O prefeito vetou integralmente um projeto de lei que autorizava a concessão de uso de terra pública para uma associação de moradores. O veto ocorreu porque o projeto era inconstitucional, já que a concessão de uso de bens públicos é atribuição do executivo, não do legislativo. Além disso, o decreto que declarou a terra como de utilidade pública havia caducado.
Prot. 3083 17 mensagem de veto 020 - integral ao autógrafo de lei nº 3652-17
Veto integral ao autógrafo de lei nº 3.538 16 cocal
1. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
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Vila Velha, ES, 21 de junho de 2016.
MENSAGEM DE VETO Nº 014/2016
Senhor Presidente,
Senhores Vereadores,
Dirijo-me a Vossas Excelências para encaminhar as razões da aposição do
VETO INTEGRAL ao Autógrafo de Lei nº 3.538/2016.
Atenciosamente,
RODNEY ROCHA MIRANDA
Prefeito Municipal
2. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
2
Vila Velha, ES, 21 de junho de 2016.
RAZÕES DO VETO
Assunto: Veto Integral do Autógrafo de Lei nº 3.538/2016.
Senhor Presidente,
Senhores Vereadores,
Comunicamos a essa egrégia Câmara nossa decisão de apor VETO INTEGRAL
ao Autógrafo de Lei acima enunciado que “Autoriza o Poder Executivo a celebrar termo
de concessão de direito real de uso em favor da Associação de Moradores do Bairro
Cocal”.
A matéria teve a iniciativa de membro do Poder Legislativo e foi levada à
apreciação da Secretaria Municipal de Des. Urbano e Mobilidade - SEMDU, bem como
da Procuradoria Geral do Município - PGM, de cuja análise se extrai que o presente
projeto de lei apresentado é materialmente inconstitucional, pelas razões que passamos a
discorrer:
“2.2 Da Competência Legislativa
O Autógrafo de lei em comento autoriza o Poder Executivo a celebrar termo de
concessão de direito real de uso da área de 300m² (trezentos metros quadrados),
correspondente a uma parte do lote nº 10, da quadra 37, do loteamento do bairro
Cocal, declarada de utilidade pública por meio do Decreto Municipal nº 164/2011, e
destinada à construção de uma galeria das obras de macrodrenagem para atender a
região.
Precipuamente, cumpre destacar que de acordo com o art. 10 do Decreto-Lei nº
3.365/41, a Administração possui o prazo de cinco anos para efetivar
a desapropriação, a partir da expedição do decreto expropriatório.
Destarte, passado tal prazo sem que o Poder Público tenha efetivado o ato
expropriatório ou praticado qualquer esbulho possessório, resulta inequivocamente
caduco o ato declaratório de utilidade pública por força da previsão inserta no artigo
acima citado.1
Infere-se dos autos que a expedição do decreto se deu em 01 de junho de 2011 (fls.05),
no entanto, não constam informações acerca da concretização da desapropriação.
Ainda que ultimada a desapropriação, a matéria sob exame está inserida dentre
aquelas sujeitas à iniciativa reservada ao Chefe do Executivo, em relação às quais
não é dado ao Poder Legislativo local imiscuir-se, conforme se depreende do artigo
56, inciso XIV, e artigo 106 da Lei Orgânica Municipal (LOM)2
:
Art. 56 Compete privativamente ao Prefeito:
(...)
XIV - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a
fiscalização e a arrecadação de tributos;
1
Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco
anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. (Vide Decreto-lei
nº 9.282, de 1946). Neste caso, somente decorrido um ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova
declaração. Parágrafo único. Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a indenização por
restrições decorrentes de atos do Poder Público.
2
Lei Orgânica Municipal nº 001/1990
3. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
3
Art. 106 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a
competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.
Nessa esteira Hely Lopes Meirelles esclarece que:
Cabe ao prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da
Câmara quanto os utilizados nos serviços da Edilidade; mas no que toca a estes bens
somente os atos de uso e conservação é que competem ao presidente, visto que os de
alienação e aquisição devem ser realizados pelo Executivo, como representante do
Município.3
Desataca-se, ainda, que a Concessão de direito real de uso é um contrato
administrativo, positivado na LOM, nesses termos:
Art. 108. omissis
(...)
§ 1º O Município, preferencialmente à venda ou doação de seus bens imóveis,
outorgará concessão de direito real de uso, por tempo determinado, mediante prévia
autorização legislativa e licitação.
Corroborando com a afirmação supra, Hely Lopes Meirelles conceitua concessão de
direito real de uso:
A concessão de direito real de uso é um contrato pelo qual a Administração transfere o
uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real
resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização,
edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social.4
Destarte, são inconstitucionais os dispositivos legais que estabelecem uma autorização
prévia do Poder Legislativo para que o Chefe do Poder Executivo pratique atos
ordinários de gestão e de administração dos bens públicos, uma vez que representam
uma indevida forma de participação do Legislativo na formação desses atos, ferindo
assim o princípio da separação e da harmonia entre os poderes, consagrado no artigo
2º da Constituição Federal e contemplado no artigo 17 da Constituição Estadual5
e no
artigo 1º da Lei Orgânica Municipal.
Acerca da matéria, pertinente trazer à colação os seguintes julgados:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA À LEI ORGÂNICA N.º
001, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2010. MUNICÍPIO DE IMBÉ. AUTORIZAÇÃO,
PERMISSÃO E CESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA
DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. VÍCIO DE INICIATIVA.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL.1. A competência para dispor acerca da
organização e do funcionamento da administração pública municipal é privativa do
chefe do Poder Executivo. Inteligência dos art. 60, inc. II, e art. 82, inc. II e VII da
Constituição Estadual.2. Caracterizada a ingerência da Câmara de Vereadores sobre
atividade própria o Poder Executivo Municipal, restam violados os princípios da
independência e isonomia entre os Poderes, prevista no artigo 10, da Constituição
Estadual, tornando imperiosa a procedência da ação. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta
de Inconstitucionalidade Nº 70058714023, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 04/08/2014)
3
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 15 ª ed., 2006. 304, 306, pp.
4
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 15 ª ed., 2006. 313, p.
5
Art. 17. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
4. PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
“Deus seja louvado”
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Ação direta de declaração de inconstitucionalidade - Lei Orgânica Municipal (incisos
V, XII, XVI e XXIII do artigo 11) - Município de Embu-Guaçu - Reconhecimento da
ingerência do Legislativo na Administração do Município e usurpação de funções, ao
subordinar à autorização da Câmara atos de gestão ordinária do Município - Violação
dos artigos 5º e 144 da Constituição Estadual - Ação procedente (ADIN nº 131.237-0/2-
00, rel. Des. JOSÉ REYNALDO, j. 13 Ago. 2008).
Assim, em que pese a necessidade de prévia autorização legislativa na concessão de
direito real de uso, conforme consta do §1º do artigo 108 da LOM, é o Executivo que
tem a prerrogativa de dar início ao processo legislativo, visto tratar-se de matéria
administrativa, detendo o poder de decidir, inicialmente, sobre a oportunidade e a
conveniência de determinada ação.
Portanto, a autorização legislativa não se confunde com lei autorizativa, devendo
aquela primar pela observância da reserva de iniciativa.
Vê-se, ainda, que o instituto da concessão de direito real de uso6
não configura a
solução adequada para a simples utilização de bens municipais por terceiros, que deve
se dar por uma das formas previstas no caput do artigo 110 da LOM.
Demais disso, tem-se que materialmente a norma impugnada também é inconstitucional
por ofender os princípios da impessoalidade, moralidade e legalidade, já que
possibilita a contratação do Poder Público com entidade privada, sem o devido
procedimento licitatório exigido pela lei específica.
Infere-se, pois, que tal ato é eminentemente administrativo, ou seja, de competência
exclusiva do Chefe do Poder Executivo, daí a violação aos princípios da harmonia e da
separação de poderes, na medida em que compete privativamente ao Poder Executivo o
exame da conveniência e oportunidade da prática de atos de administração ordinária,
como, na espécie, a outorga de concessão de direito real de uso de bem público.
CONCLUSÃO
Em razão aos argumentos supracitados, esta Procuradoria opina pelo veto integral do
Autógrafo de Lei nº 3.538/2016, dada a inconstitucionalidade por vício formal de
iniciativa, verificada a violação aos princípios da harmonia e da separação de poderes,
em flagrante afronta ao artigo 56, inciso XIV, e ao artigo 106 da Lei Orgânica
Municipal.”
Estas, Senhor Presidente, Senhores Vereadores, as razões que nos levam a
concluir pelo Veto Integral do Autógrafo de Lei sob comento, com fundamento no
poder conferido pelo § 1º, do art. 40, da Lei Orgânica Municipal, e que ora
submetemos à elevada apreciação dos Senhores Membros dessa Colenda Casa
Legislativa.
Atenciosamente,
RODNEY ROCHA MIRANDA
Prefeito Municipal
6
Em resumo, pode-se dizer que a concessão de direito real de uso constitui: I direito real resolúvel,
consistente no uso remunerado ou gratuito de terreno público para que seja utilizado com fins específicos do
Decretolei nº 271/67 (regularização fundiária, urbanização, edificação, entre outras modalidades de interesse
social); II direito transmissível por ato inter vivos ou mortis causa, como os demais direitos reais sobre coisas
alheias; III tem como característica inerente o direito de sequela, que enseja a persecução do bem; e IV é
resolúvel, em face do descumprimento da destinação contratualmente estabelecida pelo concessionário.