaram a peça acusatória e
discutir a nulidade da perícia realizada, não oportunizada, sequer, a indicação de
assistente técnico e formulação de quesitos, defende a legalidade e moralidade do
processo seletivo realizado, insistindo na ocorrência de erro em relação a uma
candidata, e na não aplicação ao caso concreto, ausente a violação dos princípios
que informam a Administração Pública, da lei de improbidade. Alternativamente,
busca a redução da pena de multa civil.
Os réus Instituto FAEE S/C Ltda. e seu representante Edegar Antônio
Felippe, que não tiveram conhecido o apelo que interpuseram, por intempestivo,
buscaram, com a utilização do recurso adesivo, ver examinadas as suas respectivas
pretensões, voltadas à improcedência da ação.
O Município de Vargem Bonita, embora tenha apresentado contestação
(fl.461), utilizando-se dos mesmos argumentos da defesa do então Prefeito, não
ofereceu recurso.
Com as contrarrazões os autos ascenderam a esta instância, e adouta
Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. André Carvalho, opinou
pelo desprovimento do recurso do então Prefeito e pelo não conhecimento do adesivo
dos demais corréus, bem assim pelo acolhimento do reclamo do Ministério Público
para incluir na condenação do Prefeito a suspensão dos direitos políticos.
Este é o relatório.
VOTO
De início, é preciso afirmar que o -recurso adesivo- é conhecido como
recurso de subordinação, vale dizer, está umbilicalmente ligado à existência de outro
recurso que lhe seja principal.
Gabinete Des. Cesar Abreu
4. Ora, in casu, pretendem os recorrentes adesivos aproveitar-se da
apelação do Ministério Público. Entretanto, o recurso do Parquet é parcial, dirigido
com exclusividade à parte da sentença que condenou o então Prefeito Municipal,
nada dizendo com a condenação dos ora recorrentes, que já passou em julgado.
Portanto, não se conhece do recurso adesivo.
Quanto ao recurso do Ministério Público, do então Prefeito e à remessa,
esta apenas no que toca ao pedido ressarcitório, tem-se que algum ajuste se há de
conferir ao julgado.
Colho do desenvolver do feito que verdadeiramente existiu algum
percalço. Nada, entretanto, que possa sugerir ou caracterizar violação ao sagrado
direito de defesa, a justificar a anulação do processo.
É que não houve negativa de acesso a documentos, como quer fazer
crer o apelante, então Prefeito, nem se faz imprescindível para condenação por ato de
improbidade administrativa, considerar o que traduzido pelo Laudo Pericial do Instituto
de Criminalística (fls. 787-932), consubstanciado em exame grafoscópico.
Melhor explicando. Determinada a busca e apreensão das provas e dos
documentos relativos ao concurso público aberto pelo Edital n. 001/2005 (cópia da
decisão liminar à fls. 542-559) e remetidos à Delegacia de Polícia, por solicitação
daquela autoridade para instruir Inquérito Policial e para realização de Perícia Técnica
no IGP (fls.333 e v.), instado para o exercício da defesa preliminar o Alcaide
compareceu aos autos e apresentou manifestação sem nenhua insinuação de
cerceamento; antes, pelo contrário, baseou essa sua peça defensiva na negativa
absoluta de qualquer envolvimento no certame que correu sob a inteira
responsabilidade da empresa contratada (fl. 337, item 2º), tendo afirmado, ainda, que
-sequer tivemos oportunidade de ver as provas/testes aplicados-.
Por ocasião da contestação é que surge a primeira alegação de
cerceamento quanto ao exame dos documentos apreendidos, juntando certidão na
qual a escrivã judicial dá conta de indeferimento verbal do juiz quanto ao acesso
respectivo e remessa destes à Delegacia de Polícia (fl. 482, item 12 e certidão de fl.
486). Reprisa a defesa, a par do antes evidenciado, que o então Prefeito não teve -a
oportunidade de ver as provas/testes aplicados-, visto que tudo ficou sob a
responsabilidade da empresa contratada para o certame (fl. 480, item 2º).
Ora, se a defesa se concentra na absoluta ausência de conhecimento ou
responsabilidade do Prefeito quanto à aplicação das provas e correções do teste
seletivo, com toda a certeza não lhe era indispensável, para a defesa, conhecer e
examinar essas provas, cartões-controle e correções realizadas, pois não envolvido
com o assunto.
De qualquer forma, a ausência desses documentos nos autos, às
inteiras, não elimina a possibilidade de acesso para o advogado. Assim, não basta
alegar o cerceamento de defesa, seria necessário demonstrar que perante a
autoridade policial não teve franqueada a vista desses documentos. E mais, como dito
acima, que esse exame seria indispensável à sua defesa, o que não é o caso, com
toda a certeza, quando insiste que nada tem com a elaboração, aplicação e correção
do teste seletivo.
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5. Quanto ao laudo da perícia técnica, não há negar que elaborado por
peritos competentes e idôneos; entretanto, ao arrepio do que exige a lei processual,
uma vez não possibilitada a indicação de assistente técnico ou a elaboração de
quesitos. Aliás, tão-logo apresentado o laudo seguiram-se as razões finais do
Ministério Público e da defesa, não oportunizada a fala quanto à prova feita, nem a
formulação de pedido de esclarecimentos. Ademais, como visto, nem sequer foram
comunicados às partes a data e o local para a realização da perícia, o que também
contamina de nulidade o ato.
