2110 - As últimas eleições autárquicas. Detalhe de um campeonato (2)
O Estado e a mediação política
1. Grazia.tanta@gmail.com 10/9/2020 1
O Estado e a mediação política
- o funcionamento de uma sociedade de controlo -
1 - O modelo social-democrata
2 - Partidos, sindicatos e associações patronais
(((((((((( + ))))))))))
1 - O modelo social-democrata
A atribuição a cada pessoa de uma caraterização individualizada, tipo mónada, na
construção da paz social-democrata do pós-guerra, foi acompanhada da
construção de enormes aparelhos de Estado; um, militar na sequência da guerra
mas, também um administrativo, vocacionado para reconstruir o tecido produtivo
e as suas relações económicas internas mas também uma forte intervenção na
área social, com a criação da Segurança Social, por exemplo, desenvolvida por
Beveridge, na sequência de Bismark, décadas atrás.
Pretendia-se um posicionamento entre pessoas isoladas, atomizadas, por um
lado e, um poderoso aparelho de Estado como seu representante único, por
outro; como único era, também, para a população, um estado-nação, como
referência ancorada numa narrativa histórica, mais ou menos falsificada, à medida
das conveniências das camadas possidentes. A própria designação de estado-
nação revela a fusão entre duas entidades únicas e inquestionáveis impostas aos
indígenas de um território – o Estado - como aparelho, gestor supremo de uma
realidade, a Nação, mesmo quando nesse território se encontrassem várias
nações, com as suas tradições e culturas específicas.
Naturalmente, o Estado teria de encontrar estruturas de enquadramento das
pessoas singulares e, as Igrejas que no passado haviam desempenhado quase em
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monopólio essa função, perderam a sua atração, no contexto de sociedades
laicizadas, como consequência da própria lógica materialista da acumulação de
capital; e, com a salvação das almas como preocupação, remetida aos mais
crentes.
Assim, foi criado um modelo dito democrático através do relevo político e
institucional atribuído a três estruturas, tidas como de enquadramento da
população – os partidos, os sindicatos e as associações patronais. Os seus
interesses, naturalmente, não são coincidentes mas, objeto de uma confeção
última ou tornada unitária por decisão do Estado, através da chancela do
governo. Essas estruturas, sendo dominantes e mais mediatizadas, não
representam toda a sociedade; por exemplo, as hierarquias militares, os credos
religiosos dominantes, o sistema financeiro, os grandes capitalistas, o capital
estrangeiro, certas embaixadas, o mundo do futebol… contribuem para o
preenchimento da matriz de relações que envolvem o Estado. Mas, relacionam-se
com aquele de modo menos formal ou menos mediatizado, quando não sem
qualquer notoriedade pública.
Esse modelo – que se chamou social-democrata – pretendia e pretende a
harmonização entre as partes, através de uma cúpula decisória que mediatize a
unidade política e a conciliação dos interesses económicos e sociais. Uma
aplicação prática foi definida por Cunhal, em Portugal, no princípio dos anos 60,
como a “unidade dos portugueses honrados” - um conceito moralista e pouco…
marxista - que deixava de fora os grandes grupos económicos e financeiros da
época que naturalmente, tratavam dos seus interesses diretamente com o
governo se, não mesmo com Salazar1
. Hoje, também não consta que a EDP, a
Galp, a Volkswagen, a Lone Star ou o sistema financeiro vejam os seus interesses
tratados em sede da Concertação Social mas antes, em instância mais elevada e
1
Salazar recebia a visita frequente de Gulbenkian, mantendo ambos laços de amizade. E, sendo ambos,
francamente forretas, Gulbenkian nas suas visitas comprava ovos à D. Maria que geria uma capoeira em S. Bento.
Este testemunho foi prestado por Fernando Dacosta num programa de rádio há alguns anos.
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mais discreta, como um ministro ou um primeiro-ministro. Uma maior e
determinante inserção de um pequeno e pouco influente país no plano global,
tende, de facto, a tornar a Concertação Social como uma montra para pequenas e
médias empresas, para dar voz, direito a mediatização formal, a estruturas
esvaziadas como os sindicatos e as associações patronais.
No âmbito de uma concertação social – tomada como algo mais abrangente
politicamente do que a figura institucional com o mesmo nome, o papel do
governo será a gestão do aparelho de Estado de modo a harmonizar aqueles
interesses políticos e sociais, acompanhar as discussões no âmbito das instâncias
internacionais, mormente no seio da UE - independentemente do que os lobbies
instalados em Bruxelas possam conseguir – lutar por fundos comunitários,
discutir os níveis do deficit e do endividamento público, etc.
2 - Partidos, sindicatos e associações patronais
Voltando atrás, ao modelo social-democrata, o enquadramento da população
faz-se através dos partidos, dos sindicatos e das associações patronais.
Os partidos tendem a ser estruturas fechadas, oligárquicas, autoritárias, onde a
hierarquia é pesada e a democracia apenas propaganda para o exterior; algo que
não preocupa outras estruturas oligárquicas, como as empresas, o aparelho de
Estado ou as estruturas religiosas. No seu seio desenvolvem-se lutas intestinas
para cargos internos, como por nomeações para instituições que detenham
poder e/ou permitam desvios de fundos, remunerações interessantes, subsídios
estatais ou autárquicos e despachos constituintes de direitos; ou, simplesmente
uma maior notoriedade pública, como degraus conducentes a futuros cargos. As
nomeações de quadros partidários para órgãos do poder são uma via habitual de
promoção a um patamar superior quanto a remunerações legais ou ilegais; neste
ponto, note-se que referir corrupção é sinónimo de envolvimento de quadros
partidários, obviamente, com maior incidência dos pertencentes aos partidos do
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poder – em Portugal o PS/PSD. E daí, lutas intestinas acerbas num quadro muito
concorrencial dentro de cada partido, como no seio da oligarquia que constitui o
sistema partidário.
Como são, de facto, estruturas do Estado, aos partidos são-lhes atribuídos
fundos, mordomias e, a garantia de que as decisões políticas lhes competem
mesmo que a sua representatividade real seja bastante baixa. Como os sistemas
políticos, historicamente, são oligárquicos, é norma a vigência de modelos de
representação em que só os membros dos partidos ou, tolerados pelas suas
autocráticas chefias, se podem candidatar a uma representação. Assim, as
eleições, de facto, nada têm de democráticas; os candidatos que se apresentam
são escolhidos diretamente pelos diretórios partidários e, os seus mandatos não
podem ser revogados por quem neles votou; até porque as votações são em
listas partidárias, sem possibilidade de escolhas individualizadas, na maior parte
dos países. As castas partidárias tornam-se, pela relativa estabilidade da sua
presença em órgãos estatais – por via de eleições ou não – como pelas suas
mordomias e direitos especiais, uma verdadeira nobreza; replicam a vida política
dos séculos XVIII e XIX, constituindo, por rejeição aristocrática, uma nova classe
de sans-coulotes mais pacificados e embrutecidos do que os seus antepassados.
São estas castas nobres, hierarquizadas entre si, que ocupam todas as situações
de representação e tomam todas as decisões no âmbito dos governos –
nacionais, regionais e autárquicos; que ocupam o Tribunal Constitucional, as altas
esferas da administração pública, das empresas públicas e ainda a inútil figura de
Presidente da República. Tudo isso, devidamente selado numa Constituição, tão
sacralizada como incumprida, na proporção dos detalhes ridículos que lá se
encontram e que a torna uma das mais compridas do mundo. E que, nunca
cumpriu os nobres intuitos do seu preâmbulo colocando Portugal com uma
população forçada a emigrar, correspondente a 18.8% dos residentes, contra
apenas 3.7% no estado espanhol.
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O modelo de representação nas democracias de mercado exclui, liminarmente,
quem não pertença a partidos e exige que uma candidatura seja incluída sob a
sigla de um partido, com o aval da sua chefia, em regra, com poderes muito
marcados para o efeito. O nº 2 do artº 10º da Constituição refere que “os
partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade
popular”. E, de facto, fora de um partido, ninguém se pode candidatar a
deputado à AR, pelo que ninguém ali pode ser apontado como representante de
ninguém. Por outro lado, as circunscrições eleitorais para a AR baseiam-se nos
distritos – que não existem – tal como as regiões administrativas que os deveriam
ter substituído (artº 291º da CRP), o que também não aconteceu. Passados… 44
anos…
O realismo oportunista dos partidos ditos de direita tende a fundir-se com o dos
partidos referidos como de esquerda; todos, em confortável acomodação a uma
bipolarização bolorenta, num plano alargado de social-democracia, destinada a
manter ad aeternum a mansidão da plebe e que esta continue, a aceitar a
precariedade como norma de vida.
Neste contexto, sedimentado e putrefacto de democracia, o modelo de
representação vigente é um dado adquirido que se não discute. Vigora a ideia de
que o povo é enganado mas não sabe que o é ou, que não quer saber, mais
preocupado com a hipótese de despedimento, de encontrar algo que permita um
regular (mesmo baixo) salário, com o pagamento das prestações da habitação, do
carro e de um telemóvel repleto de inutilidades, sendo as mais dispensáveis a de
um geolocalizador do seu portador e a da serialização de pessoas, seus dados e
opiniões.
Gera-se assim um ambiente de alienação, em que tudo o que está à superfície é
falso, precário, insatisfatório, um mau teatro; tal como acontece com o dominante
sistema financeiro que acresce os seus ativos, sabendo que nada representam
que não a crença no seu crescimento infinito. A vida em capitalismo atulha-se de
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um virtual chamado à realidade pelo atual coronavírus sabendo-se que o seu
sucessor virá dentro de pouco tempo.
Os sindicatos, na sua origem, integravam os processos reivindicativos próprios de
uma conjuntura económica e política, na procura da valorização profissional e
salarial dos seus membros. Como se vulgarizou a sua ligação a partidos políticos,
daí surgiu a integração dos processos reivindicativos nos calendários políticos e
eleitorais, a cargo de funcionários sindicais e, o surgimento de
trabalhadores/funcionários/quadros partidários em funções durante décadas e no
seio de pesadas burocracias.
A precarização acelerada das funções laborais, com regulares e alternados
períodos de trabalho e de desemprego foi integrada pelo Estado, como gestor de
subsídios de desemprego e da paz social, em favor do empresariato e do infinito
crescimento do PIB. Pretende-se uma paz social que atraia os investidores,
mormente estrangeiros, um desígnio comum ao Estado como às burocracias
sindicais; ambas necessitam de mais “crescimento”, de gerar mais emprego, para
a eternização do capitalismo e do trabalho assalariado, de preferência precário.
O Estado, ao gerir o desemprego e os rendimentos de substituição, assumiu
essas funções, coletivizando-as, integrando-as, como naturalidade, na ordem
capitalista, ao mesmo tempo que os sindicatos se tornaram instituições
burocráticas, geridas, de facto, por funcionários; ainda que de inscrição
voluntária, ao contrário de muitas ordens.
Mais recentemente, inflacionou-se o número de ordens, como um retorno a um
medievo corporativismo, de integração obrigatória, de controlo de profissionais
que, trabalhando ou não por conta de outrem, encontram ali uma supervisão
cara, exigente, favorecendo os instalados, deixando os iniciados ao sabor das
contingências do incontornável mercado. Algumas, apesar da designação de
ordem, não passam de associações na qual não há a obrigação de inscrição.
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No âmbito mais claramente político, as confederações sindicais, mesmo
enfraquecidas, com uma representatividade em queda, pela não sindicalização ou
pela criação de sindicatos autónomos integram, em regra, corporativivismos
grupais. A UGT – uma criatura inventada nos anos 70, paga em marcos alemães,
para rivalizar com a CGTP – visou a instituição de um “mercado” sindical que
conduziu à inclusão de ambas as centrais na Concertação Social. Esta, continua a
ser uma cortina mediática para a feira de favorecimentos ao patronato mais
rasteiro, com algumas concessões à representação dos trabalhadores por parte
do governo de turno. Na política é vulgar que algo tenha de mudar para que
tudo fique na mesma, depois de lavada a cara.
As associações patronais representadas na referida Concertação, têm como
mister, a indústria, o comércio e os serviços, a agricultura e o turismo, incluindo,
nomeadamente o vasto conjunto de pequenas e médias empresas que têm uma
caraterística, porventura única na Europa - a dos seus donos terem um perfil de
habilitações inferior ao dos trabalhadores que os servem.
Portugal -2017 (%)
Básico Secundário Superior
Trab. C/Outrem 43,7 28,6 27,7
Trab C/Própria 70,6 13,3 16,1
Patrões 56,4 23,5 20,1
Portugal – 2009
Trab. C/Outrem 62,3 19,6 18,1
Patrões 78,9 10,3 10,8
Espanha -2009
Trab. C/Outrem 39,0 24,3 36,8
Patrões 48,1 22,9 29,0
Fonte - Península Ibérica em Números
%
d
a
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Dados sobre os países europeus relativos a 2016 - população empregada (%)
Básico Secundário Superior
Valores mais baixos Lituânia - 3,6
Espanha - 24,3
Portugal - 25,7
Roménia 20,5
Portugal - 26
Valores mais elevados
Portugal - 48,4
Espanha - 33,0
Eslováquia - 72,0
Chipre - 45,7
Espanha - 42,7
Employment and Unemployment Statistics, EU-Labour Force Survey (Eurostat)
É na Concertação que os governos, o poder de Estado, dialoga com o baixo
empresariato e as estruturas de enquadramento do trabalho. A relação dos
governos com as grandes empresas de capital estrangeiro presentes em Portugal
processa-se com uma grande discrição, fora da referida Concertação. No que se
refere ao sistema financeiro, quase todo ele dominado pelo capital estrangeiro,
depois da crise de 2013, a situação é de subserviência governamental, como se
tem visto no processo do “polinómio” – BES, Banco bom, Banco mau, Novo
Banco, Fundo de Resolução – onde o papel do Estado português é o de canalizar
fundos, antecipadamente dados como perdidos, oriundos da massa tributária
extorquida à população do país mais pobre da Europa Ocidental.
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