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DELEGADO DA POLICIA CIVIL
Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
1
COMPILAÇÃO JURISPRUDENCIAL
Informativos:
Informativo nº 0552
Período: 17 de dezembro de 2014.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO INDEVIDO DA ATIVIDADE PROBATÓRIA
DAS PARTES EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE MATERNIDADE.
Definiu-se não ser possível julgar improcedente pedido de reconhecimento post mortem de maternidade
socioafetiva sem que se tenha viabilizado a realização de instrução probatória, ante o julgamento
antecipado da lide (art. 330, I, do CPC), na seguinte situação: i) a autora ingressou com pedido de
reconhecimento da existência de filiação socioafetiva, com a manutenção de sua mãe registral em seu
assentamento de nascimento; ii) o pedido foi fundado na alegação de que a pretensa mãe adotiva e sua
mãe registral procederam, em conjunto, à denominada “adoção à brasileira” da demandante, constando
do registro apenas uma delas porque, à época, não era admitida união homoafetiva pelo ordenamento
jurídico nacional; iii) argumentou-se que a autora foi criada, como se filha fosse, por ambas as "mães",
indistintamente, e mesmo após o rompimento do relacionamento delas, encontrando-se, por isso,
estabelecido o vínculo socioafetivo, a propiciar o reconhecimento judicial da filiação pretendida; e iv) o
julgamento de improcedência foi fundado na constatação de não ter sido demonstrado nos autos que a
mãe socioafetiva teve, efetivamente, a pretensão de "adotar" a autora em conjunto com a mãe registral
e, também, no entendimento de que elas não formavam um casal homossexual, como sugere a
demandante, pois, posteriormente, a mãe registral casou-se com um homem, com quem formou núcleo
familiar próprio. No caso descrito, o proceder do julgador, ao não permitir que a autora demonstrasse os
fatos alegados, configura cerceamento de defesa. De fato, o estabelecimento da filiação socioafetiva
demanda a coexistência de duas circunstâncias bem definidas e dispostas, necessariamente, na
seguinte ordem: i) vontade clara e inequívoca do apontado pai ou mãe socioafetivo, ao despender
expressões de afeto à criança, de ser reconhecido, voluntária e juridicamente como tal; e ii)
configuração da denominada “posse de estado de filho”, compreendido pela doutrina como a presença
(não concomitante) de tractatus (tratamento, de parte à parte, como pai/mãe e filho); nomen (a pessoa
traz consigo o nome do apontado pai/mãe); e fama (reconhecimento pela família e pela comunidade de
relação de filiação), que naturalmente deve apresentar-se de forma sólida e duradoura. Nesse contexto,
para o reconhecimento da filiação socioafetiva, a manifestação quanto à vontade e à voluntariedade do
apontado pai ou mãe de ser reconhecido juridicamente como tal deve estar absolutamente comprovada
nos autos, o que pode ser feito por qualquer meio idôneo e legítimo de prova. Todavia, em
remanescendo dúvidas quanto à verificação do apontado requisito, após concedida oportunidade à
parte de demonstrar os fatos alegados, há que se afastar, peremptoriamente, a configuração da filiação
socioafetiva. Por oportuno, é de se ressaltar, inclusive, que a robustez da prova, na hipótese dos autos,
há de ser ainda mais contundente, a considerar que o pretendido reconhecimento de filiação
socioafetiva refere-se a pessoa já falecida. Nada obstante, não se pode subtrair da parte a oportunidade
de comprovar suas alegações. Ademais, cabe ressaltar que o casamento da pretensa mãe com um
homem, em momento posterior, não significaria que aquele alegado relacionamento com a mãe
registral nunca existiu e, principalmente, que não teria havido, por parte delas, a intenção conjunta de
"adotar" a demandante, que, segundo alega e pretende demonstrar, fora criada como se filha fosse
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DELEGADO DA POLICIA CIVIL
Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
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pelas referidas senhoras, mesmo depois do rompimento deste relacionamento. Por fim, deve-se
consignar ao menos a possibilidade jurídica do pedido posto na inicial, acerca da dupla maternidade,
conforme já reconhecido por esta Corte de Justiça por ocasião do julgamento do REsp 889.852-RS,
Quarta Turma, DJe 10/8/2010 (ressalvadas as particularidades do caso ora sob exame). Efetivamente,
em atenção às novas estruturas familiares, baseadas no princípio da afetividade jurídica (a permitir, em
última análise, a realização do indivíduo como consectário da dignidade da pessoa humana), a
coexistência de relações filiais ou a denominada multiplicidade parental, compreendida como expressão
da realidade social, não pode passar despercebida pelo direito. Desse modo, há que se conferir à parte
o direito de produzir as provas destinadas a comprovar o estabelecimento das alegadas relações
socioafetivas, que pressupõem, como assinalado, a observância dos requisitos acima referidos. REsp
1.328.380-MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/10/2014.
Informativo nº 0551
Período: 3 de dezembro de 2014.
Terceira Turma
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE POR
ASCENDENTES.
Admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades
do caso analisado: os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual
já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com exclusividade, as
funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o
adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua
mãe biológica como irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram
expressamente com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no
adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão de adoção. De fato, a
adoção de descendentes por ascendentes passou a ser censurada sob o fundamento de que, nessa
modalidade, havia a predominância do interesse econômico, pois as referidas adoções visavam,
principalmente, à possibilidade de se deixar uma pensão em caso de falecimento, até como ato de
gratidão, quando se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos difíceis. Ademais,
fundamentou-se a inconveniência dessa modalidade de adoção no argumento de que haveria quebra
da harmonia familiar e confusão entre os graus de parentesco, inobservando-se a ordem natural
existente entre parentes. Atento a essas críticas, o legislador editou o § 1º do art. 42 do ECA, segundo o
qual “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, visando evitar que o instituto fosse
indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscando
proteger o adotando em relação a eventual confusão mental e patrimonial decorrente da transformação
dos avós em pais e, ainda, com a justificativa de proteger, essencialmente, o interesse da criança e do
adolescente, de modo que não fossem verificados apenas os fatores econômicos, mas principalmente o
lado psicológico que tal modalidade geraria no adotado. No caso em análise, todavia, é inquestionável a
possibilidade da mitigação do § 1º do art. 42 do ECA, haja vista que esse dispositivo visa atingir
situação distinta da aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA (“Esta Lei dispõe sobre a
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proteção integral à criança e ao adolescente”) e do art. 6º desse mesmo diploma legal (“Na
interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem
comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente
como pessoas em desenvolvimento”), deve-se conferir prevalência aos princípios da proteção integral e
da garantia do melhor interesse do menor. Ademais, o § 7º do art. 226 da CF deu ênfase à família,
como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, de modo que o direito das famílias está ligado
ao princípio da dignidade da pessoa humana de forma molecular. É também com base em tal princípio
que se deve solucionar o caso analisado, tendo em vista se tratar de supraprincípio constitucional.
Nesse contexto, não se pode descuidar, no direito familiar, de que as estruturas familiares estão em
mutação e, para se lidar com elas, não bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em
diversas áreas, levando-se em conta aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração.
Dessa maneira, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e fazer da letra do § 1º do art.
42 do ECA tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação restrita do referido dispositivo,
aplicando-o, por consequência, de forma estrábica e, dessa forma, pactuando com a injustiça. No caso
analisado, não se trata de mero caso de adoção de neto por avós, mas sim de regularização de filiação
socioafetiva. Deixar de permitir a adoção em apreço implicaria inobservância aos interesses básicos do
menor e ao princípio da dignidade da pessoa humana. REsp 1.448.969-SC, Rel. Min. Moura Ribeiro,
julgado em 21/10/2014.
Informativo nº 0551
Período: 3 de dezembro de 2014.
Sexta Turma
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS DA INFÂNCIA E
DA JUVENTUDE POR LEI ESTADUAL.
Lei estadual pode conferir poderes ao Conselho da Magistratura para, excepcionalmente, atribuir aos
Juizados da Infância e da Juventude competência para processar e julgar crimes contra a dignidade
sexual em que figurem como vítimas crianças ou adolescentes. Embora haja precedentes do STJ em
sentido contrário, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, é de se seguir o entendimento
assentado nas duas Turmas do STF no sentido de ser possível atribuir à Justiça da Infância e da
Juventude, entre outras competências, a de processar e julgar crimes de natureza sexuais praticados
contra crianças e adolescentes. Precedentes citados do STF: HC 113.102-RS, Primeira Turma, DJe
18/2/2013; e HC 113.018-RS, Segunda Turma, DJe 14/11/2013. HC 238.110-RS, Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, julgado em 26/8/2014 (Vide Informativo nº 529).
Informativo nº 0549
Período: 5 de novembro de 2014.
Terceira Turma
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Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
4
DIREITO CIVIL. APLICABILIDADE DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO CASO DE
DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS.
Tem direito a ser indenizada, com base na teoria da perda de uma chance, a criança que, em razão da
ausência do preposto da empresa contratada por seus pais para coletar o material no momento do
parto, não teve recolhidas as células-tronco embrionárias. No caso, a criança teve frustrada a chance
de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se eventualmente fosse preciso, fazer
uso delas em tratamento de saúde. Não se está diante de situação de dano hipotético – o que não
renderia ensejo a indenização – mas de caso claro de aplicação da teoria da perda de uma chance,
desenvolvida na França (la perte d'une chance) e denominada na Inglaterra de loss-of-a-chance. No
caso, a responsabilidade é por perda de uma chance por serem as células-tronco, cuja retirada do
cordão umbilical deve ocorrer no momento do parto, o grande trunfo da medicina moderna para o
tratamento de inúmeras patologias consideradas incuráveis. É possível que o dano final nunca venha a
se implementar, bastando que a pessoa recém-nascida seja plenamente saudável, nunca
desenvolvendo qualquer doença tratável com a utilização das células-tronco retiradas do seu cordão
umbilical. O certo, porém, é que perdeu, definitivamente, a chance de prevenir o tratamento dessas
patologias. Essa chance perdida é, portanto, o objeto da indenização. REsp 1.291.247-RJ, Rel. Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 19/8/2014.
Informativo nº 0546
Período: 24 de setembro de 2014.
Primeira Seção
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO A CRIANÇA OU
ADOLESCENTE SOB GUARDA JUDICIAL.
No caso em que segurado de regime previdenciário seja detentor da guarda judicial de criança ou
adolescente que dependa economicamente dele, ocorrendo o óbito do guardião, será assegurado o
benefício da pensão por morte ao menor sob guarda, ainda que este não tenha sido incluído no rol de
dependentes previsto na lei previdenciária aplicável. O fim social da lei previdenciária é abarcar as
pessoas que foram acometidas por alguma contingência da vida. Nesse aspecto, o Estado deve cumprir
seu papel de assegurar a dignidade da pessoa humana a todos, em especial às crianças e aos
adolescentes, cuja proteção tem absoluta prioridade. O ECA não é uma simples lei, uma vez que
representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento do
mandamento previsto no art. 227 da CF. Ademais, não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica
conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de
proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do
Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. Desse
modo, embora a lei previdenciária aplicável ao segurado seja lei específica da previdência social, não
menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica que confere ao menor sob guarda a
condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, do ECA). RMS
36.034-MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/2/2014.
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DELEGADO DA POLICIA CIVIL
Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
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Informativo nº 0546
Período: 24 de setembro de 2014.
Sexta Turma
DIREITO PENAL. AGRAVANTES NO CRIME DE INTRODUÇÃO DE MOEDA FALSA EM
CIRCULAÇÃO.
Nos casos de prática do crime de introdução de moeda falsa em circulação (art. 289, § 1º, do CP), é
possível a aplicação das agravantes dispostas nas alíneas "e" e "h" do inciso II do art. 61 do CP,
incidentes quando o delito é cometido “contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge” ou “contra
criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida”. De fato, a fé pública do Estado é o
bem jurídico tutelado no delito do art. 289, § 1º, do CP. Isso, todavia, não induz à conclusão de que o
Estado seja vítima exclusiva do delito. Com efeito, em virtude da diversidade de meios com que a
introdução de moeda falsa em circulação pode ser perpetrada, não há como negar que vítima pode ser,
além do Estado, uma pessoa física ou um estabelecimento comercial, dado o notório prejuízo
experimentado por esses últimos. Efetivamente, a pessoa a quem, eventualmente, são passadas
cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e definidor do grau de facilidade com que o crime
será praticado, e a fé pública, portanto, atingida. A propósito, a maior parte da doutrina não vê
empecilho para que figure como vítima nessa espécie de delito a pessoa diretamente ofendida. HC
211.052-RO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em
5/6/2014.
Informativo nº 0544
Período: 27 de agosto de 2014.
Sexta Turma
DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA
POR PRISÃO DOMICILIAR (ART. 318 DO CPP).
É possível a substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar, quando demostrada a
imprescindibilidade de cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade (art. 318, III, do CPP) e
o decreto prisional não indicar peculiaridades concretas a justificar a manutenção da segregação
cautelar em estabelecimento prisional. Na situação em análise, não se mostra adequada a manutenção
do encarceramento do paciente quando presente um dos requisitos do art. 318 do CPP. Ademais, a
prisão domiciliar, na hipótese, revela-se adequada para garantir a ordem pública, sobretudo por não
haver, no decreto prisional, demonstração de periculosidade concreta, a evidenciar que a cautela
extrema seria a única medida a tutelar a ordem pública. Além disso, a substituição da prisão preventiva
se justifica, por razões humanitárias, além de ser útil e razoável como alternativa à prisão ad custodiam.
Ressalte-se a posição central, em nosso ordenamento jurídico, da doutrina da proteção integral e do
princípio da prioridade absoluta, previstos no art. 227 da CF, no ECA e, ainda, na Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Decreto 99.710/1990. Portanto, atendidos os
requisitos legais e em nome da dignidade da pessoa humana, bem como da proteção integral da
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Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
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criança, é possível substituir a prisão preventiva do paciente por prisão domiciliar. HC 291.439-SP, Rel.
Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/5/2014.
Informativo nº 0543
Período: 13 de agosto de 2014.
Sexta Turma
DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO TIPO DE FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO DE
ADOLESCENTE.
O cliente que conscientemente se serve da prostituição de adolescente, com ele praticando conjunção
carnal ou outro ato libidinoso, incorre no tipo previsto no inciso I do § 2º do art. 218-B do CP
(favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de
vulnerável), ainda que a vítima seja atuante na prostituição e que a relação sexual tenha sido eventual,
sem habitualidade. Assim dispõe o art. 218-B do CP, incluído pela Lei 12.015/2009: “Submeter, induzir
ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que,
por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos”. O inciso
I do § 2º do referido artigo, por sua vez, prescreve o seguinte: “Incorre nas mesmas penas: I - quem
pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14
(catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo”. Da análise da previsão típica do art. 218-B
do CP, especialmente do inciso I do § 2º, extrai-se que o fato de já ser a vítima corrompida, atuante na
prostituição, é irrelevante para o tipo penal. Não se pune a provocação de deterioração moral, mas o
incentivo à atividade de prostituição, inclusive por aproveitamento eventual dessa atividade como
cliente. Pune-se não somente quem atua para a prostituição do adolescente – induzindo, facilitando ou
submetendo à prática ou, ainda, dificultando ou impedindo seu abandono –, mas também quem se
serve desta atividade. Trata-se de ação político-social de defesa do adolescente, mesmo contra a
vontade deste, pretendendo afastá-lo do trabalho de prostituição pela falta de quem se sirva de seu
atendimento. A condição de vulnerável é no tipo penal admitida por critério biológico ou etário, neste
último caso pela constatação objetiva da faixa etária, de 14 a 18 anos, independentemente de
demonstração concreta dessa condição de incapacidade plena de auto-gestão. O tipo penal, tampouco,
faz qualquer exigência de habitualidade da mantença de relações sexuais com adolescente submetido
à prostituição. Habitualidade há na atividade de prostituição do adolescente, não nos contatos com
aquele que de sua atividade serve-se. Basta único contato consciente com adolescente submetido à
prostituição para que se configure o crime. A propósito, não tem relação com a hipótese em análise os
precedentes pertinentes ao art. 244-A do ECA, pois nesse caso é exigida a submissão (condição de
poder sobre alguém) à prostituição (esta atividade sim, com habitualidade). No art. 218-B, § 2º, I, pune-
se outra ação, a mera prática de relação sexual com adolescente submetido à prostituição – e nessa
conduta não se exige reiteração, poder de mando, ou introdução da vítima na habitualidade da
prostituição. HC 288.374-AM, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/6/2014.
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Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
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Informativo nº 0543
Período: 13 de agosto de 2014.
Sexta Turma
DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DE GRAVAÇÃO TELEFÔNICA COMO PROVA DE
CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL.
Em processo que apure a suposta prática de crime sexual contra adolescente absolutamente incapaz, é
admissível a utilização de prova extraída de gravação telefônica efetivada a pedido da genitora da
vítima, em seu terminal telefônico, mesmo que solicitado auxílio técnico de detetive particular para a
captação das conversas. Consoante dispõe o art. 3°, I, do CC, são absolutamente incapazes os
menores de dezesseis anos, não podendo praticar ato algum por si, de modo que são representados
por seus pais. Assim, é válido o consentimento do genitor para gravar as conversas do filho menor. De
fato, a gravação da conversa, em situações como a ora em análise, não configura prova ilícita, visto que
não ocorre, a rigor, uma interceptação da comunicação por terceiro, mas mera gravação, com auxílio
técnico de terceiro, pelo proprietário do terminal telefônico, objetivando a proteção da liberdade sexual
de absolutamente incapaz, seu filho, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que
são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância. A presente hipótese se
assemelha, em verdade, à gravação de conversa telefônica feita com a autorização de um dos
interlocutores, sem ciência do outro, quando há cometimento de crime por este último, situação já
reconhecida como válida pelo STF (HC 75.338, Tribunal Pleno, DJ 25/9/1998). Destaque-se que a
proteção integral à criança, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação
constante de nosso Estado, constitucionalmente garantida em caráter prioritário (art. 227, caput, c/c o §
4º, da CF), e de instrumentos internacionais. Com efeito, preceitua o art. 34, "b", da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução 44/25 da ONU, em 20/11/1989, e
internalizada no ordenamento jurídico nacional mediante o DL 28/1990, verbis: “Os Estados-partes se
comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse
sentido, os Estados-parte tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e
multilateral que sejam necessárias para impedir: (...) b) a exploração da criança na prostituição ou
outras práticas sexuais ilegais; (...)”. Assim, é inviável inquinar de ilicitude a prova assim obtida,
prestigiando o direito à intimidade e privacidade do acusado em detrimento da própria liberdade sexual
da vítima absolutamente incapaz e em face de toda uma política estatal de proteção à criança e ao
adolescente, enquanto ser em desenvolvimento. REsp 1.026.605-ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 13/5/2014.
Informativo nº 0541
Período: 11 de junho de 2014.
Segunda Seção
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO
DE ALIMENTOS EM PROVEITO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE. RECURSO REPETITIVO (ART.
543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
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DELEGADO DA POLICIA CIVIL
Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
8
O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou
adolescente, independentemente do exercício do poder familiar dos pais, ou de o infante se encontrar
nas situações de risco descritas no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ou de
quaisquer outros questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública na
comarca. De fato, o art. 127 da CF traz, em seu caput, a identidade do MP, seu núcleo axiológico, sua
vocação primeira, que é ser “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”. Ademais, nos incisos I a VIII do mesmo dispositivo, a CF indica, de forma meramente
exemplificativa, as funções institucionais mínimas do MP, trazendo, no inciso IX, cláusula de abertura
que permite à legislação infraconstitucional o incremento de outras atribuições, desde que compatíveis
com a vocação constitucional do MP. Diante disso, já se deduz um vetor interpretativo invencível: a
legislação infraconstitucional que se propuser a disciplinar funções institucionais do MP poderá apenas
elastecer seu campo de atuação, mas nunca subtrair atribuições já existentes no próprio texto
constitucional ou mesmo sufocar ou criar embaraços à realização de suas incumbências centrais, como
a defesa dos “interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF) ou do respeito “aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (art. 129, II, da
CF). No ponto, não há dúvida de que a defesa dos interesses de crianças e adolescentes, sobretudo no
que concerne à sua subsistência e integridade, insere-se nas atribuições centrais do MP, como órgão
que recebeu a incumbência constitucional de defesa dos interesses individuais indisponíveis. Nesse
particular, ao se examinar os principais direitos da infância e juventude (art. 227, caput, da CF),
percebe-se haver, conforme entendimento doutrinário, duas linhas principiológicas básicas bem
identificadas: de um lado, vige o princípio da absoluta prioridade desses direitos; e, de outro lado, a
indisponibilidade é sua nota predominante, o que torna o MP naturalmente legitimado à sua defesa.
Além disso, é da própria letra da CF que se extrai esse dever que transcende a pessoa do familiar
envolvido, mostrando-se eloquente que não é só da família, mas da sociedade e do Estado, o dever de
assegurar à criança e ao adolescente, “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação” (art. 227, caput), donde se extrai o interesse público e indisponível envolvido em ações
direcionadas à tutela de direitos de criança e adolescente, das quais a ação de alimentos é apenas um
exemplo. No mesmo sentido, a CF consagra como direitos sociais a “alimentação” e “a proteção à
maternidade e à infância” (art. 6º), o que reforça entendimento doutrinário segundo o qual, em se
tratando de interesses indisponíveis de crianças ou adolescentes (ainda que individuais), e mesmo de
interesses coletivos ou difusos relacionados com a infância e a juventude, sua defesa sempre convirá à
coletividade como um todo. Além do mais, o STF (ADI 3.463, Tribunal Pleno, DJe 6/6/2012) acolheu
expressamente entendimento segundo o qual norma infraconstitucional que, por força do inciso IX do
art. 129 da CF, acresça atribuições ao MP local relacionadas à defesa da criança e do adolescente, é
consentânea com a vocação constitucional do Parquet. Na mesma linha, é a jurisprudência do STJ em
assegurar ao MP, dada a qualidade dos interesses envolvidos, a defesa dos direitos da criança e do
adolescente, independentemente de se tratar de pessoa individualizada (AgRg no REsp 1.016.847-SC,
Segunda Turma, DJe 7/10/2013; e EREsp 488.427-SP, Primeira Seção, DJe 29/9/2008). Ademais, não
há como diferenciar os interesses envolvidos para que apenas alguns possam ser tutelados pela
atuação do MP, atribuindo-lhe legitimidade, por exemplo, em ações que busquem tratamento médico de
criança e subtraindo dele a legitimidade para ações de alimentos, haja vista que tanto o direito à saúde
quanto o direito à alimentação são garantidos diretamente pela CF com prioridade absoluta (art. 227,
caput), de modo que o MP detém legitimidade para buscar, identicamente, a concretização, pela via
judicial, de ambos. Além disso, não haveria lógica em reconhecer ao MP legitimidade para ajuizamento
de ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos, ou mesmo a legitimidade recursal em
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DELEGADO DA POLICIA CIVIL
Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
9
ações nas quais intervém – como reiteradamente vem decidindo a jurisprudência do STJ (REsp
208.429-MG, Terceira Turma, DJ 1/10/2001; REsp 226.686-DF, Quarta Turma, DJ 10/4/2000) –,
subtraindo-lhe essa legitimação para o ajuizamento de ação unicamente de alimentos, o que contrasta
com o senso segundo o qual quem pode mais pode menos. De mais a mais, se corretamente
compreendida a ideologia jurídica sobre a qual o ECA, a CF e demais diplomas internacionais foram
erguidos, que é a doutrina da proteção integral, não se afigura acertado inferir que o art. 201, III, do
ECA – segundo o qual compete ao MP promover e acompanhar as ações de alimentos e os
procedimentos de suspensão e destituição do poder familiar, nomeação e remoção de tutores,
curadores e guardiães, bem como oficiar em todos os demais procedimentos da competência da Justiça
da Infância e da Juventude – só tenha aplicação nas hipóteses previstas no art. 98 do mesmo diploma,
ou seja, quando houver violação de direitos por parte do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais
ou em razão da conduta da criança ou adolescente, ou ainda quando não houver exercício do poder
familiar. Isso porque essa solução implicaria ressurgimento do antigo paradigma superado pela doutrina
da proteção integral, vigente durante o Código de Menores, que é a doutrina do menor em situação
irregular. Nesse contexto, é decorrência lógica da doutrina da proteção integral o princípio da
intervenção precoce, expressamente consagrado no art. 100, parágrafo único, VI, do ECA, tendo em
vista que há que se antecipar a atuação do Estado exatamente para que o infante não caia no que o
Código de Menores chamava situação irregular, como nas hipóteses de maus-tratos, violação extrema
de direitos por parte dos pais e demais familiares. Além do mais, adotando-se a solução contrária,
chegar-se-ia em um círculo vicioso: só se franqueia ao MP a legitimidade ativa se houver ofensa ou
ameaça a direitos da criança ou do adolescente, conforme previsão do art. 98 do ECA. Ocorre que é
exatamente mediante a ação manejada pelo MP que se investigaria a existência de ofensa ou ameaça
a direitos. Vale dizer, sem ofensa não há ação, mas sem ação não se descortina eventual ofensa. Por
fim, não se pode confundir a substituição processual do MP – em razão da qualidade dos direitos
envolvidos, mediante a qual se pleiteia, em nome próprio, direito alheio –, com a representação
processual da Defensoria Pública. Realmente, o fato de existir Defensoria Pública relativamente
eficiente na comarca não se relaciona com a situação que, no mais das vezes, justifica a legitimidade
do MP, que é a omissão dos pais ou responsáveis na satisfação dos direitos mínimos da criança e do
adolescente, notadamente o direito à alimentação. É bem de ver que – diferentemente da substituição
processual do MP – a assistência judiciária prestada pela Defensoria Pública não dispensa a
manifestação de vontade do assistido ou de quem lhe faça as vezes, além de se restringir, mesmo no
cenário da Justiça da Infância, aos necessitados, no termos do art. 141, § 1º, do ECA. Nessas
situações, o ajuizamento da ação de alimentos continua ao alvedrio dos responsáveis pela criança ou
adolescente, ficando condicionada, portanto, aos inúmeros interesses rasteiros que, frequentemente,
subjazem ao relacionamento desfeito dos pais. Ademais, sabe-se que, em não raras vezes, os
alimentos são pleiteados com o exclusivo propósito de atingir o ex-cônjuge, na mesma frequência em
que a pessoa detentora da guarda do filho se omite no ajuizamento da demanda quando ainda
remanescer esperança no restabelecimento da relação. Enquanto isso, a criança aguarda a
acomodação dos interesses dos pais, que nem sempre coincidem com os seus. REsp 1.265.821-BA e
REsp 1.327.471-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 14/5/2014.
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DELEGADO DA POLICIA CIVIL
Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
10
Informativo nº 0540
Período: 28 de maio de 2014.
Sexta Turma
DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA NO CRIME DE FURTO.
Aplica-se o princípio da insignificância à conduta formalmente tipificada como furto consistente na
subtração, por réu primário, de bijuterias avaliadas em R$ 40 pertencentes a estabelecimento comercial
e restituídas posteriormente à vítima. De início, há possibilidade de, a despeito da subsunção formal de
um tipo penal a uma conduta humana, concluir-se pela atipicidade material da conduta, por diversos
motivos, entre os quais a ausência de ofensividade penal do comportamento verificado. Vale lembrar
que, em atenção aos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade, o Direito Penal apenas deve
ser utilizado contra ofensas intoleráveis a determinados bens jurídicos e nos casos em que os demais
ramos do Direito não se mostrem suficientes para protegê-los. Dessa forma, entende-se que o Direito
penal não deve ocupar-se de bagatelas. Nesse contexto, para que o magistrado possa decidir sobre a
aplicação do princípio da insignificância, faz-se necessária a ponderação do conjunto de circunstâncias
que rodeiam a ação do agente para verificar se a conduta formalmente descrita no tipo penal afeta
substancialmente o bem jurídico tutelado. Nessa análise, no crime de furto, avalia-se notadamente: a) o
valor do bem ou dos bens furtados; b) a situação econômica da vítima; c) as circunstâncias em que o
crime foi perpetrado, é dizer, se foi de dia ou durante o repouso noturno, se teve o concurso de terceira
pessoa, sobretudo adolescente, se rompeu obstáculo de considerável valor para a subtração da coisa,
se abusou da confiança da vítima etc.; e d) a personalidade e as condições pessoais do agente,
notadamente se demonstra fazer da subtração de coisas alheias um meio ou estilo de vida, com
sucessivas ocorrências (reincidente ou não). Assim, caso seja verificada a inexpressividade do
comportamento do agente, fica afastada a intervenção do Direito Penal. Precedentes citados do STJ:
AgRg no REsp 1.400.317-MG, Sexta Turma, DJe 13/12/2013; HC 208.770-RJ, Sexta Turma, DJe
12/12/2013. Precedentes citados do STF: HC 115.246-MG, Segunda Turma, DJe 26/6/2013; HC
109.134-RS, Segunda Turma, DJe 1º/3/2012. HC 208.569-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado
em 22/4/2014.
Informativo nº 0536
Período: 26 de março de 2014.
Quinta Turma
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REITERAÇÃO NA PRÁTICA DE ATOS INFRACIONAIS
GRAVES PARA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO.
Para se configurar a “reiteração na prática de atos infracionais graves” (art. 122, II, do ECA) – uma das
taxativas hipóteses de aplicação da medida socioeducativa de internação –, não se exige a prática de,
no mínimo, três infrações dessa natureza. Com efeito, de acordo com a jurisprudência do STF, não
existe fundamento legal para essa exigência. O aplicador da lei deve analisar e levar em consideração
as peculiaridades de cada caso concreto para uma melhor aplicação do direito. O magistrado deve
apreciar as condições específicas do adolescente – meio social onde vive, grau de escolaridade, família
