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Autores e editores de compêndios e livros de leitura
(1810-1910)

Circe Maria Fernandes Bittencourt
Universidade de São Paulo




                                             Resumo

                                             Este artigo apresenta reflexões sobre o problema da autoria do
                                             livro didático. O papel do autor do livro didático tem sido um
                                             tema polêmico por sua ambigüidade em relação a seus direitos e
                                             suas responsabilidades. O livro didático oferece retornos financei-
                                             ros consideráveis para editores e autores, e esta condição implica
                                             envolvimentos mais complexos e tensos. O artigo procura, nessa
                                             perspectiva, traçar o perfil dos primeiros autores de livros didá-
                                             ticos brasileiros, no período de 1810 a 1910, com o objetivo de
                                             caracterizar o processo de intervenções de diferentes sujeitos
                                             nessa produção. As características da produção do livro didático
                                             como texto submetido aos programas curriculares, dependente
                                             das autorizações do poder educacional e das formas de
                                             comercialização e circulação, são indicadas para mostrar quem
                                             foram os autores que aceitaram essas imposições. Apresenta as
                                             imposições para a confecção dos livros diante das mudanças do
                                             público ao qual é destinado. Inicialmente produzido para pro-
                                             fessores, o livro didático vai se tornando livro do aluno. Nesse
                                             processo os referenciais pedagógicos e o público escolar passa-
                                             ram a exigir cuidados com a linguagem e exige-se a constituição
                                             de novos “gêneros didáticos” para o nível elementar. O perfil do
                                             autor do livro didático transforma-se, assim como sua autonomia,
                                             acentuando as relações entre editor e autor.


                                             Palavras-chave

                                             Livro didático — Autoria — Editoras — Função-autor.




Correspondência:
Circe Maria F. Bittencourt
R. Maria Tereza F. Rodrigues, 219
05327-000 – São Paulo – SP
e-mail: circe@usp.br




Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004                                       475
Editors and authors of compendia and reading books
(1810-1910)

Circe Maria Fernandes Bittencourt
Universidade de São Paulo




                                    Abstract

                                    This article presents considerations about the issue of the
                                    authorship of schoolbooks. The role of the authors of a
                                    schoolbook has been a controversial topic due to its ambiguity
                                    with respect to their rights and legal accountability. A schoolbook
                                    can offer substantial financial return to editors and authors, and
                                    such situation implies more complex and tense connections. Under
                                    this perspective, the article seeks to draw a profile of the first
                                    authors of Brazilian schoolbooks, from 1810 to 1910, with the
                                    purpose of characterizing the process through which different
                                    agents intervened in such production. The particular features of
                                    the production of a schoolbook as a text subjected to curricula,
                                    dependent on the approval of official educational bodies, and the
                                    commercialization and circulation conditions are indicated to show
                                    who were the authors that accepted those impositions. The article
                                    also presents the demands placed on the elaboration of
                                    schoolbooks by the changes in the books’ target public. Initially
                                    prepared for teachers, the schoolbook gradually becomes a book
                                    for the pupil. Along this process, the pedagogical framework and
                                    the target public begin to demand greater care with language and
                                    with the constitution of new “didactic genres” directed at the
                                    elementary level. The profile of the author of a schoolbook
                                    changes, as does his/her autonomy, accentuating the relations
                                    between editor and author.


                                    Keywords

                                    Schoolbook — Authorship — Publishers — Author-function.




Contact:
Circe Maria F. Bittencourt
R. Maria Tereza F. Rodrigues, 219
05327-000 – São Paulo – SP
e-mail: circe@usp.br




476                                             Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004
Autores de compêndios e livros                                      vários escritores, textos que se integram em um
de leitura                                                          processo de adaptações nas mãos de técnicos
                                                                    especializados. Desse modo, não se pode mais
         A história do livro didático inclui em                     identificar quem efetivamente escreveu o texto.
suas abordagens a figura do autor, e este é o                       A nova situação demonstra que o livro didático
tema deste artigo, o qual, por sua vez, poderia                     é uma mercadoria que gera lucros consideráveis
ter como título “Quem foram os primeiros au-                        para as editoras, mas que coloca a pergunta
tores de livros didáticos no Brasil?”.                              inevitável sobre a função do autor, entendido
         Diferentemente de outras obras impres-                     como escritor do texto, e seus direitos de pro-
sas, o livro didático possui peculiaridades em                      priedade em relação à obra produzida.
sua produção, circulação e uso, entre elas a da                              A constatação de alguns dos problemas
autoria, por meio da qual é possível ver a dis-                     que envolvem os autores quanto ao seu papel na
tinção entre o trabalho de escrever um texto e                      elaboração do livro nos faz indagar se tensões
o de fabricar um livro.                                             e conflitos dessa natureza são inerentes à pro-
         A identificação da autoria dos livros di-                  dução do livro didático e, portanto, visíveis em
dáticos tornou-se mais complexa na medida em                        outros momentos de sua história. Dessa forma,
que o ato de escrever o texto e o de transformá-                    a preocupação em traçar o perfil dos primeiros
lo em livro passaram por intensas transformações,                   autores de livros didáticos, no decorrer do sécu-
as quais geraram polêmicas que se intensificaram                    lo XIX e início do século XX, centrou-se na
nos últimos anos. Uma rápida leitura da ficha téc-                  apreensão das articulações entre os diferentes
nica, por exemplo, apresentada na contracapa das                    sujeitos sempre presentes na produção didática,
obras didáticas produzidas a partir da década de                    destacando a atuação do Estado e das editoras.
1990, comprova que o papel do autor de uma
obra didática tem se modificado em decorrência                      Os autores na história do livro
das inovações tecnológicas impostas pela fabrica-                   didático
ção do livro. Copidesque, revisor de texto, pesqui-
sador iconográfico, entre outros, constituem uma                             Pesquisadores voltados para a história
equipe cada vez mais numerosa de pessoas res-                       da alfabetização ou das disciplinas escolares
ponsáveis pelo livro, e o autor do texto, embora                    sempre demonstraram interesse por determina-
permaneça encabeçando esse conjunto de profis-                      dos autores cujos livros foram amplamente uti-
sionais, nem sempre é a figura principal.                           lizados em sua época. Um dos trabalhos pionei-
         A autoria do livro didático tem passado                    ros sobre o tema foi o de Marisa Lajolo (1982),
por transformações ligadas às especificidades                       no qual se resgatam questões educacionais de
desse produto cultural, notadamente o retorno                       um período que havia sido estudado mais pelos
financeiro considerável que ele traz, sobretudo                     textos legislativos, pelos discursos oficiais, do
no caso de países como o Brasil, com um ex-                         que pela produção realizada para a escola e suas
pressivo público escolar e um mercado assegu-                       práticas efetivas de ensino, estudo que pratica-
rado pelo Estado na compra e distribuição de                        mente não havia sido feito até então.
livros para as escolas públicas. Nos últimos anos,                           Outros autores de obras didáticas que
o interesse de editoras estrangeiras, que tem se                    foram referências para várias gerações de estu-
concretizado na compra ou associações com                           dantes tornaram-se objeto de estudos a partir
empresas nacionais, conduz a transformações                         dos anos 1990, sendo abordados com enfoques
que afetam o papel do autor do livro escolar.                       diversos. Conceição Cabrini (1994) percorreu o
Para agilizar a produção e criar padrões unifor-                    itinerário da produção de Felisberto de Carva-
mes para o livro didático dilui-se a figura do                      lho (1886), autor do final do século XIX cuja
autor por intermédio da compra de textos de                         obra era ainda utilizada em meados do século



Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004                                            477
XX, com forte presença na memória de várias        análise. Uma contribuição importante têm sido
gerações nas mais variadas regiões do país.        as reflexões de Roger Chartier (1997), em seus
Selma Rinaldi de Mattos analisou os manuais de     estudos sobre a história do livro e sobre a
História do Brasil de Joaquim Manuel de            cultura letrada. Diferentemente dos pesquisado-
Macedo, e várias pesquisas mostram o papel         res de livros didáticos, estudar os autores não
dos professores do Colégio Pedro II na produ-      foi muito usual na história do livro. A nítida
ção de obras didáticas das variadas disciplinas.   distinção entre o trabalho de escrever um tex-
        Entre os franceses, a preferência da       to e o de fabricar um livro foi alvo de estudos
pesquisa de autores didáticos tem sido igual-      que se voltaram sobre a materialidade dos li-
mente sobre os que ficaram na memória de           vros, especialmente entre os historiadores do
gerações de estudantes. Os autores de livros de    mundo de língua inglesa. Entre os franceses as
história encabeçaram as preferências. Ernest       pesquisas se voltaram mais sobre a circulação
Lavisse1 e os textos que escreveu para a esco-     do livro, a posse desigual pelos diferentes gru-
la primária francesa, após o advento da Terceira   pos sociais e a diversidade das práticas de lei-
República, foi um deles.                           tura. O foco era o conteúdo do texto e seus
        Um livro e não exatamente seu autor,       signos, mas excluía-se o autor.
Le tour de la France par deux enfants, tem sido             Para os recentes trabalhos sobre o au-
alvo de atenção, pela enorme repercussão que       tor do livro, Chartier (1997) recupera a contri-
teve no período que antecedeu à Guerra de          buição de Foucault no ensaio “ Qu´est-ce un
1914-1918, tornando-se importante fonte para       auteur?”. Foucault coloca o autor como perso-
se determinar o alcance de um livro escolar na     nagem importante ao fornecer um nome pró-
formação ideológica dos jovens. O livro repre-     prio às obras e acentua o caráter de responsabi-
senta o inconformismo dos grupos republica-        lidade que presume um estado de direito e,
nos franceses, perdedores da guerra contra os      portanto, sujeito a sanções penais como pro-
alemães e que prepararam uma revanche, ex-         prietário de uma obra literária. Destaca, nessa
pressa na Primeira Grande Guerra.2 Uma obra        perspectiva, a função-autor que necessariamen-
que tem chamado a atenção de pesquisadores         te estabelece vínculos diversos com a obra e
pela sua longa vida nas salas de aula na Itália    cria identidades. A produção de textos realiza-
e pelas traduções e adaptações em diversos         se sob tais condições e cria status diversos
outros países é Cuore (Coração), do italiano De    entre autores, dependendo da variação dos
Amicis, publicado pela primeira vez em 1886.3      textos: os discursos “científicos” e os discursos
        Nesses casos, os autores são na maio-      “literários”. Chartier adverte, baseando-se na
ria dos casos vistos pelo seu papel de escritor    preocupação de Foucault sobre direitos e dis-
de obras marcantes, personalizadas e represen-     criminações em relação ao autor do texto,
tativas na formação de determinadas gerações       quanto ao cuidado em identificar a produção
de alunos. O objetivo central é analisar o con-    de diferentes discursos em momentos históricos
teúdo da obra, sua importância como veículo de     específicos. O valor comercial da obra, a cons-
ideologia, valores, métodos de ensino e, majo-     tituição de direitos autorais, conflitos entre
ritariamente, no caso dos autores de obras di-
dáticas do ensino secundário, é destacar seu       1. Sobre Ernest Lavisse ver Nora (1984).
papel na constituição das disciplinas escolares.   2. Sobre o livro Le tour de la France par deux enfants de G. Bruno, publicado
        Mas se deslocamos o foco da pesqui-        em 1877, destacam-se o de Ouzouf, J. et M. Le tour de la France par deux
                                                   enfants: le petit livre rouge de la Republique; o de Nora (1984), o de Dupuy
sa do conteúdo de determinadas obras e seu         (1953) e de Siepe (1988). No Brasil, Olavo Bilac e Manuel Bomfim escreve-
autor para um conjunto de autores e seu papel      ram o famoso livro de leitura Através do Brasil inspirados nessa obra francesa.
                                                   3. Entre outras publicações sobre esta obra destaca-se a de Catarsi (1896).
na produção da obra didática, surgem novas         A tradução em português publicada em 1891, pela editora de Francisco
exigências sobre conceitos e categorias de         Alves, foi feita por João Ribeiro.




478                                                Circe M. F. BITTENCOURT. Autores e editores de compêndios...
autor e editor, sanções jurídicas sobre os auto-                             A história do livro didático brasileiro
res analisados por Chartier em produções nos                        tem demonstrado que existem preconceitos em
séculos XVII e XVIII, indicam a necessidade de                      relação aos intelectuais que se dedicam à pro-
novos enfoques e a complexidade na aborda-                          dução didática, considerando-se o livro escolar
gem do tema.                                                        como uma obra “menor”, um trabalho secundá-
         Tendo por base essa dimensão da fun-                       rio no currículo acadêmico. No século XIX e
ção-autor, a pesquisa sobre os autores de obras                     início do século XX, período inicial dessa pro-
didáticas exige uma ampliação de perspectiva                        dução, a situação não era muito diferente
alterando os limites do contexto biográfico em                      embora houvesse algumas particularidades.
suas relações com o conteúdo expresso no tex-                       Identificar o grupo de intelectuais que se sujei-
to. Os conflitos, tensões, acordos, discrimina-                     taram às imposições do poder educacional e
ções, satisfações, fazem parte da história dos                      das editoras merece, assim, considerações sig-
autores dos livros e há necessidade de inclusão                     nificativas para aprofundar o conhecimento
de outras fontes documentais. Requer uma lei-                       sobre o livro didático e o papel que tem de-
tura bastante atenta de catálogos das editoras,                     sempenhado na produção da cultura escolar.
de contratos ou correspondência entre editores                               Algumas indagações são inevitáveis:
e autores e, cabe assinalar, que há dificuldades                    Estariam nossos primeiros autores motivados
em ter acesso a essas fontes por causa das                          pelas vantagens financeiras que a empreitada
empresas editoriais, que nem sempre permitem a                      poderia oferecer ou seriam outros os motivos
consulta de seus arquivos, além do fato de se-                      que os levaram à realização de um trabalho
rem escassas. Ademais, nos livros didáticos exis-                   intelectual considerado inferior na hierarquia da
tem outras informações além do seu conteúdo                         produção do conhecimento?
didático, que se encontram nos prefácios, pró-                               Um ponto inicial para um estudo dessa
logos, advertências, introduções. Nestes, é pos-                    natureza é conhecer suas produções, buscando
sível entrever mensagens dos autores e os possí-                    entender a concepção que possuíam sobre o
veis diálogos com os professores, com as autori-                    papel do livro didático na educação escolar. Os
dades e com os alunos e suas famílias.                              livros escolares foram considerados, pelos auto-
         O estudo dos primeiros autores de livros                   res, como instrumento de trabalho do professor
didáticos brasileiros é uma tentativa de indicar                    ou seu substituto? Qual seria a concepção de
essas relações complexas, situá-los junto aos de-                   uso do livro didático em uma época onde pra-
mais sujeitos que constituíram a história da edu-                   ticamente inexistiam instituições de formação de
cação escolar no século XIX e início do século XX.                  professores, tanto para o ensino das primeiras
                                                                    letras quanto para o nível secundário?
Surgem os autores de livros                                                  Na listagem de autores de obras didáti-
didáticos brasileiros                                               cas deparamos com alguns nomes famosos da
                                                                    literatura, da vida política e cultural do século
          O autor de uma obra didática deve ser,                    XIX e início do século atual. Muitos desses lite-
em princípio, um seguidor dos programas oficiais                    ratos e políticos tiveram suas obras e ações
propostos pela política educacional. Mas, além                      analisadas, decifradas sob várias abordagens,
da vinculação aos ditames oficiais, o autor é                       mas foram praticamente ignorados enquanto
dependente do editor, do fabricante do seu tex-                     autores de obras destinadas às escolas. Marisa
to, dependência que ocorre em vários momen-                         Lajolo assinala que “o livro escolar, quando
tos, iniciando pela aceitação da obra para publi-                   observado no conjunto da obra de um autor
cação e em todo o processo de transformação                         como Bilac, é quase sempre visto como obra
do seu manuscrito em objeto de leitura, um                          menor” (1982, p. 20). Da mesma forma, é signi-
material didático a ser posto no mercado.                           ficativo o trabalho sobre o cônego Fernandes



