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Moss, Joy F. (2002). Literary Discussion in the Elementary Classroom.
Urbana: NCTE.
CAPÍTULO 5. A ARTE DE FAZER PERGUNTAS
AS RESPOSTAS DO LEITOR E A DISCUSSÃO LITERÁRIA
O olhar que este livro tem sobre a discussão literária enfatiza o valor das
respostas pessoais que os leitores dão para os textos literários. Os estudantes são
convidados a falar a respeito de suas respostas e a se envolver na construção
conjunta do significado no contexto social da sala de aula. Falar a respeito dos
textos que compartilharam permite que os estudantes articulem seus contatos com
o texto – únicos e pessoais – com suas opiniões e interpretações. Em uma
discussão literária os estudantes não só compartilham e defendem suas idéias, mas
também descobrem e refletem a respeito dos pontos de vista e interpretações dos
outros. Esse tipo de intercâmbio faz com que, muitas vezes, os estudantes voltem a
pensar e a aprofundar os contatos iniciais que como leitores tiveram com o texto.
A discussão literária tal como está definida neste livro reflete a dupla
natureza das respostas do leitor. Isto é, que por um lado ler literatura é uma
experiência estética, na qual os leitores entram na história e participam dela numa
experiência pessoal e emotiva. Nas palavras de Louise Rosenblatt: “a natureza
estética do texto é uma criação única, entrelaçada com a vida interior e o
pensamento do leitor” (1982, pág. 277). Os leitores estéticos que penetram nas
vidas dos personagens literários, que seguem seus passos e vêem o mundo através
de seus olhos, têm a oportunidade de explorar mundos que estão além de sua
própria experiência. São capazes de ter novas revelações sobre o que significa ser
humano, sobre a universalidade da experiência humana e também do caráter único
de cada ser humano. Ler literatura também é uma experiência de aprendizagem
quando os leitores dão um passo atrás, em relação ao texto, para refletir sobre
suas respostas e interpretações, explorar as várias possibilidades de significado e
estudar a arte do narrador, escritor e/ou artista. Na maior parte dos contatos com a
literatura, os leitores oscilam entre as respostas afetivas e as cognitivas, entre
participar da história ou ficar de fora para se envolver na busca, na análise e na
descoberta. É possível aprender a construir significados. Os professores podem
apoiar essa aprendizagem ao:
1) demonstrar as estratégias que permitem elaborar significados;
2) ajudar os alunos a construir conhecimentos literários e lingüísticos
necessários para desenvolver essas estratégias e
3) guiar os estudantes na exploração de um texto como fonte de informação
e idéias, uma busca em torno da experiência humana, sobre o mundo e sobre a
literatura e a arte dos escritores e artistas.
Uma das estratégias utilizada pelos leitores para construir sentido é a de se
fazer perguntas. De acordo com Frank Smith, a compreensão de um texto está
relacionada com o que o leitor sabe e com o que quer saber; a compreensão
implica em se fazer perguntas e obter as respostas (1988, pág. 154). As respostas
que surgem no leitor dão forma à sua experiência de leitura. A professora pode
utilizar as perguntas como um recurso valioso para o ensino, que ajuda a promover
as respostas, guia o processo de construir significados e abriga um alto nível de
pensamento. Ao mesmo tempo, o professor demonstra que se fazer perguntas é
uma estratégia para elaborar sentido, que seus alunos podem aprender e podem
utilizar em seus contatos independentes com os textos. A meta seria que seus
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alunos gerassem suas próprias perguntas para que conduzissem o processo de
construção de significados, e que utilizassem essa atividade como uma ferramenta
para a aprendizagem, que pode guiá-los no processo de elaboração de significados
e que permite que eles se sintam mais envolvidos na experiência de leitura como
leitores e escritores. O objetivo de utilizar perguntas geradas pelo professor é
ajudar os alunos a descobrir e utilizar a arte de se fazer perguntas como uma
estratégia básica para a leitura, a escrita, a indagação e a aprendizagem
independentes. Outro objetivo dessas perguntas é ajudar os alunos a se aprofundar
em suas respostas pessoais e ajudá-los a serem leitores mais críticos, que se
interessam pelos assuntos sociais nos textos e que fazem perguntas sobre idéias e
perspectivas dos autores e ilustradores desses textos.
AS PERGUNTAS COMO INSTRUMENTOS DE ENSINO
As perguntas abertas podem ser introduzidas como uma parte integral da
experiência de leitura compartilhada, para convidar os alunos a falar a respeito de
suas respostas pessoais e emocionais e para articular seus pontos de vista,
interpretações e opiniões. Outro tipo de perguntas convida os alunos a se distanciar
dos textos para:
1. envolver-se na análise literária;
2. explorar a arte e os pontos de vista de autores e artistas;
3. buscar as ligações entre diversos textos literários e entre a literatura e a
vida;
4. considerar os pontos de vista e as interpretações de outros e
5. comprovar que existem muitas possibilidades de significado.
Assim como as perguntas iniciadas pela professora conseguem levar os
alunos para além do texto, quando são estimulados a explorar os múltiplos
significados e interpretações e as ligações com as experiências literárias e de vida,
elas também servem como guia para que retornem ao texto. Isso significa que é o
texto que define a validade das respostas, e por isso é que se espera que os alunos
se apóiem no texto ao darem suas interpretações, inferências, opiniões ou ao
realizar suas análises comparativas.
O propósito central deste capítulo é descrever vários tipos de perguntas que
os professores podem usar como ferramentas para ensinar, perguntas que
enriqueçam a qualidade dos contados e das respostas para os textos literários e
que demonstrem que a arte de se fazer perguntas pode ser vista como uma
estratégia de elaboração de significados. Em cada tipo serão incluídas algumas
perguntas como exemplo.
I - As perguntas para antes de ler um texto literário
No contexto de uma leitura compartilhada, a professora cria o cenário para o
contato literário quando convida os alunos a fazer previsões a respeito da história e
do gênero e a fazer suas próprias perguntas a respeito da história. As crianças
começam com um estudo “capa a capa” ao examinar a capa e a contracapa, as
orelhas, as guardas, as dedicatórias e as páginas de título, as notas do autor e
qualquer outro texto ou ilustrações que precedem e dão prosseguimento à história.
As previsões e as perguntas surgem do título, das ilustrações, daquilo que sabem a
respeito do autor, de quem realiza a versão ou a respeito do ilustrador e outras
pistas encontradas no “peritexto” (os traços periféricos que rodeiam ou estão
contidos na narrativa verbal). A qualidade dos contatos dos alunos com os textos
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depende, em grande parte, da natureza do conhecimento que eles trazem para o
texto e da maneira como esse conhecimento é utilizado conforme a história se
desenvolve. Assim, antes de ler em voz alta, a professora introduz perguntas que
possam sugerir a ativação de informação prévia que possa ser utilizada para fazer
previsões e comentários a respeito da história. Essas discussões anteriores à leitura
mostram para as crianças como elas podem utilizar seus próprios conhecimentos
prévios e sua própria história literária para iniciar o processo de elaboração de
significados, mesmo antes de a história começar. As perguntas incluídas a seguir
como exemplo sugerem a natureza das perguntas prévias à leitura:
➢ O que o título diz a você a respeito da história? E a ilustração da
capa? (Ou: O que você percebe na ilustração da capa?).
As crianças muitas vezes encontram pistas a respeito do gênero, do cenário,
dos personagens e da trama nas palavras e ilustrações da capa. As palavras que
não são familiares no título podem exigir explicações. Por exemplo: em um livro
chamado The Amiable Giant (O gigante amável, Slobodkin, 1955) que foi
introduzido em uma unidade sobre gigantes, algumas crianças perguntaram o que
significava a palavra “amiable”. A professora sugeriu que procurassem na história
para tentar imaginar o significado. Essa busca começou por analisar o título e a
ilustração da capa:
- Provavelmente está dizendo que tipo de gigante é.
- É como se ele fosse derrubar todas essas casas. ‘Amiable’ provavelmente
significa que ele é um gigante mau.
- Não... Para mim parece que ele está triste. Talvez signifique que está
sozinho... O gigante solitário.
- Talvez seja um gigante bom... Normalmente, apenas os gigantes bons
estão no título... Como Fin M’Coul e Glookskap [nota do tradutor: refere-se a dois
gigantes da tradição popular que aparecem em outros livros que as crianças
leram].
Conforme as crianças escutavam a história de um gigante solitário que
procura e encontra amigos puderam ir confirmando, refinando e revendo suas
definições iniciais e suas tentativas a respeito da palavra desconhecida. Enquanto a
história se desenvolvia elas continuaram pensando em voz alta e controlando sua
compreensão à medida que surgia uma nova informação, até que descobriram que
ele era um gigante amigável. Depois consultaram o dicionário para confirmar o
significado que haviam mencionado a partir do contexto.
➢ O que significam as palavras “versão de” escritas na capa?
Isso pode levar a uma discussão a respeito da literatura tradicional, da
diferença entre quem realiza a versão e o autor, e as características distintivas dos
diferentes gêneros como a lenda, a fábula ou o conto popular.
➢ Qual é a data do copyright? Por que é importante conhecê-la?
Por exemplo: os alunos do sexto ano que leram dois romances sobre a
guerra da Revolução, Johnny Tremain de Esther Forbes (1943) e My Brother Sam is
Dead de James e Christopher Collier (1974), descobriram duas atitudes diferentes
em relação à guerra: o texto de 1943, influenciado pela experiência da Segunda
Guerra Mundial, oferece um ponto de vista patriótico; o texto de 1974, influenciado
pela experiência do Vietnã, oferece uma mensagem contrária à guerra. As histórias
sobre o passado muitas vezes revelam tanto sobre o período em que o livro foi
escrito como sobre o período que recriam.
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➢ Olhem as guardas ou páginas que vêm antes da página do título.
Que pistas oferecem a respeito da história?
Algumas vezes, as guardas podem ser entendidas após ler ou escutar uma história.
Por exemplo: em El niño cuervo de Taro Yashima (1955) as guardas mostram uma
borboleta e uma flor, respectivamente. Após lerem a história de um menino que
floresce e que de um menino pequeno e assustado se transforma em um jovem
seguro, os alunos do terceiro ano interpretaram essas ilustrações como símbolos da
metamorfose do protagonista e como um reflexo do tema central da história.
O que vocês acham que o autor quis dizer com sua dedicatória? Em alguns
livros a dedicatória também pode se entendida melhor após ler ou escutar a
história. A dedicatória de El niño cuervo termina com as palavras “e para Takeo
Isogana que aparece nesta história como o professor chamado Isobe”. Após escutar
a história as crianças voltaram à dedicatória:
- Acho que ele (o autor) escreveu uma história sobre si mesmo. O Sr. Isobe
era realmente importante para o Niño Cuervo, e ele (o autor) deve ser o Niño
Cuervo!
- E como o Niño Cuervo gosta de desenhar, o autor fez os desenhos para
este conto!
- Talvez o autor tenha escrito o livro para agradecer a seu professor
preferido. É uma espécie de Thank You, Mr. Falker (é uma obra de Patrícia Polacco,
1998). É a respeito de uma menina e de um professor que a ensina a ler no quinto
ano. Ela (a autora) diz que é sua própria história.
➢ Compare a primeira edição em capa dura com as edições posteriores
em brochura.
[Nota do tradutor: nos Estados Unidos, a primeira edição é em capa dura e
somente as posteriores em brochura].
Por exemplo: quando algumas crianças do quinto ano analisaram a página
de rosto original de Un puente hasta Terabithia de Katherine Paterson (1977) junto
com as edições posteriores em brochura, elas perceberam que tanto a edição
original como a brochura de 1978 mostrava dois personagens que não podiam ser
identificados como masculinos ou femininos. No entanto, a edição de 1987 mostra
os dois personagens que podem ser facilmente identificados como menino e
menina, e parecem ser mais velhos que os personagens das edições anteriores. As
crianças tentaram explicar essas e outras diferenças e também utilizar essa
informação para fazer previsões.
- Provavelmente será a respeito de uma amizade normal entre um menino e
uma menina... não uma romântica. Veja, são mais jovens aqui; no entanto, nestas
duas (edições de 1987 e 1998) parece que a diferença entre menino e menina é
realmente importante.
- E mesmo na ilustração que tem as crianças mais velhas não é possível vê-
la como romântica. Provavelmente, o editor pôs crianças mais velhas na capa para
fazer com que as crianças mais velhas leiam o livro. Quando eu vi pela primeira vez
a edição em capa dura, as crianças pareciam muito mais novas e eu não pensei que
eu fosse gostar do livro. Mas esta (a de 1987) parece ser mais interessante.
➢ Vejam se encontram outra informação no texto e nas ilustrações que
rodeiam a narrativa que possa ajudá-los a entender a história.
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Por exemplo: na orelha da edição em capa dura de The King’s Fountain de Lloyd
Alexander e Ezra Jack Keats (1971) são incluídas algumas notas a respeito do autor
e do artista e conclui com o seguinte:
“Ao colaborar pela primeira vez, ambos os autores sentem que o tema de
The King’s Fountain expressa algumas de suas convicções mais importantes. Em
seus comentários a respeito do livro, o Sr. Keats percebe que o tema se resume
nas palavras do sábio judeu Hillel:
Se não sou por mim mesmo
Quem será por mim?
E se não sou apenas por mim mesmo?
Quem sou?
E se não é agora.
Quando?”
Após escutar essa história, um grupo de crianças do quarto ano retomou
essas palavras sábias para começar a discussão a respeito do tema desse belo
livro. No processo as crianças estavam descobrindo a importância de ler cada texto
literário de capa a capa com a finalidade de gerar significados.
II - Perguntas que são introduzidas durante a apresentação oral da
história
Como a previsão é uma estratégia importante a ser utilizada no processo de
leitura, a professora pode demonstrar essa estratégia parando em momentos
significativos e perguntando O que vocês acham que vai acontecer? Conforme as
crianças interiorizam essa pergunta elas desenvolvem uma atitude de antecipação
em relação ao impresso, que consiste em fazer previsões enquanto escutam ou
lêem um texto como uma maneira de ir gerando significados durante o
desenvolvimento da história. Elas aprendem a construir uma interpretação no
decorrer da história, que se baseia nas pistas que vão recolhendo e em rever e
refinar a interpretação quando encontram uma nova informação gerando, assim,
novos significados do desenvolvimento da história. Por exemplo: enquanto um
grupo de quarto ano escutava o livro The Mapmaker’s Daugther de Marie-Claire
Helldorfer (1991), um conto de fadas moderno sobre uma menina chamada Suchen
que resgata um príncipe de uma rainha má, elas previram que ela se casaria com o
príncipe. No entanto, quando o príncipe a recompensa com um cavalo e uma capa
vermelha para a próxima aventura, elas percebem que fizeram sua previsão
baseando-se em suas experiências prévias com contos de fadas.
- É tão diferente dos antigos contos... Como se a única coisa que uma jovem
pudesse esperar da vida fosse casar-se. Mas Suchen quer uma vida interessante!
- Este é um conto de fadas moderno. O autor não utiliza os velhos
estereótipos sobre o homem e a mulher.
- E o príncipe é que é resgatado... por uma menina!
A professora pode decidir inserir uma pergunta para chamar a atenção sobre
uma técnica literária em uma história em desenvolvimento, por exemplo, o uso do
flashback, a inserção de uma história dentro da outra ou os pontos de vista
alternativos. As perguntas a respeito das técnicas literárias podem ser utilizadas
com a finalidade de deixar claros os elementos na arte do autor, de acompanhar o
processo de elaboração de significados ou de trazer a linguagem da análise literária
para que os alunos a utilizem enquanto exploram as ferramentas que os autores
utilizam para criar histórias.
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A professora também pode interromper a história para perguntar “O que
esta personagem quer dizer quando afirma...?” Essa pergunta ajuda as crianças a
desenvolver o hábito de esclarecer as palavras que não são familiares e as frases
que contribuem para o significado do texto e, no processo, a aprender uma
estratégia básica de leitura: controlar o processo de elaboração de significados. Por
exemplo: em The Great Quillow (1944/1994), os membros do Conselho da cidade
se referem a quem fabrica os brinquedos como “The Great Quillow”. O leitor deve
usar as pistas do autor para entender que a palavra “great” (grande) é utilizada
como uma espécie de gozação e para expressar repúdio. No final da história,
Quillow, o fabricante de brinquedos, deu-os de presente para salvar a cidade de um
gigante e ganhou o respeito da população. O significado da palavra “great” muda
significativamente no decorrer da história e quando mais informação é dada.
Esse tipo de perguntas é utilizado poucas vezes, claro, para que a história se
desenvolva com pouca ou nenhuma interrupção. Com o tempo, no entanto, a
professor pode demonstrar estratégias de previsão e controle para que as crianças
possam interiorizar essas estratégias e utilizá-las por si mesmas e dar sentido de
maneira autônoma aos textos que escutam ou lêem.
III - Perguntas que são introduzidas para favorecer a resposta estética e
para favorecer a discussão após a leitura
Em sua teoria transacional sobre ler literatura Louise Rosenblatt (1978)
define o leitor estético como alguém que “vive através” da história e a vive como
uma experiência pessoal e emocional única. As crianças são convidadas a
compartilhar suas reações iniciais em relação à totalidade da história ou
personagens e cenas específicas, à arte do autor ou do ilustrador e a compartilhar
pensamentos e sentimentos que tiveram enquanto liam ou escutavam a história.
Enquanto compartilham essas respostas pessoais em uma discussão em grupo, os
alunos descobrem que os leitores têm reações diferentes para um mesmo texto.
Descobrir inúmeras perspectivas oferece a oportunidade de que as crianças
enriqueçam sua própria compreensão. A professora pode abrir a discussão com: “O
que vocês gostariam de dizer a respeito desta história?” As perguntas adicionais
podem ser utilizadas para mostrar maneiras como os estudantes podem articular e
refletir sobre sua própria experiência de viver através da história. Por exemplo:
➢ No decorrer da história você mudou de opinião a respeito de alguma
personagem? Explique.
➢ Alguma das personagens ou acontecimentos da história fez com que você se
lembrasse de alguma pessoa ou experiência de sua vida? Explique.
➢ Como você se sentiria se fosse essa personagem?
➢ Você encontrou algo que fosse surpreendente, intrigante ou perturbador nos
personagens ou acontecimentos deste conto?
Por exemplo: os alunos do quarto ano que escutaram The Mapmaker’s
Daughter expressaram sua surpresa ao descobrir que a história não terminava com
um casamento real como haviam antecipado. Eles perceberam que a protagonista
planejava continuar com suas aventuras em vez de se casar com o príncipe.
➢ Quais partes desta história você gostaria de escutar ou ler de novo ou
compartilhar com um amigo? Explique.
As crianças muitas vezes falam a respeito dos segmentos dos textos
literários de que mais gostaram. A experiência de compartilhar um livro de sua
preferência geralmente começa com as palavras “Escute isto!”. O propósito dessa
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pergunta é que as crianças identifiquem esses segmentos especiais e que tentem
expressar porque os acham tão interessantes ou convincentes. Pode ser que no
processo descubram algo a respeito da técnica do autor.
IV - Perguntas que são introduzidas para orientar a análise literária
Depois que os alunos tiveram oportunidades de compartilhar suas respostas
pessoais dadas para o texto, eles são convidados a dar um passo atrás em relação
ao texto e a se envolver na análise literária como uma parte do processo de
construir significados. Os professores introduzem perguntas que chamam a atenção
para os elementos literários (como o cenário, a trama, os personagens, o tema, o
estilo e o ponto de vista) sobre o gênero, o estilo do autor, ou as escolhas que os
autores fazem quando usam esses elementos literários para criarem narrativas. Na
medida em que os alunos identificam os elementos literários, as relações entre eles
e o papel de um elemento específico na totalidade da história, eles podem começar
a gerar significados por meio da inferência, da interpretação e do uso de seus
conhecimentos literários prévios e de sua própria experiência pessoal. Por exemplo:
pediu-se a um grupo de alunos do quarto ano que falasse a respeito do cenário
depois de ter escutado The King Equal de Katherine Paterson (1992). Um
fragmento da discussão ilustra como é produzida a construção de significados
realizada de forma cooperativa, assim como o potencial desse conto de fadas
moderno para estimular a exploração interpretativa:
- Existem dois cenários... Um é o palácio onde está o príncipe e o outro é a
cabana na floresta em que Rosamund mora.
- Os cenários são opostos... Um é rico e o outro pobre.
[A professora: Que técnica o autor está utilizando aqui?]
- Eu me lembro, é como essas duas histórias em uma que lemos. É a técnica
da “história dentro da história!”
- Mas são como uma história ao lado da outra, uma é sobre o príncipe e a
outra sobre Rosamund...
- É como as linhas paralelas em nosso gráfico matemático. [Apontando para
a parede em que estão os gráficos].
- A professora: É verdade, existe até um nome para isso: tramas paralelas.
- Você pode desenhar essa trama... como no gráfico. Você pode fazer com
que as linhas vão assim [utiliza suas mãos para demonstrar] e que depois se
interceptem quando as duas histórias se encontram.
- ... quando ela vem ao palácio para conhecer o príncipe.
- É uma boa idéia. Poderia ser visto assim [mostra o desenho que está
fazendo]. Veja, antes que se encontrem as linhas são paralelas; depois se
interceptam aqui no palácio; depois as linhas se tornam paralelas outra vez,
quando eles mudam o lugar... quando o príncipe vai morar na cabana para
demonstrar que ele pode fazer isso e Rosamund mora no palácio!
- E as histórias se interceptam outra vez quando Rosamund volta ao palácio
e concorda em se casar com ele [Mostrando o desenho].
- A autora planejou esta história com muito cuidado. Quando esse príncipe
ambicioso muda de lugar, aprende o que é ser pobre e ter fome e não ter
empregados. E é aqui que ele muda.
- E ela tem de estar no palácio para consertar o desastre que ele fez quando
tomou o dinheiro e a comida das pessoas.
- Eu gosto da maneira que essa autora fez esta história... nos velhos tempos
os príncipes procuravam uma mulher que fosse boa para eles; mas nesta história
ele tem de demonstrar que é suficientemente bom para ela!
- Eu acho que esse é o tema. Quando mudam de lugar, ele aprende o que é
realmente importante... que o dinheiro não é tudo.
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- Já sei, ele aprende que alguém que tem amigos é mais rico do que quem
tem ouro. E é por isso que Rosamund finalmente diz que vai se casar com ele.
- Eu também acho que ela queria ver se ele podia fazer essas coisas por si
mesmo.
- E ele aprende a ser amável. Ele realmente muda muito!
[A professora: Um personagem que muda durante a história é chamado de
personagem dinâmico].
- Talvez o autor quisesse que a gente pensasse a respeito dos estereótipos
dos homens e das mulheres. Rosamund era amável, carinhosa, inteligente e
independente, e o príncipe tem de aprender a ser amável e carinhoso. Isso também
é uma mudança.
As perguntas da professora a respeito do cenário da história e da técnica
que o autor utiliza para apresentar os cenários ajudaram os alunos a ativar os
conhecimentos sobre técnicas literárias que haviam estudado anteriormente; a
história dentro da história. Isso permite que eles continuem a discussão a respeito
da técnica do autor que registramos anteriormente. No decorrer da análise
realizada em conjunto, a professora introduz alguns termos utilizados para alguns
conceitos literários que estão relacionados com aqueles que as crianças já utilizam
quando falam de personagens, trama e tema.
O livro de Rebecca Luken A Critical Handbook of Children’s Literature
(Manual crítico da literatura infantil, 1999) é um recurso útil para os professores
que queiram rever os elementos literários, a técnica e os gêneros para formular
perguntas que orientem a análise narrativa das crianças, e também para introduzir
a linguagem da análise literária com a finalidade de que elas aprofundem o estudo
da literatura.
V - Perguntas que ajudam as crianças a apreciar a arte dos autores e
dos artistas
Os alunos que responderam ao The King’s Equal mostraram que apreciavam
a arte da autora. Eles imaginaram algumas das opções que Katherine Paterson
utilizou para criar essa história, assim como a relação entre o cenário e o
desenvolvimento dos personagens, da trama e do tema. Os professores podem
introduzir perguntas pensadas para chamar a atenção a respeito da arte do autor,
focando-se nas técnicas literárias como a da história dentro da história, o uso do
ponto de vista, formas tradicionais e motivos e gêneros literários. Por exemplo:
➢ Quem narra esta história? Por que você acha que o autor selecionou a
versão deste personagem sobre os acontecimentos?
Uma maneira que os autores dão forma à história é pelo uso do ponto de
vista. Em The True Story of The Three Pigs by A. Wolf (A verdadeira história dos
três porquinhos por S. Lobo de John Sciezka e Lane Smith), uma versão ilustrada e
moderna do conto tradicional, Silvestre S. Lobo conta sua própria versão do que
aconteceu em seu encontro com os três porquinhos. A Frog Prince de Alez Berenzy,
outra releitura de um conto tradicional, é contado do ponto de vista da Rã, porque
o autor tinha mais simpatia pela rã do que pela princesa malcriada do conto de
Grimm. Outro livro, Cinderella’s Rat (Meddaugh, 1997), conta a história do ponto
de vista do rato que foi transformado em cocheiro pela fada madrinha. I Was a Rat
(Eu era um rato, de Philip Pullman, 2000) é contado da perspectiva de um dos
ratos de Cinderela, transformado em criado.
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O estudo crítico de um romance histórico ou de algumas memórias começa
com a identificação da perspectiva a partir da qual a história é contada. No Pretty
Pictures: A Child of War de Anita Lobel (1998) é uma narração na primeira pessoa a
respeito da infância da autora depois que os nazistas chegaram a seu confortável
lar na Cracóvia, Polônia. Four Perfect Pebbles: A Holocaust Story (Perl e Lazan,
1986) são as memórias de infância de Marion Blumenthal Lazan, que aos seis anos
e meio morou em campos de refugiados. Behind the Bedroom Wall (Williams, 1996)
é uma história contada por uma menina de treze anos que é uma integrante
fervorosa do grupo juvenil nazista de sua localidade na Alemanha. Parallel Journeys
(Ayer, Waterford e Heck, 1995) justapõe fragmentos de duas autobiografias de
indivíduos que viveram durante a Segunda Guerra Mundial, e cujas histórias vão
sendo alternadas nos capítulos. Uma perspectiva é oferecida por Alfonso, que
obteve uma alta patente nas Juventudes Hitlerianas; a outra é a de Helen, uma
menina judia que acaba em Auschwitz. Abaixo aparecem exemplos de perguntas a
respeito da arte dos artistas.
➢ De que maneira o autor mostra os sentimentos dos personagens?
➢ De que maneira a escolha da técnica pelo ilustrador ajuda a expressar o tom
da história?
➢ Em que essa história seria diferente se não tivesse as ilustrações?
➢ Compare ou contraste duas ou mais opções dos ilustradores de um conto de
fadas. Que opções utilizaram?
Por exemplo: um grupo de crianças do terceiro ano comparou várias versões
ilustradas do conto “A Bela e a Fera”. Elas ficaram especialmente intrigadas com a
versão ilustrada que Jan Brett fez para esse conto de fadas francês (1989).
Conforme a história se desenvolvia na sessão de leitura em voz alta, as crianças
perceberam que os relevos sobre a pedra do jardim e das tapeçarias da Fera
mostravam humanos que realizavam as mesmas ações que os animais que
estavam servindo a Bela ou tocavam música para ela. As crianças discutiram a
possibilidade de que Brett tenha criado esses paralelismos entre a história e as
tapeçarias para mostrar a vida no palácio antes que o príncipe e os empregados
fossem transformados em animais, antes que a história começasse. Depois de
escutar toda a história e de prestar muita atenção nas ilustrações, as crianças
descobriram que as mensagens escritas tecidas nas tapeçarias haviam antecipado o
desenvolvimento da trama e do tema. Elas quiseram escutar a história novamente
para procurar os detalhes que haviam deixado escapar durante a primeira leitura.
Uma criança comentou: “Agora vamos poder ler melhor as ilustrações. Ela (Brett)
decidiu utilizar as imagens para contar a história que não está nas palavras”.
VI - Perguntas que estimulem os alunos a procurar ligações
intertextuais para gerar significados
Os professores podem introduzir perguntas que estimulem os estudantes a:
1- Utilizar suas histórias literárias, suas experiências pessoais e seu
conhecimento prévio para construir significados em seus contatos com os textos
literários e
2- Construir uma “base de dados literários” a respeito dos gêneros, dos tipos
de personagens, dos motivos, dos padrões, temas, elementos narrativos, recursos
literários e linguagem literária.
Os alunos aprendem a se aproximar dos novos textos de acordo com suas
experiências literárias prévias e sua bagagem de conhecimento literário, e a
identificar as ligações intertextuais para gerar significados. Por exemplo: a
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discussão do livro de Katherine Paterson, The King Equal tornou-se mais rica com
as experiências prévias dos alunos com histórias dentro da história ou com os
padrões das histórias paralelas. O reconhecimento dessa técnica literária permitiu
que os estudantes se centrassem na maneira como a autora utilizava essa
estrutura para desenvolver os dois personagens principais. Enquanto escutavam a
história, os alunos estavam sentados em suas mesas, que estavam dispostas em
um círculo, e haviam sido convidados a desenhar ou escrever algo a respeito da
história enquanto esta se desenvolvia. O fato de esboçar um diagrama a respeito
da trama paralela parece ter ajudado muitas crianças a visualizar a estrutura da
história para compreender a história toda. Esses estudantes também identificaram
a ligação intertextual entre essa história e o conto de fadas tradicional que fala
sobre a procura de esposa. Utilizando essa ligação como um trampolim, esses
alunos do quarto ano deram o seguinte passo na elaboração de significados:
identificaram a releitura que Patterson faz do esquema tradicional que,
consequentemente, levou-os a explorar o tema central desse conto de fadas
moderno.
Um bom ambiente intertextual pode ser criado se o programa de literatura
for estruturado a partir das experiências acumuladas, em que são apresentados aos
alunos textos cuidadosamente selecionados parecidos em seus conceitos, com a
finalidade de otimizar a descoberta de ligações cada vez mais complexas entre
diversos textos. Abaixo listamos alguns exemplos de perguntas utilizadas para
gerar a análise comparativa de textos relacionados e para estimular a busca de
ligações intertextuais.
➢ Lemos fábulas tradicionais de diferentes países. Em que essas
histórias se parecem? Como você definiria uma fábula?
Após identificar padrões que se repetem nessas fábulas, um grupo de
crianças de segundo ano formulou uma definição desse gênero literário. O passo
seguinte para os alunos era comprovar a validade de sua definição. Com essa
finalidade os alunos escutaram outras fábulas adicionais e analisaram cada uma
partindo das características que podem ser incluídas na definição. Após fazerem
algumas revisões importantes e chegarem ao consenso, sua definição final foi
utilizada como ponto de partida para um projeto de escrita em que as crianças
criaram suas próprias fábulas.
➢ Comparem as fábulas modernas de Leo Lionni com as
tradicionais de Esopo. Que diferenças e semelhanças vocês
encontram? O que vocês poderiam dizer a respeito das
diferenças entre Esopo e Lionni partindo daquilo que assumem
e acreditam a respeito da experiência humana?
Essas perguntas foram formuladas para alunos de quarto e quinto ano, que
estavam envolvidos em um estudo profundo sobre as fábulas antigas e modernas.
Por exemplo: compararam o Frederick, de Lionni, (1967) com “A cigarra e a
formiga” de Esopo. O rato Frederick não recolhe o grão com os outros ratos para se
preparar para o inverno, mas esses ratos trabalhadores aceitam que Frederick seja
o único. Sua poesia fornece alimento para a mente, o espírito e a imaginação nos
dias escuros do inverno. A fábula moderna de Lionni reflete sua crença na
importância das diferenças individuais, o valor das artes em nossa vida, e o adágio
de que nós, seres humanos, não vivemos apenas de pão. Frederick mostra um
grande contraste com a justiça implacável e a ética do trabalho que aparecem nas
formigas de Esopo, que desprezam a faminta cigarra quando ela implora que lhe
dêem comida. Elas dizem: “O verão todo você não fez mais do que cantar. E agora,
durante o inverno, pode dançar” (Pinkney, 2000, pág. 12). Uma pesquisa sobre
várias recopilações de fábulas de Esopo revela que a maioria das versões de “A
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Cigarra e a Formiga” termina com esse comentário implacável. No entanto, uma
versão ilustrada mais recente de Amy Lowry Poole (2000) convida a ter um novo
olhar sobre essa fábula. A ação de A Cigarra e a Formiga de Poole se desenrola no
palácio imperial de verão do Imperador chinês. A cigarra canta e dança para a
família real enquanto as formigas trabalhadoras recolhem o grão para o inverno, e
alertam a cigarra que se prepare para a neve e o frio. Quando o frio chega o
Imperador e seus empregados abandonam o palácio de verão, e as formigas
“fecham suas portas para combater o gelo e a neve”. A história termina com as
palavras: “E a cigarra se encolheu sob os beirais do palácio e esfregou suas mãos
com um queixoso canto, desejando ter seguido os conselhos das formigas”. No
entanto, as ilustrações contam outra história. No decorrer da história o ilustrador
retrata um jovem que observa as formigas trabalhando. O menino recolhe alimento
em uma cesta e o deixa para a cigarra antes de partir do palácio de verão. Um
pequeno grupo de alunos analisou essa versão única da história e identificou pistas
no texto para inferir as idéias de Poole a respeito da natureza humana.
➢ Os personagens principais destas histórias têm problemas
parecidos. De que forma cada personagem tenta resolver seu
problema? Quais podem ser as diferenças mais importantes
em suas reações ou decisões?
Essas perguntas foram feitas para um grupo de quinto ano que estava
trabalhando os problemas internos dos personagens na ficção realista
contemporânea.
➢ Como os personagens desse grupo de histórias reagem diante
das injustiças?
Essa pergunta foi um convite para que os estudantes se envolvessem em
um estudo crítico dos assuntos sociais relacionados com as diferenças de raça,
religião, gênero, classe e habilidade. Por exemplo: The Other Side (Woodson, 2001)
é um livro que começa com estas palavras “Neste verão a cerca que se estende
através de nossa cidade parecia maior”. A cerca separa a parte branca da cidade da
parte negra. Clover, uma menina negra que mora de um lado da cerca observa
Annie, a menina branca que mora do outro lado. Eventualmente, as meninas
encontram um caminho ao redor dessa barreira racial construída e mantida pelos
adultos de ambos os lados. Com suas próprias palavras Clover conta a história do
verão em que Annie e ela se tornaram amigas. Na última página do livro Annie
comenta “Algum dia alguém virá e derrubará essa velha cerca”. Clover concorda e
diz “Sim... algum dia”. Essa história comovente convida os leitores e os ouvintes a
falar sobre a injustiça que as duas meninas sentem, e sobre suas respostas para a
divisão racial nessa comunidade rural. Esse livro foi lido em voz alta para os alunos
mais velhos para introduzir uma unidade de estudo voltada para uma matéria
capaz de provocar muitas reações e para demonstrar como nós podemos reagir,
como leitores críticos, aos textos que abordam assuntos sociais complexos. Em seu
livro Teaching with Picture Books in the Middle School, Iris Tiedt introduz os
professores do ciclo médio nas “magníficas possibilidades dos livros” e destaca o
valor do livro como um estímulo para a discussão em sala de aula (Tiedt, 2000,
pág. 2).
Maniac Magee (Spinelli, 1990) é uma história sobre outra cidade dividida
racialmente, Two Mills, na Pensilvânia, em que o Extremo Leste e o Extremo Oeste
são dois campos hostis separados pela Rua Hector. Maniac Magee, um herói
lendário do romance realista contemporâneo, atravessa a Rua Hector e se desloca
entre os dois campos hostis na tentativa de romper as barreiras e construir pontes
entre os que são diferentes. Esse personagem monumental enfrenta o preconceito,
a ignorância e o medo que encontra em ambos os lados da Rua Hector, medo do
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mesmo tipo que Clover encontra nos dois lados da cerca. Diferentemente do
contexto não definido na história de Woodson, as tensões raciais, que servem como
contexto na história de Spinelli, estão claramente definidas.
The Storyteller’s Beads (Kurtz, 1998) é um exemplo de realismo histórico,
ambientado na Etiópia durante o período de fome extrema e a luta política nos anos
80. Essa história é sobre Sahay, uma menina cristã e Rahel, uma menina judia
cega que fogem de sua Etiópia natal e empreendem uma perigosa viagem pelo
deserto e, eventualmente, até Jerusalém. Essas duas meninas que foram educadas
para se odiar e ter medo uma da outra, unem-se para superar os preconceitos
culturais, tornarem-se amigas e se ajudarem mutuamente para sobreviver. Como
nas outras histórias selecionadas para esse estudo, assuntos sociais relacionados
com a diversidade, os personagens centrais dessa história agem contra as
injustiças e derrubam as barreiras sociais.
➢ Identifique exemplos de narrativas de viagem nesse grupo de
histórias. Quais são os diferentes significados da palavra
“viagem”? Fale sobre os diferentes tipos de viagem que você
encontrou nestas histórias.
Por exemplo: Journey (MacLachlan, 1991) é a respeito de um menino que
busca a verdade sobre seu passado e sobre sua mãe, que abandonou os filhos (ele
e sua irmã). O título do romance não se refere apenas à viagem interior, mas
também ao nome do protagonista e à viagem física da mãe como resposta à sua
inquietação interna. Os alunos do quarto ano que leram esse livro exploraram as
diferenças entre as viagens emocionais e as físicas. Eles descobriram que a busca
da verdade pelo protagonista era o guia para sua viagem emocional. Sua busca
termina com êxito quando ele consegue enfrentar a verdade e aceitar a realidade
fria do abandono, assim ele pode continuar sua vida.
Um estudo sobre as narrativas de busca também pode servir como foco para
as unidades temáticas que abordam a literatura tradicional ou a fantasia moderna.
A busca ou a viagem é quase um padrão universal. Joseph Campbell descreve em O
herói de mil faces as seguintes fases: a partida, a aventura, a prova inicial, as
provas e o retorno. Seja a história sobre a busca de aventuras de Perico, o coelho
de Beatriz Potter, ou sobre a busca de Max para obter o controle interno em Onde
moram os monstros, ou sobre a viagem de Teseu a Creta para matar o Minotauro,
ou sobre a busca de Leje pelo brocado de sua mãe que roubaram em The Weaving
of a Dream (Heyer, 1986), ou a jovem que busca seu amado no castelo que está ao
leste do sol e a oeste da lua no conto norueguês (Dasent, 1981); os heróis e as
heroínas abandonam a casa, empreendem uma viagem, sobrevivem a uma série de
provas e penúrias e regressam triunfantes para casa.
VII - Perguntas que convidam os estudantes a explorar as ligações
entre a literatura e a vida
Os professores introduzem perguntas para construir pontes entre o mundo
da história e o mundo pessoal da criança, sua realidade, sua imaginação e seus
sonhos. As crianças são convidadas a considerar a história segundo suas próprias
experiências e valores e a se identificar com os sentimentos e preocupações do
personagem. Damos a elas a oportunidade de ter um olhar sobre suas vidas e a
expandir seu pensamento além do que é na direção do que poderia ser. Os
estudantes também devem se distanciar do texto e responder sobre ele de forma
objetiva, utilizando fontes externas relevantes quando for apropriado. As perguntas
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são introduzidas para que os estudantes realizem tanto a avaliação subjetiva como
a avaliação objetiva da história.
A seguir mostramos alguns exemplos de perguntas que são introduzidas
para que as crianças expressem sua avaliação subjetiva baseando-se em suas
experiências pessoais e sua vida interior.
➢ Vocês acham que esta história pode acontecer de verdade?
Expliquem.
➢ Como você se sentiu em relação a esse personagem? Você mudou de
opinião sobre este personagem enquanto escutava a história?
Explique.
➢ Quem você conhece que seja como este personagem? Em que se
parecem?
➢ O que você acha que esse personagem fará da próxima vez que
acontecer algo parecido?
Exemplos de perguntas que são utilizadas para estimular o pensamento
imaginativo e a fantasia em relação à história:
➢ O que você teria feito com esses três desejos?
➢ Este personagem queria realmente ser um artista. O que você gostaria de
ser?
➢ O que você faria se encontrasse um bebê dragão que ficou sozinho quando
mataram a mãe dele?
Exemplos de perguntas pensadas para que expressem a avaliação objetiva:
➢ Qual é sua opinião sobre a maneira como os conflitos foram resolvidos nesta
história?
➢ Você acha que o final é realista? Explique.
➢ Você acha que o autor tem idéias ou sentimentos bem claros a respeito de
algum assunto específico. Explique.
➢ Observe a data do copyright da história. Qual é a relação entre o conteúdo
desta história e o contexto social e político do autor? (Por exemplo: Fly
Away from Home de Eve Bunting (1991); Sophie and the Sidewalk Man de
Stephanie Tolan (1991) e o romance de Paula Fox Monkey Island (1991)
refletem a situação das pessoas sem teto, um problema social que recebeu
muita atenção do público nos anos 90).
➢ Como você poderia determinar se os acontecimentos neste romance
histórico estão descritos com precisão? (Podem consultar uma nota a
respeito do autor ou algumas obras de referência na biblioteca).
A ARTE DE ENSINAR, A ARTE DE PERGUNTAR E UM ALERTA
A arte de ensinar é, de certa maneira, a arte de fazer perguntas
significativas, perguntas feitas no momento apropriado que ajudem a expandir a
mente dos alunos e sua imaginação, e que os ajude a caminhar na direção do
crescimento e do entendimento como aprendizes independentes. Fazer perguntas é
uma ferramenta de ensino que pode ser utilizada para ajudar os estudantes a
descobrir a arte de perguntar como uma ferramenta de aprendizagem e como uma
estratégia de leitura. O tipo de perguntas incluídas neste capítulo foi pensado para
enriquecer a experiência literária das crianças e para propiciar respostas para a
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literatura, que sejam reflexivas e com significado pessoal. As perguntas podem ser
utilizadas no processo de construir significados durantes as sessões grupais de
leitura em voz alta: 1) Antes da leitura oral do texto literário; 2) Enquanto os
alunos entram e respondem ao texto que se desenvolve e 3) após a leitura oral. As
previsões iniciais são confirmadas ou revisadas, e a compreensão inicial se expande
ou se modifica conforme os alunos adquirem nova informação do texto que se
desenvolve. Na discussão posterior à leitura os alunos compartilham suas respostas
pessoais, sua compreensão e suas interpretações, consideram as perspectivas de
outros alunos e as conclusões que diferem das suas. No contexto das discussões
que vão surgindo, os leitores formam uma comunidade interpretativa na qual eles
negociam os significados construídos pelo grupo. No processo, as perguntas
inicialmente feitas pela professora são substituídas gradualmente pelas perguntas
feitas pelos alunos, que estão prontos para conduzir suas explorações literárias e
suas experiências de aprendizagem.
Em relação a esse ponto, é necessário um alerta. As perguntas que são
utilizadas como exemplo neste capítulo são sugestões gerais e devem ser utilizadas
em pouca quantidade. O excesso de perguntas pode transformar o prazer da
exploração literária e a descoberta em uma obrigação que não tem sentido. E tem
mais, as perguntas utilizadas aqui como exemplo foram formuladas originalmente
para desafiar grupos concretos de crianças, desde o jardim de infância até o sexto
ano. Para formular perguntas para os estudantes os professores devem considerar
a idade, experiência e necessidades de aprendizagem de seus alunos, assim como o
nível de envolvimento e interesse com o texto determinado em um momento
determinado. As crianças que participaram nas discussões em grupo, e que
aparecem neste livro, eram bem diversas em termos de linguagem e habilidades
cognitivas, e também em relação a suas experiências prévias, estilos de
aprendizagem, necessidades, posições e seu desenvolvimento emocional e social.
O desafio para o professor foi conseguir que todas as crianças fossem
participantes ativas em cada uma dessas discussões em grupo sobre textos
literários compartilhados. A maioria das perguntas feita nessas sessões de leitura
em voz alta foram perguntas abertas com a finalidade de favorecer diversas
respostas e ajudar as crianças a pensar que existem diversas possibilidades e
muitos significados e pontos de vista, em vez de esperar uma resposta única e
“correta”. As perguntas utilizadas em cada sessão grupal variaram em seu nível de
dificuldade, de maneira que cada criança pudesse ser apropriadamente desafiada
dentro de seu nível de habilidade. No entanto, as sessões de leitura em voz alta
muitas vezes “nivelaram o terreno de jogo” para aquelas crianças que eram menos
competentes ou leitores menos especializados que seus companheiros. Muitas
dessas crianças puderam sentir o prazer pelo êxito que obtiveram como
colaboradoras do processo de estudar a literatura, realizado em conjunto durante
essas sessões de grupo. Elas foram capazes de dar respostas para textos cada vez
mais complexos e de se envolver em seu processo de construção de significados,
que não se viu limitado por suas competências leitoras. Ao mesmo tempo, demos a
elas a oportunidade de aprender sobre literatura e sobre a arte dos autores e dos
artistas, e de pôr em prática estratégias que os leitores competentes utilizam
quando lêem literatura.
Neste capítulo foram apresentados diferentes tipos de perguntas para
sugerir algumas das possibilidades para criar experiências literárias ricas, que
fazem com que os alunos se envolvam em uma discussão viva e, ao mesmo tempo,
explorem as várias possibilidades de significado e as artes de autores e artistas. A
meta é que os alunos iniciem suas próprias perguntas, que gerem significados
como leitores e escritores e que construam seu próprio trampolim para a busca e a
descoberta, para pensar e aprender enquanto respondem os textos literários
compartilhados no contexto social da sala de aula.