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DELEGADO DA POLICIA CIVIL
Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
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– dentre outros elementos que permitam uma maior análise subjetiva do menor. Precedente citado do
STJ: HC 231.170-SP, Quinta Turma, DJe 19/4/2013. Precedente citado do STF: HC 84.218-SP,
Primeira Turma, DJe 18/4/2008. HC 280.478-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em
18/2/2014.
Informativo nº 0535
Período: 12 de março de 2014.
Quarta Turma
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MEDIDAS PROTETIVAS ACAUTELATÓRIAS DE VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER.
As medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) podem ser aplicadas em
ação cautelar cível satisfativa, independentemente da existência de inquérito policial ou processo
criminal contra o suposto agressor. O primeiro dado a ser considerado para compreensão da exata
posição assumida pela Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico pátrio é observar que o
mencionado diploma veio com o objetivo de ampliar os mecanismos jurídicos e estatais de proteção da
mulher. Por outra ótica de análise acerca da incidência dessa lei, mostra-se sintomático o fato de que a
Convenção de Belém do Pará – no que foi seguida pela norma doméstica de 2006 – preocupou-se
sobremaneira com a especial proteção da mulher submetida a violência, mas não somente pelo viés da
punição penal do agressor, mas também pelo ângulo da prevenção por instrumentos de qualquer
natureza, civil ou administrativa. Ora, parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica
contra a mulher pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a
resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas
vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou
gravíssimas. Na verdade, a Lei Maria da Penha, ao definir violência doméstica contra a mulher e suas
diversas formas, enumera, exemplificativamente, espécies de danos que nem sempre se acomodam na
categoria de bem jurídico tutelável pelo direito penal, como o sofrimento psicológico, o dano moral, a
diminuição da autoestima, a manipulação, a vigilância constante, a retenção de objetos pessoais, entre
outras formas de violência. Ademais, fica clara a inexistência de exclusividade de aplicação penal da Lei
Maria da Penha quando a própria lei busca a incidência de outros diplomas para a realização de seus
propósitos, como no art. 22, § 4º, a autorização de aplicação do art. 461, §§ 5º e 6º, do CPC; ou no art.
13, ao afirmar que "ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais [...] aplicar-
se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à
criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitem com o estabelecido nesta Lei". Analisada de outra
forma a controvérsia, se é certo que a Lei Maria da Penha permite a incidência do art. 461, § 5º, do
CPC para a concretização das medidas protetivas nela previstas, não é menos verdade que, como
pacificamente reconhecido pela doutrina, o mencionado dispositivo do diploma processual não
estabelece rol exauriente de medidas de apoio, o que permite, de forma recíproca e observados os
específicos requisitos, a aplicação das medidas previstas na Lei Maria da Penha no âmbito do processo
civil. REsp 1.419.421-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/2/2014.
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DELEGADO DA POLICIA CIVIL
Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
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Informativo nº 0533
Período: 12 de fevereiro de 2014.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL. PROVA EM AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.
Em ação negatória de paternidade, não é possível ao juiz declarar a nulidade do registro de nascimento
com base, exclusivamente, na alegação de dúvida acerca do vínculo biológico do pai com o registrado,
sem provas robustas da ocorrência de erro escusável quando do reconhecimento voluntário da
paternidade. O art. 1.604 do CC dispõe que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do
registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.” Desse modo, o registro de
nascimento tem valor absoluto, independentemente de a filiação ter se verificado no âmbito do
casamento ou fora dele, não se permitindo negar a paternidade, salvo se consistentes as provas do erro
ou falsidade. Devido ao valor absoluto do registro, o erro apto a caracterizar o vício de consentimento
deve ser escusável, não se admitindo, para esse fim, que o erro decorra de simples negligência de
quem registrou. Assim, em processos relacionados ao direito de filiação, é necessário que o julgador
aprecie as controvérsias com prudência para que o Poder Judiciário não venha a prejudicar a criança
pelo mero capricho de um adulto que, livremente, a tenha reconhecido como filho em ato público e,
posteriormente, por motivo vil, pretenda “livrar-se do peso da paternidade”. Portanto, o mero
arrependimento não pode aniquilar o vínculo de filiação estabelecido, e a presunção de veracidade e
autenticidade do registro de nascimento não pode ceder diante da falta de provas insofismáveis do vício
de consentimento para a desconstituição do reconhecimento voluntário da paternidade. REsp
1.272.691-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2013.
Informativo nº 0533
Período: 12 de fevereiro de 2014.
Terceira Turma
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EFEITOS DO NÃO COMPARECIMENTO DO FILHO MENOR
DE IDADE PARA SUBMETER-SE A EXAME DE DNA.
Em ação negatória de paternidade, o não comparecimento do filho menor de idade para submeter-se ao
exame de DNA não induz presunção de inexistência de paternidade. De fato, é crucial que haja uma
ponderação mínima para que se evite o uso imoderado de ações judiciais que têm aptidão para expor a
intimidade das pessoas envolvidas e causar danos irreparáveis nas relações interpessoais. Nesse
contexto, não é ético admitir que essas ações sejam propostas de maneira impensada ou por motivos
espúrios, como as movidas por sentimentos de revanchismo, por relacionamentos extraconjugais ou
outras espécies de vinganças processuais injustificadas. Portanto, impende cotejar, de um lado, o
direito à identidade, como direito da personalidade, e, do outro, o direito à honra e à intimidade das
pessoas afetadas, todos alçados à condição de direitos fundamentais. Além disso, o sistema de provas
no processo civil brasileiro permite que sejam utilizados todos os meios legais e moralmente legítimos
para comprovar a verdade dos fatos. Assim, o exame genético, embora de grande proveito, não pode
ser considerado o único meio de prova da paternidade, em um verdadeiro processo de sacralização do
DNA. Com efeito, no intuito de mitigar esse status de prova única, a Lei 12.004/2009, acrescentando o
art. 2º-A da Lei 8.560/1992, positivou o entendimento constante da Súmula 301 do STJ, segundo a
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Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
13
qual, em “ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade”, posicionamento aplicável também ao não comparecimento
injustificado daquele para a realização do exame. Nesses casos, a recusa, por si só, não pode resultar
na procedência do pedido formulado em investigação ou negação de paternidade, pois a prova genética
não gera presunção absoluta, cabendo ao autor comprovar a possibilidade de procedência do pedido
por meio de outras provas. Nesse contexto, a interpretação a contrario sensu da Súmula 301 do STJ,
de forma a desconstituir a paternidade devido ao não comparecimento do menor ao exame genético,
atenta contra a diretriz constitucional e preceitos do CC e do ECA, tendo em vista que o ordenamento
jurídico brasileiro protege, com absoluta prioridade, a dignidade e a liberdade da criança e do
adolescente, instituindo o princípio do melhor interesse do menor e seu direito à identidade e
desenvolvimento da personalidade. Vale ressaltar, ainda, que o não comparecimento do menor ao
exame há de ser atribuído à mãe, visto que é ela a responsável pelos atos do filho. REsp 1.272.691-SP,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2013.
Informativo nº 0532
Período: 19 de dezembro de 2013.
Terceira Seção
DIREITO PROCESSUAL PENAL. DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA APURAÇÃO DA PRÁTICA
DO CRIME PREVISTO NO ART. 241 DO ECA.
Não tendo sido identificado o responsável e o local em que ocorrido o ato de publicação de imagens
pedófilo-pornográficas em site de relacionamento de abrangência internacional, competirá ao juízo
federal que primeiro tomar conhecimento do fato apurar o suposto crime de publicação de pornografia
envolvendo criança ou adolescente (art. 241 do ECA). Por se tratar de site de relacionamento de
abrangência internacional – que possibilita o acesso dos dados constantes de suas páginas, em
qualquer local do mundo, por qualquer pessoa dele integrante – deve ser reconhecida, no que diz
respeito ao crime em análise, a transnacionalidade necessária à determinação da competência da
Justiça Federal. Posto isso, cabe registrar que o delito previsto no art. 241 do ECA se consuma com o
ato de publicação das imagens. Entretanto, configurada dúvida quanto ao local do cometimento da
infração e em relação ao responsável pela divulgação das imagens contendo pornografia infantil, deve
se firmar a competência pela prevenção a favor do juízo federal em que as investigações tiveram início
(art. 72, § 2º, do CPP). CC 130.134-TO, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-
SE), julgado em 9/10/2013.
Informativo nº 0531
Período: 4 de dezembro de 2013.
Segunda Seção
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO DE EXECUÇÃO DE
PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA.
Na definição da competência para o processamento de execução de prestação alimentícia, cabe ao
alimentando a escolha entre: a) o foro do seu domicílio ou de sua residência; b) o juízo que proferiu a
sentença exequenda; c) o juízo do local onde se encontram bens do alimentante sujeitos à
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Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
14
expropriação; ou d) o juízo do atual domicílio do alimentante. De fato, o descumprimento de obrigação
alimentar, antes de ofender a autoridade de uma decisão judicial, viola o direito à vida digna de quem
dela necessita (art. 1º, III, da CF). Em face dessa peculiaridade, a interpretação das normas relativas à
competência, quando o assunto é alimentos, deve, sempre, ser a mais favorável aos alimentandos,
sobretudo em se tratando de menores, por incidência, também, do princípio do melhor interesse e da
proteção integral à criança e ao adolescente (art. 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança e art. 1º
do ECA). Nesse contexto, é relativa (e não absoluta) a presunção legal de que o alimentando, diante de
seu estado de premente necessidade, tem dificuldade de propor a ação em foro diverso do seu próprio
domicílio ou residência, que dá embasamento à regra do art. 100, II, do CPC, segundo a qual é
competente o foro “do domicílio ou da residência do alimentando, para a ação em que se pedem
alimentos”, de modo que o alimentando pode renunciar à referida presunção se lhe for mais
conveniente ajuizar a ação em local diverso. Da mesma forma, ainda que se trate de execução de
alimentos – forma especial de execução por quantia certa –, deve-se adotar o mesmo raciocínio,
permitindo, assim, a relativização da competência funcional prevista no art. 475-P do CPC, em virtude
da natureza da prestação exigida. Desse modo, deve-se resolver a aparente antinomia havida entre os
arts. 475-P, II e parágrafo único, 575, II, e 100, II, do CPC em favor do reconhecimento de uma regra de
foro concorrente para o processamento de execução de prestação alimentícia que permita ao
alimentando escolher entre: a) o foro do seu domicílio ou de sua residência (art. 100, II, CPC); b) o juízo
que proferiu a sentença exequenda (art. 475-P, II, e art. 575, II, do CPC); c) o juízo do local onde se
encontram bens do alimentante sujeitos à expropriação (parágrafo único do art. 475-P do CPC); ou d) o
juízo do atual domicílio do alimentante (parágrafo único do art. 475-P do CPC). CC 118.340-MS, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/9/2013.
Informativo nº 0531
Período: 4 de dezembro de 2013.
Sexta Turma
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E PENAL. APLICABILIDADE DE ESCUSA
ABSOLUTÓRIA NA HIPÓTESE DE ATO INFRACIONAL.
Nos casos de ato infracional equiparado a crime contra o patrimônio, é possível que o adolescente seja
beneficiado pela escusa absolutória prevista no art. 181, II, do CP. De acordo com o referido artigo, é
isento de pena, entre outras hipóteses, o descendente que comete crime contra o patrimônio em
prejuízo de ascendente, ressalvadas as exceções delineadas no art. 183 do mesmo diploma legal, cujo
teor proíbe a aplicação da escusa: a) se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja
emprego de grave ameaça ou violência à pessoa; b) ao estranho que participa do crime; ou c) se o
crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Efetivamente, por razões de
política criminal, com base na existência de laços familiares ou afetivos entre os envolvidos, o legislador
optou por afastar a punibilidade de determinadas pessoas. Nessa conjuntura, se cumpre aos
ascendentes o dever de lidar com descendentes maiores que lhes causem danos ao patrimônio, sem
que haja interesse estatal na aplicação de pena, também não se observa, com maior razão, interesse
na aplicação de medida socioeducativa ao adolescente pela prática do mesmo fato. Com efeito, tendo
em mente que, nos termos do art. 103 do ECA, ato infracional é a conduta descrita como crime ou
contravenção penal, é possível a aplicação de algumas normas penais na omissão do referido diploma
legal, sobretudo na hipótese em que se mostrarem mais benéficas ao adolescente. Ademais, não há
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Cristiane Dupret
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razoabilidade no contexto em que é prevista imunidade absoluta ao sujeito maior de 18 anos que
pratique crime em detrimento do patrimônio de seu ascendente, mas no qual seria permitida a aplicação
de medida socioeducativa, diante da mesma situação fática, ao adolescente. De igual modo, a despeito
da função reeducativa ou pedagógica da medida socioeducativa que eventualmente vier a ser imposta,
não é razoável a ingerência do Estado nessa relação específica entre ascendente e descendente,
porque, a teor do disposto no art. 1.634, I, do CC, compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos
menores, dirigir-lhes a criação e educação. Portanto, se na presença da imunidade absoluta aqui
tratada não há interesse estatal na aplicação de pena, de idêntico modo, não deve haver interesse na
aplicação de medida socioeducativa. HC 251.681-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em
3/10/2013.
Informativo nº 0529
Período: 6 de novembro de 2013.
Quarta Turma
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NEGATIVA DE EMBARQUE DE CRIANÇA PARA O
EXTERIOR.
É lícita a conduta de companhia aérea consistente em negar o embarque ao exterior de criança
acompanhada por apenas um dos pais, desprovido de autorização na forma estabelecida no art. 84 do
ECA, ainda que apresentada – conforme estabelecido em portaria da vara da infância e da juventude -–
autorização do outro genitor escrita de próprio punho e elaborada na presença de autoridade
fiscalizadora no momento do embarque. Isso porque, quando se tratar de viagem para o exterior, exige-
se a autorização judicial, que somente é dispensada se a criança ou o adolescente estiverem
acompanhados de ambos os pais ou responsáveis, ou se viajarem na companhia de um deles, com
autorização expressa do outro por meio de documento com firma reconhecida (art. 84 do ECA). Dessa
forma, portaria expedida pela vara da infância e juventude que estabeleça a possibilidade de
autorização do outro cônjuge mediante escrito de próprio punho elaborado na presença das autoridades
fiscalizadoras no momento do embarque não tem a aptidão de suprir a forma legalmente exigida para a
prática do ato. Ademais, deve-se ressaltar que o poder normativo da justiça da infância e da juventude
deve sempre observar o princípio da proteção integral da criança e do adolescente e, sobretudo, as
regras expressas do diploma legal regente da matéria. Além disso, é válido mencionar que, não
obstante o País tenha passado por uma onda de desburocratização, a legislação deixou clara a
ressalva de que o reconhecimento de firma não seria dispensado quando exigido em lei, bem como que
a dispensa seria exclusivamente para documentos a serem apresentados à administração direta e
indireta (art. 1º do Dec. 63.166/1968, art. 2º do Dec. 83.936/1979 e art. 9º do Dec. 6.932/2009). REsp
1.249.489-MS, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, julgado em 13/8/2013.
STF:
Informativo 742 - TÍTULO
Art. 28 da Lei de Drogas: ato infracional e restrição da liberdade
PROCESSO