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Pinheiro, escrito por um seu descendente, ao           Liceus, e da Arcádia de Roma; membro cor-
procurar marcar apenas sua obra de historiador         respondente do Instituto Nacional de Wa-
e mais especificamente seu pioneirismo na his-         shington; etc.
tória da literatura no Brasil. A extensa produção      (Folha de rosto de Elementos de geometria, do
didática do cônego é lembrada em poucas li-            marquês de Paranaguá)
nhas, em um único parágrafo (Pinheiro, 1978).
         Quem foram, então, os pioneiros da                  Esta apresentação do autor, do marquês
produção didática brasileira?                       de Paranaguá, inscrita na página de rosto de sua
         Considerando o período entre 1810 e        obra escolar de 1846, nos sugeriu uma possível
1910, pode-se verificar uma mudança do perfil       classificação dos autores, dentre os inúmeros
dos autores. Um primeiro grupo iniciou sua pro-     nomes elencados nos catálogos das editoras. As
dução a partir da chegada da família real portu-    referências sobre a participação do marquês nos
guesa no Brasil, e suas obras foram produzidas      meios culturais eruditos da época estabelecem
pela Impressão Régia, mas podemos identificar       prontamente a vinculação entre o grupo de in-
uma primeira “geração” a partir de 1827, auto-      telectuais próximos ao poder do Estado e os
res preocupados com a organização dos cursos        primeiros autores das obras destinadas à divul-
secundários e superiores, apenas esboçando al-      gação do saber para instituições escolares. O
gumas contribuições para o ensino de “primei-       perfil dos autores dessa “primeira geração” é o
ras letras”. Uma segunda “geração” começou a        de homens pertencentes à elite intelectual e
se delinear em torno dos anos 1880, quando as       política da recente nação, conforme está visível
transformações da política liberal e o tema do      na “biografia” do autor citado.
nacionalismo se impuseram, gerando discussões                As referências do marquês de Paranaguá
sobre a necessidade da disseminação do saber        apresentadas indicam, além da sua formação aca-
escolar para outros setores da sociedade, am-       dêmica e de seus contatos com os grandes centros
pliando e reformulando o conceito de “cidadão       internacionais do mundo científico, que ele era
brasileiro”, criando-se uma literatura que, sem     uma figura de destaque nos meios políticos: sena-
abandonar o secundário, dedicaram-se à cons-        dor do Império e conselheiro do Estado.
tituição do saber da escola elementar.                       E ele não foi um exemplo isolado.
                                                    Outros personagens do cenário político também
“Sábios”, políticos e                               se aventuraram na tarefa de redigir obras a
professores em ação                                 serem divulgadas nas escolas de formação das
                                                    futuras elites. José Justiniano da Rocha (1866),
  Senador do Império do Brasil; Conselheiro         também senador do Império, e o visconde de
  de Estado; Grão-Cruz da Imperial Ordem            Cairu (Lisboa, 1827), figura importante do
  do Cruzeiro; Cavaleiro da de Cristo; Briga-       governo de d. Pedro I, deram suas contribui-
  deiro do Imperial Corpo de Engenheiros;           ções nesse sentido.
  Bacharel Formado em Matemática pela Uni-                   A leitura das obras desses autores mos-
  versidade de Coimbra; Lente jubilado da           tra que o interesse maior deles residia na ques-
  academia Real da Marinha de Lisboa; Mem-          tão da formação moral e que eles estavam aten-
  bro honorário da Sociedade Literária do Rio       tos aos textos que eram oferecidos aos jovens
  de Janeiro, e do Instituto Histórico e Geo-       leitores. Na Introdução do livro escolar do vis-
  gráfico Brasileiro; Sócio da Academia Real        conde de Cairu, o autor expressou seu temor
  das Ciências de Lisboa, da Sociedade Geo-         pela disseminação da palavra escrita para “jo-
  gráfica de Paris; da Academia da Industria        vens incautos”. Temia também que as classes
  Francesa; Membro Honorário da Sociedade           trabalhadoras pudessem se instruir e aspirassem
  Etnológica de Paris; Sócio da Academia dos        a mudanças de sua condição e seriam “seduzi-



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dos para Revoluções por insidiosos demagogos”                       ocorreu com alguns dos autores das províncias
(Lisboa, 1827, p. 21).                                              que estavam ligados a institutos congêneres.
         José Justiniano da Rocha em 1866, ao                                Muitas figuras que se destacaram como
adaptar o célebre poema Os lusíadas, de                             secretários do IHGB foram também autores de
Camões, para os alunos, intitulou seu livro de                      livros didáticos. O cônego Caetano Fernandes
Camoniana Brasileira e nele resumiu os trechos                      Pinheiro (1859-1876), dr. Duarte Moreira de
mais belos do poema dentro de cuidadosos                            Azevedo (1880-1886), Joaquim Manuel de
critérios. O crivo da censura fez com que a                         Macedo (1852-1856) e Max Fleiuss (1900-
maioria das estrofes do Canto IX, do episódio                       1905). Além do papel que desempenharam na
da Ilha dos Amores, fosse cortada. As leituras                      entidade, como secretários, tinham todos eles
de cenas amorosas eram, assim, vetadas aos                          uma atuação dinâmica, conciliando seu traba-
jovens adolescentes.                                                lho de “cientistas” com outros cargos, quer
         O marquês de Paranaguá era também                          como professores, quer como profissionais li-
“membro honorário do Instituto Histórico e                          berais. Os secretários compuseram um segundo
Geográfico Brasileiro”, uma vinculação signifi-                     escalão importante para a sobrevivência da
cativa a uma instituição “científica e cultural”                    instituição e deles dependia a imagem e a pro-
simbólica do Império e das primeiras décadas                        dução científica do IHGB. Sem serem nomes
da República.                                                       famosos, eram os que lutavam para conseguir
         Da lista dos iniciadores do Instituto                      aproximar-se e desfrutar dos privilégios do
Histórico e Geográfico Brasileiro fazia parte um                    poder. O IHGB abrigou outros nomes, entre seus
grupo classificado por Lilia Moritz Schwarcz                        sócios efetivos, que deixaram textos escolares
“como a nata da política imperial, boa parte                        como uma de suas contribuições culturais sem
dela nascida em Portugal e fiéis servidores da                      que, entretanto, alardeassem estas atividades.
Casa de Bragança” (1989, p. 21). A presença                         Em suas bibliografias é difícil encontrar as
do poder político no IHGB foi constante duran-                      obras didáticas que produziram.
te todo o império, tendo d. Pedro II participa-                              Outra instituição significativa que abri-
do assiduamente de suas reuniões. Não é, tam-                       gou autores de livros foi a Escola Militar ins-
bém, por mero acaso que encontramos na lis-                         talada no Rio de Janeiro, em 1810. A partir do
ta do IHGB vários nomes de professores do                           momento em que foi criada, essa instituição
Colégio Pedro II e muitos deles foram os res-                       teve que se haver com a questão dos compên-
ponsáveis pelas mais conhecidas e divulgadas                        dios a serem adotados. Essa escola, responsá-
obras didáticas destinadas ao curso secundário.                     vel pelo ensino das ciências matemáticas, físi-
         Tais autores possuíam, portanto, estrei-                   cas, química, história natural, técnicas de guer-
tas ligações com o poder institucional responsá-                    ra e fortificações, cuidou da oferta de textos
vel pela política educacional do Estado, não                        escolares, embora com produção reduzida nas
apenas porque eram obrigados a seguir os pro-                       primeiras décadas, no que se refere a trabalhos
gramas estabelecidos, mas porque estavam “no                        didáticos próprios. Os lentes limitaram-se a
lugar” onde este mesmo saber era produzido. A                       realizar traduções, ou adaptações de textos
primeira interlocução que os autores estabele-                      estrangeiros ou, preferencialmente, recorriam
ciam era exatamente com o poder educacional                         às obras de Portugal. Entretanto, iniciando a
institucionalmente organizado. O “lugar” de sua                     década de 1840, durante as disputas políticas
produção situava-se junto ao poder e realizava-                     e sociais da fase regencial, com a questão da
se para consolidar o poder instituído por inter-                    unidade nacional e a nova configuração do
médio dos colégios destinados à formação das                        papel político dos militares, houve a necessi-
elites, dialogando com intelectuais e políticos                     dade de uma produção de obras didáticas
responsáveis pela política educacional. O mesmo                     locais, que deveriam se encarregar, entre ou-



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tros aspectos, de esboçar os contornos                       As estratégias das primeiras editoras
territoriais da nação independente. A Escola        centraram-se na aproximação ao poder institu-
Militar foi, então, o lugar institucional respon-   cional, podendo-se entender por essa via o cri-
sável pelo aparecimento dos primeiros com-          tério de escolha dos autores. Estes corres-
pêndios dedicados ao ensino das disciplinas         pondiam a um perfil que expressava essa depen-
formadoras da “nacionalidade”, especialmente        dência política. Compêndios, cartilhas eram tex-
história e geografia.                               tos que precisavam da aprovação institucional
         As relações entre os autores e editores    para que pudessem circular nas escolas, o que
correspondem ao percurso histórico da consti-       acabava por direcionar as opções dos editores
tuição das editoras no Brasil. Após o término       na seleção dos autores. Entende-se, portanto, a
do monopólio da Impressão Régia em 1822,            preferência por autores oriundos do Colégio
teve início a transferência dos encargos edito-     Pedro II ou da Academia Militar. Além de asse-
riais para o setor privado. A Tipografia Nacio-     gurarem uma vendagem, dificilmente seus no-
nal continuou publicando obras didáticas em         mes seriam vetados pelos conselhos educacionais
número restrito e editores de origem estrangei-     que avaliavam as obras, inclusive porque vários
ra passaram a se ocupar da produção nacional,       membros do IHGB compunham as comissões de
mas sempre vinculados aos países europeus           avaliação das obras didáticas. A figura do autor
principalmente. As marcas editoriais francesas,     era assim realçada, sua biografia geralmente
em especial, foram se consolidando em razão         exposta na página de rosto, e os editores esme-
de nossa dependência das técnicas de produ-         ravam-se em valorizar sua posição social.
ção e das políticas de importação.4                          A concepção de livro didático e a sua
         Até 1885 três editoras se destacaram na    destinação eram determinações quase exclusi-
produção de obras didáticas. A editora dos ir-      vas do poder político educacional, que procu-
mãos Laemmert                                       rava, no grupo da elite intelectual, apoio para
                                                    a produção desse tipo de literatura. Tivemos
  surgiu da iniciativa de Eduard Laemmert, nas-     assim, na geração dos iniciadores da produção
  cido em Baden e chegou ao Brasil como só-         didática, figuras próximas ao governo, escrito-
  cio da firma do livreiro francês Bossange. Em     res de obras literárias, sobretudo os principais
  1838 resolveu criar sua própria firma e asso-     encarregados do “fazer científico” da época. Os
  ciou-se ao seu irmão Heinrich. (...) A. E. & H.   compêndios que escreveram para o público
  Laemmert foi praticamente a substituta da         estudantil eram de literatura, gramática, histó-
  Tipografia Nacional, nova denominação da          ria e geografia, dedicados ao ensino secundá-
  Impressão Régia. (Bittencourt, 1993, p. 82)       rio, majoritariamente, e em menor escala para
                                                    as “escolas de primeiras letras”. Os autores, com
         A editora de B. L. Garnier que, segun-     raras exceções e pela condição da disciplina,
do Hallewell, foi o “primeiro editor a fazer um     inspiravam-se ou mesmo adaptavam obras es-
esforço real para atender às necessidades de        trangeiras. Os livros de matemática, então des-
livros escolares brasileiros, correndo um risco     dobrada em aritmética, geometria, álgebra
comercial por sua própria iniciativa” (1985, p.     exemplificam essa produção modelada em
144). E a terceira editora que se destacou nesse    obras européias, lembrando ainda que os pro-
período foi a firma de Nicolau Alves, livreiro      gramas curriculares eram originários e “tradu-
português que a partir dos anos 1880 teve           zidos”, em sua maioria, da França.
como sócio o sobrinho Francisco Alves, figura
significativa na mudança da editora, transfor-
                                                    4. Um dos problemas das editoras e gráficas era o da impressão, porque
mando-a na mais importante empresa de obras         o preço do papel e das tintas variava muito, daí a opção de muitos editores
didáticas entre 1880 e 1920.                        pela impressão de obras na Europa.




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Uma nova “geração” de                                               críticas por parte de alguns desses educado-
autores entra em cena                                               res. Surgiram preocupações com a elaboração
                                                                    de livros destinados especialmente às crianças,
        Um segundo grupo de escritores come-                        atentando para as especificidades do público
çou seu trabalho a partir do momento em que                         infantil.
o ensino elementar das escolas públicas come-                                 As editoras, por seu turno, consideran-
çou a se avultar. Os anos de 1870 e 1880                            do seu público consumidor, estavam atentas às
marcaram o início do crescimento escolar e o                        preferências dos professores. Livros do nível
surgimento de escritores provenientes de outras                     secundário com maior sucesso de venda eram
esferas sociais. Pfromm Netto assinala que o                        os provenientes “das aulas” dos professores. O
movimento responsável pelo crescimento do                           livro Lições de História do Brasil, de Joaquim
ensino elementar possibilitou                                       Manuel de Macedo, se originou das aulas desse
                                                                    professor no Colégio Pedro II e inovava pelos
  as condições favoráveis que estimularam, em                       exercícios e atividades pedagógicas ao final de
  educadores brasileiros, o desejo de elaborar                      cada capítulo ou “lição”.5 Para professores sem
  livros de leitura e de outros textos didáticos                    formação específica, o livro didático represen-
  para uso dos alunos e professores do ensino                       tava “o método de ensino”, além de conter o
  elementar. O baiano Abílio Cesar Borges, pri-                     conteúdo específico da disciplina. A formação
  meiramente, e mais tarde, Felisberto de Carva-                    do professor, ao ser constituída na prática, no
  lho, Hilário Ribeiro, Romão Puiggari, Arnaldo                     “aprender fazendo” exigia uma produção didá-
  de Oliveira Barreto, Francisco Vianna, João                       tica específica que intelectuais preocupados
  Köpke e outros produziram nossas primeiras                        com o conhecimento científico ou literário, mas
  séries graduadas de livros de leitura. Livros                     sem a vivência da sala de aula, eram incapazes
  que foram verdadeiramente nacionais (…)                           de produzir com sucesso.
  concorrendo de modo nada desprezível para                                   Esse período correspondeu a uma sen-
  a unidade brasileira de sentimento. (Pfrom                        sível mudança quanto ao público do livro didá-
  Netto, 1974, p. 170)                                              tico. O livro didático traz, desde sua origem,
                                                                    uma ambigüidade no que se refere ao seu
         As biografias dos nomes citados indi-                      público. O professor é figura central, mas existe
cam uma diferenciação de formação e expe-                           o aluno. O livro didático não pode separá-los.
riências quando comparamos com o grupo an-                          A partir da segunda metade do século XIX
terior, mais homogêneo em sua composição.                           passou a se tornar mais claro que o livro didá-
         Os autores dessa geração possuíam, na                      tico não era um material de uso exclusivo do
maioria das vezes, experiências pedagógicas                         professor, que transcrevia ou ditava partes do
provenientes de cursos primários, secundários                       livro nas aulas, mas que ele precisava ir direta-
ou de escolas normais voltadas para a forma-                        mente para as mãos dos alunos. O aluno era (e
ção de professores. A prática pedagógica des-                       ainda é) um público compulsório, mas assumi-
ses autores refletiu, parcialmente, uma preocu-                     lo como consumidor direto do livro significava,
pação menos limitada quanto às opções educa-                        para autores e editores, atender a novas exi-
cionais, saindo da esfera do ensino puramente                       gências, transformando e aperfeiçoando a lin-
destinado à formação das elites.                                    guagem do livro. As ilustrações começaram a se
         A qualidade de “sábio”, capaz de                           tornar uma necessidade, assim como surgiram
adaptar os textos estrangeiros, realizando es-                      novos “gêneros didáticos”, destacando os livros
crituras baseadas em obras científicas, seguin-
do o modelo de compêndios destinados às                             5. Essa característica inovadora explica as inúmeras edições desse li-
elites de outros países passou a ser alvo de                        vro, cuja primeira edição é de 1861 e a última, de 1924.




Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004                                                                483
de leitura e os livros de lições de coisas, não se    comerciantes. Tratava-se de um público bastan-
limitando mais a compêndios e cartilhas.              te diferenciado, compreendido por alunos de
          Escrever um livro didático apresentava      escolas de ensino elementar, com idades va-
desafios, e os editores possuíam consciência da       riáveis, por adolescentes desejosos de seguir
complexidade da tarefa. Entre outros desafios         carreiras no setor terciário, muitas vezes oriun-
havia o de elaborar textos que pudessem mes-          dos de classes menos favorecidas da socieda-
clar narrativas e “atividades” de aprendizagem,       de e por jovens da elite econômica, agora
compondo as relações de ensino e aprendiza-           acrescida por elementos do sexo feminino.
gem. O “discurso” do livro didático é sempre
complexo e de difícil denominação, variando           Autores autônomos
entre um “discurso científico” e um “discurso
literário”.                                                     Um ponto de divergência entre os au-
          A valorização das experiências pedagógi-    tores relacionava-se ao tema da alfabetização.
cas do escritor passou a ser fortemente conside-      A opção do método de alfabetização não se
rada por parte dos editores como critério de es-      explicava apenas por razões didáticas. Ela ex-
colha dos autores. Da mesma forma, a seleção          pressou conflitos políticos que começaram nos
destes voltava-se para os que acompanhavam os         últimos anos da década de 1870 e se estende-
avanços pedagógicos dos países onde a alfabe-         ram até o início do século XX.
tização se estendia para uma população cada vez                 A escolha do método analítico para a
maior. A qualidade principal, entretanto, exigida     alfabetização, em oposição ao usual método
do autor de livro didático para a escola elemen-      sintético, representava a posição dos grupos de
tar, era sua capacidade de “bom escritor”, ou seja,   educadores defensores de uma escola laica. Os
possuir qualidades literárias para atingir a          seguidores do método analítico eram, em sua
especificidade de um público infantil e juvenil.      maioria, republicanos com o discurso voltado
          A idealização governamental dos auto-       para uma democratização do saber escolar e,
res das obras didáticas, nos primórdios do sé-        contrários ao espírito tradicional de educação,
culo XIX, centrada na figura do “sábio” para          cujo ensino era calcado em métodos da Igreja.
cumprir esta tarefa “patriótica” modificou-se,                  A divulgação de autores e suas obras
mas sem desaparecer totalmente. O discurso            pelo jornal a Província de São Paulo é uma
sobre a elaboração de textos escolares como           amostra da luta pela implantação de uma esco-
“missão patriótica” permaneceu. As modifica-          la laica. O jornal paulista propugnava um libe-
ções ocorreram sob a concepção de “sábio” ou          ralismo no qual a escola particular era o sím-
do “sábio mais adequado” para escrever com-           bolo de “liberdade de ensino”, entendida como
pêndios e livros de leitura. O incentivo gover-       escola livre das imposições da Igreja Católica e
namental marcante da época foi o de oferecer          do Estado. O jornal Província de São Paulo foi
concursos para “melhores obras” que teriam a          um veículo importante para fazer propaganda de
publicação garantida e prêmios monetários aos         autores oriundos de escolas particulares leigas,
autores. O “lugar” da produção deslocou-se,           esforçando-se em criar uma imagem para a escola
situando-se na esfera mais específica do poder        privada como sendo a de melhor qualidade. Os
educacional, e provocou novas articulações dos        proprietários do periódico paulista entendiam que
setores editoriais na escolha dos autores.            a divulgação das obras escolares, notadamente de
          A nova “geração” de autores caracteri-      diretores de escolas particulares, significava
zou-se por sua heterogeneidade, por divergên-         prestigiar e moldar a opinião pública para as
cias inevitáveis, uma vez que produziam para          vantagens da iniciativa particular, embora não
um público ampliado, não se limitando mais            abdicassem da defesa das subvenções de verbas
aos filhos dos grandes proprietários rurais e         do Estado para tais iniciativas.



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O grupo de autores divulgados pelo jor-                             João Köpke foi outro exemplo de autor
nal a Província de São Paulo foram defensores de                    que desenvolveu suas habilidades de escritor de
um ensino renovado, moldado, muitas vezes nos                       obras escolares em seu próprio estabelecimen-
modelos norte-americanos. Foram os precursores                      to de ensino, a escola Neutralidade, em São
da formulação de um discurso sobre a neutrali-                      Paulo. Köpke iniciou sua carreira de escritor e
dade do ensino, objetivo e sem dogmas. Na di-                       diretor na capital paulista, ficando conhecido
vulgação de livros escolares, seus autores predi-                   como defensor do método analítico. A utiliza-
letos foram Abílio César Borges, João Köpke,                        ção do método analítico na alfabetização inse-
ambos proprietários de escolas particulares.                        riu-se nas disputas e divergências políticas
         O hábito de diretores de escolas par-                      entre os próprios republicanos. Köpke criticava
ticulares se dedicarem à composição de livros                       o método analítico de João de Deus, intelectual
escolares não era recente. Antonio Álvaro Pe-                       português e militante político cuja obra foi
reira Coruja, considerado como autor da pri-                        amplamente divulgada pelos republicanos mais
meira gramática escolar brasileira, publicada                       radicais brasileiros. Silva Jardim foi um deles.
em 1835, no Rio Grande do Sul “organizou [,]                        Köpke reelaborou e adaptou o denominado
e manteve na Corte, um colégio famoso, o Co-                        método analítico, divulgando-o em vários livros
légio Minerva , onde continuou a publicar li-                       escolares e suas divergências com Silva Jardim
vros escolares de variadas disciplinas” (Pfhrom                     foram ocasionadas pela “ortodoxia positivista
Netto, 1974, p. 194).                                               que separou de mim o estremo companheiro”
         Menezes de Vieira, antes de tornar-se                      (Köpke, 1896, p. 2).
diretor do Pedagogium , era conhecido na ca-                                 Outros diretores poderiam ser citados,
pital do Império pelo seu colégio, famoso por                       mas o autor que melhor pode representar esse
ter introduzido o método Fröebel no Brasil, in-                     grupo é Abílio César Borges. O “amigo das crian-
centivando a criação dos “Jardins de Infância”.                     ças” escreveu uma vastíssima obra didática, criou
Menezes Vieira aliava a direção escolar com a                       inúmeras escolas na Bahia, no Rio de Janeiro e em
produção de obras didáticas para o ensino pri-                      Barbacena, Minas Gerais. Muito elogiado, sendo
mário, que ele próprio se encarregava de publi-                     agraciado com o nobre título de “barão de
car, tendo inclusive criado a Tipografia do Co-                     Macaúbas” pelo imperador, em razão dos “servi-
légio Menezes Vieira. Os livros didáticos eram                      ços prestados à grande causa patriótica: a edu-
anunciados em revistas e jornais do Rio de Ja-                      cação”, teve biografias que destacaram suas obras
neiro, difundindo com a mesma ênfase do jor-                        escolares. Abílio César Borges, diretor geral da
nal A Província de São Paulo, o ideário da es-                      instrução da Bahia, fundou o Ginásio Baiano,
cola privada:                                                       e depois se transferiu para a Corte, no Rio de
                                                                    Janeiro, criou o Colégio Abílio e outro em
  As noções de gramática que o consciencio-                         Barbacena, Minas Gerais, atraindo os filhos das
  so e adiantado diretor do Colégio Menezes                         elites pelas inovações pedagógicas. O colégio
  Vieira acaba de dar a estampa representam                         da capital do país ficou reno-mado por com-
  um trabalho que se funda na racionalidade                         bater a palmatória, criando uma imagem de
  do ensino intuitivo, e conseqüentemente da                        escola laica moderna, em oposição ao mode-
  educação positiva, a única que pode formar                        lo fradesco e truculento das escolas con-
  cidadãos suculentamente instruídos e aptos                        fessionais.
  para os misteres da vida e da sociedade. Ali                               Entretanto, o método, o personagem e
  se encontram os processos recomendados                            a obra didática foram objeto de críticas. Raul
  pela moderna ciência pedagógica: a instru-                        Pompéia, ex-aluno do famoso colégio, em sua
  ção, o raciocínio e a prática aliaram-se nas                      obra O Ateneu, revela outras facetas do diretor
  páginas do precioso livrinho. (Vieira, 1887)                      e sua obra:



Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004                                            485
Eram boletins de propaganda pelas provín-          escola particular mas sob a proteção do gover-
  cias, conferências em diversos pontos da           no, monárquico ou republicano, que garantia o
  cidade, a pedidos, à sustância, atochando a        sucesso de suas escolas e de suas obras. Obras
  imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo,        prestigiadas pela imprensa tiveram ainda uma
  de livros elementares, fabricados às pressas       peculiaridade: marcaram o movimento de
  com o ofegante e esbaforido concurso de            laicização escolar. Em geral as obras desses au-
  professores prudentemente anônimos, cai-           tores sofreram várias reedições, mas não foram
  xões e mais caixões de volumes cartonados          de “longa duração”, limitando-se à primeira
  em Leipzig, inundando as escolas públicas          década do século XX.
  de toda a parte com a sua invasão de ca-                    Esses autores caracterizaram-se ainda
  pas azuis, róseas, amarelas em que o nome          por uma produção independente da escolha
  de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao     das editoras. Eram seus supostos autores de
  pasmo venerador dos esfaimados de alfabe-          textos, encarregavam-se dos custos de edição
  to dos confins da pátria. Os lugares que os        e impressão e escolhiam as editoras para suas
  não procuravam eram um belo dia surpre-            obras. Abílio César Borges teve um número
  endido pela enchente gratuita, espontânea,         considerável de livros publicados pela editora
  irresistível! E não havia senão aceitar a fari-    Aillaud, Guillard sediada em Paris. Aparentemen-
  nha daquela marca para o pão do espírito.          te não tinha interesse lucrativo com a venda
  (Pompéia, 1905, p. 8)                              dos livros pelas informações que temos sobre a
                                                     distribuição gratuita que fazia de suas obras
         É difícil provar se o diretor Abílio con-   por várias regiões do país. Entretanto, a proxi-
tou com o concurso de “anônimos professores”         midade com o poder imperial garantiu a aqui-
como afirmou o autor do Ateneu, mas a quan-          sição de obras pelo governo para que o autor
tidade e a variedade de obras que deixou podem       pudesse distribuir “gratuitamente” nas escolas.
lançar algumas dúvidas sobre a possibilidade de               Juntamente com esses autores ligados
serem realmente trabalhos de um único indiví-        às escolas particulares, a produção didática de
duo. Foram produzidas e postas em circulação,        setores religiosos também desempenhou um
sob sua autoria, cerca de 400 mil volumes e 22       papel significativo nesse período.
títulos, com variadas edições revisadas.                      Compondo a lista de professores que se
         A existência de professores anônimos        tornaram famosos como escritores de compên-
na composição de obras didáticas é difícil de        dios, temos os oriundos de escolas protestantes
ser detectada, mas desde meados do século XIX        de São Paulo: Antonio Trajano e Júlio Ribeiro.
passou a existir a prática de autores renomados      Esses autores foram bem aceitos por parte dos
assinarem obras feitas por auxiliares desconhe-      liberais paulistas, por representarem uma forma
cidos, tornando-se uma espécie de marca regis-       de oposição aos textos de autores católicos.
trada e, em situação oposta, existiram (ou exis-              Antonio Trajano produziu livros de arit-
tem) autores com pseudônimos, escondendo             mética e álgebra para as escolas primárias e
sua identidade.6
         Mas independentemente das formas en-
                                                     6. O caso exemplar de autor “de marca registrada” foi Victor Duruy,
contradas para a produção de textos didáticos,       historiador francês, ministro da Instrução Pública da França (1863 a 1869)
temos que o barão de Macaúbas assim como             e professor de história do Liceu Napoleão (antigo Liceu Saint Louis), um dos
Joaquim José Menezes Vieira foram represen-          primeiros grandes nomes de autores didáticos da editora Hachette de Pa-
                                                     ris. Para a segunda situação temos o cônego Fernandes Pinheiro, que as-
tantes de um grupo de autores específicos e sig-     sinava obras como Sá e Menezes ou então escrevia textos sem que cons-
nificativos do processo de escolarização brasilei-   tasse a autoria: “O cônego dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro cede
                                                     a B.L. Garnier a sua História Contemporânea desde 1815 até 1865 ,
ra. Esmeraram-se em criar uma imagem de ino-         publicada sem o nome do autor mediante as seguintes condições (…)”.
vadores pedagógicos, com projetos centrados na       Manuscrito Arquivo da Editora Itatiaia, Belo Horizonte.




