2. 2
Erenildo João Carlos
Dafiana do Socorro Soares Vicente Carlos
(Organizadores)
V Encontro de Educação e Visualidade
Pesquisa em educação e visualidade: o que temos produzido no
nordeste
UFPB, 18, 19 e 20 de Março de 2015
João Pessoa, Paraíba, Brasil.
Editora da UFPB
João Pessoa
2015
3. 3
Reitora
Vice-Reitor
UNIVERSIDADE
FEDERAL DA PARAÍBA
MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA MELO DINIZ
EDUARDO RAMALHO RABENHORST
Diretora
Supervisão de
Editoração
Supervisão de
Produção
EDITORA DA UFPB
IZABEL FRANÇA DE LIMA
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JÚNIOR
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
COMISSÃO CIENTÍFICA
Prof. Dr. Erenildo João Carlos - PPGE/UFPB
Prof. Dr. José Ramos Barbosa da Silva - UFPB
Profa. Dra. Eunice Simões Lins Gomes - PPCR/UFPB
Prof. Dr. Eduardo Jorge Lopes da Silva - UFPB
Profa. Ms. Verônica Pessoa da Silva - UEPB
Os artigos e suas revisões são de responsabilidade dos autores.
EDITORA DA UFPB Cidade Universitária, Campus I –s/n
João Pessoa – PB
CEP 58.051-970
editora.ufpb.br
editora@ufpb.br
Fone: (83) 3216.714
E56 Encontro de Educação e Visualidade (5 : 2015 : João Pessoa-PB.).
Anais do V Encontro de Educação e Visualidade: pesquisa em educação
e visualidade: o que temos produzido no nordeste, UFPB -18 a 20 de março
de 2015 / Organizadores: Erenildo João Carlos, Dafiana do Socorro Soares
Vicente Carlos.- João Pessoa: Editora da UFPB, 2015.
163p.
ISBN: 978-85-237-0999-0
1. Educação - nordeste. 2. Educação e visualidade. 3. Desenho e pintura.
4.Fotografia e cinema. 5. Televisão e vídeo. 6. Publicidade e internet. I.
Carlos, Erenildo João. II. Carlos, Dafiana do Socorro Soares Vicente.
CDU: 37(812/813)
4. 4
ÍNDICE
Apresentação......................................................................................... 05
RD 1. Educação e visualidade: o desenho e a pintura......................
Coord: Ms. Raissa Coutinho – UFPB
07
RD 2. Educação e visualidade: a fotografia e o cinema...................
Coord: Ms. Evelyn F. A. Faheina – UFPB
78
RD 3. Educação e visualidade: a televisão e o video........................
Coord: Ms. Marcos Angelus Miranda de Alcantara
142
RD 4. Educação e visualidade: a publicidade e a internet................
Coord: Ms. Marcelo Fonseca de Santana
152
5. 5
APRESENTAÇÃO
O V Encontro de Educação e Visualidade, a ser realizado nos dias 18, 19 e 20
de março de 2015, no Programa de Pós-graduação em Educação, no Centro de
Educação da Universidade Federal da Paraíba, na cidade de João Pessoa, é uma das
ações acadêmicas do Grupo de Pesquisa em Educação de Jovens e Adultos - GPEJA.
Na ocasião, será enfocado a temática "PESQUISA EM EDUCAÇÃO E
VISUALIDADE: O QUE TEMOS PRODUZIDO NO NORDESTE ?". O evento tem
três objetivos fundamentais: a) dialogar sobre a relação entre a cultura visual e a
educação do olhar; b) propiciar um momento de interlocução entre educadores (e
outros profissionais) que têm se interessado e ocupado em refletir e pesquisar sobre o
tema e ensinar com a imagem; e, por fim, c) conferir visibilidade a saberes e práticas
pedagógicas, produzidas sobre a importância da educação e da aprendizagem visual na
sociedade da imagem.
Como se pode ler, assim como nos anteriores, o V Encontro enfocará uma
temática específica, que servirá de fio condutor para a dinâmica tecida no todo e em
cada momento singular do evento, ou seja, na Conferência de abertura, na organização
das Mesas redondas, na seleção dos Trabalhos e nas Rodas de Conversa.
7. 7
Roda de diálogo 1- Educação e visualidade: o desenho e a pintura
Ms. Raissa Coutinho
Email: coutinho_raissa@hotmail.com
Esta Roda de diálogo acolherá propostas de comunicação que reflitam sobre a relação
entre educação e visualidade: desenho e a pintura. Nesta ótica, objetiva discutir as
Correntes e perspectivas educacionais da pesquisa e práticas em educação e visualidade.
Diferenciadas formas de saberes, experiências e usos pedagógicos envolvendo desenhos
e pinturas no cenário da cultura visual.
8. 8
A CHARGE E A EDUCAÇÃO: UMA LEITURA MULTIFACETADA
Raissa Regina Silva Coutinho
coutinho_raissa@hotmail.com
Resumo
O presente artigo é parte de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do mestrado em
educação, cujo objeto de estudo é o discurso sobre o uso pedagógico da charge na EJA.
Assim, destaca-se nesses escritos o entendimento mais direcionado à charge como
modalidade de leitura em seus principais aspectos e procedimentos, que por sua vez
apresenta multifacetas no que tange o processo de compreensão e interpretação. Nesse
sentido, é pertinente atentar para as particularidades do uso desse artefato no processo
pedagógico, dada a existência da charge como acontecimento no terreno visual,
educacional e discursivo. A abordagem metodológica da pesquisa se pauta na Análise
Arqueológica do Discurso (AAD) de Michel Foucault (2012). Como documentos-fonte
aparecem livros, teses, dissertações e artigos acadêmicos que abordam o referido tema.
Ao mapear, escavar, analisar e descrever o conjunto de coisas escritas, identifica-se o
uso da charge como modalidade de leitura, embasada em uma relação triádica (leitor-
texto-realidade) e em uma série de procedimentos necessários e articulados às suas
particularidades como um gênero de linguagem particular.
Palavras-chave: Charge. Leitura. Educação. Discurso.
Introdução
A charge apresenta multifacetas no que tange o processo de compreensão e
interpretação, exigindo do sujeito uma série de aptidões e procedimentos para que se
viabilize uma leitura autônoma e crítica. Por isso, destaca-se nesses escritos o
entendimento mais direcionado à charge como modalidade de leitura em seus principais
aspectos. É pertinente atentar para as particularidades do uso desse artefato no processo
pedagógico, uma vez que seu uso é recorrente em veículos de comunicação e
informação e em materiais didático-pedagógicos, difundido uma realidade sob um
determinado modo de ver. Assim sendo, há a necessidade de problematizar a realidade
representada na charge, bem como buscar um entendimento mais aproximado do que
nela está posto. O processo de formação deve estar atento às múltiplas formas de
linguagem e às múltiplas formas de leitura que uma mesma linguagem exige.
Portanto, o intuito deste artigo é apontar as multifacetas no processo de leitura
da charge no cenário pedagógico. Para tanto, a abordagem metodológica da pesquisa se
pauta na Análise Arqueológica do Discurso (AAD) de Michel Foucault (2012). Como
9. 9
documentos-fonte aparecem o conjunto de coisas escritas materializadas em livros e
produções acadêmico-científicas (teses, dissertações e artigos acadêmicos) que abordam
o referido tema. Dessa forma, tais escritos são mapeados, escavados, analisados e
descritos. A sistematização dos achados contribui para um melhor entendimento acerca
do objeto investigado, elucidando elementos que não estavam tão visíveis.
Primeiramente, será abordado o reconhecimento da charge como modalidade de
leitura, atentando para o processo de compreensão e interpretação que tal artefato
viabiliza em meio às séries de significados e sentidos presentes em um sua constituição.
Em seguida, apresenta-se a tríade leitor-texto-realidade como uma relação pertencente
ao discurso sobre o uso pedagógico da charge; os conhecimentos prévios como
pressuposto neste processo de leitura; as séries de procedimentos no processo de leitura
da charge de modo atento às suas especificidades.
A charge como modalidade de leitura: um processo de compreensão e
interpretação
Os escritos postos em Souza (2000) ao estabelecer uma compreensão acerca da
charge, apresentam uma correlação com os escritos de Certeau (1994), que por sua vez
traz o signo “uso” ou “modalidade de uso”, no intuito de abordar “o uso que o leitor-
pesquisador faz da leitura das charges”, assim o referido “uso” remete às “maneiras de
fazer” (SOUZA, 2000, p. 20). Desse modo, compreender o “uso” da charge no âmbito
pedagógico apresenta uma articulação com várias séries de signos que se conectam às
“maneiras de fazer” em suas múltiplas formas e aspectos.
O discurso sob a ordem pedagógica apresenta signos que em suas relações
apresentam o discurso sobre o uso pedagógico da charge, especificamente, em suas
“maneiras de fazer”. O discurso aponta que, na ordem do discurso pedagógico, a charge
aparece como modalidade de leitura Os signos se articulam de modo a constituir como o
processo de leitura da charge se apresenta e se desenvolve. Alguns desses signos são:
leitura, compreensão, interpretação, contexto sócio-histórico, conhecimentos prévios,
procedimentos de leitura, criticidade, motivação, possibilidades e contribuições.
Veremos a seguir as descrições acerca dessas articulações.
A charge é concebida nesse cenário como “modalidade de leitura” (SOUZA,
2000, p. 20). Assim, tem-se a leitura como uma modalidade de uso pedagógico da
charge, sendo enfatizado ao longo do conjunto de coisas escritas, em seus variados
10. 10
desdobramentos, um esclarecimento acerca de como esse processo de leitura se
apresenta no processo de ensino e aprendizagem de jovens e adultos. Ao compreender
essa conexão entre os signos charge e leitura, o discurso apresenta também os signos
compreensão e interpretação, em uma relação de interdependência, articulando-se de
modo complementar nesse cenário.
Para tanto, a leitura aparece orientada pelo modelo de análise discursiva como
“uma metodologia facilitadora” (NERY, 2011, p. 19) para orientar as atividades com as
charges. Desse modo, identifica-se que a leitura aparece a partir de uma concepção
associada à Análise de Discurso, enfatizando uma perspectiva que “ultrapassa os limites
do texto e passa a considerar o contexto sócio-histórico e ideológico de produção”
(NERY, 2011, p. 47). Assim sendo, apresentam-se correlações com um conjunto de
coisas escritas presentes em: Foucault (2010), Pêcheux (2008) e Orlandi (2008).
Os escritos presentes em Foucault (2010, p. 13) embasam a leitura no âmbito
discursivo ao atentar para as relações de poder e as vontades de verdade:
[...] Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de
verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar
como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem
distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se
sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são
valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o
encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.
Dessa forma, a leitura da charge não aparece no intuito de estabelecer uma
verdade absoluta, mas como uma forma de buscar uma compreensão acerca das
estratégias utilizadas no texto de modo que o que está posto aparece de uma
determinada maneira e não de outra, assim como perceber como determinadas
“verdades” circulam na sociedade e são objetos de apropriação dos sujeitos.
Os escritos postos em Nery (2011, p. 50) se correlacionam com os escritos
presentes em Pêcheux (2008) ao afirmar, no âmbito da leitura, que as coisas ditas
aparecem a partir de uma posição dada na conjuntura social, produzindo “efeitos de
sentidos diferentes, dependendo da época e dos espaços em que são proferidos”.
A correlação com os escritos postos em Orlandi (2008, p. 14) afirma que a
leitura na perspectiva discursiva
[...] permite pensar a leitura (escrita) além da interpretação: o sujeito
que interpreta, lê a partir de sua posição de sujeito, o sujeito leitor
11. 11
crítico lê refletindo sobre sua posição de sujeito, sobre as condições de
produção de sua leitura, por isso ele não interpreta apenas, ele
compreende, sem, no entanto, trabalhar sua determinação através da
teoria.
Dessa forma, a partir de uma leitura compreendida no âmbito discursivo e
também crítico, torna-se imprescindível e regular considerar as condições de produção
da charge e a posição de sujeito do leitor no processo de compreensão e interpretação.
Logo, o discurso interdita afirmações que restrinjam o processo de interpretação apenas
à ótica da posição de sujeito de quem interpreta.
O discurso assinala que é preciso “perceber que não há uma única possibilidade
de leitura, uma vez que os sentidos não são fixos” (NERY, 2011, p. 116); assim como
“os sentidos não são dados de forma direta e não há um sentido único” (DAGOSTIM,
2009, p. 24). Entretanto, afirma-se que “há muitas formas possíveis de ler, mas temos
que ficar cientes que não são infinitas, pois estamos inseridos num contexto sócio-
histórico que interdita e possibilita os nossos dizeres” (NERY, 2011, p. 55). O processo
de leitura se descreve como um cenário de possibilidades múltiplas, contrapondo-se à
ideia de leitura sob a perspectiva unívoca. Por outro lado, essas possibilidades são
consideradas finitas e condicionadas, uma vez que é preciso considerar as condições de
produção da charge a partir de um determinado contexto. Portanto, enfatiza-se, por
meio da estratégia da negação, a compreensão de que os sentidos não são fixos e únicos,
o que indica que a interpretação e compreensão acontecem de modo amplo, dinâmico,
contextualizado e articulado.
Dessa forma, identifica-se que a ordem do discurso pedagógico acerca do uso da
charge como modalidade de leitura se contrapõe às práticas de educação cujas
“informações quase sempre já chegam prontas” (SOUZA, 2000, p. 58); aos “processos
racionalistas no ato de ler, [...] limitando a capacidade que os alunos têm de
desenvolverem o ato de compreensão do texto” (SOUZA, 2000, p. 58). O discurso sobre
o uso da charge, ao se contrapor com práticas que limitam o processo de leitura dos
alunos, busca a problematização ao invés da restrição do que está posto no texto
chárgico; apresenta-se como uma forma de desenvolver o ato de ler, reconhecendo os
sujeitos como construtores de suas próprias leituras, capazes de buscar a construção de
significados e sentidos, bem como serem sujeitos ativos no decorrer do processo de
compreensão e interpretação. A charge como uma modalidade de leitura é trabalhada
12. 12
pedagogicamente de modo que o aluno busque ir além do que está meramente explícito,
assim como compreender que não há uma única possibilidade de leitura.
Assim, o aluno é conduzido, por meio da mediação, a “refletir sobre o que lê, a
penetrar a profundidade do texto, a utilizar seu conhecimento de mundo e,
principalmente, a tirar suas próprias conclusões para a construção do conhecimento”
(NERY, 2011, p. 98). Não basta apenas ler, tem que haver uma reflexão sobre o que foi
lido, pois o aluno é construtor e não mero reprodutor nesse cenário. Percebe-se o quão é
amplo e significativo o processo de leitura considerado no discurso, uma vez que
contempla tanto a reflexão, quanto a valorização do conhecimento de mundo do aluno e
das suas conclusões adquiridas ao longo do processo.
Os alunos como construtores devem “construir as suas próprias histórias de
leituras e recuperá-las sempre que for preciso” (NERY, 2011, p. 106). Assim, no
decorrer de suas histórias de leituras, gera-se um acúmulo a partir de suas construções,
que podem ser reconstruídas em novas leituras. O ato de ler é tomado como um
processo de construção contínuo.
Uma compreensão geral de como se realiza o ato de ler nesse cenário se
apresenta no seguinte recorte: “em cada leitor, uma atitude ativa, em que ele, sujeito do
seu discurso, faz um diálogo com o texto, no qual nele se constrói e é construído. É
nessa interação dialógica que se dá o entendimento” (LESSA, 2013, p. 10). O aluno
como sujeito construtor de sua própria leitura apresenta uma relação dialógica com o
texto, articulando o seu conhecimento de mundo com o conhecimento a ser construído
com a efetivação do ato de ler.
A seguir, apresentam-se algumas especificidades que esclarecem o uso da
charge como modalidade de leitura de modo sistematizado com base nas regularidades
existentes no conjunto de coisas escritas. Para tanto, aborda-se sobre o contexto da
leitura a partir da tríade leitor, texto e realidade; os conhecimentos prévios dos alunos
como ponto de partida no processo de leitura; as questões norteadoras, as habilidades a
serem desenvolvidas para o processo de leitura e a criticidade.
A tríade leitor, texto e realidade
O uso pedagógico da charge pressupõe “a capacidade de usar o olhar como
possibilidade de leitura do mundo” (SOUZA, 2000, p. 66). A charge pressupõe e
desperta a capacidade do uso do olhar, uma vez que, além da existência de elementos
13. 13
verbais, há a presença de elementos visuais, viabilizando habilidades e regras
específicas para cada tipo de linguagem. A existência das séries de signo “leitura do
mundo” através do uso da charge aponta que essa forma de representação estabelece
uma conexão com o mundo e concebe a realidade sob uma determinada perspectiva, em
que o sujeito através de seu olhar viabiliza um modo de leitura específico. Desse modo,
a charge aparece entre o olhar e o mundo, possibilitando um processo de aproximação
entre esses dois eixos.
Com base nos escritos postos em Nery (2011, p. 37), trata-se que o discurso em
sua materialidade, o texto chárgico, passa a ser entendido como uma “construção
social”, posicionando os sujeitos como “participantes nos processos de construção de
significados”. Nessa mesma perspectiva, aparecem também os escritos suscitados em
Souza (2000, p. 57), assinalando como pressuposto do uso pedagógico da charge a
“leitura como prática social, abarcando a dinamicidade leitor-texto-realidade”. O
discurso aponta a dimensão social da leitura, pois tal prática é constituída coletivamente
e viabiliza formas determinadas de conceber a realidade. Além disso, apresenta-se nesse
cenário, como um dos componentes da regra do discurso, a relação triádica composta
pelo leitor, pelo texto e pela realidade, sendo considerada como uma relação dinâmica,
até porque esses três componentes apresentam suas variáveis e particularidades.
Tendo como base a identificação dessa relação triádica no trabalho pedagógico,
percebe-se a necessidade de os sujeitos “[...] relacionar o que é lido com o contexto no
qual se encontram inserido” (NERY, 2011, p. 113). No discurso é ressaltada a
necessidade de articulação do texto com o contexto, trazendo a realidade dos sujeitos
para compor o processo de significação da leitura. Dessa forma, a realidade do aluno e a
realidade representada na charge são postas em relação sob o signo da leitura. Os
escritos postos em Souza (2011, p. 257) também assinalam que “o contexto sócio-
histórico-cultural dos alunos leitores deve ser considerado diante do processo
educacional”. Dada a regularidade, considerar o contexto do leitor aparece como
requisito para o decorrer do processo. Logo, a realidade do aluno e a realidade
representada no texto chárgico são mediatizadas pela leitura.
Diante do exposto, destaca-se que “o processo de produção de sentido é o fruto
da ação interativa de um sujeito social, histórica e culturalmente situado” (SOUZA,
2011, p. 250). Dessa forma, o sujeito não aparece neutro, mas situado no âmbito social,
histórico e cultural, sendo o seu processo de leitura articulado, em sua construção de
sentidos, com o contexto no qual está inserido. O aluno como construtor não é
14. 14
considerado como sujeito passivo, uma vez que se aponta um sujeito de modo
interativo, em que sua inserção contextual interfere em sua produção de sentido.
O discurso aponta que a atividade de leitura deve enfatizar que os sujeitos devem
“assumir sua posição enquanto sujeitos individuais, mas, ao mesmo tempo, pertencentes
a determinadas instituições que os tornam sociais” (NERY, 2011, p. 56). Portanto, a
leitura deve viabilizar uma conexão com o cenário social dos sujeitos, uma vez que é
nessa articulação que surgem conhecimentos de mundo que contribuem para o processo
de construção da leitura dos alunos.
A leitura nesse cenário aparece ainda para além de uma mera interpretação
descontextualizada e restritiva, haja vista uma abordagem acerca do texto que se
apresenta em determinado cenário social. Os escritos postos em Nery (2011, p. 48)
apresentam que “ler não é apenas interpretar, mas compreender e refletir sobre o que lê
a partir de uma posição social”. O ato de ler deve remeter os sujeitos a um processo
amplo de interpretação, compreensão e de reflexão em torno do que foi lido dentro da
situação social que fez emergir o texto chárgico.
A abordagem acerca das charges como registros sociais e históricos no âmbito
pedagógico busca caminhos que viabilizam “torná-los campo fértil para leitura e
interpretação de um determinado momento histórico circunscrito nos traçados e
verbetes” (SOUZA, 2000, p. 28). Sendo a charge de natureza temporal, o processo de
leitura conduz o leitor a se situar historicamente.
Ademais, a compreensão da charge pressupõe “buscar informações contextuais,
isto é, no tempo e no espaço em que ocorreu” (SOUZA, 2004, p. 239). A identificação
das informações do cenário sócio-histórico representado na charge aparece como
pressuposto para um devido processo de compreensão. Nos escritos postos em Lessa
(2013, p. 10) há também a existência dessa necessidade de buscar informações
contextuais, ao afirmar que “o público leitor deve ter informações suficientes para
efetuar o destroncamento semântico determinado entre as palavras e imagens para poder
obter uma compreensão ativa desse gênero”. Por último, aparece nos escritos de Silva
(2004, p. 14) que para “ler e entender a charge, é necessário lançar mão de informações
contextuais”. Diante disso, percebe-se a regularidade quanto à consideração das
informações contextuais como requisitos para compreensão ativa da charge sob a ordem
do discurso pedagógico.
O discurso traz como necessário “remeter às condições de produção e relacionar
ao contexto sócio-histórico e ideológico” (NERY, 2011, p. 18). Identifica-se que
15. 15
trabalhar a charge pedagogicamente como modalidade de leitura apresenta uma
divergência com formas de abordagens passivas, neutras e descontextualizadas, pois é
sustentada no discurso essa busca por compreender, no trabalho com a charge, suas
condições de produção e seu contexto sócio-histórico e ideológico. O uso pedagógico da
charge como modalidade de leitura é apresentado em uma constante relação com o
contexto. Além disso, percebe-se a intersecção da ordem do discurso ideopolítico no
que suscita a necessidade de compreender o cenário ideológico em sua difusão de
maneiras de ver o mundo.
Em suma, a partir de uma relação triádica, o leitor realiza a leitura do texto
chárgico, tomando como base sua interação com o contexto no qual se insere e as
informações contextuais acerca da realidade representada, desvelando assim um
determinado cenário sócio-histórico.
Conhecimentos prévios como pressuposto da leitura
Ao abordar a necessidade de conectar a leitura da charge com a realidade do
aluno, aparece no discurso como pressuposto considerar os seus conhecimentos prévios.
Dessa forma, os escritos postos em Dagostim (2009, p. 34) suscitam que é necessário
“considerar válido o conhecimento prévio dos alunos”. Identifica-se a valorização do
conhecimento prévio do aluno no discurso sobre o uso pedagógico da charge,
aparecendo como elemento imprescindível para o processo de compreensão e
interpretação.
Tendo como base os escritos presentes em Souza (2011, p. 256), percebe-se que
há a presença do “[...] conhecimento prévio relacionado às condições de produção da
charge por parte do leitor” como uma das regularidades do discurso sobre o uso
pedagógico da charge. Sendo assim, no trabalho pedagógico da charge existe uma
articulação entre o conhecimento prévio e as condições de produção do texto chárgico
como uma estratégia no processo de leitura.
O “conhecimento prévio” é considerado como mais um requisito ou pressuposto
para a leitura da charge, em seu processo de compreensão e interpretação, assim como
uma série de signos que se constituem como regularidade no discurso ao apontar que:
“não seria possível ler, no sentido de compreender e interpretar, sem conhecimento
prévio” (SOUZA, 2011, p. 256).
16. 16
Dessa forma, assinala-se que o aluno como construtor deve ser orientado no
intuito de acionar seus conhecimentos prévios acerca da realidade representada na
charge. Nos escritos postos em Nery (2011) é apresentada essa regularidade quanto à
necessidade de se considerar os conhecimentos prévios dos alunos. Além disso,
apresenta-se a leitura como um processo dinâmico de desconstrução e reconstrução do
saber, fazendo uma correlação com os escritos postos em Demo (2006):
É preciso que os alunos, ao lerem um texto, sejam orientados sobre o
que estão buscando e possam relacionar com os seus conhecimentos,
pois, “a leitura depende do que o leitor já sabe, assim como depende,
em sua qualidade, de saber ler desconstruindo e reconstruindo”
(NERY, 2011, p. 113, grifos do autor).
As séries de signos apontam as dificuldades que interferem no processo de
compreensão e interpretação da charge em seu uso pedagógico: “[...] ausência de
conhecimento prévio, elaboração inadequada de questões, dificuldades em relacionar
ideias” (SOUZA, 2011, p. 256). Ao ser identificada a presença do conhecimento prévio
como um enunciado no discurso pedagógico da charge, percebe-se nesse recorte que
por meio do signo ausência, aponta-se que nem sempre há um conhecimento prévio
acerca do acontecimento representado, uma vez que o sujeito pode não ter tido acesso à
determinada informação contextual. Também, aparece nos escritos que as perguntas mal
formuladas dificultam o processo de construção do aluno a buscar as devidas
informações. Assim como a dificuldade existente de relacionar ideias perante a
realidade representada, inviabilizando conexões com o contexto no qual se insere. Tais
aspectos aparecem como impedimentos no processo de compreensão e interpretação da
charge no trabalho pedagógico.
Articulado a essa constatação de possível “ausência de conhecimento prévio”,
diante de determinado acontecimento abordado pela charge, o discurso aponta
estratégias que podem ser utilizadas para mediar a construção de significados em torno
das informações contextuais que permeabilizam tal representação. Então, aparece nesse
cenário o uso de “estratégias de leitura extensiva de jornais, revistas” (SOUZA, 2011, p.
257), bem como a exposição de perguntas bem formuladas, que busquem não somente
potencializar a capacidade do sujeito na construção de significados, como também
conexões com a realidade do aluno, contribuem para que o processo de leitura da
charge se desenvolva de maneira qualitativa no processo educacional.
17. 17
Os escritos assinalam a necessidade de o leitor ter um acúmulo de informações
acerca do acontecimento abordado na charge. Todavia, nem sempre o leitor tem todas
as informações ou acúmulos acerca do acontecimento representado na charge. Para
tanto, o discurso aponta que os alunos podem ter acesso a essas informações, por meio
de “estratégias de leitura”. Por isso, apresenta-se também que pode ocorrer a correlação
da charge a outros textos, em que os alunos são estimulados a buscar essas informações
e alcançar uma compreensão. As informações não devem ser meramente dadas, pois
com base no conjunto de coisas escritas, o conhecimento não é dado, mas efetivamente
construído pelo aluno, sendo o professor um mediador que articula as estratégias
necessárias na busca pelo conhecimento.
Alguns procedimentos para leitura da charge
As séries de signos em suas articulações apontam para a existência de alguns
procedimentos que regularizam o processo de leitura da charge no terreno do discurso,
constituindo-se como componentes das regras do discurso sobre o uso pedagógico da
charge. Tais maneiras de fazer estão postas de modo regular e atentam para aspectos
que devem ser considerados no uso pedagógico da charge para um ativo processo de
compreensão e interpretação.
Primeiramente, há a necessidade de observar as particularidades da charge.
Desse modo, os procedimentos apresentados são as projeções de tiras, história em
quadrinhos, cartum e charges, no intuito de, por meio da estratégia da diferenciação,
ressaltar as particularidades da charge. Nos escritos de Nery (2011, p. 40) é apontado:
“[...] em transparências, tiras, história em quadrinhos, cartum e charges. Realizamos
uma leitura coletiva dos gêneros, para que os alunos observassem as particularidades de
cada um”. Portanto, o referido procedimento aponta que os alunos devem ser
conduzidos a buscar as semelhanças e diferenças presentes nessas variadas formas de
representação que apresentam uma determinada aproximação com a charge por se tratar
de artefatos visuais no âmbito do desenho e do humor.
Nesse percurso aparece a formulação de algumas questões como estratégia para
conduzir os sujeitos a compreender a charge, de modo particular: “o que é charge e
quem a produz? Como o chargista elabora a charge, a partir do quê, quais os elementos
que a compõem?” (NERY, 2011, p. 42). Busca-se instigar a busca por informações
acerca da definição de charge, seu agente produtor, sua emersão, seus elementos
18. 18
constitutivos. Tais perguntas são formuladas de modo que os alunos atentem para os
referidos aspectos e busquem respostas. Apresenta-se ainda que há uma busca por
explorar com os alunos “as particularidades do gênero charges, enfatizando a sua função
social e o local onde costumavam circular” (NERY, 2011, p. 42). Portanto, a partir
dessas articulações aparecem ainda os aspectos função social e campo de circulação da
charge como uma das particularidades a serem consideradas no processo pedagógico.
O uso pedagógico da charge requer um processo de entendimento acerca da
charge em si mesma para viabilizar sua leitura de modo coerente e atento às suas
especificidades. Assim sua leitura se realiza de um modo e não de outro, uma vez que o
texto é a charge e não outro.
Outro procedimento apresentado é identificar a relação entre linguagem verbal
e não verbal. O discurso atenta para a articulação entre esses dois tipos de linguagem
como aspecto imprescindível a ser enfatizado no processo de leitura. Assim, ao abordar
o processo de leitura da charge, aparecem os seguintes escritos: “identificar a relação
entre a imagem e a escrita” (SILVA, 2004, p. 14); “pedimos para que atentassem para a
linguagem verbal e não-verbal empregadas nas charges” (NERY, 2011, p. 41).
Conforme afirmado anteriormente, a charge apresenta uma hibridez quanto à linguagem
verbal e não verbal em sua composição, sendo assim, o discurso apresenta a necessidade
de identificar essa relação como um dos procedimentos a serem empreendidos no
processo de leitura da charge, uma vez que ambos os tipos de linguagem se
complementam na construção de significados e apresentam suas particularidades.
Diante dessa regularidade, aparecem no conjunto de coisas escritas algumas
perguntas: Qual a importância da linguagem verbal empregada? Qual a importância das
ilustrações nas charges? (NERY, 2011, p. 57). Tais questões aparecem no intuito de
chamar atenção dos sujeitos para determinados aspectos existentes na charge durante a
realização do trabalho pedagógico no âmbito da linguagem, conduzindo os alunos a
atentarem para a existência de diferentes tipos de linguagem e para a importância do
emprego delas na charge.
Há também o procedimento localizar informações, em que os alunos devem
buscar as informações existentes na charge a partir de uma leitura atenta aos aspectos
emitidos pela articulação entre a linguagem verbal e não verbal.
Dessa forma, explicitam-se algumas questões utilizadas como estratégias para
conduzir os alunos na busca por informações: O quê? Quem? Onde? Como? Quando?
Qual? Para quê? (SOUZA, 2011, p. 252). Portanto, os alunos devem ser impulsionados
19. 19
por questões que os conduzam a descobrir uma série de aspectos acerca da charge
possíveis de serem identificados em sua superfície (SOUZA, 2011).
Nos escritos postos em Souza (2004, p. 262) são apresentadas outras questões
que indicam esse processo de busca por informações no trabalho pedagógico com a
charge: “De que época trata a representação? Qual o contexto representado de forma
humorística? A fala e a caracterização dos personagens remetem à identificação de qual
personagem?”. As questões norteiam o percurso a ser construído pelos sujeitos no seu
processo de leitura.
Com base nos escritos de Nery (2011, p. 57), “as perguntas serviam como um
norte para a leitura que iam fazer”. Por meio de perguntas há uma mobilização do
conhecimento prévio no intuito de orientar a leitura. Do mesmo modo, frente a essa
regularidade, os escritos postos em Souza (2011, p. 256) ressaltam que:
[...] perguntas bem formuladas podem mobilizar capacidades (ou
habilidades) de leitura, orientando o leitor para que compreenda o
texto [...] a explicitação do que se espera e a contextualização das
questões colaboraria para uma compreensão mais eficaz.
Portanto, as perguntas aparecem com determinadas funções, ora como estratégia
para mobilizar capacidades de leitura, ora para nortear a leitura empreendida pelos
sujeitos e orientar a compreensão do leitor, impulsionando e conduzindo a busca por
determinadas informações. Além disso, através das perguntas, torna-se explícito o que é
necessário buscar e descobrir perante a charge.
Os sujeitos devem também inferir informação implícita, uma vez que nem todas
as informações estão tão visíveis na charge, mas a partir das marcas deixadas pelo texto
chárgico podem ser deduzidas. Assim, busca-se, por meio de inferências, efetivar o
processo de interpretação.
Nesse cenário, os escritos presentes em Nery (2011, p. 74) ressaltam que o
trabalho pedagógico com a charge deve viabilizar que os alunos “passem a ler além do
dito”. Portanto, o conjunto de coisas escritas apresenta que o leitor deve buscar além
dos aspectos superficiais, ou seja, deve buscar aqueles que estão nas entrelinhas. Dessa
maneira, os escritos de Souza (2011, p. 252) assinalam:
[...] Quando a tarefa do leitor for inferir uma informação implícita,
pretende-se verificar se ele é capaz de chegar às informações que não
estão presentes claramente na base textual, mas que podem ser
20. 20
construídas por meio da realização de inferências, sugeridas pelas
marcas textuais ou pistas textuais. Além das informações,
explicitamente enunciadas, há outras que podem ser pressupostas e,
consequentemente, inferidas pelo leitor. O leitor perspicaz é aquele
que consegue ler o que está por trás das linhas. Isso significa que o
leitor deve descobrir os pressupostos [...].
Esse entendimento de ir além do está explícito ou dito também aparece nos
escritos de Silva (2004, p. 18):
[...] para apreender seus novos sentidos e não ficar somente na
descrição da cena e das falas ou explicações dos personagens é
necessário uma carga de informações que podem surgir das
experiências de mundo de cada um, das leituras que cada um faz, dos
conhecimentos guardados e da memória reavivada [...].
O conjunto de coisas escritas acima acrescenta as “experiências”, as “leituras”,
os “conhecimentos” e a “memória” do aluno no processo de leitura e compreensão da
charge para além do que está explícito nela.
De acordo com os escritos postos em Macêdo e Souza (2007, p. 1), o processo
de compreensão e interpretação da charge deve ocorrer “com base nas inferências que o
aluno possa realizar de acordo com seu conhecimento de mundo”. Então a partir de seu
conhecimento de mundo, o aluno constrói uma série de inferências acerca da charge no
decorrer de sua leitura.
Nesse cenário, deve-se atentar para “as condições de produção e os fatores que
influenciaram a sua constituição” (NERY, 2011, p. 35), pois a compreensão da charge
depende dessas condições e fatores que contribuem para constituí-la para que o leitor
possa fazer suas inferências em coerência com esses pressupostos.
Explicita-se nos escritos de Nery (2011, p. 37) correlacionada com Orlandi
(2009) que no processo de compreensão da charge é preciso:
[...] observar não apenas o que é dito linguisticamente, mas
principalmente as condições de produção e os fatores que
influenciaram a sua constituição, pois “os sentidos não estão nas
palavras, nos textos, mas na relação com a exterioridade, nas
condições em que eles são produzidos e que não dependem só das
intenções dos sujeitos [...] (grifos do autor).
Nery (2011, p. 37) assinala que “[...] a atribuição de sentidos às charges é uma
tarefa que requer algo mais do que a apreensão da estrutura da língua, estando, pois,
21. 21
relacionada ao seu acontecimento”. Desse modo, ao compreender a charge como um
acontecimento, o discurso atenta para as condições de produção da charge que
legitimam a sua constituição a partir de um determinado contexto, aspectos estes que
corroboram para interpretação de seus sentidos.
Logo, deve-se conduzir o leitor ao longo da interpretação da charge a fim de
atentar para os aspectos implícitos e como os discursos se constituem para dizer de uma
determinada maneira o que dizem. Assim, o leitor busca as informações que não estão
tão visíveis, mas que por meio de uma série de inferências são alcançadas. Os escritos
postos em Nery (2011, p. 106), trazem essa assinalação de que as questões apresentadas
no decorrer da leitura são uma forma de observar que:
[...] nem todos os sentidos a serem atribuídos estavam ali explícitos,
principalmente em se tratando das charges. Assim, buscamos fazer
com que atentassem não apenas para o que os discursos dizem, mas
como se constituem para dizer o que dizem, porque era dito de uma
forma e não de outra [...].
Desse modo, apresenta-se a necessidade de atentar “não apenas para o que estar
explícito, mas, sobretudo, às estratégias utilizadas através do que fora dito” (NERY,
2011, p. 42). O referido enunciado traz o signo “estratégias” como aspecto importante a
ser considerado no processo de compreensão, mas tal aspecto não se apresenta de modo
explícito, exigindo uma maior atenção do sujeito intérprete. Além das imagens e
palavras, a charge viabiliza o uso de estratégias para representar a realidade de modo
específico e articular os seus elementos constitutivos de modo a potencializar a
abordagem do tema.
Ademais, o discurso pedagógico acerca da charge apresenta que para “os alunos
desenvolverem as atividades foi necessária a leitura de outros textos da esfera
jornalística a fim de fazer associações e registrar as conclusões por meio da escrita ou
da oralidade” (DAGOSTIM, 2009, p. 98). De acordo com tais escritos, diante das
informações implícitas e das inferências, pode haver a necessidade de correlacionar a
charge a outros textos, em especial àqueles do cenário jornalístico, para potencializar a
leitura e construir considerações a partir do que foi lido. Portanto, no uso pedagógico da
charge como modalidade de leitura, apresenta-se a necessidade tanto de inferir
informações implícitas e considerar suas condições de produção, quanto fazer
correlações com os outros textos que apresentem relação com a realidade representada
no texto chárgico.
22. 22
Identificar o tema é apontado como mais um procedimento a ser considerado
nesse cenário. Por meio de questionamentos, o discurso atenta para esse aspecto: que
tema é tratado na charge? (NERY, 2011, p. 57); o texto trata do quê? (SOUZA, 2011,
p. 252). A resposta para essas questões são essenciais para a leitura, uma vez que o tema
é o eixo central do texto.
Aponta-se que o tema nem sempre é mencionado na própria charge, mas deve
ser percebido pelo leitor através de sua interpretação. O conjunto de coisas escritas
apresenta que identificar o tema é imprescindível na leitura desse gênero. Diante disso,
está posto em Souza (2011, p.252) que:
[...] O tema é o eixo sobre o qual o texto se estrutura. Em muitos
textos, o tema não vem explicitamente marcado, mas deve ser
percebido pelo leitor, quando este identifica a função dos recursos
utilizados, como o uso de figuras de linguagem, de exemplos, de uma
determinada organização argumentativa, entre outros. Espera-se
verificar a capacidade do aluno de construir o tema do texto a partir da
interpretação que faz dos recursos utilizados pelo autor [...] .
De acordo com os escritos supracitados, identifica-se que o tema aparece como o
eixo estruturador do texto. A sua identificação é possível a partir da articulação dos
elementos utilizados para constituir a charge em uma determinada organização
argumentativa acerca de uma dada realidade representada.
Ainda aparece como procedimento perceber os efeitos de ironia e humor.
Ambos são elementos que constituem a charge e são estratégias utilizadas para
constituir seu sentido.
Os escritos de Souza (2011, p. 253) apontam que “o humor e a ironia costumam
ser comuns em vários gêneros de texto, mas nem sempre são facilmente compreendidos
pelo leitor, pois, muitas vezes, exigem o conhecimento de situações que não são
mencionadas no texto”. Tais elementos muitas vezes se articulam com aspectos ou
informações implícitas no texto. Os efeitos de ironia e humor são utilizados
estrategicamente pela charge para enfatizar uma determinada situação de modo
específico e devem ser percebidas para o processo de construção de sentido realizado
pelo leitor.
Por fim, apresenta-se identificar a crítica como procedimento utilizado na leitura
da charge. Para tanto, é apontado que o mediador faz uso de questões para despertar a
atenção dos alunos para a crítica empreendida no texto chárgico, conforme destacado
23. 23
nos seguintes recortes: “Qual é a crítica que o autor do texto visual pretende repassar?”
(SOUZA, 2004, p. 262); “Qual a crítica que está sendo feita nas charges? Vocês
concordam com a crítica que está sendo feita?” (NERY, 2011, p. 57). Além de o
mediador incentivar a busca pela identificação da crítica existente na charge por meio
das perguntas apresentadas, ainda há um estímulo ao sujeito participar desse processo,
apresentando seu posicionamento e/ou opinião perante a crítica.
Contudo, o discurso acerca do uso pedagógico da charge atenta que, “para
compreender a crítica feita, é preciso o leitor estar informado sobre essas condições de
produção” (NERY, 2011, p. 54). Logo, são as condições de produção da charge que
conduzem à construção de significados e sentidos acerca da crítica presente no texto,
uma vez que a crítica busca enfatizar ou chamar atenção para aspectos de uma
determinada situação.
De modo geral, o discurso aponta que “para ler e compreender a charge, é
necessária a mobilização de conhecimentos linguísticos, sociais e cognitivos” (SOUZA,
2011, p. 256). Desse modo, os procedimentos apresentados e suas estratégias em torno
do uso pedagógico da charge como modalidade de leitura mobilizam conhecimentos de
variadas ordens, sendo elas linguísticas, sociais e cognitivas. O conhecimento no âmbito
linguístico aparece na identificação das articulações existentes entre a linguagem verbal
e não verbal. O conhecimento no campo social aparece, sobretudo, na compreensão
acerca de um determinado contexto social representado na charge. O conhecimento no
âmbito cognitivo se refere às percepções e inferências que o sujeito realiza no decorrer
do processo de construção de significados.
Em suma, os procedimentos identificados no discurso para compreender a
charge são: observar as particularidades da charge, identificar a relação entre linguagem
verbal e não verbal, localizar informações, inferir informação implícita, identificar o
tema, perceber os efeitos de ironia e humor e identificar a crítica presente na charge.
Tais procedimentos aparecem como parâmetro para se realizar o processo de leitura da
charge em sua compreensão e interpretação. Contudo, deve-se compreender que utilizar
a charge como modalidade de leitura não aparece de maneira unívoca, mas a partir de
parâmetros que sugerem aspectos norteadores. Outros procedimentos podem aparecer
nos desdobramentos discursivos em sua contínua circulação e dispersão. Mas no
percurso analítico-descritivo realizado aparecem esses e não outros, apresentando o
trabalho pedagógico sob uma perspectiva ampla de busca e construção de
conhecimentos.
24. 24
Considerações Finais
Em meio a uma série de coisas escritas, o entendimento que emerge é que a
charge ao ser utilizada pedagogicamente pressupõem um conhecimento acerca de suas
particularidades e, por sua vez, tais aspectos demandam determinados procedimentos de
leitura. Assim, este gênero de linguagem em questão apresenta multifacetas no ato de
ler que se difere de outros gêneros, precisando de uma devida visibilidade no trabalho
pedagógico.
É notório que o discurso apresenta um conjunto de regularidades quanto aos
procedimentos de leitura da charge, tais como: observar as particularidades da charge;
identificar a relação entre linguagem verbal e não verbal; localizar informações; inferir
informação implícita; identificar o tema; perceber os efeitos de ironia e humor; e
identificar a crítica presente na charge. Vale salientar, que esse conjunto não se encerra
em si mesmo, nem tão pouco são estáticos. Devem ser entendidos como elementos
norteadores, podendo aparecer outras séries de procedimentos na contínua dispersão e
circulação do discurso.
Mediante os procedimentos no uso da charge, identificam-se algumas
contribuições para o processo formativo dos alunos. Entre as contribuições aparecem: a
conexão com a realidade, a recorrência à memória, o desenvolvimento da capacidade da
leitura, da escrita e da argumentação, bem como o aguçamento da criticidade. Dessa
forma, percebe-se como a charge corrobora no cenário pedagógico, viabilizando e
aprimorando determinadas capacidades do sujeito.
Ademais, com o intuito de contribuir para a pesquisa em educação e as práticas
pedagógicas, faz-se necessária a continuidade das escavações para que novos achados
sejam encontrados, viabilizando para o aprofundamento do conhecimento acerca do
objeto em questão.
Referências
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DAGOSTIM, Cristiane Gonçalves. A charge – funcionamento e efeitos de sentido em
atividades escolares: leitura, pesquisa e produção textual. 2009. 114f. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Linguagem) - USSC: Tubarão, 2009.
DEMO, Pedro. Leitores para sempre. Porto Alegre: Mediação, 2006.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 8. ed. Tradução de Luiz Felipe Baeta
Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
25. 25
MACÊDO, José Emerson; SOUZA, Maria Lindaci. A charge no ensino de história.
Campina Grande: UEPB. 2007. Disponível em:
<http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST>. Acesso em: 15 abr. 2013.
NERY, Luciana Fernandes. A situação é que faz o leitor: uma análise das relações
entre os sujeitos de ensino da EJA na leitura de charges. 2011. 150f. Dissertação
(Mestrado em Linguagem e Ensino) – UFCG, Campina Grande, 2011.
LESSA, David. O gênero textual charge e sua aplicabilidade em sala de aula.
Sergipe: UFS. 2013.
ORLANDI, Eni P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 8. ed. Campinas,
SP: Pontes, 2009.
PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. Tradução de Eni P.
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SILVA, Carla Letuza. O trabalho com charges na sala de aula. Porto Alegre:
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SOUZA, C. M. Leitura de charge: uma experiência, um desafio. Rev. Via Litterae,
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Acesso em: 15 ago. 2013.
SOUZA, Maria Lindaci. Desvelando máscaras: a charge como modalidade de leitura
do cotidiano. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFRN, Natal, 2000.
_______. Iconografia humorística no ensino de história: modalidades de uso na sala
de aula. Tese (Doutorado em Educação) – UFRN, Natal, 2004.
26. 26
O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA E A LINGUAGEM VISUAL
Edna Ribeiro Ferreira de LIMA
Centro de Línguas do Estado da Paraíba
ednarflima@gmail.com
Resumo
Este artigo coloca em relevo a questão do ensino de língua estrangeira mediado pelo uso
do texto visual como recurso didático-pedagógico. Trata-se de trazer este tema para
reflexão ao abordá-lo como relato de experiência tomando como referência o Curso de
Língua Francesa Infantil desenvolvido como uma das ações extensionistas promovida
junto ao Programa de Apoio ao Ensino de Línguas Estrangeiras no Ensino Fundamental
e Médio (PAELE), vinculado ao curso de Letras da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), bem como apoiado pelos estudos assumidos junto ao Grupo de Pesquisa em
Educação de Jovens e Adultos (GPEJA) vinculados ao curso de Pedagogia da UFPB.
Objetiva-se discutir e convergir sobre os estudos e experiências visuais em sala de aula
de Língua Estrangeira (LE), a partir das práticas pedagógicas desenvolvidas no citado
curso sob o recorte do ensino-aprendizagem mediado pelo texto visual. A conduta
metodológica apóia-se nos princípios e postulados pedagógicos, semiológicos e
linguísticos, transpassados pelos pilares da Educação Popular (EP), assume e discute a
centralidade do sujeito-educando frente à opção pela perspectiva sociocognitivista,
tomada como orientação teórica para o ensino de LE.
Palavras-chave: Ensino de língua estrangeira. Texto visual. Sociognitivismo.
Palavras introdutórias
Embora a literatura que aborda os conteúdos de natureza verbal seja extensa, até
o momento a produção de conhecimentos sobre conteúdos pedagógicos de natureza não
verbal ainda é discreta, sobretudo, quando veiculados em materiais didáticos destinados
ao ensino de LE. Se, como afirma Debray (1993) estamos mergulhados num mundo
visual, lugar aonde as imagens chegam a ser não mais simplesmente a representação das
coisas do mundo real, o nosso interesse, na função de educadores demanda entendê-las,
e se completa, igualmente, diante do interesse por educar atentos à presença destes
artefatos. Assim sendo, faz sentido a afirmação do citado autor ao dizer que somos:
“Todos pitagóricos. Eis o mundo da imagem, ao mesmo tempo, banalizado e
descompartimentalizado, declinando uma simbólica universal” (DEBRAY, 1993, p.
277).
Em síntese, e situados no complexo contexto pedagógico, didático, semiológico
e epistêmico, o desenvolvermos de nossas práticas pedagógicas num mundo marcado
27. 27
pelo imperativo das imagens, não nos permite ignorá-las. Seguindo este entendimento,
nossas práticas pedagógicas junto ao Curso de Língua Francesa Infantil1
que
desenvolvemos, para além das eternas discussões sobre teorias estruturalistas ou
comunicativas, buscamos saber o porquê do que fazemos em sala de aula com o texto
visual, aqui entendido como uma unidade complexa, construído por imagens que são
representações visuais, e cujos elementos constitutivos formam unidades textuais não
verbais. E com esta noção de texto visual:
[...] O que antes era apenas um adendo ao texto verbal, hoje se mostra
um formato instrucional com possibilidades pedagógicas tão eficazes
quanto o texto linear, dotado de vida própria e capaz de recriar,
representar, reproduzir e transformar a realidade por si, segundo
parâmetros comunicativos específicos [...]. (OLIVEIRA, 2008, p. 98).
Conscientes das implicações cognitivas, sociais e culturais acerca do ensino de
LE que fazemos, nossa postura sobre a língua a entende como “[...] um fato/fenômeno
de natureza sociocognitiva, ou seja, ela existe no cérebro de cada indivíduo, mas
também depende das interações sociais para ser ativada e permitir a integração desse
indivíduo na herança cultural que é dele (BAGNO, 2014, p. 22, grifos do autor).
Considerando esse entendimento e de acordo com a conduta metodológica desta
comunicação, abordamos inicialmente como nos situamos diante do sujeito-educando
de nossas ações educacionais, isto porque o elegemos como premissa fundamental e
norteadora da condução pedagógica aplicada no citado curso. Para este alcance,
dialogamos com os educadores Freire (2014; 1967) e Piaget (1970) a partir dos estudos
que abordam a educação como um ato humano, social e cognoscente. No segundo
momento, tratamos das teorias que circulam sobre a imagem, aqui discutidas nas
concepções e conceitos daquelas fixas, que podem ser reproduzidas em série, expressas
sobre suportes didáticos e assimiladas como uma linguagem capaz de dialogar e mediar
o ensino da LE que desenvolvemos por meio dos seus sistemas de representação. Na
sequência, recorremos às abordagens linguísticas que permeiam as perspectivas teóricas
1
Esta ação pedagógica denominada Curso de Língua Francesa Infantil, trata-se de um curso de língua
francesa como língua estrangeira, formado por crianças entre sete e onze anos de idade, todas moradoras
do bairro São José em João Pessoa-PB. Estão matriculadas regularmente, vinte e duas crianças
pertencentes à área coberta pelo Programa de Saúde da Família do mesmo bairro. Embora tenha o nome
de curso, este trabalho envolve principalmente um processo constante de iniciação e sensibilização
acerca da aprendizagem da língua francesa. Foi iniciado desde o primeiro semestre do ano de 2011,
contando com o apoio dos citados grupos de estudos e da disponibilidade de uma sala de aula e do apoio
pedagógico do Centro de Línguas do Estado da Paraíba.
28. 28
e metodológicas aplicadas ao ensino de LE no Brasil, buscando dar clareza ao percurso
das nossas práticas pedagógicas situadas nos contextos e no solo da sala de aula do
curso em tela. A partir deste percurso epistêmico, buscaremos demonstrar como
organizamos uma sequência de experiências visuais em sala de aula, situadas de acordo
com os princípios e postulados adotados no curso de LE que desenvolvemos, e como
este processo de ensino-aprendizagem articula-se aos pilares da EP. Nas considerações
finais, lançamos nosso olhar sobre nossas práticas pedagógicas na perspectiva de
fazermos reflexões sobre o já dito e o já feito, buscando estudos e atualizações que nos
auxiliem no entendimento sobre nosso fazer didático-pedagógico, atentando sobre como
nossas reflexões nos auxiliam acerca das questões que desafiam nosso cotidiano frente à
função de educadores populares.
Contribuições pedagógicas, semiológicas e linguísticas ao ensino de língua
estrangeira
O empenho na realização deste curso decorre em oportunizar ao público infantil
do citado bairro um contato sistemático com uma língua estrangeira, sobretudo, ao
constatarmos que, sendo aquele grupo de crianças, todas matriculadas em escolas
públicas do ensino fundamental (cursando da alfabetização ao quinto ano), e até este
nível de ensino, não tinham nenhuma experiência didática envolvendo o estudo de LE.
Este fato nos provocou a organizarmos o citado curso, inicialmente previsto para
acontecer num período total de quatro semestres, tempo que pensamos ser suficiente aos
educandos experienciarem uma iniciação e sensibilização sobre a língua francesa.
Ao buscarmos estratégias pedagógicas para esta ação, desde os seus tempos
inaugurais, temos procurado introduzir princípios pedagógicos capazes de oferecer
apoio às nossas práticas. Para tanto, tomamos as lições freireanas, ao adotarmos uma
concepção de ensino-aprendizagem crítica, na qual a relação educador/educando é
dialógica e companheira mutuamente, visando desenvolver procedimentos que
enfrentem as eventuais barreiras encontradas sobre o par ensino-aprendizagem. Nesta
direção, recorremos aos princípios pedagógicos e metodológicos defendidos por Freire
(2014), isto por entendermos que estas bases teóricas operam como um dispositivo
capaz de provocar alterações em processos de ensino-aprendizagem muitas vezes já
bem sedimentados, como nas seguintes palavras:
29. 29
[...] Neste sentido, a educação libertadora, problematizadora já não
pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de
transmitir ‘conhecimentos’ e valores aos educandos, meros pacientes,
à maneira da educação ‘bancária’, mas um ato cognoscente. Como
situação gnosiológica, em que o objeto cognocível, em lugar de ser o
término do ato cognoscente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos
cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a educação
problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da
contradição educador-educandos [...]. (FREIRE, 2014, p. 94, grifos
do autor).
A partir da centralidade do sujeito-educando e dialogando com Freire (2014)
consideramos que, assim como ele pensou, nossos esforços convergem a favor daquilo
que concerne ao educando, a partir do seu lugar imediato de ser e estar. Ora, buscando
alcançar a consciência para aprender e ensinar em conjunto (educandos e educadores)
partimos da nossa(s) realidade(s) existencial e mundo imediato, desde o planejamento
das atividades. Assim, estendemo-nos sobre conteúdos que pautam o uso de imagens,
balizamos critérios ligados aos nossos interesses teóricos-pedagógicos visando nossos
objetivos2
de ensino. Este movimento em concomitância ao momento no qual somos
interpelados por uma pedagogia convergente estimula-nos não por uma prática
descontextualizada do espírito infantil popular que identifica, nosso educando, ao
contrário e sem alternativa, somos radicalmente conduzidos a inserir, transformar,
configurar e seguir nos orientando, sobretudo, pelos entremeios linguísticos, sociais,
culturais, éticos e políticos que nos entorna. Particularmente, naquilo que toca à
educação escolar, arrasta os conteúdos programáticos trazidos para o estudo da LE,
formando um arcabouço de conhecimentos sistematizados e necessários de serem
aprendidos. Nesta dimensão, dialogando com Nahímias (2006) encontramos:
[...] Uma educação que se abre à diversidade cultural pode ser uma
ferramenta em nossos esforços de compreender a complexidade do
mundo. Mais ainda, pode ser uma das chaves para abrir as portas de
uma nova sociedade, já que o aprendizado intercultural pode nos
permitir enfrentar melhor os desafios da realidade atual. Neste sentido,
2
O Curso de Língua Francesa Infantil que se refere esta comunicação apresenta como objetivo geral:
sensibilizar crianças entre sete e onze anos de idade ao estudo da língua francesa-LE. E como objetivos
específicos: (i) desenvolver práticas de ensino/aprendizagem da língua francesa-LE destinadas ao público
infantil; (ii) promover situações que favoreçam ao educando compreender a diversidade línguística e a
cultura que envolve a LE que estuda; (iii) estimular a inserção discursiva e a construção de sentidos dos
educandos, mediadas pelo texto visual como uma semiologia que interpela o seu cotidiano, considerando
as práticas pedagógicas a partir dos pilares fundamentais da EP.
30. 30
a aprendizagem intercultural é um processo de crescimento pessoal
com implicações coletivas [...]. (NAHMÍAS, 2006, p. 126).
Todavia, como as lições freireanas afirmam , o contexto, o educando e os
conteúdos se alinham com vistas a uma pedagogia problematizadora /crítica e junto a
estas reafirmamos que: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a
leitura desta não possa prescindir a continuidade daquela” (FREIRE, 1997, p. 11).
Assim sendo, entrevemos aqui implicada uma perspectiva metodológica na qual nos
aproximamos a cada aula, contando também, com o apoio das lições piagetianas, aqui
recortadas nos chamados: “Le premier niveau du stade des opérations concrètes” e “Le
second niveau des opérations concrètes” - [ O primeiro nível do estágio das operações
concretas] e [O segundo nível das operações concretas] (PIAGET, 1970, p. 34-50,
tradução nossa), nos quais se encontram os referenciais para o nivelamento evolutivo
da cognição da criança/educando. Nesse sentido, este estudo nos ajuda a entendermos
parte da gênese do desenvolvimento infantil relativos à linguagem e ao jogo de signos
presentes na cognição infantil, sobretudo aqueles simbólicos, na medida em que são
solicitados na estruturação do pensamento da criança desde o primeiro nível chamado
de “Les niveaux sensori- moteurs” - [níveis sensório-motores] (PIAGET, 1970, p. 13,
tradução nossa). Segundo o citado autor, neste nível a criança começa a estruturação da
função semiótica e da inteligência no que tange à representação, agora voltadas às
coisas do mundo que a cerca, ou seja, o autor destaca a importância desta representação
mental para a linguagem humana chamando-a de o “[...] début de la fonction sémiotique
et de l`intelligence représentative [...]” - [início da função semiótica e da inteligência
representativa] (PIAGET, 1970, p. 15, tradução nossa).
Consciente que representar as coisas do mundo acompanha o ser humano tanto
no seu tempo histórico-social quanto ao seu tempo de desenvolvimento epistêmico-
genético, provoca-nos a explorar pedagogicamente a relação imagem/representação no
seu limite máximo, sobretudo, como recurso didático/pedagógico relevante para o nosso
processo ensino-aprendizagem. Foi assim e continua sendo uma prática de nós
professores, pedagogos e educadores3
ao recorrermos às diferentes modalidades visuais
(fixas ou em movimento), buscando nelas um nexo imediato para representar os
3
Para maior clareza sobre a formação e o campo de atuação dos profissionais de educação, ver
documento da UNESCO. Alfabetização de Jovens e Adultos: lições da prática. 2008, a partir do debate
sobre o tema intitulado de - 4º Desafio: Promover a Formação dos Alfabetizadores (p. 104-108).
31. 31
conteúdos que ensinamos a cada aula. Carlos (2010) fala sobre a intencionalidade do
uso pedagógico da imagem:
[...] O fato é que a não causalidade e a não espontaneidade do uso
social da imagem, no contexto das relações sociais de cada época, ao
longo da história humana, geraram um acúmulo acerca da questão, a
ponto de o aparecimento social da imagem vir impregnado de
intencionalidade e de sentido educativo [...]. (CARLOS, 2010, p.
12).
Nesta perspectiva, as concepções, conceitos e teorias que adotamos para
movimentarmos as especificidades do curso e as nossas práticas pedagógicas mediadas
pela imagem, auxiliam-nos entendermos melhor sobre o domínio da imagem que
utilizamos em nosso trabalho. Assim, ao recorremos às imagens materiais e fixas,
veiculadas em suportes como: livro didático, álbuns temáticos, jogos infantis, bem como
as encontradas em revistas, jornais, panfletos, entre outros, buscamos ter clareza que:
[...] O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o
domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas,
gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo
e infográficas pertencem a esse domínio. Imagens nesse sentido, são
objetos materiais, signos que representam o nosso ambiente visual. O
segundo é o domínio imaterial das imagens da nossa mente. Neste
domínio, imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações,
esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais [...].
(SANTAELLA; NÖTH, 2012, p. 15).
Contando com uma espessura histórica que teve início na escolástica medieval, a
imagem reinou por muito tempo como uma primordial representação, cuja semelhança
com seu objeto encontrava-se na mesma relação de um espelho com o seu reflexo. Por
sua vez, a relação da imagem com a linguagem encontra-se no signo que funciona como
um dispositivo capaz de articular uma função dada, ou melhor, o signo passa a significar
as coisas por meio da sua representação/palavra/linguagem, que, de tão estreita esta
representação, colaborou para se instalar uma certa confusão entre a imagem e a própria
coisa que esta representa. Entretanto, ao retomarmos a importância do signo para o
entendimento desta relação, não podemos concebê-lo longe da palavra, porque esta é
assim, também o signo transformado, cuja ordem que segue é significar as coisas ao
mesmo tempo em que as representam. Vejamos o que diz estes autores:
[...] Assim se pode definir as palavras: sons distintos e articulados,
que os homens transformam em signos para significar seus
pensamentos. É por isso que não se pode compreender bem os
32. 32
diversos tipos de significação que as palavras contêm, se antes não se
tiver compreendido o que se passa em nossos pensamentos, pois
palavras foram inventadas exatamente para dá-los a conhecer [...].
(ARNAULD; LANCELOT, 2001, p. 29).
Nestes dois últimos estudos citados, encontramos fundamentações teóricas que
explicam parte da relação entre a imagem (como representação visual) as palavras
(significados/signos) e consequêntemente, o envolvimento destes com a linguagem
(sistema de signos/vocábulos). Destarte, ao tomá-los como representações para ensinar
LE no cenário atual brasileiro somos interpelados por distintas abordagens linguísticas,
que servem de alicerce às distintas perspectivas teóricas e metodológicas de ensino de
língua, as quais fazem da imagem uma das linguagens que apresentam e representam a
língua e a cultura cible.
Prova disso, são os guias pedagógicos que são organizados e destinados a nós
professores todos os anos, trazendo quantitativamente mais imagens impressas nos
materiais didáticos que apresentam, exibindo excelente qualidade técnica e sofisticadas
resoluções gráficas. Observando diferentes suportes didáticos durante o curto tempo do
nosso curso, constatamos que dentre os acessados, independentemente das teorias e
metodologias de ensino adotadas, o uso da imagem como representação visual,
encontra-se como uma linguagem presente e dominante, sobretudo, nos livros didáticos,
chamados de (méthodes de français). Sendo a imagem considerada conteúdo
programático, proposta para estudo sistemátco, e veiculada em suportes pedagógicos,
cabe-nos conceber a sua presença neste domínio para além da análise linguística (leitura
e escrita) igualmente, buscar processos de letramentos visuais com vistas a promover
uma plena consciência do educando acerca da rede semiológica engendrada e presente
na sua aprendizagem, capacitando-o a lidar criticamente com estes artefatos.
Ao longo do tempo dos estudos linguísticos, liga-se ao que chamamos de
perspectivas teoricas para o ensino-aprendizagem de língua, sobretudo, aquelas que
falam sobre metodologias capazes de equacionar este ensino envolvendo as
competências como a fala, a leitura, a escrita e a compreensão da LE, um conjunto de
conhecimentos convergentes a uma determinada forma de pensar a língua como objeto.
Isto posto, a premissa inicial fundamenta-se na concepção de língua, seus princípios
teóricos e postulados defendidos, funcionam como orientações basilares na construção
das distintas abordagens linguísticas que servem de referenciais às perspectivas teóricas
e metodológicas voltadas a este ensino. Mas, no que concernem aos estudos de parte
33. 33
destas perspectivas que temos acesso no Brasil, embora não objetivamos estudá-las
aqui, é relevante citarmos parte destas, devido à importância e a contribuição dada por
cada uma delas, respeitando os limites e alcances de cada uma no seu contexto e tempo
(onde e quando) foi pensada para o ensino-aprendizagem de LE.
Considerando o percurso deste tema a partir dos primeiros estudos
sistematizados e denominados como abordagens linguísticas, segundo Bagno (2014);
Martelotta (2011); Paiva (2014), com Ferdinand de Saussure, após a publicação do
Curso de Linguística Geral, que emergiu na Europa em 1916, abre-se um espaço para o
um estudo da “[...] língua como recurso para investigar e refletir sobre a própria língua,
seu objeto” (BAGNO, 2014, p. 20). Em meados do século XX, a teoria berhaviorista
emerge, contando com as primeiras contribuições sobre a língua como objeto de estudo,
e tendo como expoente os nomes de L. Bloomfield e B. F. Skinner, a partir da
publicação de Verbal Behavior em 1957, cujos postulados advêm da psicologia de linha
behaviorista e do estruturalismo norte americano. De acordo com os behavioristas, a
aprendizagem linguística se realiza “[...] em decorrência da sequência
estímulo>resposta>reforço” (Martelotta, 2011, p. 208). Sob outra perspectiva teórica,
surge o inatismo (teoria gerativa ou gerativismo) de N. Chomsky, a partir da sua obra
Syntactic Structures, publicada nos Estados Unidos da América em 1957, a qual
defende “[...] a gramática universal (GU), composta por princípios, os quais determinam
uma estrutura comum a todas as línguas e limitam a variação entre elas, e por
parâmetros, que são variações possíveis que as línguas podem ter.” (Martelotta, 2011,
p. 208, grifos do autor). Contornando este campo por outras vias, surgem as
contribuições da abordagem cognitiva, onde destacamos a perspectiva teórica e
metodológica do cognitivismo construtivista ou epigenético teoria desenvolvida por J.
Piaget, que ganha visibilidade com o trabalho intitulado L´Introduction à
L`Epistemologie génétique, publicado na Suíça, em 1950, onde o citado autor descreve
etapas ou estágios para explicar a construção da inteligência linguística da criança,
dizendo que “[...] o desenvolvimento das estruturas cognitivas é feito pela interação
entre ambiente e organismo” (Martelotta, 2011, p. 212). Quanto à perspectiva chamada
de interacionismo social ou teoria sociocultural de L. Vigotsky torna-se conhecida a
partir da tradução da obra The problem of the cultural development of the child, de
origem russa e publicada em 1929. Suas bases teóricas dizem que os “[...] fatores
biológicos e culturais formam um sistema mental dialeticamente organizado no qual a
biologia fornece as funções necessárias e a cultura capacita os humanos a regular essas
34. 34
funções” (LANTOLF, 2006, p. 70, apud PAIVA, 2014, p. 130). E, fechamos as
abordagens e perspectivas teóricas e metodológicas para o ensino linguístico aqui
mencionadas, revisando os postulados da perspectiva sociocognitivista, na qual,
salientamos as suas noções e conceitos reafirmando nossa opção por esta abordagem.
Isto, tendo em vista que o seu arcabouço teórico confere relevância às bases social,
cultural e cognitiva para explicar o desenvolvimento mental /humano e a aprendizagem
linguística. Para mais clareza sobre estas bases na sua relação com a perspectiva teórica
para a aprendizagem linguística, dialogamos com Martelotta (2014) salientando a
intencionalidade interacional como uma aprendizagem na qual o ser humano se integra
a uma cultura e participa das suas práticas sociais. O que torna evidente que a
linguagem partilhada do seu meio societário (símbolos linguísticos), utilizados nas
condições de solicitações comunicativas/interativas é resultante da relação social e
cognitiva desempenhada pelo sujeito situado em seu meio sociocultural definido. É
neste sentido que, segundo a perspectiva teórica sociocognitivista, o esforço
mental/cognitivo (tanto individual como social) realizado e transmitido, conta com os
artefatos culturais (produção dos meios de comunicação) utilizados no meio societário
(universo perceptível) da interação, lugar onde se formata e propicia a aprendizagem
linguística humana, possibilitando assim, a sua sistematização com objetivos
pedagógicos.
Assim, percebemos que, entre convergências e divergências teóricas, os estudos
voltados, tanto para o domínio das abordagens da linguística geral, como para as
perspectivas teóricas e metodológicas aplicadas ao ensino de línguas (materna e
estrangeira), encontramos um arcabouço de conhecimentos que nos ajuda acerca do
entendimento desse domínio tão complexo que é o ensino-aprendizagem de língua. Em
síntese, a abordagem que optamos se alinha a estas bases teóricas de ensino, a partir dos
[...] postulados e princípios do que se chama atualmente de
sociocognitivismo, um arcabouço teórico que, como sugere o nome,
procura não separar a linguagem humana da sua função
eminentemente social e cultural e de seus componentes biológicos,
mais precisamente cognitivos, ou seja, relativos à produção-aquisição
de conhecimento a partir das experiências vividas individualmente e
em coletividade [...]. (BAGNO, 2014, p. 7-8, grifo do autor).
Apoiados nos princípios que orientam a perspectiva teórica do
sociocognitivismo, buscamos planejar nosso curso e persistir sob os fundamentos
norteadores da EP, planejando e realizando cada aula como um acontecimento didático-
35. 35
pedagógico caracterizado pela relação estabelecida entre a aprendizagem da
língua/linguagem, a função sociocultural da língua e os componentes cognitivos e
biológicos implicados nesta relação.
O acesso e os estudos sobre os guias pedagógicos destinados a nossa
especificidade de ensino, igualmente nos dão apoio porque apresentam um conjunto de
conteúdos programáticos a serem ensinados, apresentam-se organizados de forma
gradual, delimitados de acordo com a faixa etária que se destinam e indicam com
clareza a abordagem adotada. Dessa maneira, cada guia pedagógico, deixa claro o seu
entendimento acerca de língua/linguagem, bem como sobre a perspectiva teórica que se
aproxima para organizar e planejar suas atividades. Cabe a nós professores, definirmos
nossas posições pedagógicas coerente com os estudos que empreendemos e de acordo
com nossa escolha, também pessoal, buscar apoio nas aproximações teóricas e
metodológica de ensino que melhor oriente nosso trabalho pedagógico.
Apoiamo-nos no sociocognitivismo, porque dentre as muitas outras perspectivas,
esta nos parece melhor ajudar a compreender e a responder às questões que envolvem
nossas práticas pedagógicas. Ora, defender os princípios teóricos que orientam esta
aproximação significa entender a linguagem humana de caráter tanto biológica como
social e cultural, implicando dizer que, ao seguirmos nesta direção, nossas práticas
partem da centralidade no sujeito-educando, concebe-o como um ser gregário, coletivo,
social e a sua linguagem como um importante nexo que o faz ligado e interligado à
determinada sociedade. É, sobretudo, apoiandos nestas bases teóricas que realizamos
nossas lições a cada aula, buscando fazer conexões capazes de nos conduzir ao alcance
dos nossos objetivos.
Pensamos que serve bem como exemplo a condução que damos às aulas
planejadas para estudos e enriquecimento do vocabulário da língua cible. Isto porque,
conscientes da importância que tem o vocabulário e o seu enriquecimento na aquisição
de uma LE, e recorrendo ao texto visual, partimos de uma sequência metodológica
planejada para ser realizada em de três aulas. Assim, utilizando um grande álbum
temático4
no qual, sob inspiração freireana5
, exploramos ao máximo a imagem (texto
4
Trata-se de um álbum totalmente imagético, destinado ao ensino mais especificamente de LE. Este
álbum possui xxx imagens de boa definição, coloridas e do tipo desenho. Cada imagem apresenta-se
como um grande quadro que aborda um determinado tema, objetivando dar conta por meio das imagens
de situações que, a um só tempo, provoquem a cognição e sejam comunicacionais, dando assim, destaque
aos nexos entre a imagem e o cotidiano dos educandos.
36. 36
visual da aula). A temática textual pode ser a (palavra geradora) e os elementos
composicionais empregados auxiliam cada educando na produção de sentidos,
oportunizando-o expressar a sua capacidade de representar as suas experiências e os
seus conhecimentos prévios. Dessa maneira a temática explorada em aula, dialoga com
o educando (realização fonética nas línguas materna e LE) sem e com o texto visual,
estimulando-o a explorar as suas competências linguísticas a partir da temática
apresentada e, acionando a sua memória visual, significando conscientemente o
imagem/vocábulo. Na sequência didática, emerge um conjunto de palavras que
representam a imagem e seus elementos composicionais, significados através das cores,
saliência, estruturação, enquadramento e dimensão, entre outros critérios que são
considerados relevantes pelos educandos na relação com o texto visual. Este conjunto
de palavras arregimentadas a partir da leitura da imagem (codificação/decodificação)
forma um vocabulário específico e resultante, também, da relação
(imagem/representação). Após situarmos este vocabulário em nosso contexto societário
- em língua materna - seguimos, evocando-o e significando-o na LE que estudamos.
Agora, sendo signos da LE, gradualmente, este vocabulário será incorporado como uma
aprendizagem de compreensão e aquisição de palavras (unidades léxicas da LE)
alcançada como resultante do esforço cognitivo e da interação sociocultural dos
educandos.
Contemplando o universo que trilhamos a partir do texto visual ao longo do
citado curso, a imagem seguinte nos parece representar bem um dos temas, (a praia/la
plage) que trabalhamos. Vale ressaltar que, embora a imagem em movimento
notadamente situa-se entre aquelas mais acessadas e utilizadas, sobretudo, fora da
escola, a imagem fixa, seja ela o desenho, a pintura, o gráfico, entre outras, igualmente,
tem uma forte presença em materiais didáticos6
. Como podemos observar a imagem fixa
a seguir faz parte do já citado álbum didático elaborado para o ensino-aprendizagem de
língua.
5
Sobre o método de alfabetização freireano, e visando o ensino-aprendizagem de língua/linguagem,
encontramos na obra Educação como prática da liberdade, 1967, um referencial que parece melhor
sintetizar o recorte semiológico abordado no citado curso e ajudar o nosso entendimento sobre a relação
educando/mundo vivenciado neste trabalho.
6
A propósito da discussão acerca dessa questão, LIMA (2014) apresenta um estudo no qual o texto
visual em livro didático de língua portuguesa na Educação de Jovens e Adultos (EJA) é tratado e
explicado a partir da trilogia discursiva que orienta a ordem dos discursos jurídico, didático-pedagógico e
epistemológico.
37. 37
Texto visual mediador do ensino-aprendizagem
Fonte: European Language Institute – ELI, 1994, Imagem 16.
Procedimentos didáticos
Plano de aula mediado pelo texto visual
Entendemos que linguagem e sociedade são dois elementos inseparáveis, isto
implica dizer que nosso ensino de LE se aproxima deste entendimento na medida em
que o colocamos em questão, isto é, valorizamos uma postura conscientizadora e crítica
sobre a o texto visual, o que exige nossa atenção sobre as implicações que a
naturalização das representações sobre o texto visual que utilizamos, pode provocar.
Isto porque, os textos visuais são concebidos, muitas vezes fora da escola, repletos de
situações, de símbolos, de códigos, de papeis e de valores culturalmente determinados,
resultando numa forma de ver, conceber e representar o mundo segundo parâmetros
próprios da relação, origem e edição do seu produtor.
Atentamos a estes detalhes, e favorecidos pelo espaço escolar de natureza sócio-
cognitiva, nossas práticas pedagógicas, colocam em relevo e concebem o uso
pedagógico do texto visual, a partir de uma abordagem dialética, apoiados em princípios
38. 38
norteadores da EP, reconhecidos como os seus “[...] ‘pilares’ fundadores (ético, político,
epistemológico e pedagógico)” (WANDERLEY, 2010, p. 8). E, reafirmando o
compromisso sociopolítico com a pedagogia que defendemos, ajustamos aos postulados
e princípios línguístcos que orientam a perspectiva teórica sociocognitivista que nos
apoiamos aos alicerces inspirados na criticidade e na dialética, buscando o confronto e a
pluralidade de informações contidas no texto visual.
E fazemos assim, por entendermos que a representação dada pela imagem é
apenas uma, entre outras que podem, igualmente, representar distintas formas de
concepção de mundo e de ser neste mundo, não é exagero trilharmos, junto aos
fundamentos da EP os caminhos que dão no transpassamento social, cultural, político,
pedagógico e cognitivo do texto visual, em busca de utilizarmos melhor este artefato.
Certamente, ao tomá-lo como recurso didático, perscrutando-o sobre a sua potencial
capacidade de veicular a comunicação em sala de aula, a recepção pedagógica dada às
imagens vindas de distintos lugares, alerta-nos sobre as formas que a recepcionamos e a
concebemos sob o status de texto visual.
Nestas práticas somos atentos, igualmente, à imagem quanto a sua espessura
histórica no meio social, no que ela permite de possibilidades de conceder privilégios e
reproduzir as desigualdades sociais. Ainda, sob uma ordem que pretende representar e
explicar as coisas do mundo, o texto visual, também pode permitir práticas pedagógicas
permeadas de estereótipos e padrões estéticos de todo e qualquer tipo, não raro,
fundamentados na hegemonia das classes dominantes. Nesse sentido, a opção teórica-
metodológica-ideológica do educador popular pode provocar um terreno fértil à
inserção de práticas pedagógicas alicerçadas em letramentos visuais críticos, que visem
encontrar respostas acerca das demandas exigidas nas experiências visuais em sala aula.
Considerações finais
No que tange aos materiais instrucionais, sejam estes destinados a utilização
familiar, profissional ou escolar, a imagem que comunica por meio de suas
especificidades textuais, cada dia mais penetra o nosso cotidiano repleto de
representações que falam tanto acerca do seu produtor (do pessoal) como da
sociedade/cultura (do coletivo). Numa clara tentativa de explicar por meio da
representação sígnica as coisas do mundo através de uma linguagem específica, o texto
visual que circula em materiais para o ensino de LE, não foge a esta regra, assume e
39. 39
transmite modos e padrões estéticos e culturais da sociedade que a concebe e o faz
circular utilizando distintos suportes.
Cientes das implicações que as práticas pedagógicas mediadas pelo texto visual
podem suscitar, nossa intervenção a cada experiência visual em aula de LE do curso que
realizamos concentra-se fortemente na definição dos objetivos de cada aula, exigindo
que, o transpassamento pelas abordagens pedagógicas, semiológicas e linguísticas, não
se afaste dos alicerces da EP. Proceder assim, nos conduz a constantemente
observarmos e a refletirmos acerca da nossa prática pedagógica, sobretudo, quando
optamos pela mediação da imagem. Entretanto, percebermos as dificuldades que
acompanham a mediação da imagem na prática pedagógica, e isto é, talvez o primeiro
passo que nós educadores damos em direção a uma nova consciência para além de
reduzir o uso da imagem para ilustrar e significar as coisas do mundo em que vivemos.
Ora, sendo a imagem um artefato sociocultural de nosso interesse, o texto visual sobre o
qual exploramos suas potencialidades pedagógicas, nos provoca a tomarmos uma
direção dialética frente a sua composição, seus efeitos e implicações sobre os
educandos, particularmente, aqueles mais jovens e por isso, mais sensíveis as suas
interpelações e estereótipos. Ainda ressaltamos que, sendo infinitamente complexas e
criativas, as imagens estimulam e traduzem saberes e memórias capazes de transformar
o contexto de sala de aula em um lugar e momento de diálogo e prazer ao labor e sabor
de um ensemble de texturas, formas e cores, a favor da pedagogia.
Longe conceber nossas práticas pedagógicas como conclusivas no domínio e
grande campo do uso da imagem como texto visual em aula de LE, nossas práticas
indicam que as possibilidades didáticas mediadas pela imagem só aumentam na medida
em que a tomamos como objeto de estudo. Assim, as nossas e muitas outras
experiências mediadas pela imagem que emergem por meio de distintas situações
pedagógicas, confirmam sem cessar o seu potencial pedagógico, o que nos estimula a
não fazermos menor a presença da linguagem não verbal em nosso meio.
Referências
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Bruno F. Bassetto e Henrique G. Murachco. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BAGNO, Marcos. Língua, Linguagem, linguística: pondo os pontos nos ii. 1. ed. São
Paulo: Parábola Editorial, 2014.
40. 40
DEBRAY, Régis. Vida e morte da imagem: uma história do olhar no ocidente.
Tradução de Guilherme Teixeira. Petrópolis: Vozes, 1993.
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Por uma pedagogia crítica da visualidade. João Pessoa: Editora Universitária, UFPB,
2010.
CEZARIO, Maria Maura; MARTELOTTA, Mário, E. Aquisição da linguagem. In:
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OLIVEIRA, Sara. Texto visual, estereótipo de gênero e o livro didático. In:
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PAIVA, Vera Lúcia Menezes de Oliveira e. Aquisição de segunda língua. 1. ed. São
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2008.
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Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0016/001626/162640por.pdf>.
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WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Educação popular: metamorfoses e veredas. São
Paulo: Cortez, 2010.
41. 41
SUPORTES AUDIOVISUAIS NA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
José Ramos Barbosa da Silva
Professor do DME/CE/UFPB
barbossa2@hotmail.com
Resumo
Vivendo em meio à imprecisão conceitual do termo alfabetização de jovens e adultos,
muitos professores, de modo solitário, tentam acertar em encaminhamentos
metodológicos e em usos de recursos didáticos que apresentem resultados satisfatórios
no atendimento ao desejo de jovens e adultos que necessitam saber ler e escrever em
situações sociais que envolvam o ato da leitura e da escrita. Esses docentes,
influenciados pela discussão que diferencia alfabetização de letramento (SOARES,
2003; 2005) envolvem no processo da alfabetização materiais utilizados em ações
cotidianas permeados da escrita ou signos que representem recomendações,
pensamentos, coisas ou fenômenos. Vão, conscientes ou não, experimentando formas de
alfabetizar distintas das já sistematizadas ou consagradas como modelo. Produzem com
esse processo saberes próprios para a uma alfabetização exigida por mundos
contemporâneos e letrados, sem a costumeira vinculação a métodos silábicos, mas
dispostos a seguirem os princípios do sistema alfabético, bem como o de suas
convenções. Este trabalho tenta recuperar algumas dessas iniciativas, destacando à
utilização de suportes audiovisuais, observadas em experiências concretas da rede
municipal de ensino e em projetos de extensão universitária, na cidade de João Pessoa
(PB).
Palavras-chave: Alfabetização; educação de jovens e adultos; recursos didáticos.
Suportes audiovisuais na alfabetização de jovens e adultos
Contemporaneamente, nas cidades, sem que se dêem conta, as pessoas, alfabetizadas
ou não, vêem-se imersas a universos onde ler é parte da vida. No uso dos
eletrodomésticos, no ato de telefonar, na preferência dos produtos de limpeza ou higiene
pessoal, no contato com dinheiro, na consulta a relógios ou calendários, na seleção de
bebidas ou comidas industrializadas, na escolha de transportes coletivos urbanos, em
todas essas atividades há a sugestão da leitura de signos ou de símbolos, sem a qual tais
atividades não se completam. Essa característica indica que as sociedades de hoje, além
de grafocêntricas, são letradas, ainda que exista nela o analfabetismo.
As escolas, incumbidas de cuidar da alfabetização das pessoas, sejam elas crianças
jovens ou adultas, vêem-se imersas às discussões contemporâneas que nega a existência
de pessoas totalmente analfabetas. Além disso, essas instituições passeiam em meio a
42. 42
conceitos de alfabetização, entre os quais, alguns que admitem que alfabetizados sejam
aqueles que conhecem o alfabeto, mesmo que não leiam um bilhete ou algum
comunicado escrito. As que adotam esse conceito, dizem-se satisfeitas em sua tarefa de
alfabetizar no prazo de apenas três meses. Outras, que só consideram alfabetizada a
pessoa capaz de escrever um bilhete e que seja hábil de entender comunicados escritos
feitos por outra pessoa, acreditam que a tarefa da alfabetização não pode ser cumprida
num prazo inferior a dois anos letivos. As determinações conceituais alteram o modo e
o tempo previsto para a tarefa da alfabetização, vivenciados por quem se dedica a cuidar
da alfabetização de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. Considerando-se que a
alfabetização é uma aptidão processual adquirida de modo individual.
O difícil acordo acadêmico para definir quem está alfabetizado ou quem é
analfabeto percorre uma discussão que já dura mais de 50 anos, no percurso da história
da educação brasileira. Ela começa tão logo se inicia o estudo sistemático da educação
de jovens e adultos no Brasil. Participam desse desacordo sociólogos, psicólogos,
pedagogos e filósofos, que não entram em consenso acerca das categorias elegidas para
definir quem está ou não alfabetizado. Para o filósofo Vieira Pinto (2000), não se pode
acusar de analfabeta uma pessoa que foi obrigada a trabalhar, numa conveniência que
não a obrigava saber ler nem escrever para o exercício laboral. Para ele, a existência do
analfabeto é decorrente de uma realidade humana, enquanto que a existência do
analfabetismo refere-se a uma realidade sociológica, abstrata e conceitual. Nas
realidades humanas se é o que a vida permite. E sendo-se adulto, vive-se, em grande
parte, determinado pelas condições permitidas pelo trabalho. E o trabalho é uma
instância social, que favorece ou impede o ser humano de estar em contato com as letras
e de necessitar lê-las. Há quem não precise ler, pelo tipo de vida que leva. E este não
pode ser acusado de ser um desconhecedor de um mundo do qual não precisou viver.
Coerente a este raciocínio, Pinto diz que:
Esta é a razão pela qual não tem sentido dizer que a criança (que, por
sua idade, está isenta de trabalho) ou o indígena de uma tribo
primitiva, na qual não há nenhuma espécie de trabalho que exija o
conhecimento das letras, são analfabetos. (PINTO, 2000, p. 93).
Sob esse ponto de vista, não há crianças analfabetas. E os adultos são produtos de
um mundo que os leva a apreender determinadas coisas em detrimento de outras. Vive-
se aprendendo, mas nem sempre se aprende a ler e a escrever coisas grafadas com letras
do alfabeto e sua pontuação necessária.
43. 43
Para o autor em questão, “o analfabeto, em sua essência, não é aquele que não sabe
ler, sim aquele que, por suas condições concretas de existência, não necessita ler”
(PINTO, 2000, p. 92). No entanto, o mundo de hoje mostra-se permeado de símbolos
grafados. Ler passou a ser uma necessidade de todas as pessoas, adultas, jovens e
crianças. Isso confunde ainda mais a conceituação do termo analfabeto.
Exemplificando: atualmente, mesmo quem já passou pela escola se depara com signos
de difícil decodificação, evidenciados em atividades que combinam códigos pouco
usuais, presentes em celulares, computadores, eletrodomésticos, atividades bancárias,
etc., ação que amplia ainda mais o uso de artifícios grafados, trazendo mais
complicações à imprecisa definição acerca dos que estão aptos a ler os signos utilizados
na escrita, como códigos associados. Há os que sabem ler e compreender textos escritos
com letras do alfabeto, mas incapazes de fazerem usos sociais desses conhecimentos em
determinadas atividades, considerados, em diversas situações, como analfabetos
funcionais. Por outro lado, há quem se considere analfabeto, mas com plena capacidade
de se resolver em sociedades grafocêntricas, ocupando o cargo de motorista ou de
organizador de eventos sociais em cidades grandes, em meio a uma cultura
extremamente letrada. Aspectos que, quando bem observados, dificultam a exatidão do
que é ser analfabeto nas sociedades de agora, ou, ainda, embaraça a definição do ponto
onde essa qualidade começa ou termina.
Como um complicador a mais para a definição da alfabetização de jovens e adultos,
o educador Paulo Freire, desde o início dos anos de 1960, incumbiu-se de defender que
a alfabetização é parte de uma ação cultural de homens e mulheres como atitude para a
liberdade e para o se ser mais. Por isso, esta ação não pode ser aprisionada ao ato
mecânico de se ler e escrever palavras. Ainda para Paulo Freire, é preciso superar a
concepção que vê o analfabetismo como “erva daninha”, ou como enfermidade, ou
como técnica de depositar palavras, sílabas ou letras de um que sabe para um que ainda
não sabe. Tampouco pode-se usar sem nenhuma reflexão a expressão “erradicação do
analfabetismo”. Não há pessoas que não sabem. Todos sabem coisas diferentes que
precisam ser dialogadas.
Por esta razão é que, para a concepção crítica da alfabetização, não
será a partir da mera repetição mecânica de pa-pe-pi-po-pu, la-le-li-lo-
lu, que permitem formar pula, pelo, lá, li, pulo, lapa, lapela, pílula etc.
que se desenvolverá nos alfabetizandos a consciência de seus direitos,
como uma inserção crítica na realidade. Pelo contrário, a alfabetização
nesta perspectiva, que não pode ser a das classes dominantes, se
instaura como um processo de busca, de criação, em que os
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alfabetizandos são desafiados a perceber a significação profunda da
linguagem e da palavra. Palavra que, na situação concreta em que se
encontram, lhes está sendo negada. (FREIRE, 1982, p. 16).
A alfabetização de adultos é parte de um processo de desvelo do mundo, como ato
de libertação da pessoa ao que a oprimia, até mesmo das concepções que ela nutria
sobre o mundo e sobre si mesma. Valendo isso aos educandos e educadores, para que
todos sejam donos de sua ação e de suas próprias palavras. A alfabetização é um
mergulho aos elementos constitutivos da palavra, como obra política e consciente, onde
todo debate é altamente criticizador e motivador, no qual o educador é um coordenador
de situações de aprendizagens e o educando se descobre agente do que aprende. Nela se
faz necessária a coerência entre teoria e prática.
Assim, a teoria que deve informar a prática geral das classes
dominantes, de que a educativa é uma dimensão, não pode ser a
mesma que deve dar suporte às reivindicações das classes dominadas,
na sua prática.
Daí a impossibilidade de neutralidade da prática educativa como da
teoria que a ela corresponde. (FREIRE, 1982, p.18)
A coerência entre o projeto político de uma classe e as ações educativas a ela
dirigidas toma parte no processo da alfabetização, se esta se propõe a ser popular. Para
este caso, não cabe a ação mecanicista de alfabetização do educador. A alfabetização
deve sempre elevar os níveis de consciência dos envolvidos nos processos educativos.
Portanto, a ação do educador deve ser guiada por uma utopia revolucionária, onde não
se pode:
a) denunciar a realidade sem conhecê-la.
b) anunciar a nova realidade sem ter um pré-projeto que,
emergindo na denuncia, somente se viabiliza na práxis.
c) conhecer a realidade distante dos fatos concretos, fontes de seu
conhecimento.
d) denunciar e anunciar sozinha.
e) não confiar nas massas populares, renunciando à sua comunhão
com elas. (FREIRE, 1982, p. 78).
Para Freire, política e educação são instâncias que não se separam. Deste modo, a
alfabetização de adultos não pode ser pensada sem a verificação dos rumos conduzidos
por sua técnica. Nenhuma técnica é neutra, assim como nenhum ato de educação o é. A
alfabetização não é
[...] uma memorização visual e mecânica de sentenças, de palavras, de
sílabas, desgarradas de um universo existencial – coisas mortas ou
semimortas – mas numa atitude de criação e recriação. Implica numa
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autoformação de que possa resultar uma postura interferente do
homem sobre seu contexto. (FREIRE, 1983, p. 111).
Com esses princípios, Paulo Freire ao ser convidado a assumir, em 1975, o trabalho
de alfabetização em Guiné-Bissau, alertou:
[...] jamais tomamos a alfabetização de adultos em si mesma,
reduzindo-a a um puro aprendizado mecânico da leitura e da escrita,
mas como um ato político, diretamente associado à produção, à saúde,
ao sistema regular de ensino, ao projeto global de sociedade a ser
concretizado, ver e ouvir, indagar e discutir, partindo embora do
Comissariado de Educação, teriam de prolongar-se a outros
comissariados, ao Partido, incluindo as suas organizações de massa.
(FREIRE, 1978, p. 19).
E sobre a especificidade da alfabetização, Freire afirma:
[...] a alfabetização é mais do que o simples domínio psicológico e
mecânico de técnicas de escrever e ler. É o domínio dessas técnicas
em termos conscientes. É entender o que se lê e escrever o que se
entende. É comunicar-se graficamente. É uma incorporação.
(FREIRE, 1983, p. 111)
As considerações de Freire foram consideradas por Leda Verdiani Tfouni,
preocupada com os adultos não-alfabetizados que vivem em uma sociedade organizada
fundamentalmente por meio de práticas escritas. Ela, a partir de 1982, quando começou
a ser traduzido para o Brasil o termo “literacy” – extraído de publicações inglesas, a
maioria de Vygotsky e Luria, traduzido como letramento, como um neologismo, mas
sem uma precisa definição –, levou a autora a definir e formalizar uma teoria do
letramento para as bases nacionais.
Para ela a escrita, a alfabetização e o letramento são partes de um mesmo processo e
indissolúveis, embora estes aspectos estejam sendo pesquisados separadamente por
estudiosos que os analisam enquanto produtos. Para Tfouni,
A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto
aprendizagens para a leitura, escrita e as chamadas práticas de
linguagem. Isso é levado a efeito, em geral, por meio da escolarização
e, portanto, da instrução formal. A alfabetização pertence, assim, ao
âmbito do individual. (TFOUNI, 2010. p. 11-12).
Diferentemente da alfabetização, que é habilidade adquirida individualmente através
de um processo escolar, o letramento é produto do contato do indivíduo com situações
sociais que o instrui a conviver com uma lógica sócio/histórica de uma sociedade que se
organiza através da escrita. Num esclarecimento oferecido por Tfouni: