1) A globalização é um processo irreversível que se coaduna com a natureza humana de troca entre culturas.
2) O capitalismo global promoveu a formação de grandes instituições e empresas multinacionais que operam em rede a nível mundial.
3) Os nacionalismos e patriotismos são ideologias que servem para dividir os povos e trabalhadores, mas as nações continuam importantes para a gestão do sistema capitalista global.
2110 - As últimas eleições autárquicas. Detalhe de um campeonato (2)
A globalização e o patriotismo
1. A estupidez patriótica e a globalização (2)
Este texto constitui a conclusão de:
“O capitalismo predatório e a estupidez patriótica (1)”
divulgado recentemente
SUMÁRIO
3 – A globalização existe e não volta atrás
4 – Como ver claro, hoje, o patriotismo
5 - O nacionalismo é uma invenção interesseira. Notas heréticas sobre o
caso português
A estupidez patriótica e a globalização (2)
3 – A globalização existe e não volta atrás
O processo histórico da globalização acelerou-se brutalmente nas
últimas décadas e constitui uma “einbahnstrasse” (via de sentido único),
que se coaduna com a natureza humana, propensa à troca de bens,
experiências, culturas, de satisfazer a sua inata curiosidade, a sua avidez
pelo conhecimento. O pensamento progressista que considera o
trabalho como o elemento base da produção e os trabalhadores como
o agente de uma verdadeira transformação social sempre foi
internacionalista; sempre defendeu a unidade dos trabalhadores do
planeta, independentemente de culturas, credos e hábitos distintos.
Nas últimas décadas o capitalismo passou de uma fase de rivalidades
inter-imperialistas, na qual os povos eram enredados e tornados inimigos
uns dos outros, para uma fase imperial, baseada na efectiva unidade
das suas instituições, contra os povos, no seu plural conjunto.
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2. A sacrossanta e inelutável procura da maximização do lucro promoveu,
entre outros aspectos:
• Um núcleo poderosissimo de instituições de carácter mundial, as
multinacionais, o sistema financeiro e o capital mafioso que
enformam a realidade política, económica, social e ideológica
da Humanidade;
• A sua actuação processa-se numa lógica mundializada,
utilizando enormes e complexas redes logísticas para a troca de
mercadorias, onde circulam milhões de toneladas de matérias-
primas, bens semi-acabados, componentes, bens acabados; e,
ainda, pela utilização de plataformas técnicas para a troca
instantânea de informação;
• Nessa lógica, a produção é segmentada tecnicamente,
desintegrada e repartida por várias regiões, países ou continentes,
retirando aos trabalhadores poder para a reivindicação
localizada; a sua integração como processo global, gerador de
produto final, cabe também ao capitalista;
• Se a circulação de consumidores (turistas) é liberalizada e
encorajada, a de trabalhadores está muito longe de obedecer
ao mesmo padrão, pois a aposta nas diferenças salariais e
laborais justifica a existência de barreiras (fronteiras) e o
consequente embaratecimento relativo do preço do trabalho;
• O processo técnico, mais complexo pela incessante incorporação
de tecnologias, promove fortes crescimentos da produtividade e,
tal só tem sido possível com um aumento assinalável das
qualificações dos trabalhadores; contudo, isso é antagónico com
o nivelamento por baixo das remunerações e conduz ao
aumento das desigualdades na repartição dos rendimentos;
• Esse processo técnico é acompanhado pela extensão da gama
de competências a repartir por muitos trabalhadores, pela
desmaterialização da informação conducente à decisão; e,
portanto, caracteriza-se pelo carácter colectivo e integrado, em
rede, do processo de decisão;
• Perante a capacidade colectiva dos trabalhadores para
assegurar todo o processo de produção e as decisões que lhe
são inerentes, é contra-natura que a integração da produção
continue a depender do capitalista; os conjuntos de
trabalhadores, pelo domínio efectivo do processo produtivo
tornam tecnicamente inútil a existência dos patrões, dos
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3. capitalistas, estando aberto o caminho para a coletivização dos
meios de produção e para a autogestão (1);
• A financiarização dos objectivos das empresas, a sua
dependência dos bancos e da especulação, constitui uma forma
de criação de riqueza monetária a que não corresponde criação
de riqueza pelo trabalho. Por outro lado, tornou trivial a existência
de desmantelamentos de empresas, desemprego, quebras
salariais, trabalho não pago, precariedade, a mercantilização da
própria vida humana; a sua gula arrasta mesmo países de grande
dimensão para a ruina.
• Politicamente, a ideologia neoliberal é assumida na prática por
partidos inseridos no próprio aparelho de estado, manipuladores
de sistemas de organização política anti-democráticos ou
formalmente democráticos e em ligação promíscua com grupos
de media; estes, com um papel fundamental na promoção da
ideologia conveniente para a continuidade do sistema
capitalista;
• Um agravamento brutal da pegada ecológica resultante da
ideologia de crescimento infinito fomentado por um consumismo
tornado insaciável pela máquina publicitária e que gera
desequilíbrios em toda a cadeia da vida no planeta, activada
pela interferência de grandes empresas farmacêuticas, “traders”
de bens alimentares e monopolistas de sementes;
• A gestão capitalista necessita de uma dinâmica constante de
concorrência entre entidades regionais, nacionais e
internacionais e das desigualdades daí resultantes, promovendo
miséria, migrações e guerras;
A gestão do capital exige a construção de grandes espaços territóriais,
onde as mercadorias e os capitais circulem sem entraves e daí a
existência de instituições globais, sob a forma internacional (FMI,
OMC…) ou supranacionais (UE, NAFTA, NATO. BCE…) para a
regulamentação ou desregulamentação da actuação dos capitalistas.
Porém, as nações continuam a ser importantes para a gestão global do
sistema, como forma de segmentação, divisão e acantonamento dos
povos e dos trabalhadores; e como base material para o fomento de
uma ideologia adequada à manutenção dessas divisões – o
nacionalismo e o patriotismo, bastas vezes condimentados com
factores religiosos, étnicos ou culturais. E as estruturas nacionais do
poder político e económico convivem, hoje, bastante bem com a sua
inserção em estruturas supranacionais e a tutela parcelar de instituições
internacionais, no seio da hierarquia das nações.
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4. Pode dizer-se que o nacionalismo é a ideologia, elemento racional,
estruturante, que pretende distinguir e unificar um povo e o patriotismo
um elemento irracional, afectivo, o sentimento de pertença nacional,
sobretudo através dos seus símbolos externos, o rei/presidente, o hino e
a bandeira. O primeiro é um instrumento de política global, o segundo
um instrumento para arregimentar e arrebatar emocionalmente
multidões, em regra, tanto mais patrióticas quanto ignorantes; ambos
são, tendencialmente, excludentes do “outro”, do não nacional.
A nação foi inventada enquanto forma de organização social
associada a uma determinada matriz de relações económicas e,
portanto, traz inerente a necessidade de um regulador dessas relações
– o Estado - dentro de uma clara delimitação territórial de actuação,
onde lhe é atribuido o monopólio da emissão de leis e do poder
coercivo para a sua aplicação, através da utilização do pesado braço
dos tribunais, dos polícias e dos militares.
Essa imbrincação entre nação, matriz de relações económicas e
Estado, constituiu o triângulo de fundamentação do capitalismo e do
poder burguês, em antagonismo com territórios unificados em torno de
uma figura real com poder absoluto, acolitado por uma casta de
“landlords” que mantinha um controlo legal sobre as enormes massas
de camponeses miseráveis, tudo isso, característica dos tempos pré-
capitalistas. Esta mão de obra potencial, disponível, era absolutamente
necessária para as manufacturas capitalistas, para alimentar o
comércio colonial. Sem prejuizo das ideias democráticas de muitos
teóricos do século VXIII, a verdade é que a liberdade dos camponeses
face aos nobres e ao clero, com a sua transferência para cidades,
coincidia com um novo jugo, às mãos dos capitalistas.
• E a partir daí passou a considerar-se, num género de “fim da
História”, que os povos têm de estar organizados em nações,
havendo mesmo a ideia, nos finais do século XIX e princípios do
século XX, de que a cada povo deveria corresponder um Estado-
nação… desde que fosse em territórios de potências rivais. A
civilizada Inglaterra defendia o nascimento de nações em
territórios austro-húngaros e turcos mas, esmagava barbaramente
os irlandeses. E quanto aos povos colonizados, não lhes era
atribuida uma dignidade, para além da sua identificação como
tribos de selvagens.
• Dentro da mesma lógica de “fim da História” tomavam-se as
relações económicas capitalistas em consolidação como o
estado supremo da civilização, desde que vencido o arcaismo
feudal, o poder da nobreza e o obscurantismo religioso,
nomeadamente papista. E ainda hoje, mesmo que na sua
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5. putrefacta ordem neoliberal, o capitalismo e os seus beneficiários
e defensores – banqueiros, especuladores, patrões, mandarins,
plumitivos, militares e académicos – continuam a não querer
admitir os ventos de mudança para um novo paradigma de
organização económica baseada na propriedade colectiva, na
autogestão e na democracia direta.
• O terceiro elemento do triângulo atrás referido é o Estado e a
organização política que lhe é inerente. No século XVIII, os
burgueses e pequenos proprietários de terras consideravam como
ordem natural que o poder e a representação política afastasse
liminarmente escravos e proletários, considerados embrutecidos,
analfabetos e sem propriedade para gerir. Estavam também
afastadas as mulheres que no romantismo burguês deveriam ser
esposas amantíssimas, parideiras, fadas do lar e obedientes ao
marido; e já não seres sem alma, maculadas eternamente pelo
pecado original, embora muito úteis para o trabalho e para
fornicar, mesmo que a legitimidade do acto sexual estivesse
restrita à necessária reprodução humana.
Mais do que as questões da representação na gestão do Estado,
a questão essencial é, se será preciso um Estado, com
prerrogativas além e acima dos indivíduos, com toda a
experiência conhecida de apropriação privada por grupos
sectários e mafiosos, com um poder real superior ao das pessoas
não investidas do seu poder. Tendo o Estado vindo a assumir um
papel acrescido nas sociedades – Estados nacionais e
supranacionais – e a revelar contornos mais e mais anti-
democráticos e autoritários, cabe perguntar se é desejável a
instituição da utopia de Orwell. Tendo em conta que o Estado
moderno nasceu e tem vindo a crescer de forma asfixiante à
sombra, para proveito e, por necessidade do próprio capitalismo,
estando este a dar sobejas provas de incapacidade de proceder
ao bem-estar social e com um pendor fascizante e genocida, é
intuitiva a pergunta: o Estado moderno deverá ou poderá subsistir
à superação das nações e do capitalismo?
O primeiro caso de aplicação feliz da ligação entre nação, Estado e
capitalismo, no final do século XVIII, foi a criação dos EUA. Os colonos
americanos, em rota de colisão com a suserania inglesa, adoptaram
uma forma original de organização social desligada de um rei-chefe de
igreja e fundaram uma república; esta, por sua vez veio a gerar um
poder baseado numa nova aristocracia, a do dinheiro e regente de um
texto fundamental com uma imutabilidade quase bíblica. Essa
aristocracia soube inventar um sistema de representação duradouro
(dessa arristocracia), imutável como convém ao mundo dos negócios e
que acelerou um crescimento capitalista imparável que durou mais ou
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6. menos dois séculos. O recurso sistemático à guerra, em nome de um
“interesse nacional” que tem por detrás uma tara moralista de povo
eleito pelos deuses, é mesmo peça central do seu temporário sucesso.
Logo a seguir à independência americana deu-se a Revolução
Francesa, cuja radicalidade foi a matriz do subsequente
estabelecimento dos poderes burgueses na Europa e a base para a
própria superação dos últimos, com as ideias de emancipação das
classes laboriosas, de cariz anarquista ou marxista, de desapossamento
das burguesias e extirpação do capitalismo.
Os poderes das nações constituidas à imagem do modelo europeu ou
americano, a partir do século XVIII não podendo ocultar a história dos
povos, anteriormente à sua constituição como Estados-nação, tendem
a estabelecer uma continuidade entre os tempos passados e a
realidade posterior, para firmarem a sua legitimidade e justificarem a
aplicação dos rigores da lei na cabeça dos recalcitrantes.
No caso dos EUA, as tribos índias foram dizimadas e os sobreviventes
acantonados em reservas assistindo-se, muito posteriormente, a
tentativas de integração desse passado, dos restos das civilizações
índias, na história pátria, numa lógica de folclore para consumo turístico.
Em França, o apagamento do passado feudal e do domínio da nobreza
fez-se pela total reestruturação administrativa do território e eliminação
das designações regionais que se prendiam com esse passado. Em
contrapartida, elogia-se Vercingetorix e cria-se a ficção Asterix para
vincar a resistência dos antepassados ao invasor; ao mesmo tempo que
se tenta esquecer a falta de “patriotismo” do colaboracionista fascista
Pétain e seus apaniguados, com os nazis.
Na América Latina, as oligarquias de raiz europeia ou mestiças
ganharam as independências contra a Espanha, mantendo as
populações índias, muitas vezes maioritárias, marginalizadas ainda hoje,
como em Chiapas ou, como no caso do povo Mapuche. Porém, não
deixaram de reivindicar as grandezas aztecas, maias ou incas como
feitos nacionais, para justificar a sua unidade nacional em fronteiras
mais ou menos contingentes.
E, em África, porque aí as nações têm uma criação mais recente, os
casos evidentes da sua artificialidade sucedem-se em cada canto do
mapa. O Ghana foi buscar o nome a um Estado existente milhares de
quilómetros a noroeste, dez séculos atrás; a federação nigeriana liga os
restos do califado de Sokoto a norte, com os povos da floresta a sul; a
partição recente do Sudão apenas corrobora uma separação ancestral
entre os povos, unidos pela ocupação inglesa; e o Congo é
apresentado como um estado sem qualquer unidade para além de ser
herdeiro das terras confiadas, no final do século XIX, ao rei dos belgas.
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7. Os exemplos da artificialidade das estados-nação e dos seus
respectivos aparelhos bem como da sua inserção nos objectivos do
capital, hoje globalizado e só subsidiariamente nacional, poder-se-iam
prolongar. Mais adiante observar-se-á, muito sumariamente, o processo
de construção do Estado-nação português.
4 – Como ver claro, hoje, o patriotismo
Todo este conjunto de notas visa explicitar que o nacionalismo e, menos
ainda o patriotismo, não constituem uma inerência à espécie humana
mas, um elemento histórico relacionado com a formação social
específica, imanente às relações de produção capitalistas. E que
encontra no terreno, hoje, todas as condições materiais e objetivas para
o seu abandono, como atrás se resumiu.
A extirpação do capitalismo não pode ser levada a cabo
exclusivamente num só país. Não somente pelos perigos de
abastardamento como os que se verificaram na extinta União Soviética
(entre outros casos) mas, sobretudo, porque o capitalismo é um sistema
global, imperial e invasivo de todos os espaços territoriais, das relações
sociais e que conspurca mesmo a nossa forma de pensar e agir.
Hoje, as nações têm uma autonomia muito menor do que antes,
sobretudo se pequenas e pobres, com regimes pseudo-democráticos,
patronatos cúpidos e incapazes além de mandarinatos corruptos,
politica e materialmente. O que existe é uma densa articulação da
actividade dos trabalhadores de todos os países que promove uma
total interdependência entre todos.
Países pequenos como Portugal, há várias décadas num ciclo de
progressiva inserção numa rede alargada de estados, onde a decisão
está longe, dentro de um triângulo Londres-Berlim-Milão, não têm
dimensão humana e política para se livrarem, isolados, do aperto do
capital financeiro e da “troika”. E, não tendo dimensão, dificilmente
têm capacidade.
Essa pressão externa é gerida, intra-muros, pelo mandarinato, neste
momento aqui chefiado por Cavaco e pelo matraquilho PPC e, a
seguir, reencaminhada para incidir sobre a multidão, procurando-se
garantir as condições de sobrevivência para o patronato; embora se
saiba que há sectores, como o da construção civil, sobredimensionada
pela política de crédito fácil levada a cabo pelos bancos, durante
muitos anos, que terão de encolher e bastante. Dentro do cenário
paroquial há, pois uma luta entre o patronato que tenta passar as suas
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8. dificuldades para o mundo do trabalho e, a multidão, que procura
resistir, como pode, a esse assalto.
É óbvio, que essa resistência poderá ser muito maior do que a actual,
com esforços decisivos e generalizados de auto-organização, de redes
de activistas em articulação flexível, com ações de massa e de
desobediência civil, susceptível até, de arrancar da sua letargia, muitos
dos instalados à sombra da frondosa árvore da esquerda institucional e
dos sindicatos.
Uma forma de resistência interessante mas, limitada, é constituida pelas
formas de cooperação produtiva, nomeadamente na exploração
coletiva de hortas, formas defensivas de as pessoas conseguirem
alternativas às quebras de rendimento resultantes do desemprego e do
assalto fiscal, Como é evidente, do ponto de vista económico, essas
iniciativas não têm provocado grandes preocupações aos capitalistas e
aos seus capatazes governamentais. Politicamente, porém, essas
iniciativas são muito relevantes porque geram demonstrações práticas
de autogestão, de produção coletiva, da ausência de chefias ou de
diferenciações entre trabalhadores, provas cabais da inutilidade dos
patrões. São exemplos práticos de organização post-capitalista.
Se uns tarados mantêm armazenados em dois locais do planeta, as
únicas colónias de virus da varíola, o capitalismo terá de ficar apenas
nos livros de história, na memória, associado a roubo, sofrimentos e
guerra. Isso não se consegue sem esforço, sem sacrifício ou com
espíritos piedosos de complacência.
A insistência na tecla patriótica tem implícito que nós, trabalhadores,
precários, desempregados, pensionistas, temos de nos unir aos
capitalistas lusos contra os banqueiros anónimos que tanto podem ser
alemães, como americanos como portugueses. E, unidinhos aos nossos
compatriotas capitalistas, será que garantimos que eles não nos
despedem? Que não se vão furtar à entrega de parte do produto do
nosso trabalho à segurança social que paga a reforma dos nossos pais?
E temos a certeza que vão vender os carros de topo de gama para que
o IVA não suba nos bens essenciais que consumimos? E irão investir aqui
o que acumularam em “off-shores”, para criar postos de trabalho ou
irão antes, continuar a preferir utilizar esse dinheiro na especulação que,
até será contra os interesses do Estado português que os abastece com
os fundos da UE. Quem paga os estragos disto?
Ninguém acreditará nos exemplos que demos. No entanto, é esse o
conteúdo escondido na lógica dos sacrifícios para “todos”, do “temos
que produzir mais”, da ladainha patriótica, da não inclusão dos
assaltados em Portugal, no destino comum da multidão mundial; é um
discurso subliminar de dividir para reinar.
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9. Na realidade, produzir mais, hoje, não é à custa de mais emprego mas,
de aumento de trabalho, sobretudo não pago, para quem ainda o
tem. Falar de aumento da produção “nacional” hoje, sem alteração da
correlação de forças entre o trabalho e o capital é a aposta no modelo
social e no paradigma económico que conduziu parte substancial da
dos humanos ao desastre actual. É uma proposta conservadora, de
perpetuação do capitalismo, da sua revitalização. É proposta que
oculta que o mesmo Estado que impõe cortes nos salários e subsídio de
natal, que vai promover um mais fácil despedimento, que reduz as
deduções no IRS e aumenta os impostos garante, no primeiro minuto
após o corte do “rating” a bancos portugueses, apoiar, ajudar, financiá-
los.
É trágico demais para ser cómico. Alimenta o estado de passividade da
multidão em geral e evidencia as enormes responsabilidades dos
sindicatos e da esquerda “paralamentar” que se arvoram em
condutores omniscientes das massas populares no projeto de re-
fascização em curso. Qualquer restrição da luta ao quadro nacional é
uma forma de a conduzir a um beco sem saida que alimenta o
desalento e a desesperança.
Quando uma empresa ou um negócio tem dificuldades financeiras, os
seus proprietários têm na frente várias opções: encerram-na,
capitalizam-na com fundos prórios ou alheios ou, simplesmente venden-
na pelo melhor preço. Quando se trata de um banco, as relações de
subordinação dos mandarins aos banqueiros transferem o problema
para o Estado e, numa carambola, a tacada cai em cima da multidão,
absolutamente alheia às dificuldades dos usurários. O mandarinato é o
agente da excepção que transforma as dificuldades dos banqueiros
num problema “nacional”. Foi isso que aconteceu com o BPN, no qual a
intervenção do Estado, afastou de responsabilidades os pouco
recomendáveis donos da SLN.
Essa intervenção é mesmo o espelho dos mandarins portugueses e do
seu comportamento criminoso. A nacionalização foi feita para não
prejudicar todo o sistema bancário luso, como foi afirmado pelo
governo de Sócrates - por ordem dos principais banqueiros
acrescentamos nós - embora o peso do BPN seja escasso sector
bancário. Com ar pungente terão referido a necessidade de evitar o
desemprego de muitos trabalhadores. Depois de lá estarem enterrados
€ 4500 M do erário público, o governo reza para que um banco
angolano se digne dar uma esmola de € 70.6 M pelo BPN. E para
cúmulo, a célebre Moody’s qualifica como lixo vários bancos lusitanos,
decerto não por contágio da objectiva falência do BPN, conhecida há
três anos mas, por insuficiências próprias.
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10. E isso no mesmo dia em que um burocrata neoliberal com o chapéu de
ministro vem divulgar mais um assalto ao rendimento de grande parte
da população. Aqueles cuja situação não permite pagarem a
prestação da casa ao banco; que têm de escolher entre os
medicamentos e o prato da sopa podem pedir a Cavaco, Passos ou
Gaspar o mesmo pronto apoio financeiro do Estado? Claro que não,
uma vez que eles e os leitores não estão do mesmo lado, não estão
numa mesma “pátria”.
Mesmo numa lógica de sacrifício coletivo, de “todos”, seria defensável
que o esforço fosse proporcional ao rendimento de cada um e,
portanto, incluisse uma redistribuição da riqueza, sabendo-se que
Portugal tem uma sociedade das mais desiguais da Europa. Nada disso
vem acontecendo, bem pelo contrário.
Beneficiando da relativa apatia social, da ineficácia da esquerda
institucional e dos sindicatos, o capitalismo português, fiel intérprete do
catecismo neoliberal, transfere os custos do desequilíbrio financeiro do
Estado e dos bancos para os 95.1% da população com mais de 15 anos
que não vivem de juros, lucros ou rendas (2). Tudo isto revela que a
solidariedade nacional é uma ficção e que, contrariamente às leis do
mar, o capitão é o primeiro a abandonar o navio à deriva, depois de
pilhar os marinheiros.
Em termos práticos, é necessário encarar de modo claro e prioritário a
construção de uma rede de movimentos, articulados, com trocas de
experiências e ajuda mútua. O internacionalismo da multidão, dos
roubados e ofendidos, esquecido durante muitas décadas está na
ordem do dia e ressurge, claramente, nas movimentações e nos
protestos de massa que se vão verificando na Europa e não só. O
internacionalismo da multidão deve ser a resposta aos vários fora em
que se articulam os capitalistas, os seus estados e os seus partidos que
até utilizam o nome de “internacional socialista”, para um conjunto de
gangs mafiosos. Por outro lado, ideias elitistas e desligadas da multidão
como o Partido da Esquerda Europeia, não respondem minimamente
aos anseios dos povos agredidos pela deriva neoliberal do capitalismo,
que aliás, desconhecem a sua existência.
As maiores probabilidades de sucesso e de transformação social
sucederão no âmbito de ação coordenada entre a multidão dos países
da UE em processo de esmagamento pelo compressor neoliberal,
nomeadamente numa articulação entre todos os povos ibéricos.
Acreditamos mesmo que uma continuada articulação entre os povos
ibéricos seria suficiente para fazer desabar a máquina que abastece os
banqueiros à custa das dívidas soberanas.
Grazia.tanta@gmail.com 20/7/2011 10
11. 5 - O nacionalismo é uma invenção interesseira. Notas heréticas sobre o
caso português
Desde que se inventaram as nações, no século XVIII, foram criados,
como produtos simbióticos, o nacionalismo e o patriotismo. Este último
tem servido como um analgésico que se usa quando se tem dores e
que fica no armário quando se está de saúde; mas, como se sabe, o
analgésico visa esquecer os efeitos dos males e não a superação das
suas causas.
Na escola - e isso não é exclusivo da ocidental praia lusitana - procura-
se remontar o amor à pátria a tempos antigos. Como em todas as
nações procura-se, em Portugal, fundir numa continuidade inelutável a
organização social antes e depois da criação efectiva da nação,
quando o país deixou de ser a propriedade fundiária de uma família.
Esse contínuo pretende aplanar as diferenças entre territórios
pertencentes a um dignitário chamado rei, com poderes de os ceder
em alianças matrimoniais, ou mesmo através de venda, por um lado e
os Estados-nação, em que é atribuida uma nacionalidade aos
residentes, por outro.
Em Portugal, o poder inventou um Viriato para demonstrar que já havia
um forte sentido de independência, de identidade nacional, entre os
pastores da serra da Estrela, muitos séculos antes da revolta de um
adolescente contra a mãe, em meados do século XII. Curiosamente,
nesse intervalo de um milénio, nada consta de revoltas emancipalistas
contra os romanos, as monarquias sueva ou visigótica, como se não
conhece qualquer defesa encarniçada contra os infiéis sarracenos. Os
manuais escolares mais antigos quase nada referiam dos reinos
visigótico, suevo ou, menos ainda dos muçulmanos; estes só eram
sujeitos da História porque inimigos dos esforçados principes cristãos, no
âmbito de uma tal “reconquista”. Há uma tendência para o estudo
histórico das nações e, muito menos para a dos povos ou dos territórios
onde se alojaram as nações.
Em meados do século XII, os senhores feudais de Entre Douro e Minho
não gostavam da vassalagem a que eram obrigados perante os seus
congéneres galegos, por imposição do rei de Leão, suserano último de
ambos os grupos. Depois de muita luta e do reconhecimento papal
contra a entrega de ouro, constituiu-se o reino de Portugal, cuja
diferenciação face à Galiza era nula, exceptuando o conflito entre os
barões de ambos os lados do rio Minho. A posterior conquista dos
territórios a sul e que culminaram com a anexação do Algarve em
meados do século XIII e a integração de Lisboa como âncora de
defesa militar de Portugal, alicerçaram a existência da monarquia
portuguesa, para mais, sem uma nobreza tão poderosa como na
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12. Europa transpirenaica. Como é sabido, a fronteira entre Portugal e o
futuro estado espanhol não separa territórios geográfica, económica,
demográfica e sociológicamente distintos mesmo passados nove
séculos; constitui apenas uma demarcação resultante das lutas entre
senhorios da era medieval.
Na crise dinástica portuguesa de 1383/85, os terratenentes lusos
dividiram-se entre os legitimistas apoiantes da filha do rei Fernando e do
seu marido, o rei de Castela e os outros (a minoria) em aliança com os
comerciantes e artesãos de Lisboa, único local que, de facto contava,
em termos estratégicos para o expansionismo dos lordes de Castela.
Lisboa não resistiria ao cerco (1384) não fora a intervenção do general
Peste nas hostes castelhanas que, dizimadas, voltaram às suas terras. As
capacidades militares de Nuno Álvares Pereira em conquistar os
castelos dos aliados de Castela e o contingente de 600 experientes
soldados ingleses resolveram finalmente a questão sem qualquer clamor
patriótico por parte da imensa população que trabalhava nos campos,
indiferente a quem reinava em Lisboa, desde que os não
incomodassem com tributos e destruições guerreiras. É evidente que o
povo humilde nada terá beneficiado da recomposição da nobreza, da
redistribuição dos senhorios, da constituição de um grande potentado –
a casa de Bragança – e da tentacular Ordem de Cristo, ligada à
monarquia e que viria a financiar a expansão colonial no século XV.
Apenas haviam mudado as moscas e, temos cohecimento que, na raia
norte de Trás-os-Montes, as pessoas mudavam-se para um, ou outro
lado daquilo que para eles não era fronteira, sempre de acordo com o
volume dos tributos a pagar ou, se preferirem, com o zumbido das
moscas.
Em 1580, após uma nova crise dinástica a unificação ibérica aconteceu
porque Portugal foi herdado por Filipe II de Espanha, depois de jugulada
a fraca ameaça de um pretendente como António, o prior do Crato. A
sede do poder ser em Madrid ou Lisboa e a origem territorial do rei não
tirava o sono à maioria dos residentes em Portugal pelo que não se
assistiu a contestação nacionalista durante um periodo de sessenta
anos.
Em 1640, as dificuldades do império espanhol contra ingleses e
holandeses, faziam parte do seu declínio. Nesse contexto, as outras
casas dinásticas europeias assaltavam o património do rei de Espanha
onde se encontravam também as colónias portuguesas. O rei de
Espanha e de Portugal, com recursos insuficientes para fazer frente a
essas dificuldades desagradava particularmente às periféricas classes
possidentes portuguesas que entendiam poder manter as colónias se
estivessem fora da tutela da casa real espanhola. O aumento dos
impostos em Portugal, como produto dos problemas financeiros do
Estado (ou da coroa se se pretender) levantou a população no Porto e
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13. em Évora mas, isso tratou-se de uma luta económica aproveitada pela
nobreza e pela burguesia para obter apoio popular contra Espanha.
Segue-se um longo periodo baseado num claro protetorado inglês,
conveniente para a Inglaterra que assim mantinha dividida a Ibéria,
satisfazendo os seus interesses imperiais e, portanto sentia como
essencial a sobrevivência de uma monarquia subsidiária. O tratado de
Methuen sela essa subalternidade económica enquanto a coroa
desbaratava o ouro e os diamantes do Brasil em obras faustosas –
convento de Mafra e a igreja de S. Roque - contratava Domenico
Scarlatti para entreter o rei, enquanto o povo de Lisboa tinha de se
quotizar para a construção do aqueduto das Águas Livres para ter
água em abundância e qualidade.
É a Inglaterra que arrasta Portugal para as guerras napoleónicas e, é no
seguimento destas que se desenvolvem, na Península, as revoluções
burguesas para a instauração do liberalismo político e que se verificam
revoltas populares contra o roubo e a violência levada a cabo pelos
ocupantes franceses. Essas revoltas terão prolongamento nas décadas
seguintes, na primeira metade do século XIX, com o protagonismo
evidente das classes populares, como no caso da Patuleia, motivando
a intervenção militar inglesa para impor a lei e a ordem, então
constitucional.
Ainda em finais do século XIX, poucas décadas antes do patriotismo
exacerbado da I República vingar em 1910, um Saxe Coburgo e
Bragança, rei de Portugal e dos Algarves… teve a oportunidade de
observar, na prática, o patriotismo dos residentes em Portugal. Um dia
quando a real figura navegava, algures ao largo da costa norte de
Portugal, foi perguntado aos tripulantes de uma embarcação de pesca,
se eram portugueses ou espanhóis. Resposta pronta dos pescadores,
“nós somos ali da Póvoa de Varzim”. Para eles o que contaria,
naturalmente, seria o local das suas raízes, das sua famílias, do seu
trabalho, tudo o mais sendo abstrações sem sentido. Mas, como a
História que nos é contada é a narrativa dos governantes e dos
poderosos…
Nos finais do século XIX, as potências europeias, nomeadamente a
Inglaterra e a Alemanha viam no mapa de África vastos territórios
controlados ou desejados por uma burguesia portuguesa que não sabia
o que fazer com eles; e impuzeram a sua vontade, arrebatando as
áreas entre Angola e Moçambique, incluidas no célebre mapa cor de
rosa, perante o coro de protestos da burguesia portuguesa,
aproveitado pelos republicanos para incriminar a monarquia, com uma
óbvia incapacidade de se opor aos desejos ingleses. O país profundo,
analfabeto e vivendo pobremente no campo não parece ter
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14. acompanhado essa vibração patriótica relativa a algo que lhes ficava
algures, bem longe.
A I República explorou as ideias nacionalistas e patrioteiras,
nomeadamente quando obrigou à ida para a Flandres – e para defesa
dos direitos coloniais – milhares de jovens mal vestidos, equipados ou
armados, saidos das aldeias para conhecerem as maravilhas da guerra
química. Paralelamente e no âmbito da meritória ação no ensino, o
regime incutia, logo na escola, a ideia da pátria, os feitos dos
antepassados, as aljubarrotas mas, menos o relevo da pátria no ignóbil
tráfico negreiro.
Salazar aproveitou a onda patriótica para encerrar Portugal numa
lógica de sacrifício em que “todos” deveriam participar no
engrandecimento da pátria amada; isso servia também para justificar
as mordomias concedidas às forças armadas que o suportavam no
trono. Por um lado, o nacionalismo italiano e alemão estava no auge e
vinha a reboque das simpatias de Salazar pelo fascismo italiano que
apontava como exemplo; por outro, ajudava o povo a suportar os
baixos salários e a falta de condignas condições de vida, para
beneficiar os capitalistas portugueses não só da sobrevivência perante
a concorrência mas, também os enriquecerem; finalmente, a Igreja
Católica ajudava a manter a resignação dos tementes a Deus, amén. A
pide e um exército, já então, repleto de generais sentados, zelavam
pela segurança colectiva…
Quando começaram as guerras coloniais, nova vibração patriótica era
vomitada nos jornais, na rádio e na televisão: “Angola é nossa” cantava
o coro da FNAT. Como é evidente, o patriotismo ficou no galinheiro das
centenas de milhar de pessoas que emigraram para viver melhor ou
para fugirem à guerra e, os que ficavam e rosnavam contra o regime
eram qualificados de anti-patriotas, conspiradores a soldo do
comunismo internacional; este, se fosse hoje, seria designado por
Moody’s, o ogre que persegue a benévola actuação do PPC e dos seus
amigos banqueiros.
Não se pense que, no negrume fascista, só os do regime eram patriotas!
Mário Soares, o conhecido troca-tintas, acatou as ordens de Marcelo
Caetano para não colocar a questão colonial como tema nas
“eleições” de 1969. E o PC defendia uma “revolução democrática
nacional” limitando o seu internacionalismo ao seguidismo servil das
posições de uma potência nacionalista e imperial, a URSS. A pátria não
se discute e a pátria estendia-se até ao alto do Ramelau, presente em
três continentes!
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