O que se viu no processo foi o atropelo e a perda de um elemento de
prova. Entretanto, como o magistrado não está adstrito ao laudo pericial, podendo
formar o seu convencimento com outros elementos ou fatos provados nos autos, na
forma do art. 436 do CPC, não há impedimento para que se prossiga no julgamento
do recurso, eliminado que seja esse elemento de convicção.
Pois bem. Está amplamente demonstrado nos autos que a empresa
Instituto FAEE S/C Ltda. foi contratada pela Municipalidade sem deter nenhum
experiência na área de testes seletivos ou concursos públicos. E o que é pior, por
contratação direta, à margem da competitividade, pelo só fato de estar prestando ao
Município outros serviços, na área contábil.
Vem a público, pois, que o concurso público foi realizado por empresa
que não participou de processo licitatório. Mesmo o processo de dispensa ou
inexigibilidade, o que também não seria o caso, não aceita a contratação direta, à
revelia de procedimento administrativo prévio, exatamente por criar nulidade do
certame por vício proveniente da quebra da isonomia e da impessoalidade.
Essa inexperiência é reconhecida tanto pelo Município (fl. 462), como
pelo próprio INSTITUTO (fl. 683), o qual busca afastar qualquer eiva de dolo ou má fé,
atribuindo a uma falha ou erro a aprovação de uma analfabeta, quando apenas os
alfabetizados estavam legitimados a competir.
Ora, a falta de competição para contratação de empresa para realização
de concurso já se mostra um fato inusitado, contrário à lei. A contratação de uma
empresa sem nenhuma experiência no ramo do concurso público, um fato temerário.
O digno Magistrado, quanto ao fato, foi cirúrgico, iniciando por proclamar
essas duas verdades, comprometedoras do certame. Agregou, pondo em xeque toda
a lisura do teste seletivo à aprovação da candidata analfabeta. Desvio ou erro, como
dizem os réus, em tudo e por tudo grave.
A esse enredo de desvio de finalidade, que ultrapassa a seara do
simples erro, soma-se um conjunto de elementos de convicção, a partir da prova
testemunhal, cuja transcrição deixo de reproduzir, que justifica apreender que por
detrás estava o interesse de beneficiar pessoas determinadas, ligadas à campanha
eleitoral do então Prefeito. Basta a leitura dos depoimentos de Ivete (fls. 290-291),
Therezinha (fls. 287-289), Salete Geneci (fls.292-293), Eliana (fl.294), Roberta (fls.
295-296), Marli (fls. 297-298), e Salete Moreira (fls. 299-300), todos reproduzidos pela
sentença impugnada dando conta exatamente dos benefícios e beneficiários do teste
seletivo, e do interesse político de acomodar correligionários, embora não só.
Portanto, andou bem o douto Togado, primeiro ao reconhecer a nulidade
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6. do processo seletivo, contaminado antes mesmo do ingresso dos candidatos na sala
de provas, seja pela contratação de empresa sem licitação e inexperiente, seja pelo
interesse político subjacente.
Não há, ademais, negar o consenso e a convergência de vontades entre
o então Prefeito, o Instituto e o seu representante legal, e por corolário o dolo e a
má-fé, tanto quanto o dano ao erário. A improbidade está caracterizada, tendo seu
nascedouro com a contratação da empresa contábil, de confiança do Prefeito, embora
sem um único certame realizado adredemente, que se submeteu e se subordinou aos
caprichos e influência nefasta do então Prefeito, com o propósito único de favorecer
correligionários e criar prestígio político quanto aos demais agraciados.
As contratações, algumas suspensas e outras revogadas por decisão
judicial em medida cautelar - e documentadas pela Portaria n. 126, de 12-5-2005 -
nos 60 dias seguintes à homologação dos aprovados, far-se-iam e se fizeram por
prazo determinado (Lei Complementar Municipal n. 025/99), obviamente já expirado,
passados na atualidade nove (9) anos do fato. Essa desconstituição dos atos para
aqueles que já haviam sido nomeados, em se tratando de contratação temporária,
embora pudesse surgir alguma dúvida, dispensam a essa altura processo
administrativo, na medida em que nesse tipo de contratação a extinção da relação
jurídica de direito administrativo se faz unilateralmente pela vontade da administração
(TJSC, Ap. Cív n. 2008.003778-8, rel. Des. Jaime Ramos), in casu, substituída pela
providência judicial, em nome e em defesa da moralidade pública.
Isso posto, a condenação do então Prefeito é de ser agravada com a
suspensão dos direitos políticos por três (3) anos.
A multa civil deve ser adequada, observados os princípios da
razoabilidade e proporcionalidade, sendo reduzida para cinco (5) vezes a
remuneração líquida do Prefeito Municipal à época, com a atualização
correspondente, aplicáveis os índices divulgados pela Corregedoria-Geral da Justiça.
De ofício, revejo a multa civil estabelecida ao corréu, à vista do prescrito
pelo art. 509 do CPP, aplicável subsidiariamente, e a fixo em R$15.000,00 (quinze mil
reais), e acréscimos legais (juros de mora e correção monetária pelos mesmos
índices), desta decisão até o efetivo pagamento.
Diante do exposto, dá-se parcial provimento ao recurso do Ministério
Público e do réu Jairo Casara, negando-se provimento à remessa. De ofício, ajusta-se
a multa civil aplicada ao corréu Edegar Antônio Felippe.
Inclua-se Jairo Casara no rol do "Cadastro Nacional de Condenados por
Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que implique Inelegibilidade - CNCIAI", à
vista da aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos.
Este é o voto.
Gabinete Des. Cesar Abreu