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secundárias e com Aritmética elementar ilustra-                     de escolas confessionais católicas no início do
da, obra premiada na Exposição de 1883 do Rio                       século XX. A questão do “nacionalismo educa-
de Janeiro, tornou-se um autor nacionalmente                        cional” encontrou em tais autores verdadeiros
conhecido. Júlio Ribeiro, mais conhecido como                       opositores, incluindo as questões metodológicas
romancista, foi “o verdadeiro introdutor, nas                       e pedagógicas, com muitas obras mantenedoras
escolas, da nova e brilhante fase do ensino da                      do método catequético organizado com per-
língua portuguesa” (Almeida, 1889, p. 159).                         guntas e respostas.
         A projeção de autores de origem protes-
tante não significou a ausência de religiosos ca-                   Autores de best-sellers
tólicos na tarefa a que vinham se dedicando há                      didáticos
tantos anos. Os jesuítas retomaram suas ativida-
des pedagógicas lentamente no decorrer do sé-                                Durante o período republicano, sobre-
culo XIX e deixaram algumas obras escolares. O                      tudo, pudemos listar um número significativo
mais famoso escritor didático, dentre os jesuítas,                  de autores que exerciam cargo de inspetores de
foi o padre Rafael Maria Galanti, professor no                      instrução ou que fizeram parte de Conselhos de
Colégio Anchieta em Nova Friburgo. Os clérigos                      Instrução. Embora muitos deles tivessem pro-
seculares que assumiram cátedras no Colégio                         duzido obras pouco conhecidas, limitadas a
Pedro II ocuparam-se da literatura escolar com-                     pouco mais de uma edição, alguns consegui-
pondo livros próprios, como o cônego Fernandes                      ram se sobressair, tornando-se nomes famosos
Pinheiro, ou como tradutores. Personalidades                        da literatura escolar.
mais eminentes da hierarquia religiosa também                                O mais famoso escritor de livros esco-
contribuíram para os trabalhos pedagógicos,                         lares que iniciou sua carreira como inspetor
notadamente produzindo livros de religião, disci-                   escolar foi Olavo Bilac. O renomado poeta co-
plina obrigatória durante o Império, e catecismos                   meçou a compor textos escolares com Manuel
ou livros de História Sagrada.                                      Bomfim, então diretor de Instrução Pública do
         A produção das obras de autores reli-                      Distrito Federal. Juntos escreveram o Livro de
giosos, em princípio, deveria seguir os progra-                     composição , um Livro de leitura e o célebre
mas curriculares oficiais, entretanto, sua circu-                   Através do Brasil, publicado anos mais tarde,
lação dependia da autorização eclesiástica. O                       em 1910. Com Coelho Netto, Bilac publicou
Imprimatur, assinado e datado por autoridades                       Contos pátrios em 1904, obra de inúmeras
religiosas dos locais da edição, visível na                         edições assim como suas Poesias infantis.
contracapa do livro, representava a censura e a                              Um outro autor de sucesso cuja origem
forma de interferência no texto dos autores em                      foi a prática escolar foi o já citado Felisberto de
relação à produção didática. A edição de qual-                      Carvalho. Na página de rosto do Dicionário
quer livro destinado às escolas católicas depen-                    gramatical, ele era apresentado como
dia dessa chancela.
         A contribuição maior do setor católico                         professor público da província do Rio de
para a literatura escolar ocorreu com a vinda                           Janeiro, habilitado pela Escola Normal da
dos irmãos maristas e a instalação de sua edi-                          mesma província; ex-professor interino da
tora, a FTD. As obras didáticas, de caráter                             cadeira de português da extinta escola Nor-
marcadamente europeu, compuseram um acer-                               mal para o sexo feminino, professor interino
vo didático que se opôs à tendência “naciona-                           da segunda cadeira na atual escola; membro
lista” então em voga. Os autores anônimos da                            do Conselho de Instrução. (Carvalho, 1886)
FTD começaram a disseminar livros impressos
no exterior, traduções que em sua maioria fo-                              Felisberto de Carvalho escreveu obras
ram sendo consumidas pelo número crescente                          de gramática, geografia, educação moral e cívi-



Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004                                              487
ca, história natural e higiene sendo, entretanto,         Rodrigues Pereira de Carvalho, editados
seus livros mais famosos e de “longa duração”,            pela Alves. (1985, p. 211)
os cinco livros de leitura publicados inicialmente
na década de 1880 com reedições até 1959.                      Francisco Alves, além das estratégias de
         Obras e autores que se tornaram famo-         venda e formas de atração de autores com
sos e alcançaram altos índices de vendagem             obras já conhecidas, oferecia contratos que
representavam o espírito de renovação educa-           garantiam retorno financeiro significativo, mes-
cional iniciado no final do século XIX. As po-         mo para professores renomados de escolas fa-
sições que muitos desses autores ocupavam em           mosas. O caso de João Ribeiro, professor do
setores educacionais proporcionavam a elabo-           Colégio Pedro II e autor de vários livros de
ração de textos com maior probabilidade de             história e literatura para o ensino primário e
aprovação por atenderem aos critérios dos Con-         secundário, expressa a opção do autor para seu
selhos de Instrução Pública.                           ofício de “escritor de obras didáticas”:
         As relações entre editor e autor eram
muito próximas quanto aos procedimentos para              João Ribeiro (...) de família numerosa, sem
a obtenção de certidão de aprovação dos livros            grandes recursos. Necessitava dedicar-se ao
pelos Conselhos Diretores de Instrução Pública.           ensino e à elaboração de livros didáticos,
Mas, além da aprovação oficial, as editoras esco-         como forma de trabalho para o sustento dos
lhiam autores “que tivessem uma margem de                 seus. (...) Mas o argumento decisivo — fi-
venda garantida”, com aceitação pelo público. O           nanceiro — justificava a opção por compên-
autor, por outro lado, esperava da editora “a             dios, de retorno mais garantido, porque es-
infra-estrutura para a composição, propaganda e           critos por um Catedrático do Colégio, nessa
distribuição de seus livros” (Cabrini, 1994, p. 66).      época ainda rótulo reconhecido socialmente,
         Um editor em particular percebeu o novo          por isto mesmo apresentado na capa das
cenário educacional e as perspectivas mercado-            obras didáticas. (Gasparello, 2004, p. 163)
lógicas que se abriam. Francisco Alves, depois de
assumir a firma criada pelo tio Nicolau Alves a                Os ganhos financeiros dos autores in-
partir de 1897, passou a investir com maior            centivaram de maneira considerável essa gera-
empenho na produção didática e acabou quase            ção de escritores de obras didáticas, conforme
que monopolizando a produção nessa área a              atestam as biografias de muitos deles. Havia o
partir do século XX. Além de estender uma efi-         interesse em difundir métodos de ensino reno-
ciente rede para a venda dos livros por todo o         vados, havia interesses de interferência na for-
país, Francisco Alves comprou várias editoras          mação das novas gerações, mas o retorno fi-
médias e pequenas. De acordo com Hallewell,            nanceiro também era considerado pelos auto-
                                                       res. A postura de interferência do editor justi-
  muitas dessas aquisições — houve pelo                fica-se porque, sobretudo, cabia a ele garantir
  menos dez delas — foram feitas para con-             a venda do livro.
  seguir determinados direitos de edição.                      A análise dos contratos entre Francisco
  Francisco Alves comprou a pequenina li-              Alves e seus autores feita por Aníbal Bragança
  vraria da Viúva Azevedo, apenas para ob-             mostra diferentes formas de pagamento dos
  ter os direitos da Antologia nacional de             textos e expressa a existência de variadas ma-
  Fausto Barreto e Carlos Laet, amplamente             neiras de apropriações das edições subseqüen-
  adotadas nas escolas. A Livraria Melilo, de          tes pelos editores:
  São Paulo, foi comprada porque os livros
  de João Köpke por ela editados eram os                  Os editores, por escritura de 05.01.1900, ad-
  principais competidores dos de Felisberto               quiriram ao autor, a “propriedade plena” des-




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tes dois livros, pagando a Thomaz Galhardo                        traditório desde esse período. Exigem obras
  9:000$000. em 12 (1+11) prestações mensais                        atualizadas, mas ao mesmo tempo desconfiam
  de 750$000.” (1999, p. 465)                                       das renovações pedagógicas que alteram a con-
                                                                    figuração do saber escolar, tanto nos conteúdos
         Conceição Cabrini em seu estudo sobre                      quanto nos métodos de ensino. Daí o cuidado
Felisberto de Carvalho fornece ainda importan-                      dos editores em oferecer uma obra aparentemen-
tes dados sobre as interferências do editor no                      te nova (capa, certas ilustrações, títulos), mas
texto. O poder de modificar, ampliar, incluir                       sem mudar efetivamente o conteúdo.
imagens, entre outras formas de intervenção do                               Um número significativo de obras pro-
editor no texto do autor dependia do contra-                        duzidas no final do século XIX e início do sé-
to. Uma cláusula do contrato assinado entre                         culo XX teve inúmeras edições e foram usadas
Felisberto de Carvalho e Francisco Alves mos-                       por várias gerações de alunos. Além das obras
tra, por exemplo, que o                                             da editora Francisco Alves, que encabeçaram as
                                                                    listas de livros aprovados e adotados nas esco-
  Quinto Livro de Leitura , com cerca de 450                        las primárias e secundárias oficiais até 1920, li-
  páginas, em 16, francez foi comprada pela                         vros de outras editoras, especialmente as des-
  quantia de dez contos e 500 mil réis (...)                        tinadas às escolas confessionais, também tive-
  podendo os outorgados dispor inteira e                            ram “uma longa duração”. O catálogo da Casa
  exclusivamente o livro para fazer tantas                          Briguiet de 1936 traz livros de Joaquim Maria
  edições quantas lhes convenham, sobre o                           de Lacerda, um autor religioso de variadas
  formato e título que julgarem convenientes,                       obras para o ensino elementar produzidas na
  podendo mesmo resumir, vir aumentar o li-                         década de 1880. O falecimento do autor não
  vro em futuras edições, vir juntá-los, vir                        diminuiu a venda de suas obras, conforme ates-
  reuní-los a outros trabalhos. (1993, p. 68)                       tam os catálogos que indicam as “atualizações”
                                                                    realizadas por outro autor em seus textos ori-
         Outros contratos garantiam menor in-                       ginais. A permanência dessas obras comprova a
tervenção do editor na obra, sobretudo no caso                      importância da “tradição escolar” e o alcance
do autor assumir parte dos custos e, neste caso,                    das mudanças às quais autores e editores esta-
o preço do livro e a porcentagem do autor                           vam ou ainda estão submetidos, no processo de
eram diferentes. Os direitos do autor sobre a                       reformulações curriculares.
própria obra tinham assim variações.                                         A trajetória de produção dos primeiros
         A editora Francisco Alves acompanhou                       autores brasileiros possibilita identificar algumas
as inovações tecnológicas na fabricação dos li-                     das características das relações entre autor, editor
vros, mantendo associações com empresas edi-                        e Estado. Permite constatar as especificidades do
toriais no exterior, sobretudo, para garantir im-                   texto didático e a complexa teia de interferên-
pressões com menor custo. A visão empresarial                       cias a que o livro é submetido. Esses primeiros
do editor possibilitava colocar o livro no merca-                   autores, com maior ou menor autonomia, foram
do a preços mais baixos, facilitando sua difusão                    os criadores de textos didáticos que possibili-
e possibilitando uma “longa vida” para muitos                       taram a configuração de uma produção nacio-
dos seus best-sellers. Considerando esta outra                      nal, com características próprias. Mesmo que a
importante característica do livro didático — o                     forma se assemelhasse aos livros estrangeiros,
grande número de reedições — pode-se enten-                         os textos escolares expressaram uma produção
der também o poder de interferência maior do                        própria que buscava atender as condições de
editor nas adaptações e renovações da obra.                         trabalho dos professores das escolas públicas
         O comportamento dos professores em                         que se espalhavam pelo país. Procuravam suprir
relação ao livro didático tem sido bastante con-                    a ausência de formação dos docentes, em sua



Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004                                               489
grande maioria leigos e autodidatas.                              ximos ao poder. Perceberam, entretanto, que nem
         Os editores sempre estiveram atentos a                   sempre a figura dos “sábios”, conforme preconi-
essas especificidades. O interesse comercial, en-                 zava a elite governamental, garantia um texto
tretanto, nunca saiu do horizonte de seu ideal                    didático de “qualidade”. Experiência didática é um
de promotor da cultura letrada. B. L. Garnier,                    fator importante e daí a preferência dos editores
editor responsável pela publicação de várias                      por professores e certa desconfiança em relação
obras da literatura nacional, como as José de                     aos intelectuais renomados.
Alencar e Machado de Assis, afirmava que o                                      A história dos autores de obras
livro didático era “a carne” da produção edito-                   didáticas possibilita uma maior reflexão sobre a
rial em contraposição às obras de literatura ou                   função do autor nessa produção específica e
“científicas” que corresponderiam aos “ossos”.                    bastante diversa dos demais livros. O problema
         A comercialização do livro didático, no                  da autoria da obra didática não é recente, con-
entanto, sempre esteve dependente do Estado,                      fluindo em sua confecção muitos sujeitos. A
quer pelo seu poder de aprovação quer como                        história do livro didático mostra as mudanças
comprador, condição que conduziu os editores a                    quanto ao grau de interferência entre os diver-
estratégias diversas de aproximação com o poder                   sos sujeitos assim como as mudanças das polí-
educacional. Uma delas era assegurar a presença                   ticas educacionais em relação a esse significati-
de autores que estivessem de alguma forma pró-                    vo objeto cultural, símbolo da escola moderna.



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                                                                                                       Aprovado em 03.11.04


Circe Maria F. Bitencourt é professora doutora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da USP e
doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP.




Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004                                                      491

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Autores pioneiros de livros didáticos no Brasil (1810-1910

  • 1. Autores e editores de compêndios e livros de leitura (1810-1910) Circe Maria Fernandes Bittencourt Universidade de São Paulo Resumo Este artigo apresenta reflexões sobre o problema da autoria do livro didático. O papel do autor do livro didático tem sido um tema polêmico por sua ambigüidade em relação a seus direitos e suas responsabilidades. O livro didático oferece retornos financei- ros consideráveis para editores e autores, e esta condição implica envolvimentos mais complexos e tensos. O artigo procura, nessa perspectiva, traçar o perfil dos primeiros autores de livros didá- ticos brasileiros, no período de 1810 a 1910, com o objetivo de caracterizar o processo de intervenções de diferentes sujeitos nessa produção. As características da produção do livro didático como texto submetido aos programas curriculares, dependente das autorizações do poder educacional e das formas de comercialização e circulação, são indicadas para mostrar quem foram os autores que aceitaram essas imposições. Apresenta as imposições para a confecção dos livros diante das mudanças do público ao qual é destinado. Inicialmente produzido para pro- fessores, o livro didático vai se tornando livro do aluno. Nesse processo os referenciais pedagógicos e o público escolar passa- ram a exigir cuidados com a linguagem e exige-se a constituição de novos “gêneros didáticos” para o nível elementar. O perfil do autor do livro didático transforma-se, assim como sua autonomia, acentuando as relações entre editor e autor. Palavras-chave Livro didático — Autoria — Editoras — Função-autor. Correspondência: Circe Maria F. Bittencourt R. Maria Tereza F. Rodrigues, 219 05327-000 – São Paulo – SP e-mail: circe@usp.br Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004 475
  • 2. Editors and authors of compendia and reading books (1810-1910) Circe Maria Fernandes Bittencourt Universidade de São Paulo Abstract This article presents considerations about the issue of the authorship of schoolbooks. The role of the authors of a schoolbook has been a controversial topic due to its ambiguity with respect to their rights and legal accountability. A schoolbook can offer substantial financial return to editors and authors, and such situation implies more complex and tense connections. Under this perspective, the article seeks to draw a profile of the first authors of Brazilian schoolbooks, from 1810 to 1910, with the purpose of characterizing the process through which different agents intervened in such production. The particular features of the production of a schoolbook as a text subjected to curricula, dependent on the approval of official educational bodies, and the commercialization and circulation conditions are indicated to show who were the authors that accepted those impositions. The article also presents the demands placed on the elaboration of schoolbooks by the changes in the books’ target public. Initially prepared for teachers, the schoolbook gradually becomes a book for the pupil. Along this process, the pedagogical framework and the target public begin to demand greater care with language and with the constitution of new “didactic genres” directed at the elementary level. The profile of the author of a schoolbook changes, as does his/her autonomy, accentuating the relations between editor and author. Keywords Schoolbook — Authorship — Publishers — Author-function. Contact: Circe Maria F. Bittencourt R. Maria Tereza F. Rodrigues, 219 05327-000 – São Paulo – SP e-mail: circe@usp.br 476 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004
  • 3. Autores de compêndios e livros vários escritores, textos que se integram em um de leitura processo de adaptações nas mãos de técnicos especializados. Desse modo, não se pode mais A história do livro didático inclui em identificar quem efetivamente escreveu o texto. suas abordagens a figura do autor, e este é o A nova situação demonstra que o livro didático tema deste artigo, o qual, por sua vez, poderia é uma mercadoria que gera lucros consideráveis ter como título “Quem foram os primeiros au- para as editoras, mas que coloca a pergunta tores de livros didáticos no Brasil?”. inevitável sobre a função do autor, entendido Diferentemente de outras obras impres- como escritor do texto, e seus direitos de pro- sas, o livro didático possui peculiaridades em priedade em relação à obra produzida. sua produção, circulação e uso, entre elas a da A constatação de alguns dos problemas autoria, por meio da qual é possível ver a dis- que envolvem os autores quanto ao seu papel na tinção entre o trabalho de escrever um texto e elaboração do livro nos faz indagar se tensões o de fabricar um livro. e conflitos dessa natureza são inerentes à pro- A identificação da autoria dos livros di- dução do livro didático e, portanto, visíveis em dáticos tornou-se mais complexa na medida em outros momentos de sua história. Dessa forma, que o ato de escrever o texto e o de transformá- a preocupação em traçar o perfil dos primeiros lo em livro passaram por intensas transformações, autores de livros didáticos, no decorrer do sécu- as quais geraram polêmicas que se intensificaram lo XIX e início do século XX, centrou-se na nos últimos anos. Uma rápida leitura da ficha téc- apreensão das articulações entre os diferentes nica, por exemplo, apresentada na contracapa das sujeitos sempre presentes na produção didática, obras didáticas produzidas a partir da década de destacando a atuação do Estado e das editoras. 1990, comprova que o papel do autor de uma obra didática tem se modificado em decorrência Os autores na história do livro das inovações tecnológicas impostas pela fabrica- didático ção do livro. Copidesque, revisor de texto, pesqui- sador iconográfico, entre outros, constituem uma Pesquisadores voltados para a história equipe cada vez mais numerosa de pessoas res- da alfabetização ou das disciplinas escolares ponsáveis pelo livro, e o autor do texto, embora sempre demonstraram interesse por determina- permaneça encabeçando esse conjunto de profis- dos autores cujos livros foram amplamente uti- sionais, nem sempre é a figura principal. lizados em sua época. Um dos trabalhos pionei- A autoria do livro didático tem passado ros sobre o tema foi o de Marisa Lajolo (1982), por transformações ligadas às especificidades no qual se resgatam questões educacionais de desse produto cultural, notadamente o retorno um período que havia sido estudado mais pelos financeiro considerável que ele traz, sobretudo textos legislativos, pelos discursos oficiais, do no caso de países como o Brasil, com um ex- que pela produção realizada para a escola e suas pressivo público escolar e um mercado assegu- práticas efetivas de ensino, estudo que pratica- rado pelo Estado na compra e distribuição de mente não havia sido feito até então. livros para as escolas públicas. Nos últimos anos, Outros autores de obras didáticas que o interesse de editoras estrangeiras, que tem se foram referências para várias gerações de estu- concretizado na compra ou associações com dantes tornaram-se objeto de estudos a partir empresas nacionais, conduz a transformações dos anos 1990, sendo abordados com enfoques que afetam o papel do autor do livro escolar. diversos. Conceição Cabrini (1994) percorreu o Para agilizar a produção e criar padrões unifor- itinerário da produção de Felisberto de Carva- mes para o livro didático dilui-se a figura do lho (1886), autor do final do século XIX cuja autor por intermédio da compra de textos de obra era ainda utilizada em meados do século Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004 477
  • 4. XX, com forte presença na memória de várias análise. Uma contribuição importante têm sido gerações nas mais variadas regiões do país. as reflexões de Roger Chartier (1997), em seus Selma Rinaldi de Mattos analisou os manuais de estudos sobre a história do livro e sobre a História do Brasil de Joaquim Manuel de cultura letrada. Diferentemente dos pesquisado- Macedo, e várias pesquisas mostram o papel res de livros didáticos, estudar os autores não dos professores do Colégio Pedro II na produ- foi muito usual na história do livro. A nítida ção de obras didáticas das variadas disciplinas. distinção entre o trabalho de escrever um tex- Entre os franceses, a preferência da to e o de fabricar um livro foi alvo de estudos pesquisa de autores didáticos tem sido igual- que se voltaram sobre a materialidade dos li- mente sobre os que ficaram na memória de vros, especialmente entre os historiadores do gerações de estudantes. Os autores de livros de mundo de língua inglesa. Entre os franceses as história encabeçaram as preferências. Ernest pesquisas se voltaram mais sobre a circulação Lavisse1 e os textos que escreveu para a esco- do livro, a posse desigual pelos diferentes gru- la primária francesa, após o advento da Terceira pos sociais e a diversidade das práticas de lei- República, foi um deles. tura. O foco era o conteúdo do texto e seus Um livro e não exatamente seu autor, signos, mas excluía-se o autor. Le tour de la France par deux enfants, tem sido Para os recentes trabalhos sobre o au- alvo de atenção, pela enorme repercussão que tor do livro, Chartier (1997) recupera a contri- teve no período que antecedeu à Guerra de buição de Foucault no ensaio “ Qu´est-ce un 1914-1918, tornando-se importante fonte para auteur?”. Foucault coloca o autor como perso- se determinar o alcance de um livro escolar na nagem importante ao fornecer um nome pró- formação ideológica dos jovens. O livro repre- prio às obras e acentua o caráter de responsabi- senta o inconformismo dos grupos republica- lidade que presume um estado de direito e, nos franceses, perdedores da guerra contra os portanto, sujeito a sanções penais como pro- alemães e que prepararam uma revanche, ex- prietário de uma obra literária. Destaca, nessa pressa na Primeira Grande Guerra.2 Uma obra perspectiva, a função-autor que necessariamen- que tem chamado a atenção de pesquisadores te estabelece vínculos diversos com a obra e pela sua longa vida nas salas de aula na Itália cria identidades. A produção de textos realiza- e pelas traduções e adaptações em diversos se sob tais condições e cria status diversos outros países é Cuore (Coração), do italiano De entre autores, dependendo da variação dos Amicis, publicado pela primeira vez em 1886.3 textos: os discursos “científicos” e os discursos Nesses casos, os autores são na maio- “literários”. Chartier adverte, baseando-se na ria dos casos vistos pelo seu papel de escritor preocupação de Foucault sobre direitos e dis- de obras marcantes, personalizadas e represen- criminações em relação ao autor do texto, tativas na formação de determinadas gerações quanto ao cuidado em identificar a produção de alunos. O objetivo central é analisar o con- de diferentes discursos em momentos históricos teúdo da obra, sua importância como veículo de específicos. O valor comercial da obra, a cons- ideologia, valores, métodos de ensino e, majo- tituição de direitos autorais, conflitos entre ritariamente, no caso dos autores de obras di- dáticas do ensino secundário, é destacar seu 1. Sobre Ernest Lavisse ver Nora (1984). papel na constituição das disciplinas escolares. 2. Sobre o livro Le tour de la France par deux enfants de G. Bruno, publicado Mas se deslocamos o foco da pesqui- em 1877, destacam-se o de Ouzouf, J. et M. Le tour de la France par deux enfants: le petit livre rouge de la Republique; o de Nora (1984), o de Dupuy sa do conteúdo de determinadas obras e seu (1953) e de Siepe (1988). No Brasil, Olavo Bilac e Manuel Bomfim escreve- autor para um conjunto de autores e seu papel ram o famoso livro de leitura Através do Brasil inspirados nessa obra francesa. 3. Entre outras publicações sobre esta obra destaca-se a de Catarsi (1896). na produção da obra didática, surgem novas A tradução em português publicada em 1891, pela editora de Francisco exigências sobre conceitos e categorias de Alves, foi feita por João Ribeiro. 478 Circe M. F. BITTENCOURT. Autores e editores de compêndios...
  • 5. autor e editor, sanções jurídicas sobre os auto- A história do livro didático brasileiro res analisados por Chartier em produções nos tem demonstrado que existem preconceitos em séculos XVII e XVIII, indicam a necessidade de relação aos intelectuais que se dedicam à pro- novos enfoques e a complexidade na aborda- dução didática, considerando-se o livro escolar gem do tema. como uma obra “menor”, um trabalho secundá- Tendo por base essa dimensão da fun- rio no currículo acadêmico. No século XIX e ção-autor, a pesquisa sobre os autores de obras início do século XX, período inicial dessa pro- didáticas exige uma ampliação de perspectiva dução, a situação não era muito diferente alterando os limites do contexto biográfico em embora houvesse algumas particularidades. suas relações com o conteúdo expresso no tex- Identificar o grupo de intelectuais que se sujei- to. Os conflitos, tensões, acordos, discrimina- taram às imposições do poder educacional e ções, satisfações, fazem parte da história dos das editoras merece, assim, considerações sig- autores dos livros e há necessidade de inclusão nificativas para aprofundar o conhecimento de outras fontes documentais. Requer uma lei- sobre o livro didático e o papel que tem de- tura bastante atenta de catálogos das editoras, sempenhado na produção da cultura escolar. de contratos ou correspondência entre editores Algumas indagações são inevitáveis: e autores e, cabe assinalar, que há dificuldades Estariam nossos primeiros autores motivados em ter acesso a essas fontes por causa das pelas vantagens financeiras que a empreitada empresas editoriais, que nem sempre permitem a poderia oferecer ou seriam outros os motivos consulta de seus arquivos, além do fato de se- que os levaram à realização de um trabalho rem escassas. Ademais, nos livros didáticos exis- intelectual considerado inferior na hierarquia da tem outras informações além do seu conteúdo produção do conhecimento? didático, que se encontram nos prefácios, pró- Um ponto inicial para um estudo dessa logos, advertências, introduções. Nestes, é pos- natureza é conhecer suas produções, buscando sível entrever mensagens dos autores e os possí- entender a concepção que possuíam sobre o veis diálogos com os professores, com as autori- papel do livro didático na educação escolar. Os dades e com os alunos e suas famílias. livros escolares foram considerados, pelos auto- O estudo dos primeiros autores de livros res, como instrumento de trabalho do professor didáticos brasileiros é uma tentativa de indicar ou seu substituto? Qual seria a concepção de essas relações complexas, situá-los junto aos de- uso do livro didático em uma época onde pra- mais sujeitos que constituíram a história da edu- ticamente inexistiam instituições de formação de cação escolar no século XIX e início do século XX. professores, tanto para o ensino das primeiras letras quanto para o nível secundário? Surgem os autores de livros Na listagem de autores de obras didáti- didáticos brasileiros cas deparamos com alguns nomes famosos da literatura, da vida política e cultural do século O autor de uma obra didática deve ser, XIX e início do século atual. Muitos desses lite- em princípio, um seguidor dos programas oficiais ratos e políticos tiveram suas obras e ações propostos pela política educacional. Mas, além analisadas, decifradas sob várias abordagens, da vinculação aos ditames oficiais, o autor é mas foram praticamente ignorados enquanto dependente do editor, do fabricante do seu tex- autores de obras destinadas às escolas. Marisa to, dependência que ocorre em vários momen- Lajolo assinala que “o livro escolar, quando tos, iniciando pela aceitação da obra para publi- observado no conjunto da obra de um autor cação e em todo o processo de transformação como Bilac, é quase sempre visto como obra do seu manuscrito em objeto de leitura, um menor” (1982, p. 20). Da mesma forma, é signi- material didático a ser posto no mercado. ficativo o trabalho sobre o cônego Fernandes Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004 479
  • 6. Pinheiro, escrito por um seu descendente, ao Liceus, e da Arcádia de Roma; membro cor- procurar marcar apenas sua obra de historiador respondente do Instituto Nacional de Wa- e mais especificamente seu pioneirismo na his- shington; etc. tória da literatura no Brasil. A extensa produção (Folha de rosto de Elementos de geometria, do didática do cônego é lembrada em poucas li- marquês de Paranaguá) nhas, em um único parágrafo (Pinheiro, 1978). Quem foram, então, os pioneiros da Esta apresentação do autor, do marquês produção didática brasileira? de Paranaguá, inscrita na página de rosto de sua Considerando o período entre 1810 e obra escolar de 1846, nos sugeriu uma possível 1910, pode-se verificar uma mudança do perfil classificação dos autores, dentre os inúmeros dos autores. Um primeiro grupo iniciou sua pro- nomes elencados nos catálogos das editoras. As dução a partir da chegada da família real portu- referências sobre a participação do marquês nos guesa no Brasil, e suas obras foram produzidas meios culturais eruditos da época estabelecem pela Impressão Régia, mas podemos identificar prontamente a vinculação entre o grupo de in- uma primeira “geração” a partir de 1827, auto- telectuais próximos ao poder do Estado e os res preocupados com a organização dos cursos primeiros autores das obras destinadas à divul- secundários e superiores, apenas esboçando al- gação do saber para instituições escolares. O gumas contribuições para o ensino de “primei- perfil dos autores dessa “primeira geração” é o ras letras”. Uma segunda “geração” começou a de homens pertencentes à elite intelectual e se delinear em torno dos anos 1880, quando as política da recente nação, conforme está visível transformações da política liberal e o tema do na “biografia” do autor citado. nacionalismo se impuseram, gerando discussões As referências do marquês de Paranaguá sobre a necessidade da disseminação do saber apresentadas indicam, além da sua formação aca- escolar para outros setores da sociedade, am- dêmica e de seus contatos com os grandes centros pliando e reformulando o conceito de “cidadão internacionais do mundo científico, que ele era brasileiro”, criando-se uma literatura que, sem uma figura de destaque nos meios políticos: sena- abandonar o secundário, dedicaram-se à cons- dor do Império e conselheiro do Estado. tituição do saber da escola elementar. E ele não foi um exemplo isolado. Outros personagens do cenário político também “Sábios”, políticos e se aventuraram na tarefa de redigir obras a professores em ação serem divulgadas nas escolas de formação das futuras elites. José Justiniano da Rocha (1866), Senador do Império do Brasil; Conselheiro também senador do Império, e o visconde de de Estado; Grão-Cruz da Imperial Ordem Cairu (Lisboa, 1827), figura importante do do Cruzeiro; Cavaleiro da de Cristo; Briga- governo de d. Pedro I, deram suas contribui- deiro do Imperial Corpo de Engenheiros; ções nesse sentido. Bacharel Formado em Matemática pela Uni- A leitura das obras desses autores mos- versidade de Coimbra; Lente jubilado da tra que o interesse maior deles residia na ques- academia Real da Marinha de Lisboa; Mem- tão da formação moral e que eles estavam aten- bro honorário da Sociedade Literária do Rio tos aos textos que eram oferecidos aos jovens de Janeiro, e do Instituto Histórico e Geo- leitores. Na Introdução do livro escolar do vis- gráfico Brasileiro; Sócio da Academia Real conde de Cairu, o autor expressou seu temor das Ciências de Lisboa, da Sociedade Geo- pela disseminação da palavra escrita para “jo- gráfica de Paris; da Academia da Industria vens incautos”. Temia também que as classes Francesa; Membro Honorário da Sociedade trabalhadoras pudessem se instruir e aspirassem Etnológica de Paris; Sócio da Academia dos a mudanças de sua condição e seriam “seduzi- 480 Circe M. F. BITTENCOURT. Autores e editores de compêndios...
  • 7. dos para Revoluções por insidiosos demagogos” ocorreu com alguns dos autores das províncias (Lisboa, 1827, p. 21). que estavam ligados a institutos congêneres. José Justiniano da Rocha em 1866, ao Muitas figuras que se destacaram como adaptar o célebre poema Os lusíadas, de secretários do IHGB foram também autores de Camões, para os alunos, intitulou seu livro de livros didáticos. O cônego Caetano Fernandes Camoniana Brasileira e nele resumiu os trechos Pinheiro (1859-1876), dr. Duarte Moreira de mais belos do poema dentro de cuidadosos Azevedo (1880-1886), Joaquim Manuel de critérios. O crivo da censura fez com que a Macedo (1852-1856) e Max Fleiuss (1900- maioria das estrofes do Canto IX, do episódio 1905). Além do papel que desempenharam na da Ilha dos Amores, fosse cortada. As leituras entidade, como secretários, tinham todos eles de cenas amorosas eram, assim, vetadas aos uma atuação dinâmica, conciliando seu traba- jovens adolescentes. lho de “cientistas” com outros cargos, quer O marquês de Paranaguá era também como professores, quer como profissionais li- “membro honorário do Instituto Histórico e berais. Os secretários compuseram um segundo Geográfico Brasileiro”, uma vinculação signifi- escalão importante para a sobrevivência da cativa a uma instituição “científica e cultural” instituição e deles dependia a imagem e a pro- simbólica do Império e das primeiras décadas dução científica do IHGB. Sem serem nomes da República. famosos, eram os que lutavam para conseguir Da lista dos iniciadores do Instituto aproximar-se e desfrutar dos privilégios do Histórico e Geográfico Brasileiro fazia parte um poder. O IHGB abrigou outros nomes, entre seus grupo classificado por Lilia Moritz Schwarcz sócios efetivos, que deixaram textos escolares “como a nata da política imperial, boa parte como uma de suas contribuições culturais sem dela nascida em Portugal e fiéis servidores da que, entretanto, alardeassem estas atividades. Casa de Bragança” (1989, p. 21). A presença Em suas bibliografias é difícil encontrar as do poder político no IHGB foi constante duran- obras didáticas que produziram. te todo o império, tendo d. Pedro II participa- Outra instituição significativa que abri- do assiduamente de suas reuniões. Não é, tam- gou autores de livros foi a Escola Militar ins- bém, por mero acaso que encontramos na lis- talada no Rio de Janeiro, em 1810. A partir do ta do IHGB vários nomes de professores do momento em que foi criada, essa instituição Colégio Pedro II e muitos deles foram os res- teve que se haver com a questão dos compên- ponsáveis pelas mais conhecidas e divulgadas dios a serem adotados. Essa escola, responsá- obras didáticas destinadas ao curso secundário. vel pelo ensino das ciências matemáticas, físi- Tais autores possuíam, portanto, estrei- cas, química, história natural, técnicas de guer- tas ligações com o poder institucional responsá- ra e fortificações, cuidou da oferta de textos vel pela política educacional do Estado, não escolares, embora com produção reduzida nas apenas porque eram obrigados a seguir os pro- primeiras décadas, no que se refere a trabalhos gramas estabelecidos, mas porque estavam “no didáticos próprios. Os lentes limitaram-se a lugar” onde este mesmo saber era produzido. A realizar traduções, ou adaptações de textos primeira interlocução que os autores estabele- estrangeiros ou, preferencialmente, recorriam ciam era exatamente com o poder educacional às obras de Portugal. Entretanto, iniciando a institucionalmente organizado. O “lugar” de sua década de 1840, durante as disputas políticas produção situava-se junto ao poder e realizava- e sociais da fase regencial, com a questão da se para consolidar o poder instituído por inter- unidade nacional e a nova configuração do médio dos colégios destinados à formação das papel político dos militares, houve a necessi- elites, dialogando com intelectuais e políticos dade de uma produção de obras didáticas responsáveis pela política educacional. O mesmo locais, que deveriam se encarregar, entre ou- Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004 481
  • 8. tros aspectos, de esboçar os contornos As estratégias das primeiras editoras territoriais da nação independente. A Escola centraram-se na aproximação ao poder institu- Militar foi, então, o lugar institucional respon- cional, podendo-se entender por essa via o cri- sável pelo aparecimento dos primeiros com- tério de escolha dos autores. Estes corres- pêndios dedicados ao ensino das disciplinas pondiam a um perfil que expressava essa depen- formadoras da “nacionalidade”, especialmente dência política. Compêndios, cartilhas eram tex- história e geografia. tos que precisavam da aprovação institucional As relações entre os autores e editores para que pudessem circular nas escolas, o que correspondem ao percurso histórico da consti- acabava por direcionar as opções dos editores tuição das editoras no Brasil. Após o término na seleção dos autores. Entende-se, portanto, a do monopólio da Impressão Régia em 1822, preferência por autores oriundos do Colégio teve início a transferência dos encargos edito- Pedro II ou da Academia Militar. Além de asse- riais para o setor privado. A Tipografia Nacio- gurarem uma vendagem, dificilmente seus no- nal continuou publicando obras didáticas em mes seriam vetados pelos conselhos educacionais número restrito e editores de origem estrangei- que avaliavam as obras, inclusive porque vários ra passaram a se ocupar da produção nacional, membros do IHGB compunham as comissões de mas sempre vinculados aos países europeus avaliação das obras didáticas. A figura do autor principalmente. As marcas editoriais francesas, era assim realçada, sua biografia geralmente em especial, foram se consolidando em razão exposta na página de rosto, e os editores esme- de nossa dependência das técnicas de produ- ravam-se em valorizar sua posição social. ção e das políticas de importação.4 A concepção de livro didático e a sua Até 1885 três editoras se destacaram na destinação eram determinações quase exclusi- produção de obras didáticas. A editora dos ir- vas do poder político educacional, que procu- mãos Laemmert rava, no grupo da elite intelectual, apoio para a produção desse tipo de literatura. Tivemos surgiu da iniciativa de Eduard Laemmert, nas- assim, na geração dos iniciadores da produção cido em Baden e chegou ao Brasil como só- didática, figuras próximas ao governo, escrito- cio da firma do livreiro francês Bossange. Em res de obras literárias, sobretudo os principais 1838 resolveu criar sua própria firma e asso- encarregados do “fazer científico” da época. Os ciou-se ao seu irmão Heinrich. (...) A. E. & H. compêndios que escreveram para o público Laemmert foi praticamente a substituta da estudantil eram de literatura, gramática, histó- Tipografia Nacional, nova denominação da ria e geografia, dedicados ao ensino secundá- Impressão Régia. (Bittencourt, 1993, p. 82) rio, majoritariamente, e em menor escala para as “escolas de primeiras letras”. Os autores, com A editora de B. L. Garnier que, segun- raras exceções e pela condição da disciplina, do Hallewell, foi o “primeiro editor a fazer um inspiravam-se ou mesmo adaptavam obras es- esforço real para atender às necessidades de trangeiras. Os livros de matemática, então des- livros escolares brasileiros, correndo um risco dobrada em aritmética, geometria, álgebra comercial por sua própria iniciativa” (1985, p. exemplificam essa produção modelada em 144). E a terceira editora que se destacou nesse obras européias, lembrando ainda que os pro- período foi a firma de Nicolau Alves, livreiro gramas curriculares eram originários e “tradu- português que a partir dos anos 1880 teve zidos”, em sua maioria, da França. como sócio o sobrinho Francisco Alves, figura significativa na mudança da editora, transfor- 4. Um dos problemas das editoras e gráficas era o da impressão, porque mando-a na mais importante empresa de obras o preço do papel e das tintas variava muito, daí a opção de muitos editores didáticas entre 1880 e 1920. pela impressão de obras na Europa. 482 Circe M. F. BITTENCOURT. Autores e editores de compêndios...
  • 9. Uma nova “geração” de críticas por parte de alguns desses educado- autores entra em cena res. Surgiram preocupações com a elaboração de livros destinados especialmente às crianças, Um segundo grupo de escritores come- atentando para as especificidades do público çou seu trabalho a partir do momento em que infantil. o ensino elementar das escolas públicas come- As editoras, por seu turno, consideran- çou a se avultar. Os anos de 1870 e 1880 do seu público consumidor, estavam atentas às marcaram o início do crescimento escolar e o preferências dos professores. Livros do nível surgimento de escritores provenientes de outras secundário com maior sucesso de venda eram esferas sociais. Pfromm Netto assinala que o os provenientes “das aulas” dos professores. O movimento responsável pelo crescimento do livro Lições de História do Brasil, de Joaquim ensino elementar possibilitou Manuel de Macedo, se originou das aulas desse professor no Colégio Pedro II e inovava pelos as condições favoráveis que estimularam, em exercícios e atividades pedagógicas ao final de educadores brasileiros, o desejo de elaborar cada capítulo ou “lição”.5 Para professores sem livros de leitura e de outros textos didáticos formação específica, o livro didático represen- para uso dos alunos e professores do ensino tava “o método de ensino”, além de conter o elementar. O baiano Abílio Cesar Borges, pri- conteúdo específico da disciplina. A formação meiramente, e mais tarde, Felisberto de Carva- do professor, ao ser constituída na prática, no lho, Hilário Ribeiro, Romão Puiggari, Arnaldo “aprender fazendo” exigia uma produção didá- de Oliveira Barreto, Francisco Vianna, João tica específica que intelectuais preocupados Köpke e outros produziram nossas primeiras com o conhecimento científico ou literário, mas séries graduadas de livros de leitura. Livros sem a vivência da sala de aula, eram incapazes que foram verdadeiramente nacionais (…) de produzir com sucesso. concorrendo de modo nada desprezível para Esse período correspondeu a uma sen- a unidade brasileira de sentimento. (Pfrom sível mudança quanto ao público do livro didá- Netto, 1974, p. 170) tico. O livro didático traz, desde sua origem, uma ambigüidade no que se refere ao seu As biografias dos nomes citados indi- público. O professor é figura central, mas existe cam uma diferenciação de formação e expe- o aluno. O livro didático não pode separá-los. riências quando comparamos com o grupo an- A partir da segunda metade do século XIX terior, mais homogêneo em sua composição. passou a se tornar mais claro que o livro didá- Os autores dessa geração possuíam, na tico não era um material de uso exclusivo do maioria das vezes, experiências pedagógicas professor, que transcrevia ou ditava partes do provenientes de cursos primários, secundários livro nas aulas, mas que ele precisava ir direta- ou de escolas normais voltadas para a forma- mente para as mãos dos alunos. O aluno era (e ção de professores. A prática pedagógica des- ainda é) um público compulsório, mas assumi- ses autores refletiu, parcialmente, uma preocu- lo como consumidor direto do livro significava, pação menos limitada quanto às opções educa- para autores e editores, atender a novas exi- cionais, saindo da esfera do ensino puramente gências, transformando e aperfeiçoando a lin- destinado à formação das elites. guagem do livro. As ilustrações começaram a se A qualidade de “sábio”, capaz de tornar uma necessidade, assim como surgiram adaptar os textos estrangeiros, realizando es- novos “gêneros didáticos”, destacando os livros crituras baseadas em obras científicas, seguin- do o modelo de compêndios destinados às 5. Essa característica inovadora explica as inúmeras edições desse li- elites de outros países passou a ser alvo de vro, cuja primeira edição é de 1861 e a última, de 1924. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004 483
  • 10. de leitura e os livros de lições de coisas, não se comerciantes. Tratava-se de um público bastan- limitando mais a compêndios e cartilhas. te diferenciado, compreendido por alunos de Escrever um livro didático apresentava escolas de ensino elementar, com idades va- desafios, e os editores possuíam consciência da riáveis, por adolescentes desejosos de seguir complexidade da tarefa. Entre outros desafios carreiras no setor terciário, muitas vezes oriun- havia o de elaborar textos que pudessem mes- dos de classes menos favorecidas da socieda- clar narrativas e “atividades” de aprendizagem, de e por jovens da elite econômica, agora compondo as relações de ensino e aprendiza- acrescida por elementos do sexo feminino. gem. O “discurso” do livro didático é sempre complexo e de difícil denominação, variando Autores autônomos entre um “discurso científico” e um “discurso literário”. Um ponto de divergência entre os au- A valorização das experiências pedagógi- tores relacionava-se ao tema da alfabetização. cas do escritor passou a ser fortemente conside- A opção do método de alfabetização não se rada por parte dos editores como critério de es- explicava apenas por razões didáticas. Ela ex- colha dos autores. Da mesma forma, a seleção pressou conflitos políticos que começaram nos destes voltava-se para os que acompanhavam os últimos anos da década de 1870 e se estende- avanços pedagógicos dos países onde a alfabe- ram até o início do século XX. tização se estendia para uma população cada vez A escolha do método analítico para a maior. A qualidade principal, entretanto, exigida alfabetização, em oposição ao usual método do autor de livro didático para a escola elemen- sintético, representava a posição dos grupos de tar, era sua capacidade de “bom escritor”, ou seja, educadores defensores de uma escola laica. Os possuir qualidades literárias para atingir a seguidores do método analítico eram, em sua especificidade de um público infantil e juvenil. maioria, republicanos com o discurso voltado A idealização governamental dos auto- para uma democratização do saber escolar e, res das obras didáticas, nos primórdios do sé- contrários ao espírito tradicional de educação, culo XIX, centrada na figura do “sábio” para cujo ensino era calcado em métodos da Igreja. cumprir esta tarefa “patriótica” modificou-se, A divulgação de autores e suas obras mas sem desaparecer totalmente. O discurso pelo jornal a Província de São Paulo é uma sobre a elaboração de textos escolares como amostra da luta pela implantação de uma esco- “missão patriótica” permaneceu. As modifica- la laica. O jornal paulista propugnava um libe- ções ocorreram sob a concepção de “sábio” ou ralismo no qual a escola particular era o sím- do “sábio mais adequado” para escrever com- bolo de “liberdade de ensino”, entendida como pêndios e livros de leitura. O incentivo gover- escola livre das imposições da Igreja Católica e namental marcante da época foi o de oferecer do Estado. O jornal Província de São Paulo foi concursos para “melhores obras” que teriam a um veículo importante para fazer propaganda de publicação garantida e prêmios monetários aos autores oriundos de escolas particulares leigas, autores. O “lugar” da produção deslocou-se, esforçando-se em criar uma imagem para a escola situando-se na esfera mais específica do poder privada como sendo a de melhor qualidade. Os educacional, e provocou novas articulações dos proprietários do periódico paulista entendiam que setores editoriais na escolha dos autores. a divulgação das obras escolares, notadamente de A nova “geração” de autores caracteri- diretores de escolas particulares, significava zou-se por sua heterogeneidade, por divergên- prestigiar e moldar a opinião pública para as cias inevitáveis, uma vez que produziam para vantagens da iniciativa particular, embora não um público ampliado, não se limitando mais abdicassem da defesa das subvenções de verbas aos filhos dos grandes proprietários rurais e do Estado para tais iniciativas. 484 Circe M. F. BITTENCOURT. Autores e editores de compêndios...
  • 11. O grupo de autores divulgados pelo jor- João Köpke foi outro exemplo de autor nal a Província de São Paulo foram defensores de que desenvolveu suas habilidades de escritor de um ensino renovado, moldado, muitas vezes nos obras escolares em seu próprio estabelecimen- modelos norte-americanos. Foram os precursores to de ensino, a escola Neutralidade, em São da formulação de um discurso sobre a neutrali- Paulo. Köpke iniciou sua carreira de escritor e dade do ensino, objetivo e sem dogmas. Na di- diretor na capital paulista, ficando conhecido vulgação de livros escolares, seus autores predi- como defensor do método analítico. A utiliza- letos foram Abílio César Borges, João Köpke, ção do método analítico na alfabetização inse- ambos proprietários de escolas particulares. riu-se nas disputas e divergências políticas O hábito de diretores de escolas par- entre os próprios republicanos. Köpke criticava ticulares se dedicarem à composição de livros o método analítico de João de Deus, intelectual escolares não era recente. Antonio Álvaro Pe- português e militante político cuja obra foi reira Coruja, considerado como autor da pri- amplamente divulgada pelos republicanos mais meira gramática escolar brasileira, publicada radicais brasileiros. Silva Jardim foi um deles. em 1835, no Rio Grande do Sul “organizou [,] Köpke reelaborou e adaptou o denominado e manteve na Corte, um colégio famoso, o Co- método analítico, divulgando-o em vários livros légio Minerva , onde continuou a publicar li- escolares e suas divergências com Silva Jardim vros escolares de variadas disciplinas” (Pfhrom foram ocasionadas pela “ortodoxia positivista Netto, 1974, p. 194). que separou de mim o estremo companheiro” Menezes de Vieira, antes de tornar-se (Köpke, 1896, p. 2). diretor do Pedagogium , era conhecido na ca- Outros diretores poderiam ser citados, pital do Império pelo seu colégio, famoso por mas o autor que melhor pode representar esse ter introduzido o método Fröebel no Brasil, in- grupo é Abílio César Borges. O “amigo das crian- centivando a criação dos “Jardins de Infância”. ças” escreveu uma vastíssima obra didática, criou Menezes Vieira aliava a direção escolar com a inúmeras escolas na Bahia, no Rio de Janeiro e em produção de obras didáticas para o ensino pri- Barbacena, Minas Gerais. Muito elogiado, sendo mário, que ele próprio se encarregava de publi- agraciado com o nobre título de “barão de car, tendo inclusive criado a Tipografia do Co- Macaúbas” pelo imperador, em razão dos “servi- légio Menezes Vieira. Os livros didáticos eram ços prestados à grande causa patriótica: a edu- anunciados em revistas e jornais do Rio de Ja- cação”, teve biografias que destacaram suas obras neiro, difundindo com a mesma ênfase do jor- escolares. Abílio César Borges, diretor geral da nal A Província de São Paulo, o ideário da es- instrução da Bahia, fundou o Ginásio Baiano, cola privada: e depois se transferiu para a Corte, no Rio de Janeiro, criou o Colégio Abílio e outro em As noções de gramática que o consciencio- Barbacena, Minas Gerais, atraindo os filhos das so e adiantado diretor do Colégio Menezes elites pelas inovações pedagógicas. O colégio Vieira acaba de dar a estampa representam da capital do país ficou reno-mado por com- um trabalho que se funda na racionalidade bater a palmatória, criando uma imagem de do ensino intuitivo, e conseqüentemente da escola laica moderna, em oposição ao mode- educação positiva, a única que pode formar lo fradesco e truculento das escolas con- cidadãos suculentamente instruídos e aptos fessionais. para os misteres da vida e da sociedade. Ali Entretanto, o método, o personagem e se encontram os processos recomendados a obra didática foram objeto de críticas. Raul pela moderna ciência pedagógica: a instru- Pompéia, ex-aluno do famoso colégio, em sua ção, o raciocínio e a prática aliaram-se nas obra O Ateneu, revela outras facetas do diretor páginas do precioso livrinho. (Vieira, 1887) e sua obra: Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004 485
  • 12. Eram boletins de propaganda pelas provín- escola particular mas sob a proteção do gover- cias, conferências em diversos pontos da no, monárquico ou republicano, que garantia o cidade, a pedidos, à sustância, atochando a sucesso de suas escolas e de suas obras. Obras imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, prestigiadas pela imprensa tiveram ainda uma de livros elementares, fabricados às pressas peculiaridade: marcaram o movimento de com o ofegante e esbaforido concurso de laicização escolar. Em geral as obras desses au- professores prudentemente anônimos, cai- tores sofreram várias reedições, mas não foram xões e mais caixões de volumes cartonados de “longa duração”, limitando-se à primeira em Leipzig, inundando as escolas públicas década do século XX. de toda a parte com a sua invasão de ca- Esses autores caracterizaram-se ainda pas azuis, róseas, amarelas em que o nome por uma produção independente da escolha de Aristarco, inteiro e sonoro, oferecia-se ao das editoras. Eram seus supostos autores de pasmo venerador dos esfaimados de alfabe- textos, encarregavam-se dos custos de edição to dos confins da pátria. Os lugares que os e impressão e escolhiam as editoras para suas não procuravam eram um belo dia surpre- obras. Abílio César Borges teve um número endido pela enchente gratuita, espontânea, considerável de livros publicados pela editora irresistível! E não havia senão aceitar a fari- Aillaud, Guillard sediada em Paris. Aparentemen- nha daquela marca para o pão do espírito. te não tinha interesse lucrativo com a venda (Pompéia, 1905, p. 8) dos livros pelas informações que temos sobre a distribuição gratuita que fazia de suas obras É difícil provar se o diretor Abílio con- por várias regiões do país. Entretanto, a proxi- tou com o concurso de “anônimos professores” midade com o poder imperial garantiu a aqui- como afirmou o autor do Ateneu, mas a quan- sição de obras pelo governo para que o autor tidade e a variedade de obras que deixou podem pudesse distribuir “gratuitamente” nas escolas. lançar algumas dúvidas sobre a possibilidade de Juntamente com esses autores ligados serem realmente trabalhos de um único indiví- às escolas particulares, a produção didática de duo. Foram produzidas e postas em circulação, setores religiosos também desempenhou um sob sua autoria, cerca de 400 mil volumes e 22 papel significativo nesse período. títulos, com variadas edições revisadas. Compondo a lista de professores que se A existência de professores anônimos tornaram famosos como escritores de compên- na composição de obras didáticas é difícil de dios, temos os oriundos de escolas protestantes ser detectada, mas desde meados do século XIX de São Paulo: Antonio Trajano e Júlio Ribeiro. passou a existir a prática de autores renomados Esses autores foram bem aceitos por parte dos assinarem obras feitas por auxiliares desconhe- liberais paulistas, por representarem uma forma cidos, tornando-se uma espécie de marca regis- de oposição aos textos de autores católicos. trada e, em situação oposta, existiram (ou exis- Antonio Trajano produziu livros de arit- tem) autores com pseudônimos, escondendo mética e álgebra para as escolas primárias e sua identidade.6 Mas independentemente das formas en- 6. O caso exemplar de autor “de marca registrada” foi Victor Duruy, contradas para a produção de textos didáticos, historiador francês, ministro da Instrução Pública da França (1863 a 1869) temos que o barão de Macaúbas assim como e professor de história do Liceu Napoleão (antigo Liceu Saint Louis), um dos Joaquim José Menezes Vieira foram represen- primeiros grandes nomes de autores didáticos da editora Hachette de Pa- ris. Para a segunda situação temos o cônego Fernandes Pinheiro, que as- tantes de um grupo de autores específicos e sig- sinava obras como Sá e Menezes ou então escrevia textos sem que cons- nificativos do processo de escolarização brasilei- tasse a autoria: “O cônego dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro cede a B.L. Garnier a sua História Contemporânea desde 1815 até 1865 , ra. Esmeraram-se em criar uma imagem de ino- publicada sem o nome do autor mediante as seguintes condições (…)”. vadores pedagógicos, com projetos centrados na Manuscrito Arquivo da Editora Itatiaia, Belo Horizonte. 486 Circe M. F. BITTENCOURT. Autores e editores de compêndios...
  • 13. secundárias e com Aritmética elementar ilustra- de escolas confessionais católicas no início do da, obra premiada na Exposição de 1883 do Rio século XX. A questão do “nacionalismo educa- de Janeiro, tornou-se um autor nacionalmente cional” encontrou em tais autores verdadeiros conhecido. Júlio Ribeiro, mais conhecido como opositores, incluindo as questões metodológicas romancista, foi “o verdadeiro introdutor, nas e pedagógicas, com muitas obras mantenedoras escolas, da nova e brilhante fase do ensino da do método catequético organizado com per- língua portuguesa” (Almeida, 1889, p. 159). guntas e respostas. A projeção de autores de origem protes- tante não significou a ausência de religiosos ca- Autores de best-sellers tólicos na tarefa a que vinham se dedicando há didáticos tantos anos. Os jesuítas retomaram suas ativida- des pedagógicas lentamente no decorrer do sé- Durante o período republicano, sobre- culo XIX e deixaram algumas obras escolares. O tudo, pudemos listar um número significativo mais famoso escritor didático, dentre os jesuítas, de autores que exerciam cargo de inspetores de foi o padre Rafael Maria Galanti, professor no instrução ou que fizeram parte de Conselhos de Colégio Anchieta em Nova Friburgo. Os clérigos Instrução. Embora muitos deles tivessem pro- seculares que assumiram cátedras no Colégio duzido obras pouco conhecidas, limitadas a Pedro II ocuparam-se da literatura escolar com- pouco mais de uma edição, alguns consegui- pondo livros próprios, como o cônego Fernandes ram se sobressair, tornando-se nomes famosos Pinheiro, ou como tradutores. Personalidades da literatura escolar. mais eminentes da hierarquia religiosa também O mais famoso escritor de livros esco- contribuíram para os trabalhos pedagógicos, lares que iniciou sua carreira como inspetor notadamente produzindo livros de religião, disci- escolar foi Olavo Bilac. O renomado poeta co- plina obrigatória durante o Império, e catecismos meçou a compor textos escolares com Manuel ou livros de História Sagrada. Bomfim, então diretor de Instrução Pública do A produção das obras de autores reli- Distrito Federal. Juntos escreveram o Livro de giosos, em princípio, deveria seguir os progra- composição , um Livro de leitura e o célebre mas curriculares oficiais, entretanto, sua circu- Através do Brasil, publicado anos mais tarde, lação dependia da autorização eclesiástica. O em 1910. Com Coelho Netto, Bilac publicou Imprimatur, assinado e datado por autoridades Contos pátrios em 1904, obra de inúmeras religiosas dos locais da edição, visível na edições assim como suas Poesias infantis. contracapa do livro, representava a censura e a Um outro autor de sucesso cuja origem forma de interferência no texto dos autores em foi a prática escolar foi o já citado Felisberto de relação à produção didática. A edição de qual- Carvalho. Na página de rosto do Dicionário quer livro destinado às escolas católicas depen- gramatical, ele era apresentado como dia dessa chancela. A contribuição maior do setor católico professor público da província do Rio de para a literatura escolar ocorreu com a vinda Janeiro, habilitado pela Escola Normal da dos irmãos maristas e a instalação de sua edi- mesma província; ex-professor interino da tora, a FTD. As obras didáticas, de caráter cadeira de português da extinta escola Nor- marcadamente europeu, compuseram um acer- mal para o sexo feminino, professor interino vo didático que se opôs à tendência “naciona- da segunda cadeira na atual escola; membro lista” então em voga. Os autores anônimos da do Conselho de Instrução. (Carvalho, 1886) FTD começaram a disseminar livros impressos no exterior, traduções que em sua maioria fo- Felisberto de Carvalho escreveu obras ram sendo consumidas pelo número crescente de gramática, geografia, educação moral e cívi- Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004 487
  • 14. ca, história natural e higiene sendo, entretanto, Rodrigues Pereira de Carvalho, editados seus livros mais famosos e de “longa duração”, pela Alves. (1985, p. 211) os cinco livros de leitura publicados inicialmente na década de 1880 com reedições até 1959. Francisco Alves, além das estratégias de Obras e autores que se tornaram famo- venda e formas de atração de autores com sos e alcançaram altos índices de vendagem obras já conhecidas, oferecia contratos que representavam o espírito de renovação educa- garantiam retorno financeiro significativo, mes- cional iniciado no final do século XIX. As po- mo para professores renomados de escolas fa- sições que muitos desses autores ocupavam em mosas. O caso de João Ribeiro, professor do setores educacionais proporcionavam a elabo- Colégio Pedro II e autor de vários livros de ração de textos com maior probabilidade de história e literatura para o ensino primário e aprovação por atenderem aos critérios dos Con- secundário, expressa a opção do autor para seu selhos de Instrução Pública. ofício de “escritor de obras didáticas”: As relações entre editor e autor eram muito próximas quanto aos procedimentos para João Ribeiro (...) de família numerosa, sem a obtenção de certidão de aprovação dos livros grandes recursos. Necessitava dedicar-se ao pelos Conselhos Diretores de Instrução Pública. ensino e à elaboração de livros didáticos, Mas, além da aprovação oficial, as editoras esco- como forma de trabalho para o sustento dos lhiam autores “que tivessem uma margem de seus. (...) Mas o argumento decisivo — fi- venda garantida”, com aceitação pelo público. O nanceiro — justificava a opção por compên- autor, por outro lado, esperava da editora “a dios, de retorno mais garantido, porque es- infra-estrutura para a composição, propaganda e critos por um Catedrático do Colégio, nessa distribuição de seus livros” (Cabrini, 1994, p. 66). época ainda rótulo reconhecido socialmente, Um editor em particular percebeu o novo por isto mesmo apresentado na capa das cenário educacional e as perspectivas mercado- obras didáticas. (Gasparello, 2004, p. 163) lógicas que se abriam. Francisco Alves, depois de assumir a firma criada pelo tio Nicolau Alves a Os ganhos financeiros dos autores in- partir de 1897, passou a investir com maior centivaram de maneira considerável essa gera- empenho na produção didática e acabou quase ção de escritores de obras didáticas, conforme que monopolizando a produção nessa área a atestam as biografias de muitos deles. Havia o partir do século XX. Além de estender uma efi- interesse em difundir métodos de ensino reno- ciente rede para a venda dos livros por todo o vados, havia interesses de interferência na for- país, Francisco Alves comprou várias editoras mação das novas gerações, mas o retorno fi- médias e pequenas. De acordo com Hallewell, nanceiro também era considerado pelos auto- res. A postura de interferência do editor justi- muitas dessas aquisições — houve pelo fica-se porque, sobretudo, cabia a ele garantir menos dez delas — foram feitas para con- a venda do livro. seguir determinados direitos de edição. A análise dos contratos entre Francisco Francisco Alves comprou a pequenina li- Alves e seus autores feita por Aníbal Bragança vraria da Viúva Azevedo, apenas para ob- mostra diferentes formas de pagamento dos ter os direitos da Antologia nacional de textos e expressa a existência de variadas ma- Fausto Barreto e Carlos Laet, amplamente neiras de apropriações das edições subseqüen- adotadas nas escolas. A Livraria Melilo, de tes pelos editores: São Paulo, foi comprada porque os livros de João Köpke por ela editados eram os Os editores, por escritura de 05.01.1900, ad- principais competidores dos de Felisberto quiriram ao autor, a “propriedade plena” des- 488 Circe M. F. BITTENCOURT. Autores e editores de compêndios...
  • 15. tes dois livros, pagando a Thomaz Galhardo traditório desde esse período. Exigem obras 9:000$000. em 12 (1+11) prestações mensais atualizadas, mas ao mesmo tempo desconfiam de 750$000.” (1999, p. 465) das renovações pedagógicas que alteram a con- figuração do saber escolar, tanto nos conteúdos Conceição Cabrini em seu estudo sobre quanto nos métodos de ensino. Daí o cuidado Felisberto de Carvalho fornece ainda importan- dos editores em oferecer uma obra aparentemen- tes dados sobre as interferências do editor no te nova (capa, certas ilustrações, títulos), mas texto. O poder de modificar, ampliar, incluir sem mudar efetivamente o conteúdo. imagens, entre outras formas de intervenção do Um número significativo de obras pro- editor no texto do autor dependia do contra- duzidas no final do século XIX e início do sé- to. Uma cláusula do contrato assinado entre culo XX teve inúmeras edições e foram usadas Felisberto de Carvalho e Francisco Alves mos- por várias gerações de alunos. Além das obras tra, por exemplo, que o da editora Francisco Alves, que encabeçaram as listas de livros aprovados e adotados nas esco- Quinto Livro de Leitura , com cerca de 450 las primárias e secundárias oficiais até 1920, li- páginas, em 16, francez foi comprada pela vros de outras editoras, especialmente as des- quantia de dez contos e 500 mil réis (...) tinadas às escolas confessionais, também tive- podendo os outorgados dispor inteira e ram “uma longa duração”. O catálogo da Casa exclusivamente o livro para fazer tantas Briguiet de 1936 traz livros de Joaquim Maria edições quantas lhes convenham, sobre o de Lacerda, um autor religioso de variadas formato e título que julgarem convenientes, obras para o ensino elementar produzidas na podendo mesmo resumir, vir aumentar o li- década de 1880. O falecimento do autor não vro em futuras edições, vir juntá-los, vir diminuiu a venda de suas obras, conforme ates- reuní-los a outros trabalhos. (1993, p. 68) tam os catálogos que indicam as “atualizações” realizadas por outro autor em seus textos ori- Outros contratos garantiam menor in- ginais. A permanência dessas obras comprova a tervenção do editor na obra, sobretudo no caso importância da “tradição escolar” e o alcance do autor assumir parte dos custos e, neste caso, das mudanças às quais autores e editores esta- o preço do livro e a porcentagem do autor vam ou ainda estão submetidos, no processo de eram diferentes. Os direitos do autor sobre a reformulações curriculares. própria obra tinham assim variações. A trajetória de produção dos primeiros A editora Francisco Alves acompanhou autores brasileiros possibilita identificar algumas as inovações tecnológicas na fabricação dos li- das características das relações entre autor, editor vros, mantendo associações com empresas edi- e Estado. Permite constatar as especificidades do toriais no exterior, sobretudo, para garantir im- texto didático e a complexa teia de interferên- pressões com menor custo. A visão empresarial cias a que o livro é submetido. Esses primeiros do editor possibilitava colocar o livro no merca- autores, com maior ou menor autonomia, foram do a preços mais baixos, facilitando sua difusão os criadores de textos didáticos que possibili- e possibilitando uma “longa vida” para muitos taram a configuração de uma produção nacio- dos seus best-sellers. Considerando esta outra nal, com características próprias. Mesmo que a importante característica do livro didático — o forma se assemelhasse aos livros estrangeiros, grande número de reedições — pode-se enten- os textos escolares expressaram uma produção der também o poder de interferência maior do própria que buscava atender as condições de editor nas adaptações e renovações da obra. trabalho dos professores das escolas públicas O comportamento dos professores em que se espalhavam pelo país. Procuravam suprir relação ao livro didático tem sido bastante con- a ausência de formação dos docentes, em sua Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004 489
  • 16. grande maioria leigos e autodidatas. ximos ao poder. Perceberam, entretanto, que nem Os editores sempre estiveram atentos a sempre a figura dos “sábios”, conforme preconi- essas especificidades. O interesse comercial, en- zava a elite governamental, garantia um texto tretanto, nunca saiu do horizonte de seu ideal didático de “qualidade”. Experiência didática é um de promotor da cultura letrada. B. L. Garnier, fator importante e daí a preferência dos editores editor responsável pela publicação de várias por professores e certa desconfiança em relação obras da literatura nacional, como as José de aos intelectuais renomados. Alencar e Machado de Assis, afirmava que o A história dos autores de obras livro didático era “a carne” da produção edito- didáticas possibilita uma maior reflexão sobre a rial em contraposição às obras de literatura ou função do autor nessa produção específica e “científicas” que corresponderiam aos “ossos”. bastante diversa dos demais livros. O problema A comercialização do livro didático, no da autoria da obra didática não é recente, con- entanto, sempre esteve dependente do Estado, fluindo em sua confecção muitos sujeitos. A quer pelo seu poder de aprovação quer como história do livro didático mostra as mudanças comprador, condição que conduziu os editores a quanto ao grau de interferência entre os diver- estratégias diversas de aproximação com o poder sos sujeitos assim como as mudanças das polí- educacional. Uma delas era assegurar a presença ticas educacionais em relação a esse significati- de autores que estivessem de alguma forma pró- vo objeto cultural, símbolo da escola moderna. Referências bibliográficas ALMEIDA, R. P. de L´instruccion publique au Brésil histoire et législation. Rio de Janeiro: Imp. Leuzinger & Filhos, 1889. Brésil: BITTENCOURT, C. M. F. Livro didático e conhecimento histórico uma história do saber escolar. 1993. Tese (Doutorado)- histórico: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. 369p. BRAGANÇA, A. A política editorial de Francisco Alves e a profissionalização do escritor no Brasil. In: ABREU, M. (Org.). Leitura, história e história da leitura São Paulo: Fapesp, 1999. p. 451-476. leitura. CABRINI, C. Memória do livro didático os livros de leitura de Felisberto Rodrigues Pereira de Carvalho. 1994. Dissertação didático: (Mestrado)– Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994, 135p. CARVALHO, F. R. P. de Dicionário g rama tical Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1886. grama tical. ramatical CATARSI, E. Un cuore che ha cento anni: e quello di De Amicis. Bollettino CIRSE 1896, n. 12, p. 31-35. CIRSE, CHARTIER, R. A história cultural entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL; Rio de cultural: Janeiro: Agir, 1970. ______. A ordem dos livros Lisboa: Passagens,1997. livros. DUPUY, A. Les livres de lectures de G. Bruno. Revue D’histoire Économique et Sociale Paris, n. 20, 1953. Sociale, FOUCAULT, Michel Qu´est-ce un auteur? Littoral, Paris, n. 9, 1983, p. 73-104. GASPARELLO, A. M. Construtores de identidades a pedagogia da nação nos livros didáticos da escola secundária brasileira. São identidades: Paulo: Iglu, 2004. HALLEWELL, L. O livro no Brasil (sua história) história).São Paulo: T. A. Queirós/ EDUSP, 1985. KÖPKE, J. A leitura analítica São Paulo: Tipografia Hennies Irmãos, 1896. analítica. 490 Circe M. F. BITTENCOURT. Autores e editores de compêndios...
  • 17. LAJOLO, M. Usos e abusos da literatura na escola Bilac e a literatura escolar na República Velha. Rio de Janeiro: Globo, 1982. escola: LISBOA, J. da S. Visconde de Cairu escola brasileira ou instrução útil a todas as classes extraída da sagrada escritura para a Cairu: mocidade. Rio de Janeiro: Tipografia Plancher-Seignot, 1827. NORA, P. Lavisse, instituteur national. In: NORA, P. (Dir.) Les lieux de mémoire Paris: Gallimard, p. 291-322, 1984. (Tome I: La mémoire. République) PARANAGUÁ, M. de Elementos de geometria 5. ed. Rio de Janeiro: Typografia Universal de Læmmert, 1846. geometria. PFROMM NETO, S. et al. O livro na educação Rio de Janeiro: Primor, INL, 1974. educação. PINHEIRO, M. P. F. Apresentação à 3ª edição do curso de litera tura nacional do cônego Fernandes Pinheiro Rio de Janeiro: literatura Pinheiro. Livraria Editora Cátedra, 1978. POMPÉIA, R. O Ateneu (crônica de saudades). Rio de Janeiro: Francisco Alves & Cia., 1905. ROCHA, J. J. da História Antiga. Rio de Janeiro: Typographia do Regenerador de J. Rocha, 1860. SCHWARCZ, L. M. Os guardiões da nossa história oficial São Paulo: Idesp, 1989. oficial. SIEPE, Hans T. L’imaginaire historique. Histoire Historiogra phie Paris, n. 14, 1988, p. 160-177. Historiographie, raphie VIEIRA, M. Treze anos de ma g istério no Rio de Janeiro 1875 a 1887. Rio de Janeiro: Læmmert & Cia., 1887. mag Janeiro: Recebido em 07.10.04 Aprovado em 03.11.04 Circe Maria F. Bitencourt é professora doutora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da USP e doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3, p. 475-491, set./dez. 2004 491