O documento trata de um Agravo de Instrumento movido pelo Ministério Público contra decisão que indeferiu pedido liminar em Ação Civil Pública Ambiental. O MP requeria a recuperação de área degradada com vegetação nativa após obras realizadas sem licença. Laudo apontou risco de danos ao curso d'água e ao bioma. O relator entendeu ser necessária a tutela para evitar danos ambientais.
1. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000 de Criciúma
Relator: Desembargador Luiz Fernando Boller
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AMBIENTAL. RECUPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA.
CANALIZAÇÃO INCOMPLETA DE CURSO HÍDRICO COM
SESSENTA METROS DE EXTENSÃO. MUROS DE
ARRIMO EDIFICADOS. COBERTURA COM LAJE
PARCIALMENTE ERGUIDA. PRETENSÃO DO PARQUET
OBJETIVANDO A RESTAURAÇÃO DA REGIÃO.
LIMINAR INDEFERIDA. TAMPONAMENTO
PARALISADO, E RIO JÁ ANTROPIZADO EM OUTROS
TRECHOS DA ÁREA URBANIZADA DO MUNICÍPIO.
INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
ARGUMENTAÇÃO PROFÍCUA. LAUDO DO INSTITUTO
GERAL DE PERÍCIAS ASSEGURANDO EXISTIR
VEGETAÇÃO NATIVA DE FLORESTA OMBRÓFILA
DENSA SECUNDÁRIA, EM ESTÁGIO MÉDIO DE
REGENERAÇÃO, COM ESPÉCIES INDICADORAS DE
RECONSTITUIÇÃO AVANÇADA, COMO EMBAÚBA E
PALMITO JUSSARA.
INFORMAÇÕES QUE NÃO PODEM SER
NEGLIGENCIADAS, VISTO QUE APONTAM TRATAR-SE
DE HABITAT PECULIAR SITUADO EM MEIO À ZONA
URBANA. ANOTAÇÃO DE RISCO DE
COMPROMETIMENTO DA VAZÃO, EROSÃO DAS
MARGENS E ASSOREAMENTO DO AFLUXO ÁQUEO.
INEXISTÊNCIA DE QUALQUER LICENÇA OU
AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS
COMPETENTES, PARA ENTRESSACHAR O CURSO
HÍDRICO.
DECISUM REFORMADO. IMPOSIÇÃO PARA (1)
REALIZAÇÃO, NO PRAZO DE TRINTA DIAS, DO PLANO
DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA; (2)
ABSTENÇÃO DE QUALQUER NOVA ALTERAÇÃO NO
LEITO DO CURSO D'ÁGUA OU DEPREDAÇÃO DO BIOMA
EXISTENTE NA FAIXA DE ATÉ TRINTA METROS DAS
MARGENS DO CANAL; (3) COLOCAÇÃO DE DUAS
PLACAS ANUNCIANDO O AJUIZAMENTO DESTA AÇÃO
CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL; (4) AVERBAÇÃO DA
DEMANDA NA MATRÍCULA DO IMÓVEL, SOB PENA DE
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2. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
Gabinete Desembargador Luiz Fernando Boller
MULTA DIÁRIA DE R$ 5.000,00.
"[...] Não se traduz em decisão irreversível a concessão
da tutela antecipada para determinar que o responsável pela
degradação de área de preservação permanente apresente
plano de recuperação do dano ambiental, uma vez que o
interesse público na resolução da situação sobrepõe-se ao
interesse privado". (Agravo de Instrumento n.
2009.002987-0, rel. Des. Vanderlei Romer) [...] (TJSC,
Agravo de Instrumento n. 4014682-87.2016.8.24.0000, de
Balneário Piçarras, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j.
30/05/2017).
OBJETIVADA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
INEXISTÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO DO TOGADO
SINGULAR A RESPEITO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE
DA QUESTÃO, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA.
RECLAMO CONHECIDO APENAS EM PARTE, E
PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento
n. 8000094-70.2017.8.24.0000, da comarca de Criciúma (2ª Vara da Fazenda)
em que é Agravante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Agravados
M.M. Rosso Supermercado Ltda. e outra.
A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, à unanimidade,
conhecer apenas em parte do recurso, dando-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo
Excelentíssimo Senhor Desembargador Jorge Luiz de Borba, com voto, e dele
participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Paulo Henrique Moritz
Martins da Silva. Funcionou como representante do Ministério Público o
Procurador de Justiça Carlos Alberto de Carvalho Rosa.
Florianópolis, 19 de setembro de 2017.
Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER
Relator
Documento assinado digitalmente
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3. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
Gabinete Desembargador Luiz Fernando Boller
RELATÓRIO
Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto por Ministério Público
do Estado de Santa Catarina, contra decisão prolatada pelo juízo da 2ª Vara da
Fazenda da comarca de Criciúma, que nos autos da Ação Civil Pública Ambiental
n. 0900597-79.2016.8.24.0020, ajuizada contra Biff-Administradora de Bens
Ltda. e M.M.-Rosso Supermercado Ltda., indeferiu a liminar, com a qual
pretendia assegurar a recuperação da área degradada, porquanto a intervenção
restou paralisada, inexistindo risco de agravação e/ou continuidade do alegado
dano, sobretudo pelo curso hídrico já se encontrar devidamente tamponado em
outros trechos, podendo a pretensão aguardar decisão judicial definitiva (fls.
189/191 dos autos digitais).
Malcontente, o parquet aduz que as empresas Biff-Administradora
de Bens Ltda. e M.M.-Rosso Supermercado Ltda. agiram sem amparo de licença
ambiental, havendo risco real de irreparabilidade do patrimônio ecológico, o que
poderá dificultar a recuperação do bioma.
Defende que o IGP-Instituto Geral de Perícias inspecionou o local e
apurou que "a construção de muros sobre o leito nas margens e seu fechamento
na porção superior - laje -, possui o potencial de alterar os padrões de infiltração
de água da chuva, velocidade do fluxo da água, transporte de sedimentos, entre
outros [...]", podendo influenciar "na ocorrência de enchentes, erosão das
margens e assoreamento do curso d'água, principalmente quando este retoma
seu canal natural após a finalização do trecho canalizado [...]" (fl. 06).
Argumenta que a imediata realização do PRAD-Plano de
Recuperação da Área Degradada, "além de salvaguardar o meio ambiente, o
preserva e o recupera com maior celeridade, o que não será possível, caso se
aguarde até o trânsito em julgado da presente demanda, pois é certo que levará
muitos anos [...]" (fl. 08).
Aponta que a tutela pode ser autorizada com base no princípio da
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4. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
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precaução, e também pela simples constatação do dano em potencial, termos
em que - pugnando pela colocação de placa informativa na gleba, e averbação
no registro imobiliário acerca da existência da presente demanda, bem como a
inversão do ônus da prova em favor do meio ambiente -, brada pelo
conhecimento e provimento do reclamo (fls. 01/13).
Admitido o processamento do Agravo, e denegado o efeito
suspensivo (fls. 16/19), sobrevieram as contrarrazões, onde Biff-Administradora
de Bens Ltda. e M.M.-Rosso Supermercado Ltda. refutam as teses manejadas,
inclusive enunciando que a obra foi realizada pelo Poder Executivo, clamando,
então, pelo desprovimento da insurgência (fls. 29/43).
Nos termos do Ato Regimental nº 41/00, foram os autos por sorteio
redistribuídos, vindo-me conclusos (fl. 120).
Em Parecer da Procuradora de Justiça Gladys Afonso, o Ministério
Público sobressaiu, inicialmente, que a pretensão para inversão do ônus da
prova não foi abordada na decisão agravada - constituindo inovação recursal -,
não podendo, portanto, ser conhecida.
No mérito, opinou pelo conhecimento e provimento do Agravo (fls.
124/135).
É, no essencial, o relatório.
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VOTO
Os pressupostos intrínsecos de admissibilidade estão preenchidos.
Todavia, com relação aos extrínsecos, questão singular afeta o
conhecimento de parte do Agravo.
Pois bem.
Pudessem as imagens falar por si, aí estariam os fatos e a
conclusão de que algo está errado no imóvel adquirido por Biff-Administradora de
Bens Ltda. e M.M.-Rosso Supermercado Ltda., senão vejamos:
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6. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
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E ainda:
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Notadamente:
É nítida a presença de vegetação já assentada em todas as
imagens.
A propósito, o Laudo do IGP-Instituto Geral de Perícias aponta que:
Na porção posterior do terreno, verificou-se que havia um fragmento
remanescente de vegetação nativa, composta pela formação de Floresta
Ombrófila Densa secundária, pertencente ao bioma Mata Atlântica, em estágio
médio de regeneração, porém já apresentando o desenvolvimento inicial de
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8. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
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espécies indicadoras de estágio avançado, como Cecropia sp. (embaúba) e
Euterpe edulis (palmito jussara) [...] (fl. 74 - grifei).
Neste contexto, a Resolução nº 29/94 do CONAMA-Consellho
Nacional do Meio Ambiente estabelece que:
[...] Art. 2º Vegetação secundária ou em regeneração é aquela resultante
de processos naturais de sucessão, após supressão total ou parcial da
vegetação primária por ações antrópicas ou causas naturais, podendo ocorrer
árvores remanescentes da vegetação primária.
Art. 3º Os estágios de regeneração da vegetação secundária a que se
refere o artigo 6º do Decreto nº 750/93 passam a ser assim definidos:
[...]
III - Estágio médio de regeneração da Mata Atlântica é a formação
florestal secundária que apresenta as seguintes características:
[...]
a) fisionomia arbórea e/ou arbustiva predominando sobre a herbácea,
podendo constituir estratos diferenciados, com altura média variando de 5 a 13
metros;
b) cobertura arbórea variando de aberta a fechada, com a ocorrência
eventual de indivíduos emergentes;
c) distribuição diamétrica apresentando amplitude moderada, com DAP
médio variando de 10 a 20 centímetros e área basal variando entre 10 a
18m²/ha;
d) epífitas aparecendo com maior número de indivíduos e espécies em
relação ao estágio inicial, sendo mais abundantes na Floresta Ombrófila;
e) trepadeiras, quando presentes, podem ser herbáceas ou lenhosas;
f) serapilheira presente, variando de espessura de acordo com as
estações do ano e a localização;
g) diversidade biológica significativa;
h) subosque presente;
i) as espécies vegetais que caracterizam esse estágio sucessional são,
principalmente: cinco-folhas (Sparattosperma vernicosum), boleira (Joanesia
princeps), pau-d'alho (Gallesia gorazema), goiabeira (Psidium guajava), jacaré
(Piptadenia communis), quaresmeira-roxa (Tibouchina grandiflora), ipê-felpudo
(Zeyhera tuberculosa), araribá (Centrolobium sp.), caixeta (Tabebuia spp.),
jenipapo (Genipa americana), guapuruvu (Schizolobium parahyba), cajueiro
(Anacardium sp.), oitizeiro (Licania tomentosa), quaresma (Annona caçans), ipê-
roxo (Tecoma heptaphila).
E especificamente para o Estado de Santa Catarina, o CONAMA
editou a Resolução nº 04/94, dispondo que:
[...] Considerando a necessidade de se definir vegetação primária e
secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata
Atlântica em cumprimento ao disposto no artigo 6º. do Decreto 750, de 10 de
fevereiro de 1993, na Resolução/Conama/nº. 10, de 01 de outubro de 1993, e a
fim de orientar os procedimentos de licenciamento de atividades florestais no
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9. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
Gabinete Desembargador Luiz Fernando Boller
Estado de Santa Catarina, resolve:
[...]
Art. 3º Os estágios em regeneração da vegetação secundária a que se
refere o artigo 6º. do Decreto 750/93, passam a ser assim definidos:
[...]
III - Estágio avançado de regeneração:
[...]
n) Espécies indicadoras:
n.1) Floresta Ombrófila Densa: [...] Cecropia adenopus (Embaúba), que
formarão os primeiros elementos da vegetação secundária, começando a
aparecer Euterpe edulis (palmiteiro), Schizolobium parahiba (Guapuruvu),
Bathiza meridionalis (Macuqueiro) [...]
Ora, a avaliação do IGP-Instituto Geral de Perícias confirmou, in
loco, a presença de embaúba, justamente aquele componente da vegetação
secundária em estágio de regeneração que consubstancia objeto de proteção da
Resolução nº 04/94, demonstrando, assim, a relevância da pretensão ministerial
em promover a defesa do bioma existente no imóvel.
E a intervenção no curso hídrico, ao desamparo de qualquer licença
- tanto a FAMSID-Fundação do Meio Ambiente de Siderópolis (fl. 177), quanto a
FATMA-Fundação do Meio Ambiente (fl. 180), não emitiram qualquer autorização -
, constitui afronta ao art. 23 da Lei nº 11.428/06, no sentido de que o corte, a
supressão e a exploração da vegetação secundária em estágio médio de
regeneração do Bioma Mata Atlântica somente serão autorizados:
I - em caráter excepcional, quando necessários à execução de obras,
atividades ou projetos de utilidade pública ou de interesse social, pesquisa
científica e práticas preservacionistas;
[...] III - quando necessários ao pequeno produtor rural e populações
tradicionais para o exercício de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou
silviculturais imprescindíveis à sua subsistência e de sua família, ressalvadas as
áreas de preservação permanente e, quando for o caso, após averbação da
reserva legal, nos termos da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965;
Também restou consumada a degradação em área de preservação
permanente (art. 4º da Lei Federal nº 12.651/2012).
Portanto, com razão o parquet ao reivindicar o retorno do terreno ao
status quo ante.
E a imposição atende à recomendação do próprio Perito João
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10. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
Gabinete Desembargador Luiz Fernando Boller
Pedro Pinheiro Vieira, do IGP-Instituto Geral de Perícias, para quem:
[...] A construção de muros sobre o leito nas margens do rio e seu
fechamento na porção superior, através da construção de uma laje, possui o
potencial de alterar os padrões de processos relacionados à infiltração de água
da chuva, velocidade do fluxo de água, transporte de sedimentos, entre outros.
Estas alterações podem influenciar na ocorrência de processos de enchentes,
erosão das margens e assoreamento do curso d'água, principalmente quando
este retoma seu canal natural após a finalização do trecho canalizado [...] (fl.
80).
Não desconheço o fato de que o Rio Albino encontra-se em grande
parte já tamponado, sobretudo por situar-se em área urbanizada.
Todavia, conceitos demasiado amplos, permeados por uma
macrovisão, merecem repulsa na espécie.
Isso porque é muito fácil esquivar-se com base naquilo que os
"outros" fazem, ou naquilo que já foi feito, para daí invocar um pretenso "direito
adquirido".
Entretanto, perscrutando o parâmetro micro, é coerente constatar
que há no local uma vegetação toda particular, pouco influenciando, então, o que
se perpassa ao redor, em outros imóveis.
O meio ambiente é um tema sui generis, porque ao mesmo tempo
em que conclama providências coletivas, também reclama atuações singulares.
Cada um deve fazer a sua parte.
A de Biff-Administradora de Bens Ltda. e M.M.-Rosso
Supermercado Ltda., ao menos em um exame perfunctório, neste momento
constitui na demolição da obra.
Se a ação do degradador foi unilateral - com a construção de muro
de arrimo e tamponamento do Rio Albino sem qualquer licença ambiental -, a
determinação judicial que impõe a mera reconstituição daquele espaço é
providência razoável e de mesma proporção, e que tem o condão de apenas
restabelecer o eixo da discussão em um mesmo ponto de equilíbrio.
A premissa lançada pelo togado singular - no sentido de que "o
dano alegado, considerando as fotografias que instruem a inicial, não é de
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11. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
Gabinete Desembargador Luiz Fernando Boller
grande monta, demonstrando ser perfeitamente passível de recuperação,
podendo, portanto, aguardar pela prolação da sentença [...]" (fl. 190 dos autos
digitais) -, não é apropriada.
Por que subjugar o habitat natural?
Por que o meio ambiente é que tem que esperar a solução do
litígio?
O verdadeiro personagem da intervenção deve começar a suportar
maior parcela de responsabilidade, mesmo que a decisão judicial voltada para tal
fim seja incipiente e prematura.
Do contrário, "drenar-se-ia a relevância profilática do próprio Poder
Judiciário, relegando-se a jurisdição ao infecundo e ineficiente papel de simples
gestor de perdas consumadas e até irreversíveis para o meio ambiente e a
saúde pública: um juiz de danos, constrangido a somente olhar para trás, em vez
de um juiz de riscos, capaz de proteger o futuro e sob seu influxo realizar justiça
preventiva e precautória [...]" (STJ, REsp 1616027/SP, Rel. Min. Herman
Benjamin, j. 05/05/2017).
Roborando a determinação para imediata realização e execução do
PRAD-Plano de Recuperação de Área Degradada, dos julgados de nossa Corte
haure-se que:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO. TUTELA DE URGÊNCIA
CONCEDIDA PARA ELABORAÇÃO E COMPROVAÇÃO DA EXECUÇÃO DE
PROJETO DE RECUPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA (PRAD), ASSIM
COMO, A APRESENTAÇÃO DE LAUDO TÉCNICO COM O CUMPRIMENTO
DAS OBRIGAÇÕES. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO NATIVA PARA
IMPLEMENTAÇÃO DE LOTEAMENTO PRIVADO. AUSÊNCIA DE
AUTORIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS COMPETENTES. FISCALIZAÇÃO E
AUTUAÇÃO LEVADA A EFEITO PELO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL
(FATMA). DOCUMENTOS SUFICIENTES PARA COMPROVAÇÃO DO DANO
AMBIENTAL. DIREITO COLETIVO QUE SE SOBREPÕE AO DIREITO
INDIVIDUAL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "Não se traduz
em decisão irreversível a concessão da tutela antecipada para determinar que o
responsável pela degradação de área de preservação permanente apresente
plano de recuperação do dano ambiental, uma vez que o interesse público na
resolução da situação sobrepõe-se ao interesse privado". (Agravo de
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12. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
Gabinete Desembargador Luiz Fernando Boller
Instrumento n. 2009.002987-0, rel. Des. Vanderlei Romer) [...] (TJSC, Agravo
de Instrumento n. 4014682-87.2016.8.24.0000, de Balneário Piçarras, rel. Des.
Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 30/05/2017).
Ademais, de pouca relevância, quiçá nenhuma, a argumentação de
Biff-Administradora de Bens Ltda. e M.M.-Rosso Supermercado Ltda., nas
contrarrazões, ao sustentarem que apenas adquiriram o imóvel no atual estado,
não tendo interferido na área.
Dos arestos do Superior Tribunal de Justiça emana que "a
obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem [...]", onde "o novo
proprietário assume o ônus de manter a integridade do ecossistema protegido,
tornando-se responsável pela recuperação, mesmo que não tenha contribuído
para o desmatamento ou destruição [...]" (STJ, REsp 1241630/PR, Rel. Min.
Herman Benjamin, j. em 23/06/2015).
E a discussão acerca da inversão do ônus da prova não foi decidida
na origem, ressoando precipitado enfrentá-la agora, sob pena de supressão de
instância.
Assim, voltando à quaestio de meritis, as providências postuladas
pelo Ministério Público são:
[...] 1.1) realizarem, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do deferimento
do pedido liminar, por responsável técnico habilitado, acompanhado de
Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), Plano de Recuperação de Área
Degradada (PRAD), objetivando dentro do imóvel objeto da presente, a
recomposição das Áreas de Preservação Permanente (APP) situadas dentro do
imóvel localizado na Avenida Dom Luiz Orione, ao lado direito do Colégio Dom
Orione, Bairro Centro, no Município de Siderópolis, sendo sujeito a avaliação e
aprovação da Fundação do Meio Ambiente de Siderópolis (FAMSID);
1.2) implantarem o Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD)
referido no item 5.1 assim que aprovado o projeto pela Fundação do Meio
Ambiente de Siderópolis (FAMSID), não podendo a execução do projeto
ultrapassar 06 (seis) meses a partir da aprovação;
1.3) manterem as Áreas de Preservação Permanente (APP) isentas de
demais destruições, removendo qualquer tipo de resíduos depositado
indevidamente no leito dos cursos d'água e das nascentes se houver, adotando
o afastamento mínimo da margem dos cursos d'água em 30 (trinta) metros e
das nascentes em 50 (cinquenta) metros acaso existente, conforme
estabelecido pela Legislação Federal, com a consequente recuperação do
remanescente;
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13. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
Gabinete Desembargador Luiz Fernando Boller
1.4) colocarem 2 (duas) placas nas principais vias de acesso ao terreno,
metragem 4X2 metros, anunciando o ajuizamento desta Ação Civil Pública, o
objeto e o número desta ação;
1.5) seja oficiado ao 2º Ofício de Registro de Imóveis de Criciúma,
objetivando a averbação sobre a existência da presente Demanda na matrícula
n. 6.895;
1.6) seja fixada multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para
o caso de descumprimento de cada um dos itens da decisão liminar, sem
prejuízo de outras medidas judiciais para o efetivo prático da determinação
judicial, bem como as sanções criminais cabíveis dos infratores; [...] (fls. 11/12).
O pedido merece acolhida, mas com algumas ressalvas.
O cronograma estipulado é aceitável.
A colocação de placas no terreno faz sentido, pois possibilita que a
população, através de denúncias, também participe do processo de defesa
daquele bioma, tornando-a auxiliar na defesa da natureza.
A averbação acerca da existência da subjacente Ação Civil Pública
Ambiental impede que, no futuro, algum promissário comprador alegue aquela
máxima sobre o desconhecimento dos problemas ambientais existentes no
imóvel.
A ordem para abstenção de intervenção no domínio, em um recuo
de 30 (trinta) metros do leito do curso hídrico, não impede que os órgãos
ambientais definam outro critério.
Até porque não há notícia de que Biff-Administradora de Bens Ltda.
e M.M.-Rosso Supermercado Ltda. pretendam construir de imediato.
Também o tópico sobre o recuo não foi debatido a fundo na origem.
A multa diária vai fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), até o
limite dos valores compatíveis com o custo para demolição e recuperação
ambiental da área.
Dessarte, conheço apenas em parte do recurso, dando-lhe
provimento, determinando que Biff-Administradora de Bens Ltda. e M.M.-Rosso
Supermercado Ltda. solidariamente realizem, no prazo máximo de 30 (trinta)
dias, (1) o PRAD-Plano de Recuperação de Área Degradada, por responsável
técnico habilitado, objetivando a demolição e recomposição da canalização do
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14. Agravo de Instrumento n. 8000094-70.2017.8.24.0000
Gabinete Desembargador Luiz Fernando Boller
Rio Albino, sujeito à avaliação e aprovação pela FAMSID-Fundação do Meio
Ambiente de Siderópolis, com a subsequente execução do estudo, que não
deverá ultrapassar 6 (seis) meses a partir da aprovação; (2) abstenham-se de
promover qualquer nova alteração no leito do curso d'água, ou depredação do
bioma existente na faixa de até 30 (trinta) metros das margens do canal, salvo
autorização do poder público para intervenção em patamares menores; (3) fixem
2 (duas) placas informativas nas principais vias de acesso à área, medindo 4x2
(quatro por dois) metros, anunciando o ajuizamento da presente Ação Civil
Pública Ambiental, o objeto e o número da demanda; (4) a expedição de Ofício
ao 2º Cartório de Registro de Imóveis de Criciúma, para averbação da Ação Civil
Pública Ambiental na Matrícula nº 6.895, tudo sob pena de multa diária de R$
5.000,00 (cinco mil reais), até o limite dos valores compatíveis com o custo para
demolição e recuperação ambiental da área.
É como penso. É como voto.
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