Nunca se esteve tão perto da unificação do género humano, nem nunca aquela foi tão necessária; basta manter a globalização e enterrar o capitalismo. É urgente ir criando uma Weltanschauung, uma cosmovisão que enquadre as estratégias e as táticas adequadas.
União dos Povos da Europa ou o nacionalismo à solta
1. grazia.tanta@gmail.com 30/09/2016 1
União dos Povos da Europa ou o nacionalismo à solta (1
)
Nunca se esteve tão perto da unificação do género
humano, nem nunca aquela foi tão necessária; basta
manter a globalização e enterrar o capitalismo. É
urgente ir criando uma Weltanschauung, uma
cosmovisão que enquadre as estratégias e as táticas
adequadas.
1 - A globalização tornou obsoletos os estados-nação
A globalização e as novas tecnologias unificam gradualmente os povos, facilitam trocas
culturais, criam novas entidades e retiram a relevância à grande maioria dos estados-
nação, erigidos a partir do século XVII através de guerras que consolidaram nos
respetivos territórios burguesias nacionais ciosas do controlo das suas populações e
intratáveis para quem lhes disputasse a respetiva coutada de força de trabalho. Do
mesmo modo que os senhores feudais procuravam manter direitos sobre os seus
servos ou os donos de escravos procuravam assegurar a posse tranquila daqueles.
No quadro da evolução histórica dos sistemas produtivos importava ao capitalismo
aumentar a produtividade reduzindo os custos da submissão da força de trabalho. Para
que esse controlo ficasse aceite ou facilitado – e com menor recurso à coerção -
utilizaram a escola e o serviço militar para incutir essa coisa historicamente recente, do
patriotismo, da exclusão e desconfiança face ao Outro; embora, como nós próprios, o
Outro seja de carne e osso, desejando igualmente, a satisfação das mesmas
necessidades – paz, pão, liberdade, habitação, saúde, educação e ainda, a pulsão de
amar e ser amado.
Hoje, a produção de bens e serviços, através das tecnologias de informação e
comunicação tornou-se global, segmentada, distribuída por vários locais, colaborativa
e constituída por redes de micro-decisões, tornando desnecessária a função do
capitalista, bem como essa construção do capitalismo chamada estado-nação.
Após as transformações decorridas nos últimos cinquenta anos, contam-se pelos dedos
os estados-nação, com uma soberania significativa. Mesmo nesses poucos casos, a
globalização tornou-os muito vulneráveis a mudanças ocorridas quer dentro, quer fora
dos seus espaços nacionais, promotoras, por sua vez, de desigualdades e hierarquias
1
Este texto conclui um conjunto de cinco documentos. Os anteriores são os seguintes :
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/04/centro-e-periferias-na-europa-dinamica.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/06/centro-e-periferias-na-europa-2.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/06/centro-e-periferias-3-portugal-uma.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/08/o-projeto-ue-desvalorizacao-interna-o.html
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interiormente ou no exterior, com os problemas imensos decorrentes dessa
multifacetada interação.
Urge construir uma Humanidade solidária, como matriz de trocas materiais e culturais,
consolidar a unificação dos povos, o processo histórico da globalização, o
aproveitamento do conhecimento para o bem-estar coletivo. Para isso é essencial
mandar pela borda fora o capitalismo e os seus agentes económicos, políticos e
ideológicos.
2 – A tríade que atualmente domina
O poder das multinacionais, das suas redes de negócio2
erguidas com grande
dinâmica, destruiu fronteiras e vêm diluindo os estados-nação em organizações feitas à
sua medida, ainda que formalmente sejam plurinacionais – FMI, OMC. OCDE, ASEAN,
TTP e, porventura o TTIP ou o CETA... Entre elas, no caso dos europeus, merece um
relevo particular, a UE com a sua burocracia, claramente dominada por lobbies3,
gerando em conjunto de fórmulas criativas e antidemocráticas de gestão política,
erigindo monstruosos aparelhos de manipulação mediática e de coerção dos povos.
Por outro lado, o sistema financeiro, igualmente globalizado, vem condicionando
através do crédito e da dívida, os estados pequenos e médios ou, os que detêm
menores indicadores de riqueza ou maior fragilidade política; Utiliza para o efeito as
classes políticas respetivas que, para manterem os seus quinhões no saque, transferem
os custos dessa pressão para a população, mormente trabalhadores, desempregados,
pensionistas e pobres em geral, inviabilizando também pequenas e médias empresas
que, para acompanharem a lógica da competitividade ficam entaladas entre a pressão
do crédito e a punção fiscal, ambas sempre em crescimento.
2
Num total de umas 65000 com 850000 filiais, as suas trocas internas representam 1/3 do comércio
mundial e as suas 500 maiores têm receitas equiparadas a 48% do IB mundial
3
… 1700 lobbies protagonizados por 30000 representantes que acampam em Bruxelas para definir o que
convém ser aprovado, oferecendo em troca luvas de € 120 milhões. (fonte)
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Em paralelo, existe uma economia do crime que, alicerçada em tráficos vários, burlas,
fugas fiscais e corrupção, possibilita elevadas taxas de rendabilidade; o que a torna
muito atrativa. É o sistema financeiro que, transforma esses capitais “sujos”, através dos
conhecidos offshores, em “investimento” na economia dita real, mormente no
imobiliário, na hotelaria e na especulação bolsista que, tanto pode elevar, como baixar,
o valor de mercado de títulos de dívida pública e das grandes empresas, fundos e
entidades financeiras, seguindo as volúveis opiniões das empresas de rating.
3 - Alguns instrumentos ideológicos de domínio
Em consonância, multinacionais e capital financeiro montaram uma ideologia de
consumo que potencia a distância entre as aquisições e as reais necessidades
individuais, favorecendo o endividamento que envolve as pessoas numa ânsia demente
de comprometimento do futuro para acompanhar a onda de consumo do momento; o
que é tanto mais insano quanto, estruturalmente, a precariedade e a incerteza na vida
se acentuam. A mesma volúpia é gerada pela ideologia do empreendedorismo e da
competição que mantém as empresas pequenas e médias com elevada dependência
do asfixiante financiamento bancário e cujos custos transferem, tanto quanto possível,
para os seus trabalhadores, precarizados, mal pagos e reprimidos. Replicando, portanto
a lógica neoliberal.
A fixação na acumulação de capital faz parte do código genético do capitalismo e, mais
concretamente, conduz à acumulação da riqueza numa escassa minoria de seres
humanos; a sua irracionalidade pode observar-se sob vários ângulos. Produz uma
rápida e descuidada deterioração das condições de vida no planeta; as políticas de
precarização do trabalho e de baixo salário reduzem as capacidades de consumo da
grande maioria e traduzem-se num baixo crescimento do sacrossanto PIB (imagine-
se!); promove um endividamento global, impagável, cujo volume é o triplo do PIB
global; foca-se nos lucros obtidos na esfera financeira a que chamam “investimento”; e
inclui habilidades estatísticas criativas como a consideração dos gastos militares como
investimento ou a inclusão dum cálculo das receitas da prostituição para que o PIB
possa crescer nos dados do Eurostat e ainda, a recente anomalia irlandesa referida pelo
seu próprio governo4.
No contexto ideológico consolidou-se um discurso que se traduz na perpetuação da
situação de crise para justificar uma austeridade sem fim, em paralelo com uma
optimista e constante afirmação da sua próxima superação – um suplício que faz
lembrar Tântalo. Para isso, joga um papel essencial o pensamento único, expresso nos
4
O caso da Irlanda, nos últimos anos oferece exemplos paradigmáticos. Em 2010 o país aceitou o plano de
austeridade da troika para suprir um deficit público de 32% do PIB resultante da nacionalização de bancos
falidos. Em 2015 o PIB irlandês cresceu 26.3% sem que a população tenha enriquecido com isso. A razão é
que sendo a taxa de IRC de 12.5%, várias multinacionais deslocaram para a Irlanda as suas sedes e aí
contabilizaram os seus lucros; uma situação que justifica também a enorme capitação do rendimento no
Luxemburgo ou as “exportações” do offshore da Madeira.
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grandes meios de comunicação, mormente as cadeias de televisão, através de
comentadores, propagandistas próximos da classe política, contratados pelos grupos
económicos que controlam os media.
4 - Os aparelhos de estado resumem-se ao exercício da punção fiscal e da
violência
Se, do ponto de vista económico, o capitalismo no seu formato neoliberal se traduz em
concorrência, especulação, capitalização, financiarização, precarização, predação
ambiental, no que diz respeito à política, o controlo dos governos e a domesticação e
aliciamento das classes políticas nacionais pelo grande capital mantém-se, como
constante e central, tal como no velho modelo keynesiano. Recorde-se que em
capitalismo de estado, a gestão do capital pretende-se unificada com as funções
políticas, ambas geridas por uma mesma e hermética seita, o partido.
Os estados-nação continuam como executores da punção fiscal, protagonizam
kafkianas burocracias para controlar a população e procedem à hierarquização dos
benefícios a distribuir pelos vários estratos do capital – com o argumento de virem a
favorecer o investimento que, contudo, se mantém sistematicamente baixo. Mantêm
também o grau de violência adequado à continuidade do sistema, devassando dados
dos titulares dos rendimentos do trabalho, distinguindo as várias posturas para o
funcionamento do aparelho de justiça, severo e arrogante com os pobres, arrastado e
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complacente quanto aos ricos. Assegurando o constante reforço da integração entre os
aparelhos militar e policial, em nome da luta contra o terrorismo, a al-Qaeda, o ISIS, os
traficantes de imigrantes, consoante o momento e a latitude e, onde também não
faltará a desapiedada repressão de qualquer contestação social, como se vem
observando em França, conduzida por um “socialista”.
Resta acrescentar que o âmbito nacional é a sede principal dos exercícios de folclore
eleitoral que pretendem legitimar uma paródia de democracia que, na realidade exclui
a grande maioria da população, confinada nos espaços Inter-eleitorais a assistir ao
circo dos debates televisivos e a verificar que a cada medida tomada pelo governo
corresponde uma promessa não cumprida; sempre em nome da crise. Quanto à
democracia no contexto das instituições da UE o mais lisonjeiro que se pode dizer é
que não existe, a despeito de um ignorado e inócuo Parlamento Europeu, onde
centenas de actores se arrastam, pagos a peso de ouro.
5 – Boas razões para a construção de alternativas
Através da competição e da precarização das vidas dos apontados como constituindo
99% da Humanidade, mantêm-se as medonhas dificuldades na satisfação do essencial
na vida de cada um, a despeito das capacidades que o planeta tem de, com as
tecnologias atuais, manter uma vida decente para 12000 M de pessoas. Por outro lado,
o capitalismo tem avançado muito mais na predação e na destruição do planeta do
que na produção ou aplicação de tecnologias; o que sucede desde que haja quem
trabalhe por um preço de tal modo baixo que permita evitar a utilização de bens de
capital e conhecimento.
Às ameaças que pesam sobre a Humanidade a nível ambiental, derivadas da demente
delapidação dos recursos do planeta, devem juntar-se as resultantes da colocação de
grande parte dos seres humanos num género de quarentena, sem trabalho, com
parcos meios de subsistência, vítima de conflitos militares, banditismo e coerção
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estatal. A toda essa gente acrescentem-se os idosos, considerados desnecessários pelo
capitalismo, elementos tidos como custo sem os adequados proveitos, cuja anulação
importa considerar; mesmo que os seus rendimentos funcionem como apoios a filhos e
netos, alijando de responsabilidades o “estado social”.
A Humanidade, no seu conjunto, representa para o capitalismo enormes quantidades
de excedentários, uma vez que a acumulação de capital-dinheiro através da
financiarização e da especulação prescinde de grandes massas de assalariados que
para mais… estão atingindo longevidades alargadas5
. Por outro lado, se a Humanidade
dispõe de tecnologias e saberes imensos que permitem a satisfação das suas
necessidades, a existência de capitalistas e classes políticas, vem mantendo uma
utilização egoísta e distorcida desses saberes, a seu favor e de cujos benefícios são
afastados milhares de milhões de pessoas.
Neste quadro, as alternativas são dicotómicas.
A multidão de seres humanos constrói um quadro unificado e solidário de ideias,
práticas de luta e de libertação que causem dificuldades inultrapassáveis para o
capitalismo, suas classes políticas, seus estados e aparelhos repressivos;
Ou assistir-se-á ao arrastar da atual deriva do capitalismo, aos conflitos entre
blocos de estados-nação, ao recrudescimento do fascismo, a práticas de
genocídio, cujo diversificado impacto poderá extinguir a vida humana na Terra.
6 - Do romantismo nacionalista ao fascismo
Contrariamente ao que aconteceu em outras épocas de crise do capitalismo, é débil e
5
Tornou-se moda, os neoliberais adoptarem o factor de sustentabilidade nos sistemas de segurança
social, com o argumento absolutamente falso de que os trabalhadores, com a maior longevidade, não
terão acumulado em descontos o suficiente para uma pensão decente até à morte. Nesse contexto,
aumentam a idade e outras condições para o início da aposentação. Em Portugal esse factor de
sustentabilidade foi criado em 2005 pelo actual ministro Vieira da Silva então acolitado por Pedro
Marques, promovido recentemente a ministro.
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fragmentada a contestação e não é visível ou tomado como credível para a
esmagadora maioria, um conjunto de ideias de superação do capitalismo de hoje,
neoliberal, para a passagem a um outro modelo de organização coletiva, democrático,
que se foque na satisfação das necessidades humanas, na sua enorme diversidade.
Não havendo perspetivas claras e, menos ainda, risonhas, face ao futuro, muita gente –
por pânico ou romantismo - encara como viáveis, soluções de retorno ao passado, seja
com o regresso aos estados-nação “soberanos” sob regime capitalista de recorte
keynesiano ou “socialista”, seja com a criação de pequenas comunidades inspiradas na
Icaria. Há ainda a considerar aqueles que se pretendem alcandorar ao poder, “renovar”
o capitalismo, rebobinar democracias orgânicas (vulgo, oligarquias), com a replicação
de fórmulas identitárias, excludentes, mais ou menos fascistas, inspiradas nas
assustadoras derivas dos anos 30 do século passado.
7 – A base social do nacionalismo e do fascismo
No referido caldo de culturas importa-nos, particularmente, aprofundar o conteúdo
social dessas derivas nacionalistas ou fascistas, pelo perigo que representam e pelas
formas como se apresentam:
Socialmente, estribam-se em pequenos e médios empresários – para além dos
trabalhadores “promovidos” a empresários em nome individual - sobretudo se
dependentes do mercado interno, em evidente retração, espremidos entre a
penetração do grande capital transnacional e a asfixia financeira vinda da banca.
Imaginam ganhar a sua segurança, a sua viabilidade, no regresso ao mundo
fechado do velho estado nacional, com o regresso a uma banca indígena, à relação
pessoal com o gerente do banco lá da terra, à proteção e apoio do seu estado, do
cacique partidário local, na manutenção de uma mão-de-obra barata e mansa;
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O segmento social anterior encontra compreensão e algum apoio em setores da
população desapossada - sub-representada por sindicatos burocratizados,
fragilizados pelo neoliberalismo, tornados verdadeiras direções-gerais do estado -
vítimas do desemprego, do trabalho intermitente e mal pago, com insegurança no
capítulo da saúde, da educação e na reforma, recorrentemente acusados de
insustentáveis por representantes do patronato ou membros da classe política. Em
muitos casos, projetam como causas do seu mal-estar os imigrantes, essas vítimas
maiores do capitalismo, sacrificados com o abandono das suas terras de origem,
submetidos a uma dupla exploração por essa condição, sobretudo se são “ilegais”
ou refugiados; e pior ainda, se tiverem uma tez menos pálida ou uma religião
“perigosa”.
A própria universidade, para além da produção em série dos típicos quadros do
neoliberalismo, também gera porta-vozes do mesmo romantismo de defesa de um
capitalismo renacionalizado que aguardam ser reconhecidos para a gestão de um
aparelho de estado amigo do povo (?); normalmente colocam-se no seio ou nas
margens dos partidos tradicionais da esquerda, alguns dos quais receberam
recentemente a ridícula etiqueta de “esquerda radical”;
Neste conjunto de gente domina a sensibilidade comum a versões encantadas,
míticas, da História pátria, contada às crianças – em regra, a única versão que
conhecem – com príncipes valentes, batalhas ganhas, conquistas com a ajuda
divina, com o povo a que pertencem a apresentar elevadas caraterísticas coletivas,
construídas para a diferenciação necessária à justificação dos mitos nacionalistas.
Assim, são conhecidas novas ou menos novas formações políticas de direita, que vão
infestando a Europa, como o Front Nationale francês, o Fidesz húngaro, o PiS polaco, o
AfD alemão, o Partido da Liberdade do Wilders (Holanda), o FPO austríaco, o UKIP
inglês, os Democratas Suecos, o Partido dos Finlandeses, o DFP dinamarquês, a Aliança
Nacional na Letónia, o Povo da Liberdade ou a Lega Nord ou ainda o Movimento
Cinque Stelle na Itália, a Aurora Dourada grega …sem que se tenha aqui esgotado a
listagem.
É uma realidade bem conhecida que a direita clássica goste de regimes ditatoriais ou
musculados, da lei e da ordem, da “natural” hierarquia entre dominantes e dominados,
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rejeitando o Outro, do lado de fora da fronteira ou não oriundo do povo eleito a que
acha pertencer. Poderá parecer estranho que na chamada esquerda, o nacionalismo
tenha adeptos. Mas não é.
8 - Origens do nacionalismo de “esquerda”
Marx e Engels tinham grande carinho pelos estados-nação, desprezando os povos sem
estado e, como alemães, encaravam a Rússia czarista e os eslavos com particular
repúdio. Engels apoiou a guerra dos EUA para a conquista da Califórnia aos “mandriões
mexicanos”, como um avanço civilizacional… Dentro dessa perspetiva “civilizacional”
apoiaram também a independência do Texas às mãos dos esclavagistas, contra o
México que já havia abolido a escravatura em 1829, com um avanço de 34 anos face
aos EUA. Estas posições que privilegiavam a intervenção no âmbito da geopolítica, com
o envolvimento nas disputas entre as potências, chocaram-se no seio da I Internacional
(AIT) com as teses de Bakunin que privilegiava a luta autónoma dos trabalhadores e
dos povos, em detrimento das disputas entre oligarquias nacionais.
Marx foi um profundo analista do capitalismo como sistema económico mas,
politicamente foi menos brilhante. Assim, só cerca de um mês depois de instaurada a
Comuna de Paris, Marx deixou de defender uma aliança franco-alemã contra a… Rússia,
apoiando então a insurreição popular parisiense. Essa dualidade tem-se mantido no
código genético de partidos que se dizem de esquerda e pessoas que, mal informadas,
os tomam como tal.
Depois da Revolução de Outubro, a opção pelo “socialismo num só país” selou essa
tradição nacionalista de várias formas. Uma, com a pressão – com efeitos desastrosos –
para o desencadear das revoluções na Alemanha e na Hungria e, mais tarde, com a
submissão dos partidos comunistas (nacionais, como se sabe) aos interesses
estratégicos da URSS, do seu poder despótico, para a construção de um capitalismo de
estado, onde, entretanto haviam sido liquidados os sovietes e esmagados os
revolucionários em Kronstadt ou na Ucrânia, empenhados numa revolução social.
Em Portugal, esta fixação na prevalência da nação continua hoje presente na
escolástica da “esquerda”, através da “política patriótica de esquerda”, sucessora da
“revolução democrática e nacional” inscrita no “Rumo à Vitória” (1965) de Cunhal;
política já então tão nacionalista que o PCP aconselhava os seus militantes a
participarem na guerra colonial contra os movimentos de libertação! Hoje, essa mesma
“esquerda” fala nos problemas do país, como se as dificuldades resultantes do
capitalismo fossem sentidas de igual modo por todos os habitantes do país6
; como se
6
http://economico.sapo.pt/noticias/portugal-cria-10000-novos-milionarios-por-ano_203714.html
http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/visto_por_dentro/elisabete_miranda/detalhe/as_1000_familias_qu
e_mandam_nisto_tudo_e_nao_pagam_impostos.html
http://economico.sapo.pt/noticias/portugueses-transferem-784-milhoes-para-offshores_248216.html
(dados da Autoridade Tributaria referentes a …2009)
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não houvessem dois países, no terreno. Uma vez mais é a preferência pela participação
no jogo institucional em prejuízo da organização autónoma dos excluídos daquele.
Fonte: La desigualdad de la renta durante la crisis - J. Ignacio Conde Ruiz / Ignacio Marra
Com vocabulário semelhante, surgem alguns pequenos grupos políticos dominados
pelo delírio nacionalista que recusam observar a evolução do capitalismo nos últimos
50 anos e admitem a existência de uma burguesia nacional capaz de alicerçar uma
banca nacional, desde que servida por uma política patriótica, entrincheirada atrás das
fronteiras que …as transnacionais e os capitais continuariam a atravessar sem
dificuldades, sem olhar para a cor da bandeira.
9 - Do nacionalismo ao fascismo vai o passo de um anão
O nacionalismo, hoje, em tempos de domínio global do capital financeiro e das
multinacionais, é sobretudo uma forma de dividir as pessoas, umas contra as outras, de
lhes incutir uma lógica desajustada no tempo; eles, os tais 1%, procuram manter como
capitalista a globalização, encarada como instrumento útil para o funcionamento do
sacrossanto mercado, através de psicopatias como concorrência, competitividade ou
empreendedorismo. Essas psicopatias tendem a responsabilizar individualmente, a
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hierarquizar, a menosprezar as lógicas de ajuda mútua, de colaboração e de
solidariedade, embora estas sejam tão antigas como a espécie humana; assim, a
individualização nacional, a focagem na identificação patriótica, a segmentação entre
nós e os outros é aproveitada pelos gestores do capitalismo, as classes políticas, para
exacerbar rivalidades e falsas diferenciações. Em seu benefício, está bem de ver.
Nacionalismo é sempre fonte de exclusões sociais, discriminando ou vitimando
emigrantes, refugiados, os chamados “sem-papéis”, colocando todos estes como
ameaças para os estratos mais pobres, mais mal pagos, menos qualificados da
população nativa; como se observou na votação do Brexit. Um bom nacionalista
prefere sempre um capitalista nacional a um trabalhador vindo de outras latitudes; e
como estado-dependente (não há anarquismo nacionalista) resvala facilmente para o
apoio aos “seus” capitalistas contra os trabalhadores locais cujas reivindicações possam
prejudicar a “economia nacional”7
. Há uma escada que quando se começa a descer
acaba em violência e desastre; no primeiro degrau está o nacionalismo, logo a seguir o
patriotismo, a xenofobia, desembocando na viscosidade pútrida do fascismo. Perante
um nacionalista, tenham toda a atenção; no momento conveniente, torna-se fascista.
Contrariamente ao que muitos possam pensar, não há nacionalismo progressista; ou
então, só muito transitoriamente isso acontece, seguindo-se-lhe uma rápida
degenerescência. Os movimentos de libertação das colónias portugueses beneficiaram
de imenso apoio e simpatia pelo mundo e tornaram-se gangs de malfeitores, depois
de chegados ao poder, como no caso da bem conhecida mafia governamental
angolana. Os vietnamitas combateram com enorme coragem o invasor norte-
americano, seus serviçais e aliados; entretanto, os seus chefes tornaram-se gestores de
trabalho barato para as multinacionais. O domínio dos aparelhos de estado sempre foi
fonte de mordomias e de legalização do roubo em benefício de limitados grupos de
pretensos iluminados, ao mesmo tempo que é uma excelente alavanca para a exclusão
e a pobreza da grande maioria; e alcançar esse domínio, mesmo que após luta
encarniçada contra um ocupante, não molesta as estruturas do capitalismo se não
destruir o aparelho de estado.
Os nacionalistas, os xenófobos, os fascistas estão todos do mesmo lado. Precisam de
fronteiras guardadas aproveitando-se hipocritamente do contrabando ou da
humilhação dos imigrantes; comovem-se com a bandeira a adejar, com hinos
guerreiros a evocar fantasias passadas, com militares a desfilar em paradas
carnavalescas; sonham com bancos com coutadas nacionais, impossíveis num sistema
financeiro global e querem moedas nacionais para a populaça… desde que lhes seja
dado o privilégio de aceder a moeda forte, se chegados ao poder.
7
Quem tiver vivido ou estudado o PREC em Portugal (1974/75) saberá como os sindicatos afetos ao PCP
combateram – incluindo com agressões - greves e reivindicações, apontadas como fazendo “o jogo da
reação”.
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10 - Os tempos estão difíceis. A saída é estreita e única
Os tempos que vivemos são difíceis. O combate ao capitalismo neoliberal e às suas
instituições não poderá significar apoio ao modelo keynesiano, inaplicável e
inconveniente, uma vez que mantém o papel do estado como gestor último do
capitalismo; como agente que acciona a matraca da polícia, as multas e as coimas que
enfeitam a punção fiscal, os benefícios a grandes capitalistas e investidores externos.
Nesse sentido, a luta dos povos contra a globalização capitalista, excludente e
genocida não poderá incorporar as derivas nacionalistas ou fascistas no seu seio. Um
falso inimigo do nosso principal inimigo não é certamente, nosso amigo.
Esse repúdio estende-se totalmente às oligarquias corruptas que pululam entre
Bruxelas, Frankfurt e Estrasburgo ou às classes políticas nacionais em ligação
essencialmente harmoniosa com aquelas, no seu comum papel de funcionários do
poder financeiro global e das multinacionais, como é bem exemplificado por Juncker,
Barroso ou Draghi. Toda essa plutocracia, no poder em toda a Europa, revela
facilmente, com mais visibilidade, o seu caráter perante grande parte da multidão,
porque são os executores das malfeitorias que afligem os povos.
Ora, a diversidade de nacionalistas e keynesianos também critica aquelas oligarquias,
ainda que de uma forma limitada ou incoerente. Por exemplo,
criticam a austeridade mas colocam a dívida que a alimenta, num plano
secundário, em termos aceitáveis para os governos neoliberais;
defendem o crescimento do PIB mas são quase silenciosos sobre a redistribuição
do rendimento;
defendem o reforço do estado e nacionalizações mas, não põem em causa o
capitalismo;
ficam contentes com a criação de postos de trabalho, mesmo que com menor
paga que os extintos, sem contestar o poder dos capitalistas;
perseguem o pleno emprego, tomando o salariato como regra, a subordinação
laboral como obrigação e objetivo de vida e, por consequência, o capitalismo
como um dado adquirido;
defendem uma segurança social pública mas não referem a sua descapitalização
sistémica em benefício do patronato;
aceitam o modelo de representação vigente, focado em partidos, nunca referindo
que democracia é cada pessoa poder eleger e ser eleito, sem intermediações.
E muito mais questões se poderiam levantar para traçar o quadro colaboracionista face
ao capitalismo, na sua versão neoliberal, por parte de nacionalistas e/ou keynesianos
Os povos da Europa, pelo sofrimento que uma História de guerras lhes causou, pelo
enorme caldo de culturas que incluem, pelas infraestruturas que construíram, pelo
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elevado grau de conhecimentos que possuem, têm todas as razões para gerar formas
de convivência, pacíficas e solidárias, sem extorsões de ordem financeira ou estatais,
sem estados-nação, nem as hierarquias políticas mafiosas a conspurcar essa
convivência. Referimos aqui um artigo de um dos mais renomados sociólogos de hoje
– Manuel Castells – que exprime claramente o que nos importa construir.
Assim, defende-se uma Europa dos povos, dentro destes parâmetros gerais:
O objetivo central das sociedades é a satisfação das necessidades coletivas e não
essa medida vaga, falsificada e ambientalmente nociva que é o crescimento do PIB,
adotada como mandamento nas universidades, por neoliberais e keynesianos;
O objetivo das unidades de produção de bens ou serviços é a satisfação dessas
necessidades humanas no contexto de um planeta sustentável, objetivos esses
inseridos em preferências locais, regionais, nacionais, globais, consoante a natureza
e a complexidade dos produtos e serviços, reduzindo-se assim a imensa sobrecarga
ambiental e o custo energético dos sistemas logísticos e de transportes.
O modelo de gestão dessas unidades não poderá basear-se no poder oriundo da
propriedade capitalista mas, na propriedade coletiva, sob a forma de auto-gestão
pelos seus trabalhadores em articulação com a comunidade em que se inserem;
Um sistema financeiro vocacionado para a captação de poupanças e sua
participação em investimentos em empreendimentos de caráter social,
infraestrutural, económico e cultural, com o banimento das atividades especulativas
e predatórias que hoje dominam o mundo da finança.
Aproveitamento cabal das capacidades técnicas disponíveis para melhoria da
produtividade e redução do tempo de trabalho, acompanhado da extinção de
funções burocráticas, estupidificantes, militares ou securitárias, com a sua
substituição por tempos de lazer, de gestão de afetos, dedicação ao desporto, às
artes e à cultura em geral;
A decisão no âmbito da satisfação das necessidades coletivas é tomada,
prioritariamente, ao nível local, regional... pelos seus habitantes (erigir uma escola
básica é claramente uma decisão local mas, um hospital envolve a população de
uma região e um aeroporto, uma área ainda mais dilatada). Isto constitui uma total
inversão do princípio da subsidiariedade definido no Tratado da UE8
.
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“O nº 1 do artº 4 refere que “as competências que não sejam atribuídas à União nos Tratados pertencem
aos Estados-Membros” e o nº3 do artº 5º remete para o nível comunitário, em temas que não sejam de
sua exclusiva competência, os casos em que os objetivos das ações “não possam ser suficientemente
alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central, como ao nível regional e local…”. Nesse
contexto são os parlamentos nacionais os zeladores do princípio da subsidiariedade a nível interno, “de
acordo com o processo previsto no referido Protocolo”, depois de a UE ter definido as suas áreas de
decisão.
Este princípio apresenta uma formulação distorcida, inserida numa acepção vertical, de cima para baixo,
como demarcação do terreno entre o mandarinato comunitário, cada vez com mais instâncias a seu cargo
– Comissão Europeia, Parlamento Europeu, Presidente do Conselho Europeu, a Alta Representante da
União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, BCE, Banco Europeu de Investimentos,
14. grazia.tanta@gmail.com 30/09/2016 14
As decisões deverão ser tomadas democraticamente pelos seus beneficiários, na
base de discussão coletiva; quando haja a necessidade de representação, o
representante será eleito com um mandato preciso – no conteúdo e/ou no tempo -
e responderá perante os que o escolheram que, a qualquer momento lhe poderão
retirar o mandato;
Eliminação de fronteiras, com liberdade de circulação para todos os seres humanos,
ausência de classes políticas, desmilitarização e abandono da participação em
instâncias militares.
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
Eurogrupo, Comité das Regiões, Comité Económico e Social, Tribunal de Contas Europeu, Tribunal de
Justiça da UE, entre outras menores – deixando-se às classes políticas nacionais a estruturação das
hierarquias entre poderes nacionais, regionais e locais, sempre numa lógica senhorial, de outorga, de
benevolente mercê, de cima para baixo. Um sistema político antidemocrático, em suma, que as direitas
montaram, com a naturalidade inerente às suas concepções autoritárias e que as esquerdas institucionais
aceitam, displicentes pois as suas concepções da política são igualmente baseadas na autoridade e no
privilégio.
O princípio da subsidiariedade como entendido no Tratado da União Europeia é exatamente o oposto de
quaisquer entendimentos e práticas democráticas.” (fonte)