HC - 119160

ARTIGO
Para evitar supressão de instância, a 1ª Turma, por maioria,
julgou extinta a ordem de “habeas corpus”, vencido o Ministro Marco Aurélio, que admitia a impetração.
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No entanto, concedeu a ordem, de ofício, ao fundamento de não ser possível a internação ou a
restrição parcial da liberdade de adolescentes por ato infracional análogo ao delito do art. 28 da Lei de
Drogas (“Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à
comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”). Na espécie, o
menor fora apreendido com dois gramas de maconha, sendo-lhe atribuída a prática de fato análogo ao
crime de uso de entorpecentes. Na sequência, a ele fora aplicado medida socioeducativa de
semiliberdade por prazo indeterminado até o máximo de três anos. A Turma asseverou que, por se
tratar da criminalização do uso de entorpecentes, não se admitiria a imposição ao menor condenado de
pena restritiva de liberdade, nem mesmo em caso de reiteração ou de descumprimento de medidas
anteriormente aplicadas. HC 119160/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 9.4.2014. (HC-119160)
INFORMATIVO Nº 733
TÍTULO
HC e internação socioeducativa
PROCESSO

RHC - 116947

ARTIGO
A imposição de medida socioeducativa de internação deve ser
aplicada apenas quando não houver outra medida adequada, com idônea fundamentação. Com base
nesse entendimento, a 2ª Turma não conheceu do pedido formulado em habeas corpus, porém,
concedeu a ordem, de ofício. Na espécie, o menor fora representado por suposta prática de ato
infracional equiparado ao delito de roubo. A impetração argumentava que o magistrado teria
determinado a internação do paciente tout court, sem maiores considerações, amparado apenas na
gravidade abstrata do ato infracional. Destacou-se o que disposto no art. 121 do Estatuto da Criança e
do Adolescente - ECA (A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de
brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento). Verificou-
se que, no caso, o juiz não fizera nenhuma ponderação no que diz respeito a qualquer outra medida
adequada, mas apenas teria feito considerações genéricas e determinado a internação do menor.
Pontuou-se que a questão seria de hermenêutica do ECA. Sublinhou-se que, embora o delito fosse
grave, o Tribunal teria função paradigmática, em especial quando se tratasse de internação de menor.
Determinou-se que fosse anulada a imposição da medida socioeducativa de internação nos moldes em
que assentada. Assim, o juízo de primeiro grau deveria aplicar a medida que entendesse adequada à
espécie, observado o disposto no art. 122, § 2º, do ECA (Em nenhuma hipótese será aplicada a
internação, havendo outra medida adequada). HC 119667/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski,
18.12.2013. (HC-119667)
INFORMATIVO Nº 726
TÍTULO
Vara especializada e competência
PROCESSO

RE - 440028

ARTIGO
É constitucional lei estadual que confere poderes ao Conselho
da Magistratura para atribuir aos juizados da infância e juventude competência para processar e julgar
crimes de natureza sexual praticados contra criança e adolescente, nos exatos limites da atribuição que
a Constituição Federal confere aos tribunais. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma denegou
habeas corpus em que se discutia a incompetência absoluta de vara especializada para processar e
julgar o paciente pela suposta prática de delito de atentado violento ao pudor contra menor (CP, artigos
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Direito da Criança e do Adolescente
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17
214 e 224). Reputou-se que não haveria violação aos princípios constitucionais da legalidade, do juiz
natural e do devido processo legal, visto que a leitura interpretativa do art. 96, I, a, da CF admitiria a
alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação dos tribunais. Consignou-se
que a especialização de varas consistiria em alteração de competência territorial em razão da matéria, e
não em alteração de competência material, regida pelo art. 22 da CF. HC 113018/RS, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 29.10.2013. (HC-113018)
INFORMATIVO Nº 726
TÍTULO
Proteção Materno-Infantil – Assistência à Gestante – Dever Estatal – Omissão Inconstitucional
– Legitimidade do Controle Jurisdicional (Transcrições)
PROCESSO

HC - 113018

ARTIGO
Proteção Materno-Infantil – Assistência à Gestante – Dever
Estatal – Omissão Inconstitucional – Legitimidade do Controle Jurisdicional (Transcrições) RE
581352/AM* RELATOR: Ministro Celso de Mello EMENTA: AMPLIAÇÃO E MELHORIA NO
ATENDIMENTO DE GESTANTES EM MATERNIDADES ESTADUAIS. DEVER ESTATAL DE
ASSISTÊNCIA MATERNO-INFANTIL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL. OBRIGAÇÃO
JURÍDICO-CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, INCLUSIVE AOS ESTADOS-
MEMBROS. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO
INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO ESTADO-MEMBRO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO
PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE
A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796). A QUESTÃO DA
RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A
INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O
MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197). O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER
PÚBLICO. A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS
DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO
INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE
IMPOSTOS AO ESTADO. A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS
LIMITAÇÕES”). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS,
INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE
POLÍTICAS PÚBLICAS (CF, ART. 227). A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS
COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS
JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO
DIREITO. CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO ESTADO: ATIVIDADE
DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE
CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO
AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROIBIÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE
EXCESSO). DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
(RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220). POSSIBILIDADE JURÍDICO-
PROCESSUAL DE UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” (CPC, ART. 461, § 5º) COMO MEIO
COERCITIVO INDIRETO. EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE
SOCIAL. 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: INSTRUMENTO PROCESSUAL ADEQUADO À PROTEÇÃO
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JURISDICIONAL DE DIREITOS REVESTIDOS DE METAINDIVIDUALIDADE. LEGITIMAÇÃO ATIVA
DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 129, III). A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO
PÚBLICO COMO “DEFENSOR DO POVO” (CF, ART. 129, II). DOUTRINA. PRECEDENTES.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONHECIDO E PROVIDO.
DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra acórdão, que, confirmado pelo E.
Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em sede de embargos de declaração (fls. 591/595), está
assim ementado (fls. 569): “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÕES DE FAZER. AMPLIAÇÃO E
MELHORIA NO ATENDIMENTO DE GESTANTES EM MATERNIDADES ESTADUAIS.
COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA.
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DAS FUNÇÕES ESTATAIS. 1. A ação civil pública que tem por escopo
impor obrigações de fazer consistentes em ampliar e melhorar o atendimento de gestantes em
maternidades estaduais deve ser proposta perante o Juizado da Infância e da Adolescência do local
onde ocorreu a omissão a ser corrigida, porquanto, em última análise, visa a proteger o direito
fundamental à vida e à saúde de crianças e adolescentes (Lei 8.069/90, arts. 7º, 148, IV, 208, parágrafo
único e 209). 2. Não cabe ao Ministério Público ou ao Poder judiciário impor as necessidades sociais
que o Poder Executivo deve prioritariamente atender. Pensar diversamente implicaria violar o princípio
da separação das funções estatais (Constituição Federal, art. 5º, LV) e a iniciativa do Poder Executivo
quanto aos projetos de lei que disponham sobre a fixação de despesas públicas (Constituição Federal,
arts. 165 e 167).” (grifei) O Ministério Público do Estado do Amazonas, parte recorrente, sustenta que o
acórdão ora impugnado teria transgredido os preceitos inscritos nos arts. 129, inciso II, 196, 197 e 227,
todos da Constituição da República. O Ministério Público Federal, em manifestação da lavra do ilustre
Subprocurador-Geral da República Dr. WAGNER DE CASTRO MATHIAS NETTO, ao opinar pelo
provimento do apelo extremo em questão, formulou parecer assim ementado (fls. 807): “Recurso
Extraordinário. Ação Civil Pública. Atendimento hospitalar pré e perinatal. Observância às diretrizes do
Sistema Único de Saúde. Obrigação de fazer oriunda de mandamento normativo. Adequação da via.
Pelo provimento do recurso.” (grifei) O exame desta causa convence-me da inteira correção dos
fundamentos invocados pelo Ministério Público Federal e que informam e dão consistência ao seu
douto parecer. Cabe assinalar, desde logo, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o
legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de
saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário
naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento
constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão,
seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. Isso
significa, portanto, que a pretensão recursal ora deduzida pelo Ministério Público – que dispõe de plena
legitimidade ativa “ad causam” para propor ação civil pública visando à defesa do direito à saúde (AI
655.392/RS, Rel. Min. EROS GRAU – AI 662.339/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 462.416/RS,
Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.) – tem o beneplácito da jurisprudência constitucional desta Suprema
Corte: “Agravo regimental no agravo de instrumento. Constitucional. Legitimidade do Ministério Público.
Ação civil pública. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da
separação dos poderes. Não ocorrência. Reserva do possível. Invocação. Impossibilidade.
Precedentes. 1. Esta Corte já firmou a orientação de que o Ministério Público detém legitimidade para
requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicas por parte do Poder Executivo de molde a
assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela
Constituição Federal, como é o caso do acesso à saúde. 2. O Poder Judiciário, em situações
excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos
constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da
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separação de poderes. 3. A Administração não pode invocar a cláusula da “reserva do possível” a fim
de justificar a frustração de direitos previstos na Constituição da República, voltados à garantia da
dignidade da pessoa humana, sob o fundamento de insuficiência orçamentária. 4. Agravo regimental
não provido.” (AI 674.764-AgR/PI, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – grifei) “DIREITO CONSTITUCIONAL.
DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO.
AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º,
6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível,
garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar
condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário
determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas
constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário
do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido.” (AI 734.487-AgR/PR, Rel. Min.
ELLEN GRACIE – grifei) A atuação do Ministério Público em defesa de direitos e interesses
metaindividuais, viabilizada, instrumentalmente, por meio processual adequado (a ação civil pública, no
caso), que lhe permite invocar a tutela jurisdicional do Estado com o objetivo de fazer com que os
Poderes Públicos respeitem, em favor da coletividade, os serviços de relevância pública (CF, art. 129,
II), como se qualificam, constitucionalmente, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), legitima-se,
plenamente, em decorrência da condição institucional de verdadeiro “defensor do povo” que é conferida
ao “Parquet” pela própria Constituição da República. Nesse contexto, põe-se em destaque uma das
mais significativas funções institucionais do Ministério Público, consistente no reconhecimento de que
lhe assiste a posição eminente de verdadeiro “defensor do povo” (HUGO NIGRO MAZZILLI, “Regime
Jurídico do Ministério Público”, p. 224/227, item n. 24, “b”, 3ª ed., 1996, Saraiva, v.g.), incumbido de
impor, aos poderes públicos, o respeito efetivo aos direitos que a Constituição da República assegura
aos cidadãos em geral (CF, art. 129, II), podendo, para tanto, promover as medidas necessárias ao
adimplemento de tais garantias, o que lhe permite valer-se das ações coletivas, como as ações civis
públicas, que representam poderoso instrumento processual concretizador das prerrogativas
fundamentais atribuídas, a qualquer pessoa, pela Carta Política. Tenho para mim, desse modo, que se
revela inquestionável a qualidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública objetivando, em
sede de processo coletivo – hipótese em que estará presente “o interesse social, que legitima a
intervenção e a ação em juízo do Ministério Público (CF 127 ‘caput’ e CF 129 IX)” (NELSON NERY
JUNIOR, “O Ministério Público e as Ações Coletivas”, “in” Ação Civil Pública, p. 366, coord. por Édis
Milaré, 1995, RT – grifei) –, a defesa de direitos impregnados de transindividualidade, porque revestidos
de inegável relevância social (RTJ 178/377-378 – RTJ 185/302, v.g.), como sucede com o direito à
saúde, que traduz prerrogativa jurídica de índole eminentemente constitucional. Reconhecida, assim, a
adequação da via processual eleita, para cuja instauração o Ministério Público dispõe de plena
legitimidade ativa (CF, art. 129, III), impõe-se examinar a questão central da presente causa e verificar
se se revela possível ao Judiciário, sem que incorra em ofensa ao postulado da separação de poderes,
determinar a adoção, pelo Estado, quando injustamente omisso no adimplemento de políticas públicas
constitucionalmente estabelecidas, de medidas ou providências destinadas a assegurar,
concretamente, à coletividade em geral, o acesso e o gozo de direitos afetados pela inexecução
governamental de deveres jurídico-constitucionais. Observo, quanto a esse tema, que, ao julgar a ADPF
45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004):
“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA
LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE
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DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL
ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA
LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA
DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS,
DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO
EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO
PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS
DE SEGUNDA GERAÇÃO).” Salientei, então, em referida decisão, que o Supremo Tribunal Federal,
considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-
se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais que se
identificam – enquanto direitos de segunda geração (ou de segunda dimensão) – com as liberdades
positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 199/1219-1220,
Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a
eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional, motivada por
inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público,
consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ
175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal: “DESRESPEITO À
CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER
PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante
inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do
Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-
lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que
importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar
de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a
torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de
prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse
‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total,
quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo
Poder Público. - A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a
imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior
gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a
Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas
concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (RTJ
185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) É certo – tal como observei no exame da ADPF
45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) – que não se inclui, ordinariamente,
no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a
atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os
Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina,
Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na
Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos
estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em
caráter vinculante, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos
individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em
exame. Mais do que nunca, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos
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fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade
administrativa. Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária
recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima
(sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser,
nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer
prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de
proteção ao direito à saúde. Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações,
a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da
República (“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95
e 97, 2000, Max Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental
em tema de concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala: “Nesse
contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está
vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de
responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.
Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas
infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional,
ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social. Conclui-se, portanto, que o
administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de
implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou
deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração. As dúvidas sobre
essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido
concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando
se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social
constitucional.” (grifei) Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo
ao tema pertinente à “reserva do possível” (LUÍS FERNANDO SGARBOSSA, “Crítica à Teoria dos
Custos dos Direitos”, vol. 1, 2010, Fabris Editor; STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost
of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios
Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar; FLÁVIO GALDINO, “Introdução à Teoria dos Custos dos
Direitos”, p. 190/198, itens ns. 9.5 e 9.6, e p. 345/347, item n. 15.3, 2005, Lumen Juris), notadamente
em sede de efetivação e implementação (usualmente onerosas) de determinados direitos cujo
adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras
de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. Não se ignora que a realização dos direitos econômicos,
sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização –
depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades
orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade
econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada
a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não
se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a
partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o ilegítimo,
arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a
preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF
45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004). Cumpre advertir, desse modo, que
a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível –
não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de
suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder
resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido
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de essencial fundamentalidade. Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao
conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde – que compreende todas as prerrogativas,
individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) – tem
por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva
realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que
lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente,
com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa
prerrogativa essencial. O caso ora em exame põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que
assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento
inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe: “Art. 196. A saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.” (grifei) Na realidade, o cumprimento do dever político-
constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de
assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de
solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que
atue no plano de nossa organização federativa. A impostergabilidade da efetivação desse dever
constitucional autoriza o acolhimento do pleito recursal que o Ministério Público do Estado do
Amazonas deduziu na presente causa. Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no
exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa
(Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde – que se qualifica como
direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”,
e art. 196) – ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e
secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica
impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à
saúde humanas. Essa relação dilemática, que se instaura na presente causa, conduz os Juízes deste
Supremo Tribunal a proferir decisão que se projeta no contexto das denominadas “escolhas trágicas”
(GUIDO CALABRESI e PHILIP BOBBITT, “Tragic Choices”, 1978, W. W. Norton & Company), que nada
mais exprimem senão o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal de tornar concretas e
reais as ações e prestações de saúde em favor das pessoas, de um lado, e as dificuldades
governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, sempre tão dramaticamente escassos,
de outro. Mas, como precedentemente acentuado, a missão institucional desta Suprema Corte, como
guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de
fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável
precedência, o direito à vida e o direito à saúde. Cumpre não perder de perspectiva, por isso mesmo,
que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível, assegurada à
generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público,
a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos
cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da
regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA
JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense
Universitária) – não pode convertê-la em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder
Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira
ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto irresponsável de infidelidade
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governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o
Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo-
lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas – preventivas e de recuperação –,
que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que
prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República, tal como este Supremo Tribunal tem
reiteradamente reconhecido: “O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA
CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde
representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria
Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja
integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e
implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso
universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde – além de
qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência
constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional
de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao
problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave
comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático
da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que
compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode convertê-la
em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas
expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a
própria Lei Fundamental do Estado.” (RE 393.175-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO) O sentido de
fundamentalidade do direito à saúde – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos
básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas –
impõe, ao Poder Público, um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas
instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude,
a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. Vê-se, desse modo, que, mais
do que a simples positivação dos direitos sociais – que traduz estágio necessário ao processo de sua
afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ
AFONSO DA SILVA, “Poder Constituinte e Poder Popular”, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) –,
recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais
prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da
obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente
vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria
Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um
direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele
integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito –
como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de
exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento
constitucional. Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que o Estado não poderá demitir-se
do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhe foi outorgado pelo art. 196, da
Constituição, e que representa – como anteriormente já acentuado – fator de limitação da
discricionariedade político- -administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à
saúde, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência
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ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Entendo, por isso mesmo,
como já anteriormente assinalado, que se revela acolhível a pretensão recursal deduzida pelo Ministério
Público do Estado do Amazonas, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no Supremo
Tribunal Federal, sobre a questão ora em análise. Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no
contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República.
É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário
(de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer
prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por
pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos. Na realidade, o Supremo Tribunal Federal,
ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivam
restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua
missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da
Lei Fundamental da República. A colmatação de omissões inconstitucionais, realizada em sede
jurisdicional, notadamente quando emanada desta Corte Suprema, torna-se uma necessidade
institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o
cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto
constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos
estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. As situações
configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial derivada da
insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na
Carta Política – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado
qualifica-se como uma das causas geradoras dos processos informais de mudança da Constituição, tal
como o revela autorizado magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos
Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad; JORGE MIRANDA,
“Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora; J. J. GOMES
CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra
Editora). O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições
constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que
revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado
de que se reveste a Constituição da República. Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar
uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la
com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes
aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. A percepção da
gravidade e das consequências lesivas derivadas do gesto infiel do Poder Público que transgride, por
omissão ou por insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou depositário, por efeito de
expressa determinação constitucional, foi revelada, entre nós, já no período monárquico, em lúcido
magistério, por PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”,
p.45, reedição do Ministério da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes autores contemporâneos em
lições que acentuam o desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo (JOSÉ AFONSO DA
SILVA, “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros; ANNA
CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986,
Max Limonad; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de
1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT, v.g.). O desprestígio da Constituição – por inércia de órgãos
meramente constituídos – representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois
reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei
Fundamental do Estado. Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la Constitución”,
www.cers.com.br
DELEGADO DA POLICIA CIVIL
Direito da Criança e do Adolescente
Cristiane Dupret
25
p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional,
motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização
funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos
julgamentos, como resulta evidente da seguinte decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:
“(...) DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO
FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA. - O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total
ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório –
infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no
âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF,
Rel. Min. CELSO DE MELLO). - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz
inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo,
comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que
elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas
executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem
ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos
cidadãos. DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIONAL DE LEGISLAR: A
NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE CAUSALIDADE. - O direito à legislação só
pode ser invocado pelo interessado, quando também existir – simultaneamente imposta pelo próprio
texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito
individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o
desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma
obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público. (...).” (RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, Pleno) Em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no
texto constitucional, notadamente nas áreas de educação infantil (RTJ 199/1219-1220) e de saúde
pública (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213), a Corte Suprema brasileira tem proferido decisões que
neutralizam os efeitos nocivos, lesivos e perversos resultantes da inatividade governamental, em
situações nas quais a omissão do Poder Público representava um inaceitável insulto a direitos básicos
assegurados pela própria Constituição da República, mas cujo exercício estava sendo inviabilizado por
contumaz (e irresponsável) inércia do aparelho estatal. O Supremo Tribunal Federal, em referidos
julgamentos, colmatou a omissão governamental, conferiu real efetividade a direitos essenciais, dando-
lhes concreção, e, desse modo, viabilizou o acesso das pessoas à plena fruição de direitos
fundamentais, cuja realização prática lhes estava sendo negada, injustamente, por arbitrária abstenção
do Poder Público. Para além de todas as considerações que venho de fazer, há, ainda, um outro
parâmetro constitucional que merece ser invocado no caso ora em julgamento. Refiro-me ao princípio
da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam
desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive,
consoante adverte autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO
MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos
Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito
Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 03, 1998, Almedina; ANDREAS JOACHIM
KRELL, “Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 40, 2002, 2002, Sergio
Antonio Fabris Editor,; INGO W. SARLET, “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e
efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988”, “in” Revista Público, p. 99, n. 12, 2001). Na
realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua
concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional
(como o direito à saúde), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas
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  • 1. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 1 COMPILAÇÃO JURISPRUDENCIAL Informativos: Informativo nº 0552 Período: 17 de dezembro de 2014. Terceira Turma DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO INDEVIDO DA ATIVIDADE PROBATÓRIA DAS PARTES EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE MATERNIDADE. Definiu-se não ser possível julgar improcedente pedido de reconhecimento post mortem de maternidade socioafetiva sem que se tenha viabilizado a realização de instrução probatória, ante o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, do CPC), na seguinte situação: i) a autora ingressou com pedido de reconhecimento da existência de filiação socioafetiva, com a manutenção de sua mãe registral em seu assentamento de nascimento; ii) o pedido foi fundado na alegação de que a pretensa mãe adotiva e sua mãe registral procederam, em conjunto, à denominada “adoção à brasileira” da demandante, constando do registro apenas uma delas porque, à época, não era admitida união homoafetiva pelo ordenamento jurídico nacional; iii) argumentou-se que a autora foi criada, como se filha fosse, por ambas as "mães", indistintamente, e mesmo após o rompimento do relacionamento delas, encontrando-se, por isso, estabelecido o vínculo socioafetivo, a propiciar o reconhecimento judicial da filiação pretendida; e iv) o julgamento de improcedência foi fundado na constatação de não ter sido demonstrado nos autos que a mãe socioafetiva teve, efetivamente, a pretensão de "adotar" a autora em conjunto com a mãe registral e, também, no entendimento de que elas não formavam um casal homossexual, como sugere a demandante, pois, posteriormente, a mãe registral casou-se com um homem, com quem formou núcleo familiar próprio. No caso descrito, o proceder do julgador, ao não permitir que a autora demonstrasse os fatos alegados, configura cerceamento de defesa. De fato, o estabelecimento da filiação socioafetiva demanda a coexistência de duas circunstâncias bem definidas e dispostas, necessariamente, na seguinte ordem: i) vontade clara e inequívoca do apontado pai ou mãe socioafetivo, ao despender expressões de afeto à criança, de ser reconhecido, voluntária e juridicamente como tal; e ii) configuração da denominada “posse de estado de filho”, compreendido pela doutrina como a presença (não concomitante) de tractatus (tratamento, de parte à parte, como pai/mãe e filho); nomen (a pessoa traz consigo o nome do apontado pai/mãe); e fama (reconhecimento pela família e pela comunidade de relação de filiação), que naturalmente deve apresentar-se de forma sólida e duradoura. Nesse contexto, para o reconhecimento da filiação socioafetiva, a manifestação quanto à vontade e à voluntariedade do apontado pai ou mãe de ser reconhecido juridicamente como tal deve estar absolutamente comprovada nos autos, o que pode ser feito por qualquer meio idôneo e legítimo de prova. Todavia, em remanescendo dúvidas quanto à verificação do apontado requisito, após concedida oportunidade à parte de demonstrar os fatos alegados, há que se afastar, peremptoriamente, a configuração da filiação socioafetiva. Por oportuno, é de se ressaltar, inclusive, que a robustez da prova, na hipótese dos autos, há de ser ainda mais contundente, a considerar que o pretendido reconhecimento de filiação socioafetiva refere-se a pessoa já falecida. Nada obstante, não se pode subtrair da parte a oportunidade de comprovar suas alegações. Ademais, cabe ressaltar que o casamento da pretensa mãe com um homem, em momento posterior, não significaria que aquele alegado relacionamento com a mãe registral nunca existiu e, principalmente, que não teria havido, por parte delas, a intenção conjunta de "adotar" a demandante, que, segundo alega e pretende demonstrar, fora criada como se filha fosse
  • 2. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 2 pelas referidas senhoras, mesmo depois do rompimento deste relacionamento. Por fim, deve-se consignar ao menos a possibilidade jurídica do pedido posto na inicial, acerca da dupla maternidade, conforme já reconhecido por esta Corte de Justiça por ocasião do julgamento do REsp 889.852-RS, Quarta Turma, DJe 10/8/2010 (ressalvadas as particularidades do caso ora sob exame). Efetivamente, em atenção às novas estruturas familiares, baseadas no princípio da afetividade jurídica (a permitir, em última análise, a realização do indivíduo como consectário da dignidade da pessoa humana), a coexistência de relações filiais ou a denominada multiplicidade parental, compreendida como expressão da realidade social, não pode passar despercebida pelo direito. Desse modo, há que se conferir à parte o direito de produzir as provas destinadas a comprovar o estabelecimento das alegadas relações socioafetivas, que pressupõem, como assinalado, a observância dos requisitos acima referidos. REsp 1.328.380-MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/10/2014. Informativo nº 0551 Período: 3 de dezembro de 2014. Terceira Turma DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE POR ASCENDENTES. Admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades do caso analisado: os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão de adoção. De fato, a adoção de descendentes por ascendentes passou a ser censurada sob o fundamento de que, nessa modalidade, havia a predominância do interesse econômico, pois as referidas adoções visavam, principalmente, à possibilidade de se deixar uma pensão em caso de falecimento, até como ato de gratidão, quando se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos difíceis. Ademais, fundamentou-se a inconveniência dessa modalidade de adoção no argumento de que haveria quebra da harmonia familiar e confusão entre os graus de parentesco, inobservando-se a ordem natural existente entre parentes. Atento a essas críticas, o legislador editou o § 1º do art. 42 do ECA, segundo o qual “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, visando evitar que o instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscando proteger o adotando em relação a eventual confusão mental e patrimonial decorrente da transformação dos avós em pais e, ainda, com a justificativa de proteger, essencialmente, o interesse da criança e do adolescente, de modo que não fossem verificados apenas os fatores econômicos, mas principalmente o lado psicológico que tal modalidade geraria no adotado. No caso em análise, todavia, é inquestionável a possibilidade da mitigação do § 1º do art. 42 do ECA, haja vista que esse dispositivo visa atingir situação distinta da aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA (“Esta Lei dispõe sobre a
  • 3. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 3 proteção integral à criança e ao adolescente”) e do art. 6º desse mesmo diploma legal (“Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”), deve-se conferir prevalência aos princípios da proteção integral e da garantia do melhor interesse do menor. Ademais, o § 7º do art. 226 da CF deu ênfase à família, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, de modo que o direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana de forma molecular. É também com base em tal princípio que se deve solucionar o caso analisado, tendo em vista se tratar de supraprincípio constitucional. Nesse contexto, não se pode descuidar, no direito familiar, de que as estruturas familiares estão em mutação e, para se lidar com elas, não bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em conta aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração. Dessa maneira, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e fazer da letra do § 1º do art. 42 do ECA tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação restrita do referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de forma estrábica e, dessa forma, pactuando com a injustiça. No caso analisado, não se trata de mero caso de adoção de neto por avós, mas sim de regularização de filiação socioafetiva. Deixar de permitir a adoção em apreço implicaria inobservância aos interesses básicos do menor e ao princípio da dignidade da pessoa humana. REsp 1.448.969-SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014. Informativo nº 0551 Período: 3 de dezembro de 2014. Sexta Turma DIREITO PROCESSUAL PENAL. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE POR LEI ESTADUAL. Lei estadual pode conferir poderes ao Conselho da Magistratura para, excepcionalmente, atribuir aos Juizados da Infância e da Juventude competência para processar e julgar crimes contra a dignidade sexual em que figurem como vítimas crianças ou adolescentes. Embora haja precedentes do STJ em sentido contrário, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, é de se seguir o entendimento assentado nas duas Turmas do STF no sentido de ser possível atribuir à Justiça da Infância e da Juventude, entre outras competências, a de processar e julgar crimes de natureza sexuais praticados contra crianças e adolescentes. Precedentes citados do STF: HC 113.102-RS, Primeira Turma, DJe 18/2/2013; e HC 113.018-RS, Segunda Turma, DJe 14/11/2013. HC 238.110-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/8/2014 (Vide Informativo nº 529). Informativo nº 0549 Período: 5 de novembro de 2014. Terceira Turma
  • 4. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 4 DIREITO CIVIL. APLICABILIDADE DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO CASO DE DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. Tem direito a ser indenizada, com base na teoria da perda de uma chance, a criança que, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais para coletar o material no momento do parto, não teve recolhidas as células-tronco embrionárias. No caso, a criança teve frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se eventualmente fosse preciso, fazer uso delas em tratamento de saúde. Não se está diante de situação de dano hipotético – o que não renderia ensejo a indenização – mas de caso claro de aplicação da teoria da perda de uma chance, desenvolvida na França (la perte d'une chance) e denominada na Inglaterra de loss-of-a-chance. No caso, a responsabilidade é por perda de uma chance por serem as células-tronco, cuja retirada do cordão umbilical deve ocorrer no momento do parto, o grande trunfo da medicina moderna para o tratamento de inúmeras patologias consideradas incuráveis. É possível que o dano final nunca venha a se implementar, bastando que a pessoa recém-nascida seja plenamente saudável, nunca desenvolvendo qualquer doença tratável com a utilização das células-tronco retiradas do seu cordão umbilical. O certo, porém, é que perdeu, definitivamente, a chance de prevenir o tratamento dessas patologias. Essa chance perdida é, portanto, o objeto da indenização. REsp 1.291.247-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 19/8/2014. Informativo nº 0546 Período: 24 de setembro de 2014. Primeira Seção DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO A CRIANÇA OU ADOLESCENTE SOB GUARDA JUDICIAL. No caso em que segurado de regime previdenciário seja detentor da guarda judicial de criança ou adolescente que dependa economicamente dele, ocorrendo o óbito do guardião, será assegurado o benefício da pensão por morte ao menor sob guarda, ainda que este não tenha sido incluído no rol de dependentes previsto na lei previdenciária aplicável. O fim social da lei previdenciária é abarcar as pessoas que foram acometidas por alguma contingência da vida. Nesse aspecto, o Estado deve cumprir seu papel de assegurar a dignidade da pessoa humana a todos, em especial às crianças e aos adolescentes, cuja proteção tem absoluta prioridade. O ECA não é uma simples lei, uma vez que representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento do mandamento previsto no art. 227 da CF. Ademais, não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. Desse modo, embora a lei previdenciária aplicável ao segurado seja lei específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente tem norma específica que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, do ECA). RMS 36.034-MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26/2/2014.
  • 5. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 5 Informativo nº 0546 Período: 24 de setembro de 2014. Sexta Turma DIREITO PENAL. AGRAVANTES NO CRIME DE INTRODUÇÃO DE MOEDA FALSA EM CIRCULAÇÃO. Nos casos de prática do crime de introdução de moeda falsa em circulação (art. 289, § 1º, do CP), é possível a aplicação das agravantes dispostas nas alíneas "e" e "h" do inciso II do art. 61 do CP, incidentes quando o delito é cometido “contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge” ou “contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida”. De fato, a fé pública do Estado é o bem jurídico tutelado no delito do art. 289, § 1º, do CP. Isso, todavia, não induz à conclusão de que o Estado seja vítima exclusiva do delito. Com efeito, em virtude da diversidade de meios com que a introdução de moeda falsa em circulação pode ser perpetrada, não há como negar que vítima pode ser, além do Estado, uma pessoa física ou um estabelecimento comercial, dado o notório prejuízo experimentado por esses últimos. Efetivamente, a pessoa a quem, eventualmente, são passadas cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e definidor do grau de facilidade com que o crime será praticado, e a fé pública, portanto, atingida. A propósito, a maior parte da doutrina não vê empecilho para que figure como vítima nessa espécie de delito a pessoa diretamente ofendida. HC 211.052-RO, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 5/6/2014. Informativo nº 0544 Período: 27 de agosto de 2014. Sexta Turma DIREITO PROCESSUAL PENAL. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR (ART. 318 DO CPP). É possível a substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar, quando demostrada a imprescindibilidade de cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos de idade (art. 318, III, do CPP) e o decreto prisional não indicar peculiaridades concretas a justificar a manutenção da segregação cautelar em estabelecimento prisional. Na situação em análise, não se mostra adequada a manutenção do encarceramento do paciente quando presente um dos requisitos do art. 318 do CPP. Ademais, a prisão domiciliar, na hipótese, revela-se adequada para garantir a ordem pública, sobretudo por não haver, no decreto prisional, demonstração de periculosidade concreta, a evidenciar que a cautela extrema seria a única medida a tutelar a ordem pública. Além disso, a substituição da prisão preventiva se justifica, por razões humanitárias, além de ser útil e razoável como alternativa à prisão ad custodiam. Ressalte-se a posição central, em nosso ordenamento jurídico, da doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade absoluta, previstos no art. 227 da CF, no ECA e, ainda, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Decreto 99.710/1990. Portanto, atendidos os requisitos legais e em nome da dignidade da pessoa humana, bem como da proteção integral da
  • 6. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 6 criança, é possível substituir a prisão preventiva do paciente por prisão domiciliar. HC 291.439-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/5/2014. Informativo nº 0543 Período: 13 de agosto de 2014. Sexta Turma DIREITO PENAL. CONFIGURAÇÃO DO TIPO DE FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO DE ADOLESCENTE. O cliente que conscientemente se serve da prostituição de adolescente, com ele praticando conjunção carnal ou outro ato libidinoso, incorre no tipo previsto no inciso I do § 2º do art. 218-B do CP (favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável), ainda que a vítima seja atuante na prostituição e que a relação sexual tenha sido eventual, sem habitualidade. Assim dispõe o art. 218-B do CP, incluído pela Lei 12.015/2009: “Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos”. O inciso I do § 2º do referido artigo, por sua vez, prescreve o seguinte: “Incorre nas mesmas penas: I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo”. Da análise da previsão típica do art. 218-B do CP, especialmente do inciso I do § 2º, extrai-se que o fato de já ser a vítima corrompida, atuante na prostituição, é irrelevante para o tipo penal. Não se pune a provocação de deterioração moral, mas o incentivo à atividade de prostituição, inclusive por aproveitamento eventual dessa atividade como cliente. Pune-se não somente quem atua para a prostituição do adolescente – induzindo, facilitando ou submetendo à prática ou, ainda, dificultando ou impedindo seu abandono –, mas também quem se serve desta atividade. Trata-se de ação político-social de defesa do adolescente, mesmo contra a vontade deste, pretendendo afastá-lo do trabalho de prostituição pela falta de quem se sirva de seu atendimento. A condição de vulnerável é no tipo penal admitida por critério biológico ou etário, neste último caso pela constatação objetiva da faixa etária, de 14 a 18 anos, independentemente de demonstração concreta dessa condição de incapacidade plena de auto-gestão. O tipo penal, tampouco, faz qualquer exigência de habitualidade da mantença de relações sexuais com adolescente submetido à prostituição. Habitualidade há na atividade de prostituição do adolescente, não nos contatos com aquele que de sua atividade serve-se. Basta único contato consciente com adolescente submetido à prostituição para que se configure o crime. A propósito, não tem relação com a hipótese em análise os precedentes pertinentes ao art. 244-A do ECA, pois nesse caso é exigida a submissão (condição de poder sobre alguém) à prostituição (esta atividade sim, com habitualidade). No art. 218-B, § 2º, I, pune- se outra ação, a mera prática de relação sexual com adolescente submetido à prostituição – e nessa conduta não se exige reiteração, poder de mando, ou introdução da vítima na habitualidade da prostituição. HC 288.374-AM, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 5/6/2014.
  • 7. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 7 Informativo nº 0543 Período: 13 de agosto de 2014. Sexta Turma DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DE GRAVAÇÃO TELEFÔNICA COMO PROVA DE CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. Em processo que apure a suposta prática de crime sexual contra adolescente absolutamente incapaz, é admissível a utilização de prova extraída de gravação telefônica efetivada a pedido da genitora da vítima, em seu terminal telefônico, mesmo que solicitado auxílio técnico de detetive particular para a captação das conversas. Consoante dispõe o art. 3°, I, do CC, são absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos, não podendo praticar ato algum por si, de modo que são representados por seus pais. Assim, é válido o consentimento do genitor para gravar as conversas do filho menor. De fato, a gravação da conversa, em situações como a ora em análise, não configura prova ilícita, visto que não ocorre, a rigor, uma interceptação da comunicação por terceiro, mas mera gravação, com auxílio técnico de terceiro, pelo proprietário do terminal telefônico, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, seu filho, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância. A presente hipótese se assemelha, em verdade, à gravação de conversa telefônica feita com a autorização de um dos interlocutores, sem ciência do outro, quando há cometimento de crime por este último, situação já reconhecida como válida pelo STF (HC 75.338, Tribunal Pleno, DJ 25/9/1998). Destaque-se que a proteção integral à criança, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado, constitucionalmente garantida em caráter prioritário (art. 227, caput, c/c o § 4º, da CF), e de instrumentos internacionais. Com efeito, preceitua o art. 34, "b", da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução 44/25 da ONU, em 20/11/1989, e internalizada no ordenamento jurídico nacional mediante o DL 28/1990, verbis: “Os Estados-partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados-parte tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: (...) b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; (...)”. Assim, é inviável inquinar de ilicitude a prova assim obtida, prestigiando o direito à intimidade e privacidade do acusado em detrimento da própria liberdade sexual da vítima absolutamente incapaz e em face de toda uma política estatal de proteção à criança e ao adolescente, enquanto ser em desenvolvimento. REsp 1.026.605-ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/5/2014. Informativo nº 0541 Período: 11 de junho de 2014. Segunda Seção DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO DE ALIMENTOS EM PROVEITO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).
  • 8. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 8 O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente, independentemente do exercício do poder familiar dos pais, ou de o infante se encontrar nas situações de risco descritas no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ou de quaisquer outros questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca. De fato, o art. 127 da CF traz, em seu caput, a identidade do MP, seu núcleo axiológico, sua vocação primeira, que é ser “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Ademais, nos incisos I a VIII do mesmo dispositivo, a CF indica, de forma meramente exemplificativa, as funções institucionais mínimas do MP, trazendo, no inciso IX, cláusula de abertura que permite à legislação infraconstitucional o incremento de outras atribuições, desde que compatíveis com a vocação constitucional do MP. Diante disso, já se deduz um vetor interpretativo invencível: a legislação infraconstitucional que se propuser a disciplinar funções institucionais do MP poderá apenas elastecer seu campo de atuação, mas nunca subtrair atribuições já existentes no próprio texto constitucional ou mesmo sufocar ou criar embaraços à realização de suas incumbências centrais, como a defesa dos “interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF) ou do respeito “aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (art. 129, II, da CF). No ponto, não há dúvida de que a defesa dos interesses de crianças e adolescentes, sobretudo no que concerne à sua subsistência e integridade, insere-se nas atribuições centrais do MP, como órgão que recebeu a incumbência constitucional de defesa dos interesses individuais indisponíveis. Nesse particular, ao se examinar os principais direitos da infância e juventude (art. 227, caput, da CF), percebe-se haver, conforme entendimento doutrinário, duas linhas principiológicas básicas bem identificadas: de um lado, vige o princípio da absoluta prioridade desses direitos; e, de outro lado, a indisponibilidade é sua nota predominante, o que torna o MP naturalmente legitimado à sua defesa. Além disso, é da própria letra da CF que se extrai esse dever que transcende a pessoa do familiar envolvido, mostrando-se eloquente que não é só da família, mas da sociedade e do Estado, o dever de assegurar à criança e ao adolescente, “com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação” (art. 227, caput), donde se extrai o interesse público e indisponível envolvido em ações direcionadas à tutela de direitos de criança e adolescente, das quais a ação de alimentos é apenas um exemplo. No mesmo sentido, a CF consagra como direitos sociais a “alimentação” e “a proteção à maternidade e à infância” (art. 6º), o que reforça entendimento doutrinário segundo o qual, em se tratando de interesses indisponíveis de crianças ou adolescentes (ainda que individuais), e mesmo de interesses coletivos ou difusos relacionados com a infância e a juventude, sua defesa sempre convirá à coletividade como um todo. Além do mais, o STF (ADI 3.463, Tribunal Pleno, DJe 6/6/2012) acolheu expressamente entendimento segundo o qual norma infraconstitucional que, por força do inciso IX do art. 129 da CF, acresça atribuições ao MP local relacionadas à defesa da criança e do adolescente, é consentânea com a vocação constitucional do Parquet. Na mesma linha, é a jurisprudência do STJ em assegurar ao MP, dada a qualidade dos interesses envolvidos, a defesa dos direitos da criança e do adolescente, independentemente de se tratar de pessoa individualizada (AgRg no REsp 1.016.847-SC, Segunda Turma, DJe 7/10/2013; e EREsp 488.427-SP, Primeira Seção, DJe 29/9/2008). Ademais, não há como diferenciar os interesses envolvidos para que apenas alguns possam ser tutelados pela atuação do MP, atribuindo-lhe legitimidade, por exemplo, em ações que busquem tratamento médico de criança e subtraindo dele a legitimidade para ações de alimentos, haja vista que tanto o direito à saúde quanto o direito à alimentação são garantidos diretamente pela CF com prioridade absoluta (art. 227, caput), de modo que o MP detém legitimidade para buscar, identicamente, a concretização, pela via judicial, de ambos. Além disso, não haveria lógica em reconhecer ao MP legitimidade para ajuizamento de ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos, ou mesmo a legitimidade recursal em
  • 9. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 9 ações nas quais intervém – como reiteradamente vem decidindo a jurisprudência do STJ (REsp 208.429-MG, Terceira Turma, DJ 1/10/2001; REsp 226.686-DF, Quarta Turma, DJ 10/4/2000) –, subtraindo-lhe essa legitimação para o ajuizamento de ação unicamente de alimentos, o que contrasta com o senso segundo o qual quem pode mais pode menos. De mais a mais, se corretamente compreendida a ideologia jurídica sobre a qual o ECA, a CF e demais diplomas internacionais foram erguidos, que é a doutrina da proteção integral, não se afigura acertado inferir que o art. 201, III, do ECA – segundo o qual compete ao MP promover e acompanhar as ações de alimentos e os procedimentos de suspensão e destituição do poder familiar, nomeação e remoção de tutores, curadores e guardiães, bem como oficiar em todos os demais procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude – só tenha aplicação nas hipóteses previstas no art. 98 do mesmo diploma, ou seja, quando houver violação de direitos por parte do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou em razão da conduta da criança ou adolescente, ou ainda quando não houver exercício do poder familiar. Isso porque essa solução implicaria ressurgimento do antigo paradigma superado pela doutrina da proteção integral, vigente durante o Código de Menores, que é a doutrina do menor em situação irregular. Nesse contexto, é decorrência lógica da doutrina da proteção integral o princípio da intervenção precoce, expressamente consagrado no art. 100, parágrafo único, VI, do ECA, tendo em vista que há que se antecipar a atuação do Estado exatamente para que o infante não caia no que o Código de Menores chamava situação irregular, como nas hipóteses de maus-tratos, violação extrema de direitos por parte dos pais e demais familiares. Além do mais, adotando-se a solução contrária, chegar-se-ia em um círculo vicioso: só se franqueia ao MP a legitimidade ativa se houver ofensa ou ameaça a direitos da criança ou do adolescente, conforme previsão do art. 98 do ECA. Ocorre que é exatamente mediante a ação manejada pelo MP que se investigaria a existência de ofensa ou ameaça a direitos. Vale dizer, sem ofensa não há ação, mas sem ação não se descortina eventual ofensa. Por fim, não se pode confundir a substituição processual do MP – em razão da qualidade dos direitos envolvidos, mediante a qual se pleiteia, em nome próprio, direito alheio –, com a representação processual da Defensoria Pública. Realmente, o fato de existir Defensoria Pública relativamente eficiente na comarca não se relaciona com a situação que, no mais das vezes, justifica a legitimidade do MP, que é a omissão dos pais ou responsáveis na satisfação dos direitos mínimos da criança e do adolescente, notadamente o direito à alimentação. É bem de ver que – diferentemente da substituição processual do MP – a assistência judiciária prestada pela Defensoria Pública não dispensa a manifestação de vontade do assistido ou de quem lhe faça as vezes, além de se restringir, mesmo no cenário da Justiça da Infância, aos necessitados, no termos do art. 141, § 1º, do ECA. Nessas situações, o ajuizamento da ação de alimentos continua ao alvedrio dos responsáveis pela criança ou adolescente, ficando condicionada, portanto, aos inúmeros interesses rasteiros que, frequentemente, subjazem ao relacionamento desfeito dos pais. Ademais, sabe-se que, em não raras vezes, os alimentos são pleiteados com o exclusivo propósito de atingir o ex-cônjuge, na mesma frequência em que a pessoa detentora da guarda do filho se omite no ajuizamento da demanda quando ainda remanescer esperança no restabelecimento da relação. Enquanto isso, a criança aguarda a acomodação dos interesses dos pais, que nem sempre coincidem com os seus. REsp 1.265.821-BA e REsp 1.327.471-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 14/5/2014.
  • 10. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 10 Informativo nº 0540 Período: 28 de maio de 2014. Sexta Turma DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA NO CRIME DE FURTO. Aplica-se o princípio da insignificância à conduta formalmente tipificada como furto consistente na subtração, por réu primário, de bijuterias avaliadas em R$ 40 pertencentes a estabelecimento comercial e restituídas posteriormente à vítima. De início, há possibilidade de, a despeito da subsunção formal de um tipo penal a uma conduta humana, concluir-se pela atipicidade material da conduta, por diversos motivos, entre os quais a ausência de ofensividade penal do comportamento verificado. Vale lembrar que, em atenção aos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade, o Direito Penal apenas deve ser utilizado contra ofensas intoleráveis a determinados bens jurídicos e nos casos em que os demais ramos do Direito não se mostrem suficientes para protegê-los. Dessa forma, entende-se que o Direito penal não deve ocupar-se de bagatelas. Nesse contexto, para que o magistrado possa decidir sobre a aplicação do princípio da insignificância, faz-se necessária a ponderação do conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação do agente para verificar se a conduta formalmente descrita no tipo penal afeta substancialmente o bem jurídico tutelado. Nessa análise, no crime de furto, avalia-se notadamente: a) o valor do bem ou dos bens furtados; b) a situação econômica da vítima; c) as circunstâncias em que o crime foi perpetrado, é dizer, se foi de dia ou durante o repouso noturno, se teve o concurso de terceira pessoa, sobretudo adolescente, se rompeu obstáculo de considerável valor para a subtração da coisa, se abusou da confiança da vítima etc.; e d) a personalidade e as condições pessoais do agente, notadamente se demonstra fazer da subtração de coisas alheias um meio ou estilo de vida, com sucessivas ocorrências (reincidente ou não). Assim, caso seja verificada a inexpressividade do comportamento do agente, fica afastada a intervenção do Direito Penal. Precedentes citados do STJ: AgRg no REsp 1.400.317-MG, Sexta Turma, DJe 13/12/2013; HC 208.770-RJ, Sexta Turma, DJe 12/12/2013. Precedentes citados do STF: HC 115.246-MG, Segunda Turma, DJe 26/6/2013; HC 109.134-RS, Segunda Turma, DJe 1º/3/2012. HC 208.569-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 22/4/2014. Informativo nº 0536 Período: 26 de março de 2014. Quinta Turma DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REITERAÇÃO NA PRÁTICA DE ATOS INFRACIONAIS GRAVES PARA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO. Para se configurar a “reiteração na prática de atos infracionais graves” (art. 122, II, do ECA) – uma das taxativas hipóteses de aplicação da medida socioeducativa de internação –, não se exige a prática de, no mínimo, três infrações dessa natureza. Com efeito, de acordo com a jurisprudência do STF, não existe fundamento legal para essa exigência. O aplicador da lei deve analisar e levar em consideração as peculiaridades de cada caso concreto para uma melhor aplicação do direito. O magistrado deve apreciar as condições específicas do adolescente – meio social onde vive, grau de escolaridade, família
  • 11. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 11 – dentre outros elementos que permitam uma maior análise subjetiva do menor. Precedente citado do STJ: HC 231.170-SP, Quinta Turma, DJe 19/4/2013. Precedente citado do STF: HC 84.218-SP, Primeira Turma, DJe 18/4/2008. HC 280.478-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 18/2/2014. Informativo nº 0535 Período: 12 de março de 2014. Quarta Turma DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MEDIDAS PROTETIVAS ACAUTELATÓRIAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. As medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) podem ser aplicadas em ação cautelar cível satisfativa, independentemente da existência de inquérito policial ou processo criminal contra o suposto agressor. O primeiro dado a ser considerado para compreensão da exata posição assumida pela Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico pátrio é observar que o mencionado diploma veio com o objetivo de ampliar os mecanismos jurídicos e estatais de proteção da mulher. Por outra ótica de análise acerca da incidência dessa lei, mostra-se sintomático o fato de que a Convenção de Belém do Pará – no que foi seguida pela norma doméstica de 2006 – preocupou-se sobremaneira com a especial proteção da mulher submetida a violência, mas não somente pelo viés da punição penal do agressor, mas também pelo ângulo da prevenção por instrumentos de qualquer natureza, civil ou administrativa. Ora, parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica contra a mulher pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas. Na verdade, a Lei Maria da Penha, ao definir violência doméstica contra a mulher e suas diversas formas, enumera, exemplificativamente, espécies de danos que nem sempre se acomodam na categoria de bem jurídico tutelável pelo direito penal, como o sofrimento psicológico, o dano moral, a diminuição da autoestima, a manipulação, a vigilância constante, a retenção de objetos pessoais, entre outras formas de violência. Ademais, fica clara a inexistência de exclusividade de aplicação penal da Lei Maria da Penha quando a própria lei busca a incidência de outros diplomas para a realização de seus propósitos, como no art. 22, § 4º, a autorização de aplicação do art. 461, §§ 5º e 6º, do CPC; ou no art. 13, ao afirmar que "ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais [...] aplicar- se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitem com o estabelecido nesta Lei". Analisada de outra forma a controvérsia, se é certo que a Lei Maria da Penha permite a incidência do art. 461, § 5º, do CPC para a concretização das medidas protetivas nela previstas, não é menos verdade que, como pacificamente reconhecido pela doutrina, o mencionado dispositivo do diploma processual não estabelece rol exauriente de medidas de apoio, o que permite, de forma recíproca e observados os específicos requisitos, a aplicação das medidas previstas na Lei Maria da Penha no âmbito do processo civil. REsp 1.419.421-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11/2/2014.
  • 12. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 12 Informativo nº 0533 Período: 12 de fevereiro de 2014. Terceira Turma DIREITO CIVIL. PROVA EM AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. Em ação negatória de paternidade, não é possível ao juiz declarar a nulidade do registro de nascimento com base, exclusivamente, na alegação de dúvida acerca do vínculo biológico do pai com o registrado, sem provas robustas da ocorrência de erro escusável quando do reconhecimento voluntário da paternidade. O art. 1.604 do CC dispõe que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.” Desse modo, o registro de nascimento tem valor absoluto, independentemente de a filiação ter se verificado no âmbito do casamento ou fora dele, não se permitindo negar a paternidade, salvo se consistentes as provas do erro ou falsidade. Devido ao valor absoluto do registro, o erro apto a caracterizar o vício de consentimento deve ser escusável, não se admitindo, para esse fim, que o erro decorra de simples negligência de quem registrou. Assim, em processos relacionados ao direito de filiação, é necessário que o julgador aprecie as controvérsias com prudência para que o Poder Judiciário não venha a prejudicar a criança pelo mero capricho de um adulto que, livremente, a tenha reconhecido como filho em ato público e, posteriormente, por motivo vil, pretenda “livrar-se do peso da paternidade”. Portanto, o mero arrependimento não pode aniquilar o vínculo de filiação estabelecido, e a presunção de veracidade e autenticidade do registro de nascimento não pode ceder diante da falta de provas insofismáveis do vício de consentimento para a desconstituição do reconhecimento voluntário da paternidade. REsp 1.272.691-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2013. Informativo nº 0533 Período: 12 de fevereiro de 2014. Terceira Turma DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EFEITOS DO NÃO COMPARECIMENTO DO FILHO MENOR DE IDADE PARA SUBMETER-SE A EXAME DE DNA. Em ação negatória de paternidade, o não comparecimento do filho menor de idade para submeter-se ao exame de DNA não induz presunção de inexistência de paternidade. De fato, é crucial que haja uma ponderação mínima para que se evite o uso imoderado de ações judiciais que têm aptidão para expor a intimidade das pessoas envolvidas e causar danos irreparáveis nas relações interpessoais. Nesse contexto, não é ético admitir que essas ações sejam propostas de maneira impensada ou por motivos espúrios, como as movidas por sentimentos de revanchismo, por relacionamentos extraconjugais ou outras espécies de vinganças processuais injustificadas. Portanto, impende cotejar, de um lado, o direito à identidade, como direito da personalidade, e, do outro, o direito à honra e à intimidade das pessoas afetadas, todos alçados à condição de direitos fundamentais. Além disso, o sistema de provas no processo civil brasileiro permite que sejam utilizados todos os meios legais e moralmente legítimos para comprovar a verdade dos fatos. Assim, o exame genético, embora de grande proveito, não pode ser considerado o único meio de prova da paternidade, em um verdadeiro processo de sacralização do DNA. Com efeito, no intuito de mitigar esse status de prova única, a Lei 12.004/2009, acrescentando o art. 2º-A da Lei 8.560/1992, positivou o entendimento constante da Súmula 301 do STJ, segundo a
  • 13. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 13 qual, em “ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”, posicionamento aplicável também ao não comparecimento injustificado daquele para a realização do exame. Nesses casos, a recusa, por si só, não pode resultar na procedência do pedido formulado em investigação ou negação de paternidade, pois a prova genética não gera presunção absoluta, cabendo ao autor comprovar a possibilidade de procedência do pedido por meio de outras provas. Nesse contexto, a interpretação a contrario sensu da Súmula 301 do STJ, de forma a desconstituir a paternidade devido ao não comparecimento do menor ao exame genético, atenta contra a diretriz constitucional e preceitos do CC e do ECA, tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro protege, com absoluta prioridade, a dignidade e a liberdade da criança e do adolescente, instituindo o princípio do melhor interesse do menor e seu direito à identidade e desenvolvimento da personalidade. Vale ressaltar, ainda, que o não comparecimento do menor ao exame há de ser atribuído à mãe, visto que é ela a responsável pelos atos do filho. REsp 1.272.691-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2013. Informativo nº 0532 Período: 19 de dezembro de 2013. Terceira Seção DIREITO PROCESSUAL PENAL. DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA APURAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 241 DO ECA. Não tendo sido identificado o responsável e o local em que ocorrido o ato de publicação de imagens pedófilo-pornográficas em site de relacionamento de abrangência internacional, competirá ao juízo federal que primeiro tomar conhecimento do fato apurar o suposto crime de publicação de pornografia envolvendo criança ou adolescente (art. 241 do ECA). Por se tratar de site de relacionamento de abrangência internacional – que possibilita o acesso dos dados constantes de suas páginas, em qualquer local do mundo, por qualquer pessoa dele integrante – deve ser reconhecida, no que diz respeito ao crime em análise, a transnacionalidade necessária à determinação da competência da Justiça Federal. Posto isso, cabe registrar que o delito previsto no art. 241 do ECA se consuma com o ato de publicação das imagens. Entretanto, configurada dúvida quanto ao local do cometimento da infração e em relação ao responsável pela divulgação das imagens contendo pornografia infantil, deve se firmar a competência pela prevenção a favor do juízo federal em que as investigações tiveram início (art. 72, § 2º, do CPP). CC 130.134-TO, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ- SE), julgado em 9/10/2013. Informativo nº 0531 Período: 4 de dezembro de 2013. Segunda Seção DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO DE EXECUÇÃO DE PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA. Na definição da competência para o processamento de execução de prestação alimentícia, cabe ao alimentando a escolha entre: a) o foro do seu domicílio ou de sua residência; b) o juízo que proferiu a sentença exequenda; c) o juízo do local onde se encontram bens do alimentante sujeitos à
  • 14. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 14 expropriação; ou d) o juízo do atual domicílio do alimentante. De fato, o descumprimento de obrigação alimentar, antes de ofender a autoridade de uma decisão judicial, viola o direito à vida digna de quem dela necessita (art. 1º, III, da CF). Em face dessa peculiaridade, a interpretação das normas relativas à competência, quando o assunto é alimentos, deve, sempre, ser a mais favorável aos alimentandos, sobretudo em se tratando de menores, por incidência, também, do princípio do melhor interesse e da proteção integral à criança e ao adolescente (art. 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança e art. 1º do ECA). Nesse contexto, é relativa (e não absoluta) a presunção legal de que o alimentando, diante de seu estado de premente necessidade, tem dificuldade de propor a ação em foro diverso do seu próprio domicílio ou residência, que dá embasamento à regra do art. 100, II, do CPC, segundo a qual é competente o foro “do domicílio ou da residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos”, de modo que o alimentando pode renunciar à referida presunção se lhe for mais conveniente ajuizar a ação em local diverso. Da mesma forma, ainda que se trate de execução de alimentos – forma especial de execução por quantia certa –, deve-se adotar o mesmo raciocínio, permitindo, assim, a relativização da competência funcional prevista no art. 475-P do CPC, em virtude da natureza da prestação exigida. Desse modo, deve-se resolver a aparente antinomia havida entre os arts. 475-P, II e parágrafo único, 575, II, e 100, II, do CPC em favor do reconhecimento de uma regra de foro concorrente para o processamento de execução de prestação alimentícia que permita ao alimentando escolher entre: a) o foro do seu domicílio ou de sua residência (art. 100, II, CPC); b) o juízo que proferiu a sentença exequenda (art. 475-P, II, e art. 575, II, do CPC); c) o juízo do local onde se encontram bens do alimentante sujeitos à expropriação (parágrafo único do art. 475-P do CPC); ou d) o juízo do atual domicílio do alimentante (parágrafo único do art. 475-P do CPC). CC 118.340-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/9/2013. Informativo nº 0531 Período: 4 de dezembro de 2013. Sexta Turma DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E PENAL. APLICABILIDADE DE ESCUSA ABSOLUTÓRIA NA HIPÓTESE DE ATO INFRACIONAL. Nos casos de ato infracional equiparado a crime contra o patrimônio, é possível que o adolescente seja beneficiado pela escusa absolutória prevista no art. 181, II, do CP. De acordo com o referido artigo, é isento de pena, entre outras hipóteses, o descendente que comete crime contra o patrimônio em prejuízo de ascendente, ressalvadas as exceções delineadas no art. 183 do mesmo diploma legal, cujo teor proíbe a aplicação da escusa: a) se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa; b) ao estranho que participa do crime; ou c) se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Efetivamente, por razões de política criminal, com base na existência de laços familiares ou afetivos entre os envolvidos, o legislador optou por afastar a punibilidade de determinadas pessoas. Nessa conjuntura, se cumpre aos ascendentes o dever de lidar com descendentes maiores que lhes causem danos ao patrimônio, sem que haja interesse estatal na aplicação de pena, também não se observa, com maior razão, interesse na aplicação de medida socioeducativa ao adolescente pela prática do mesmo fato. Com efeito, tendo em mente que, nos termos do art. 103 do ECA, ato infracional é a conduta descrita como crime ou contravenção penal, é possível a aplicação de algumas normas penais na omissão do referido diploma legal, sobretudo na hipótese em que se mostrarem mais benéficas ao adolescente. Ademais, não há
  • 15. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 15 razoabilidade no contexto em que é prevista imunidade absoluta ao sujeito maior de 18 anos que pratique crime em detrimento do patrimônio de seu ascendente, mas no qual seria permitida a aplicação de medida socioeducativa, diante da mesma situação fática, ao adolescente. De igual modo, a despeito da função reeducativa ou pedagógica da medida socioeducativa que eventualmente vier a ser imposta, não é razoável a ingerência do Estado nessa relação específica entre ascendente e descendente, porque, a teor do disposto no art. 1.634, I, do CC, compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes a criação e educação. Portanto, se na presença da imunidade absoluta aqui tratada não há interesse estatal na aplicação de pena, de idêntico modo, não deve haver interesse na aplicação de medida socioeducativa. HC 251.681-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 3/10/2013. Informativo nº 0529 Período: 6 de novembro de 2013. Quarta Turma DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NEGATIVA DE EMBARQUE DE CRIANÇA PARA O EXTERIOR. É lícita a conduta de companhia aérea consistente em negar o embarque ao exterior de criança acompanhada por apenas um dos pais, desprovido de autorização na forma estabelecida no art. 84 do ECA, ainda que apresentada – conforme estabelecido em portaria da vara da infância e da juventude -– autorização do outro genitor escrita de próprio punho e elaborada na presença de autoridade fiscalizadora no momento do embarque. Isso porque, quando se tratar de viagem para o exterior, exige- se a autorização judicial, que somente é dispensada se a criança ou o adolescente estiverem acompanhados de ambos os pais ou responsáveis, ou se viajarem na companhia de um deles, com autorização expressa do outro por meio de documento com firma reconhecida (art. 84 do ECA). Dessa forma, portaria expedida pela vara da infância e juventude que estabeleça a possibilidade de autorização do outro cônjuge mediante escrito de próprio punho elaborado na presença das autoridades fiscalizadoras no momento do embarque não tem a aptidão de suprir a forma legalmente exigida para a prática do ato. Ademais, deve-se ressaltar que o poder normativo da justiça da infância e da juventude deve sempre observar o princípio da proteção integral da criança e do adolescente e, sobretudo, as regras expressas do diploma legal regente da matéria. Além disso, é válido mencionar que, não obstante o País tenha passado por uma onda de desburocratização, a legislação deixou clara a ressalva de que o reconhecimento de firma não seria dispensado quando exigido em lei, bem como que a dispensa seria exclusivamente para documentos a serem apresentados à administração direta e indireta (art. 1º do Dec. 63.166/1968, art. 2º do Dec. 83.936/1979 e art. 9º do Dec. 6.932/2009). REsp 1.249.489-MS, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, julgado em 13/8/2013. STF: Informativo 742 - TÍTULO
Art. 28 da Lei de Drogas: ato infracional e restrição da liberdade PROCESSO

HC - 119160

ARTIGO
Para evitar supressão de instância, a 1ª Turma, por maioria, julgou extinta a ordem de “habeas corpus”, vencido o Ministro Marco Aurélio, que admitia a impetração.
  • 16. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 16 No entanto, concedeu a ordem, de ofício, ao fundamento de não ser possível a internação ou a restrição parcial da liberdade de adolescentes por ato infracional análogo ao delito do art. 28 da Lei de Drogas (“Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”). Na espécie, o menor fora apreendido com dois gramas de maconha, sendo-lhe atribuída a prática de fato análogo ao crime de uso de entorpecentes. Na sequência, a ele fora aplicado medida socioeducativa de semiliberdade por prazo indeterminado até o máximo de três anos. A Turma asseverou que, por se tratar da criminalização do uso de entorpecentes, não se admitiria a imposição ao menor condenado de pena restritiva de liberdade, nem mesmo em caso de reiteração ou de descumprimento de medidas anteriormente aplicadas. HC 119160/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 9.4.2014. (HC-119160) INFORMATIVO Nº 733 TÍTULO
HC e internação socioeducativa PROCESSO

RHC - 116947

ARTIGO
A imposição de medida socioeducativa de internação deve ser aplicada apenas quando não houver outra medida adequada, com idônea fundamentação. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma não conheceu do pedido formulado em habeas corpus, porém, concedeu a ordem, de ofício. Na espécie, o menor fora representado por suposta prática de ato infracional equiparado ao delito de roubo. A impetração argumentava que o magistrado teria determinado a internação do paciente tout court, sem maiores considerações, amparado apenas na gravidade abstrata do ato infracional. Destacou-se o que disposto no art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento). Verificou- se que, no caso, o juiz não fizera nenhuma ponderação no que diz respeito a qualquer outra medida adequada, mas apenas teria feito considerações genéricas e determinado a internação do menor. Pontuou-se que a questão seria de hermenêutica do ECA. Sublinhou-se que, embora o delito fosse grave, o Tribunal teria função paradigmática, em especial quando se tratasse de internação de menor. Determinou-se que fosse anulada a imposição da medida socioeducativa de internação nos moldes em que assentada. Assim, o juízo de primeiro grau deveria aplicar a medida que entendesse adequada à espécie, observado o disposto no art. 122, § 2º, do ECA (Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada). HC 119667/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18.12.2013. (HC-119667) INFORMATIVO Nº 726 TÍTULO
Vara especializada e competência PROCESSO

RE - 440028

ARTIGO
É constitucional lei estadual que confere poderes ao Conselho da Magistratura para atribuir aos juizados da infância e juventude competência para processar e julgar crimes de natureza sexual praticados contra criança e adolescente, nos exatos limites da atribuição que a Constituição Federal confere aos tribunais. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma denegou habeas corpus em que se discutia a incompetência absoluta de vara especializada para processar e julgar o paciente pela suposta prática de delito de atentado violento ao pudor contra menor (CP, artigos
  • 17. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 17 214 e 224). Reputou-se que não haveria violação aos princípios constitucionais da legalidade, do juiz natural e do devido processo legal, visto que a leitura interpretativa do art. 96, I, a, da CF admitiria a alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação dos tribunais. Consignou-se que a especialização de varas consistiria em alteração de competência territorial em razão da matéria, e não em alteração de competência material, regida pelo art. 22 da CF. HC 113018/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29.10.2013. (HC-113018) INFORMATIVO Nº 726 TÍTULO
Proteção Materno-Infantil – Assistência à Gestante – Dever Estatal – Omissão Inconstitucional – Legitimidade do Controle Jurisdicional (Transcrições) PROCESSO

HC - 113018

ARTIGO
Proteção Materno-Infantil – Assistência à Gestante – Dever Estatal – Omissão Inconstitucional – Legitimidade do Controle Jurisdicional (Transcrições) RE 581352/AM* RELATOR: Ministro Celso de Mello EMENTA: AMPLIAÇÃO E MELHORIA NO ATENDIMENTO DE GESTANTES EM MATERNIDADES ESTADUAIS. DEVER ESTATAL DE ASSISTÊNCIA MATERNO-INFANTIL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL. OBRIGAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, INCLUSIVE AOS ESTADOS- MEMBROS. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO ESTADO-MEMBRO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796). A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197). O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO. A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO ESTADO. A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS (CF, ART. 227). A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO ESTADO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROIBIÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO). DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220). POSSIBILIDADE JURÍDICO- PROCESSUAL DE UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” (CPC, ART. 461, § 5º) COMO MEIO COERCITIVO INDIRETO. EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: INSTRUMENTO PROCESSUAL ADEQUADO À PROTEÇÃO
  • 18. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 18 JURISDICIONAL DE DIREITOS REVESTIDOS DE METAINDIVIDUALIDADE. LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 129, III). A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO “DEFENSOR DO POVO” (CF, ART. 129, II). DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO: O presente recurso extraordinário foi interposto contra acórdão, que, confirmado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em sede de embargos de declaração (fls. 591/595), está assim ementado (fls. 569): “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÕES DE FAZER. AMPLIAÇÃO E MELHORIA NO ATENDIMENTO DE GESTANTES EM MATERNIDADES ESTADUAIS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DAS FUNÇÕES ESTATAIS. 1. A ação civil pública que tem por escopo impor obrigações de fazer consistentes em ampliar e melhorar o atendimento de gestantes em maternidades estaduais deve ser proposta perante o Juizado da Infância e da Adolescência do local onde ocorreu a omissão a ser corrigida, porquanto, em última análise, visa a proteger o direito fundamental à vida e à saúde de crianças e adolescentes (Lei 8.069/90, arts. 7º, 148, IV, 208, parágrafo único e 209). 2. Não cabe ao Ministério Público ou ao Poder judiciário impor as necessidades sociais que o Poder Executivo deve prioritariamente atender. Pensar diversamente implicaria violar o princípio da separação das funções estatais (Constituição Federal, art. 5º, LV) e a iniciativa do Poder Executivo quanto aos projetos de lei que disponham sobre a fixação de despesas públicas (Constituição Federal, arts. 165 e 167).” (grifei) O Ministério Público do Estado do Amazonas, parte recorrente, sustenta que o acórdão ora impugnado teria transgredido os preceitos inscritos nos arts. 129, inciso II, 196, 197 e 227, todos da Constituição da República. O Ministério Público Federal, em manifestação da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. WAGNER DE CASTRO MATHIAS NETTO, ao opinar pelo provimento do apelo extremo em questão, formulou parecer assim ementado (fls. 807): “Recurso Extraordinário. Ação Civil Pública. Atendimento hospitalar pré e perinatal. Observância às diretrizes do Sistema Único de Saúde. Obrigação de fazer oriunda de mandamento normativo. Adequação da via. Pelo provimento do recurso.” (grifei) O exame desta causa convence-me da inteira correção dos fundamentos invocados pelo Ministério Público Federal e que informam e dão consistência ao seu douto parecer. Cabe assinalar, desde logo, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. Isso significa, portanto, que a pretensão recursal ora deduzida pelo Ministério Público – que dispõe de plena legitimidade ativa “ad causam” para propor ação civil pública visando à defesa do direito à saúde (AI 655.392/RS, Rel. Min. EROS GRAU – AI 662.339/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RE 462.416/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.) – tem o beneplácito da jurisprudência constitucional desta Suprema Corte: “Agravo regimental no agravo de instrumento. Constitucional. Legitimidade do Ministério Público. Ação civil pública. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Reserva do possível. Invocação. Impossibilidade. Precedentes. 1. Esta Corte já firmou a orientação de que o Ministério Público detém legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicas por parte do Poder Executivo de molde a assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela Constituição Federal, como é o caso do acesso à saúde. 2. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da
  • 19. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 19 separação de poderes. 3. A Administração não pode invocar a cláusula da “reserva do possível” a fim de justificar a frustração de direitos previstos na Constituição da República, voltados à garantia da dignidade da pessoa humana, sob o fundamento de insuficiência orçamentária. 4. Agravo regimental não provido.” (AI 674.764-AgR/PI, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – grifei) “DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido.” (AI 734.487-AgR/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei) A atuação do Ministério Público em defesa de direitos e interesses metaindividuais, viabilizada, instrumentalmente, por meio processual adequado (a ação civil pública, no caso), que lhe permite invocar a tutela jurisdicional do Estado com o objetivo de fazer com que os Poderes Públicos respeitem, em favor da coletividade, os serviços de relevância pública (CF, art. 129, II), como se qualificam, constitucionalmente, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), legitima-se, plenamente, em decorrência da condição institucional de verdadeiro “defensor do povo” que é conferida ao “Parquet” pela própria Constituição da República. Nesse contexto, põe-se em destaque uma das mais significativas funções institucionais do Ministério Público, consistente no reconhecimento de que lhe assiste a posição eminente de verdadeiro “defensor do povo” (HUGO NIGRO MAZZILLI, “Regime Jurídico do Ministério Público”, p. 224/227, item n. 24, “b”, 3ª ed., 1996, Saraiva, v.g.), incumbido de impor, aos poderes públicos, o respeito efetivo aos direitos que a Constituição da República assegura aos cidadãos em geral (CF, art. 129, II), podendo, para tanto, promover as medidas necessárias ao adimplemento de tais garantias, o que lhe permite valer-se das ações coletivas, como as ações civis públicas, que representam poderoso instrumento processual concretizador das prerrogativas fundamentais atribuídas, a qualquer pessoa, pela Carta Política. Tenho para mim, desse modo, que se revela inquestionável a qualidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública objetivando, em sede de processo coletivo – hipótese em que estará presente “o interesse social, que legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público (CF 127 ‘caput’ e CF 129 IX)” (NELSON NERY JUNIOR, “O Ministério Público e as Ações Coletivas”, “in” Ação Civil Pública, p. 366, coord. por Édis Milaré, 1995, RT – grifei) –, a defesa de direitos impregnados de transindividualidade, porque revestidos de inegável relevância social (RTJ 178/377-378 – RTJ 185/302, v.g.), como sucede com o direito à saúde, que traduz prerrogativa jurídica de índole eminentemente constitucional. Reconhecida, assim, a adequação da via processual eleita, para cuja instauração o Ministério Público dispõe de plena legitimidade ativa (CF, art. 129, III), impõe-se examinar a questão central da presente causa e verificar se se revela possível ao Judiciário, sem que incorra em ofensa ao postulado da separação de poderes, determinar a adoção, pelo Estado, quando injustamente omisso no adimplemento de políticas públicas constitucionalmente estabelecidas, de medidas ou providências destinadas a assegurar, concretamente, à coletividade em geral, o acesso e o gozo de direitos afetados pela inexecução governamental de deveres jurídico-constitucionais. Observo, quanto a esse tema, que, ao julgar a ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004): “ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE
  • 20. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 20 DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA ‘RESERVA DO POSSÍVEL’. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO ‘MÍNIMO EXISTENCIAL’. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).” Salientei, então, em referida decisão, que o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir- se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais que se identificam – enquanto direitos de segunda geração (ou de segunda dimensão) – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 199/1219-1220, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional, motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal: “DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo- lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. - A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) É certo – tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) – que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter vinculante, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame. Mais do que nunca, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos
  • 21. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 21 fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa. Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde. Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a advertência de LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, ilustre Procuradora Regional da República (“Políticas Públicas – A Responsabilidade do Administrador e o Ministério Público”, p. 59, 95 e 97, 2000, Max Limonad), cujo magistério, a propósito da limitada discricionariedade governamental em tema de concretização das políticas públicas constitucionais, corretamente assinala: “Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer. Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social. Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração. As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” (grifei) Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (LUÍS FERNANDO SGARBOSSA, “Crítica à Teoria dos Custos dos Direitos”, vol. 1, 2010, Fabris Editor; STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar; FLÁVIO GALDINO, “Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos”, p. 190/198, itens ns. 9.5 e 9.6, e p. 345/347, item n. 15.3, 2005, Lumen Juris), notadamente em sede de efetivação e implementação (usualmente onerosas) de determinados direitos cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004). Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido
  • 22. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 22 de essencial fundamentalidade. Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial. O caso ora em exame põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (grifei) Na realidade, o cumprimento do dever político- constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa. A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional autoriza o acolhimento do pleito recursal que o Ministério Público do Estado do Amazonas deduziu na presente causa. Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde – que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”, e art. 196) – ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. Essa relação dilemática, que se instaura na presente causa, conduz os Juízes deste Supremo Tribunal a proferir decisão que se projeta no contexto das denominadas “escolhas trágicas” (GUIDO CALABRESI e PHILIP BOBBITT, “Tragic Choices”, 1978, W. W. Norton & Company), que nada mais exprimem senão o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde em favor das pessoas, de um lado, e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, sempre tão dramaticamente escassos, de outro. Mas, como precedentemente acentuado, a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. Cumpre não perder de perspectiva, por isso mesmo, que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível, assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de 1988”, vol. VIII/4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) – não pode convertê-la em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever por um gesto irresponsável de infidelidade
  • 23. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 23 governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo- lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas – preventivas e de recuperação –, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República, tal como este Supremo Tribunal tem reiteradamente reconhecido: “O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode convertê-la em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.” (RE 393.175-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO) O sentido de fundamentalidade do direito à saúde – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas – impõe, ao Poder Público, um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais – que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Poder Constituinte e Poder Popular”, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) –, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição. Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que o Estado não poderá demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhe foi outorgado pelo art. 196, da Constituição, e que representa – como anteriormente já acentuado – fator de limitação da discricionariedade político- -administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à saúde, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência
  • 24. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 24 ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Entendo, por isso mesmo, como já anteriormente assinalado, que se revela acolhível a pretensão recursal deduzida pelo Ministério Público do Estado do Amazonas, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no Supremo Tribunal Federal, sobre a questão ora em análise. Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República. É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos. Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivam restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República. A colmatação de omissões inconstitucionais, realizada em sede jurisdicional, notadamente quando emanada desta Corte Suprema, torna-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se como uma das causas geradoras dos processos informais de mudança da Constituição, tal como o revela autorizado magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad; JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora). O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República. Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. A percepção da gravidade e das consequências lesivas derivadas do gesto infiel do Poder Público que transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou depositário, por efeito de expressa determinação constitucional, foi revelada, entre nós, já no período monárquico, em lúcido magistério, por PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p.45, reedição do Ministério da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes autores contemporâneos em lições que acentuam o desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT, v.g.). O desprestígio da Constituição – por inércia de órgãos meramente constituídos – representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado. Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de la Constitución”,
  • 25. www.cers.com.br DELEGADO DA POLICIA CIVIL Direito da Criança e do Adolescente Cristiane Dupret 25 p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, como resulta evidente da seguinte decisão consubstanciada em acórdão assim ementado: “(...) DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA. - O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório – infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO). - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIONAL DE LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE CAUSALIDADE. - O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público. (...).” (RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) Em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente nas áreas de educação infantil (RTJ 199/1219-1220) e de saúde pública (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213), a Corte Suprema brasileira tem proferido decisões que neutralizam os efeitos nocivos, lesivos e perversos resultantes da inatividade governamental, em situações nas quais a omissão do Poder Público representava um inaceitável insulto a direitos básicos assegurados pela própria Constituição da República, mas cujo exercício estava sendo inviabilizado por contumaz (e irresponsável) inércia do aparelho estatal. O Supremo Tribunal Federal, em referidos julgamentos, colmatou a omissão governamental, conferiu real efetividade a direitos essenciais, dando- lhes concreção, e, desse modo, viabilizou o acesso das pessoas à plena fruição de direitos fundamentais, cuja realização prática lhes estava sendo negada, injustamente, por arbitrária abstenção do Poder Público. Para além de todas as considerações que venho de fazer, há, ainda, um outro parâmetro constitucional que merece ser invocado no caso ora em julgamento. Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 03, 1998, Almedina; ANDREAS JOACHIM KRELL, “Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 40, 2002, 2002, Sergio Antonio Fabris Editor,; INGO W. SARLET, “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988”, “in” Revista Público, p. 99, n. 12, 2001). Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas