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Adão Ventura
Dados biográficos
Adão Ventura Ferreira dos Reis nasceu em Santo Antônio do Itambé, antigo
distrito do Serro-MG, no ano de 1946. Diplomou-se em Direito pela Universidade
Federal de Minas Gerais em 1971. Neste mesmo ano, publicou seu primeiro livro
Abrir-se de um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul, obra de grande
repercussão no meio literário por se tratar de um poema em prosa, marcado pelo
fantástico, o que levou muitos críticos a classificá-lo como texto surrealista. Em
1972, recebeu o Prêmio Cidade de Belo Horizonte. No ano seguinte, foi convidado
pela University of New Mexico para lecionar Literatura Brasileira Contemporânea.
No mesmo ano, participou do Congresso de Escritores Internacionais
(International Writing Program) promovido pelo Departamento de Letras da
University of Iowa.
Escreveu cinco livros de poesia, dentre eles o de maior destaque foi A cor
da pele, de 1980, por se tratar de poemas que têm como tema as experiências e
visões de mundo do homem negro brasileiro. Sobre este texto Silviano Santiago
publicou um ensaio definitivo em Vale quanto pesa, no qual reconhece o valor
poético e social da produção literária de Adão Ventura. Um dos poemas – “Negro
Forro” – foi selecionado por Ítalo Moriconi para integrar a antologia Os cem
melhores poemas do século.
Adão Ventura fundou, juntamente com Afonso Ávila e outros escritores o
Suplemento Literário de Minas Gerais. Seus poemas constam em diversas
antologias, tanto brasileiras quanto internacionais. Foi roteirista e participante do
filme “Chapada do Norte” (1979). Na década de 90, atuou como Juiz Classista,
tendo também presidido a Fundação Palmares. Faleceu prematuramente em
2004, deixando vários escritos inéditos.
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A consciência da negritude
Maria do Rosário Alves Pereira*
A produção literária de Adão Ventura pode ser dividida em três fases. Em
1971, publicou seu primeiro livro, Abrir-se de um abutre ou mesmo depois de
deduzir dele o azul. Essa primeira etapa de sua obra trabalha mais o plano do
significante, apresentando um refinamento lingüístico e poético que por vezes
chega ao hermetismo.
De 1978 a 1981, há uma certa abertura na poesia de Adão, o que poderia
configurar uma segunda fase em sua obra. Seus livros principais nessa etapa são
Jequitinhonha (poemas do vale), de 1980, e A cor da pele, publicado no mesmo
ano. O primeiro é marcado pelo resgate da cultura mineira em uma tentativa de
valorização dos elementos populares. Já o segundo configura a construção de
uma poesia negra que foge à folclorização e a um apelo cultural vigente no
imaginário coletivo, marcado por estereótipos; é a busca de uma identidade não
mais construída sob uma perspectiva do branco, mas, ao contrário, é o ponto de
vista interno de quem conhece e vivencia os estigmas da pele e contra eles se
rebela. A linguagem caracteriza-se pelo abandono do excesso de metáforas dos
primeiros textos e busca uma comunicação mais fácil e direta com o leitor. Um
livro que, de uma certa forma, complementa o sentido de A cor da pele, publicado
em 1992, é Texturaafro. Nessa obra, a temática predominante ainda é o negro e a
questão identitária que perpassa o volume anterior.
A terceira fase, marcada pela publicação de Litanias de cão (2002),
procura trabalhar uma perspectiva política e social referente não apenas ao negro,
mas à problemática social brasileira num sentido mais amplo.
A cor da pele é composto por três partes que se complementam e que
podem ser lidas separadamente ou em conjunto, como um grande poema
narrativo. No livro 1, Das biografias, o título já assinala para um caráter pessoal
que aparecerá nos poemas, porém pode assinalar também para uma “biografia
geral do negro”, pois a condição da negritude que permeia o eu enunciador
desses textos pode ser aplicada não apenas a um único indivíduo (a voz central
do texto ou mesmo o autor), mas a todo um grupo social localizado no mesmo
contexto sócio-histórico-cultural. O primeiro poema já exemplifica isso:
Um
em negro
teceram-me a pele.
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enormes correntes amarraram-me ao tronco
de uma nova África.
carrego comigo
a sombra de longos muros
tentando impedir
que meus pés
cheguem ao final
dos caminhos.
mas o meu sangue
está cada vez mais forte,
tão forte quanto as imensas pedras
que os meus avós carregaram
para edificar os palácios dos reis.
(A cor da pele)
O eu-lírico que se anuncia em primeira pessoa almeja uma ruptura com os
valores brancos em busca de uma nova ordem simbólica. As correntes e muros
que aparecem no texto são signos emblemáticos do aprisionamento: remetem à
submissão e ao preconceito histórico vivenciado pelos negros. É esse preconceito
que os amarra a um destino fatalista, impedindo-os de serem considerados
cidadãos.
Em outros poemas, como “Eu, pássaro-preto”, o termo preto,
tradicionalmente concebido com uma carga negativa, assume uma nova
significação, pois passa a ser significar motivo de orgulho, manifestação de força e
resistência:
eu,
pássaro preto,
cicatrizo queimaduras de ferro em brasa,
fecho corpo de escravo fugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.
(A cor da pele)
Pássaro preto remete a ave que ficava no alto das palmeiras à porta dos
quilombos e avisava sobre a aproximação de alguém estranho, mas remete
também à metáfora do negro em busca de sua liberdade. O signo é ressignificado,
pois o território cultural a que ele pertence não é o mesmo território do branco, no
qual assume uma carga semântica negativa. Ao contrário, a simbologia aqui é de
resistência, pois o pássaro preto fecha o corpo, e de proteção (monto guarda na
porta dos quilombos). Emblemático também é o ferro em brasa que aparece no
poema: utilizado para ferir e marcar (ou melhor, estigmatizar) os negros, esse
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instrumento simboliza sua subjugação. No entanto, o pássaro preto cicatriza as
queimaduras provocadas.
Em seu livro Texturaafro, publicado em 1992, “Adão Ventura continua
praticando um poema de textura seca, implícita, sem derramamentos”, utilizando
as palavras de Duílio Gomes nos fragmentos críticos que aparecem no final da
obra. O livro parece manter o mesmo tom e temática já expressos em A cor da
pele. É dividido em quatro partes, nas quais os assuntos são mais ou menos
definidos: na primeira, aparecem poemas abordando a questão de uma
descendência comum aos afro-brasileiros, uma raiz cultural que os mantém
interligados; na segunda, as figuras emblemáticas da resistência e do orgulho
negro, como Chico-Rei e Zumbi, são exaltadas; na terceira parte, o autor
problematiza a condição de indigência em que ainda vivem muitos negros: a
favela, por exemplo, seria a nova senzala do século XX. Na última parte do livro,
aparecem as figuras familiares ao poeta: pais e avós se tornam material poético.
De qualquer modo, a situação histórica de opressão do indivíduo negro é
constantemente retratada ao longo da obra, a exemplo de Comensais, que
aparece na parte I do livro:
A minha pele negra
servida em fatias
em luxuosas mesas de jacarandá
a senhores de punhos rendados
há 500 anos.
(Texturaafro)
A história do Brasil é permeada pela exclusão dos afro-descendentes e sua
submissão aos “senhores de punhos rendados” que estão no controle do sistema
econômico, político e social do país há 500 anos. É o negro que, com a
exploração de sua força de trabalho, ajuda a alimentar o sistema vigente, mas
nem por isso tem sua cidadania assegurada de forma plena.
De acordo com o que foi exposto, pode-se afirmar que Adão Ventura foi um
dos autores que contribuiu de modo relevante para a consolidação de um sistema
literário afro-descendente. Em seus poemas, o eu-lírico que se enuncia assume
um posicionamento próprio, único, de um indivíduo que tem consciência da
negritude e, mais ainda, admite e valoriza sua identidade. O passado histórico é
ponto de partida para reflexões e, ao mesmo tempo, para o resgate e valorização
de uma ancestralidade negra. Retomando as palavras de Cuti, “hoje é amanhã e
ontem, dentro e fora do ser humano” (Cadernos Negros 4, 1981, p. 27). Por isso
esse passado é, também, elo com um presente em que ainda persistem velhas
correntes do aprisionamento, mas que, ao mesmo tempo, aponta para um futuro
em que a conscientização fará diferença.
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*Mestranda em Literatura Brasileira pela UFMG
Referências Bibliográficas
BERND, Zilá. Em torno da literatura negra brasileira. In: Boletim Bibliográfico da
Biblioteca Mário de Andrade. São Paulo: v.49, 1988.
BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense, 1988.
CUTI, Luiz Silva. “Lembrança das lições”. In: Cadernos Negros 4. São Paulo:
Edição dos Autores, 1981.
IANNI, Octavio. Literatura e consciência. In: Revista do Instituto de Estudos
Brasileiros. Ed. comemorativa do Centenário da Abolição da Escravatura. São
Paulo: USP, n° 28, 1988.
SANTOS, Jussara. Afrodicções: identidade e auteridade na construção poética de
três escritores negros brasileiros. Dissertação de mestrado. Pontifícia
Universidade Católica. Belo Horizonte: 1998.
VENTURA, Adão. Abrir-se de um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul.
Belo Horizonte: Ed Oficina,1970.
_______ . A Cor da pele. Belo Horizonte: Edições do Autor, 1980.
_______ . Jequitinhonha (poemas do vale). Belo Horizonte: Coordenadoria de
Cultura do Estado de Minas Gerais,1980.
_______. Textura Afro. Belo Horizonte: Editora Lê, 1992.
_______ . Litanias de cão. Belo Horizonte: Edições do Autor, 2002.
Bibliografia do autor
Obra individual
Abrir-se de um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul. Belo Horizonte: Ed
Oficina,1970.
As musculaturas do arco do triunfo. Belo Horizonte: Ed. Comunicações, 1976.
Jequitinhonha (poemas do vale).Belo Horizonte: Coordenadoria de cultura do
Estado de Minas Gerais,1980.
A Cor da pele. Belo Horizonte: Edições do Autor, 1980.
Pó-de-mico de macaco de circo. Belo Horizonte: Edição do autor, 1985. ( literatura
infantil)
Textura Afro. Belo Horizonte: Ed. Lê, 1992.
Litanias de cão. Belo Horizonte: Edições do Autor, 2002.
Antologias
Antologia poética. Belo Horizonte: Editora Interlivros de Minas Gerais, 1976.
Cem poemas Brasileiros. São Paulo: Ed. Vertente, 1980.
Momentos de Minas. Coletânea de textos. Vários autores. São Paulo: Ática.
CAMARGO, Oswaldo de (org.). A razão da chama – antologia de poetas negros
brasileiros. São Paulo: GRD, 1986.
COLINA, Paulo (Org.) AXÉ – Antologia de Poesia Negra Brasileira. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
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MORICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores poemas do século. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001.
Publicações no exterior
Modern Poetry in Translations 19-20 ( Uma Antologia de Poetas dos séculos XIX e
XX). Edições do International Writing Program – University of IOWA, Iowa city,
USA, 1973.
Revista Nova (1) – (Antologia de Poetas do Mundo Hisapano-Americano. Portugal,
1975.
Schwarze poesie. Poesia Negra Antologia (17 poetas negros). Edition Diá.
Alemanha, 1988.
Fontes de consulta
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Suplemento Literário de Minas Gerais, 800, p.3-4, jan.1982.
ALVES, Guilherme L. A cor da pele. Belo Horizonte, Suplemento Literário de
Minas Gerais, 743 , p.8, 1980.
ALVES, Guilherme L. Adão: uma aventura da cor da pele. Belo Horizonte,
Suplemento Literário de Minas Gerais, 813, p.8, 1982.
BARRETO, Lázaro. Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul.
Belo Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais, 197, p.7, jun.1970.
BRANCO, Wilson Castelo. A cor da pele. Belo Horizonte, Suplemento Literário de
Minas Gerais , 736, p.3, nov. 1980.
CHAMA, Fred Castro. A questão do duplo. Belo Horizonte, Suplemento Literário
de Minas Gerais , 813,p.9,1982.
FILHO,Campomizzi. Ventura e Desventura. Belo Horizonte, Suplemento Literário
de Minas Gerais, 233,p.7, fev. 1971
LACERDA, Dayse. O arco do Adão. Belo Horizonte, Suplemento Literário de
Minas Gerais, 598, p.4, 1978.
MACIEL, Luiz Carlos Junqueira. A cor da pele/ Juca mulato. Belo Horizonte,
Suplemento Literário de Minas Gerais, p.6-7, 1983.
REIS, Edgar Pereira dos. Abrir-se de um abutre ou mesmo depois de deduzir dele
o azul. Belo Horizonte, Suplemento Literário de Minas Gerais,197, p.7, junho 1970.
SALLES, Fritz Teixeira de. O dono da metáfora. Belo Horizonte: Suplemento
Literário de Minas Gerais, 231, p.7, 1971.
SOUZA, Ângela Leite de. A cor da pele. Belo Horizonte: Suplemento Literário de
Minas Gerais, 816, p.2, 1982.
SANTIAGO, Silviano. A cor da pele. In Vale quanto pesa: ensaios sobre questões
político-sociais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
SANTOS, Carlos Alberto dos. Aspectos estilísticos dos poemas de A cor da pele.
Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense. Niterói,1994.
SANTOS, Jussara. Afrodicções: identidade e alteridade na construção poética de
três escritores negros brasileiros. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
Universidade Católica. Belo Horizonte, 1998.
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Links do autor
www.tanto.com.br/AdaoVentura.htm
www.brazilianmusic.com/aabc/literature/palmares/adao.html
www.secrel.com.br/jpoesia/adao.html
www.portalafro.com.br/adao.htm
Textos selecionados
Um
em negro
teceram-me a pele.
enormes correntes
amarraram-me ao tronco
de uma Nova África.
carrego comigo
a sombra de longos muros
tentando impedir
que meus pés
cheguem ao final
dos caminhos.
mas o meu sangue
está cada vez mais forte,
tão forte quanto as imensas pedras
que os meus avós carregaram
para edificar os palácios dos reis.
(In: A cor da pele. 5 ed. 1988)
Dois
de pés no chão
palmilhei duros eitos
movidos a chuva e sol.
de pés no chão
atravessei frios ghetos
de duras cicatrizes.
de pés no chão,
Teodoro, meu avô
envelheceu mansamente
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as suas mãos escravas.
(In: A cor da pele. 5 ed. 1988)
Eu, Pássaro Preto
eu,
pássaro-preto,
cicatrizo
queimaduras de ferro em brasa,
fecho o corpo de escravo fugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.
(In: A cor da pele. 5 ed. 1988)
Negro Forro
minha carta de alforria
não me deu fazendas,
nem dinheiro no banco,
nem bigodes retorcidos.
minha carta de alforria
costurou meus passos
aos corredores da noite
de minha pele.
(In: A cor da pele. 5 ed. 1988)
Por que
Jesus Cristo
é sempre branco?
– e os negros?
– e os índios?
– e os amarelos?
– e os chicanos
do Estado do Novo México?
– e os cafusos
de Santo Antônio do Itambé?
(In: A cor da pele. 5 ed. 1988)
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Papai-Moçambique
papai-moçambique
– viola e sapateio
– desafio de versos
fogosos.
papai-moçambique
senta pé na fogueira
&
de um salto
pára o olho
no ar
banzando saudades
d’outras Áfricas.
(In: A cor da pele. 5 ed. 1988)