O documento discute as limitações inerentes ao modelo econômico capitalista, que visa o crescimento infinito e a acumulação contínua de capital através da produção e venda de mercadorias. Isso conduz à predação dos recursos naturais limitados do planeta e à exploração dos trabalhadores através da redução dos salários. Além disso, gera conflitos entre grupos capitalistas e desemprego cíclico, sem satisfazer as necessidades básicas da população mundial.
O capitalismo e os limites do crescimento infinito
1. grazia.tanta@gmail.com 10/01/2020 1
Aceitando o capitalismo e o Estado, a ecologia reduz-se a um
devaneio técnico
A lógica do capitalismo apresenta a produção de bens e serviços como visando a
satisfação das necessidades da Humanidade, extraindo dessa atividade um excedente
para o investimento no aumento ou melhoria das suas capacidades produtivas; isso é
uma mentira que consta nos manuais escolares de economia. A sua lógica não é a
satisfação das necessidades da Humanidade; se isso fosse verdadeiro, não haveria
milhares de milhões de pessoas com carências essenciais no âmbito da comida, da
saúde, da habitação, de educação e outras, ao mesmo tempo que os capitalistas, os
governos nacionais e as suas instâncias regionais ou globais se queixam e preocupam
com o baixo crescimento do PIB.
Do contexto anterior resulta que o objetivo dos capitalistas é a produção de valor, a
acumulação constante e sem limites de lucros, de capital, tomando a satisfação das
necessidades das pessoas como um instrumento para esse efeito; e não um objetivo.
No fundo, para o capital, a Humanidade e os recursos do planeta não passam de
instrumentos para a concretização da citada acumulação; e assim, os capitalistas,
pequenos, grandes, multinacionais, no âmbito das respetivas escalas, procuram
acumular dinheiro, riqueza, capital, tomando o seu negócio como instrumento para tal
e a satisfação das necessidades das pessoas um meio para atingir aquele fim.
Se, para o capital em geral, a produção de bens e serviços serve para acumular
capital, para a Humanidade, o que faz sentido é a produção de bens e serviços que
satisfaçam as suas necessidades; e, isso, nada tem de abstrato nem de ilimitado.
Neste contexto, o capitalismo, como modelo económico, visa um crescimento sem
limites, infinito. Por um lado, os capitalistas precisam de gerar mercadorias, valor; e,
por outro lado, precisam de trabalhadores para produzirem bens e serviços que são
todos formas de mercadoria, de extração e acumulação de lucros. Por outro lado,
essas mercadorias e serviços têm de ser transformados em dinheiro através da venda,
exigindo portanto que haja consumidores (famílias, pessoas), empresas compradoras
e Estados, gastadores do dinheiro dos impostos subtraídos, na sua grande maioria,
aos rendimentos do trabalho.
De forma caricatural, a uma pessoa chegará comer meia galinha por dia; o capitalista,
por seu turno, irá utilizar todos os meios para que cada pessoa consuma, não meia
galinha mas, uma galinha inteira, duas galinhas... Numa lógica humana, as
necessidades de comida inserem-se em limitados parâmetros, em termos de
quantidade e variedade; o capitalista, pretende sempre produzir mais e mais e que
haja escoamento para essa produção, induzindo nos consumidores necessidades
artificiais, pulsão consumista, se necessário através do comprometimento de
rendimentos futuros, através do crédito. Ao mesmo tempo, o capitalista procura que
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todos os seus trabalhadores aceitem uma contenção dos níveis salariais em
patamares tais que não conduzam a um aumento dos custos proporcionalmente maior
do que o crescimento da faturação. Procurar atingir o infinito através da acumulação
de capital é uma lógica intrinsecamente demente e predadora de pessoas e do
planeta.
Tornou-se banal, no economês corrente, falar-se todos os dias do crescimento
(concretamente, do PIB); são os governos a querer mostrar as suas competências, os
bancos à espera de novos clientes, empresários procurando aumentar as vendas,
exércitos tentando ocupar territórios adicionais ou adquirir novos brinquedos,
empresas grandes procurando comprar outras, mais pequenas. O crescimento tornou-
se uma adição nas classes políticas e no empresariato, com contágio evidente na
plebe. E, no entanto, o PIB é uma medida incompleta, difusa, genérica, que abarca
apenas uns 70 a 75% da atividade económica e que não mede o “valor” do trabalho
doméstico e dos cuidados, no seio das famílias, cujo relevo social é imenso; para além
de não contemplar a corrupção, o favor, as luvas, os tráficos (droga, órgãos,
migrantes, mulheres, animais selvagens…). Em contrapartida, toma como incluído no
PIB um “investimento” em … armamento!
Sinteticamente, a volúpia do crescimento infinito, inerente ao capitalismo, mede-se
através do nebuloso PIB; e como a produção material exige um mercado consumidor,
restringido pelo pouco crescimento dos rendimentos populares e pelas limitações no
acesso ao crédito, o capitalismo desenvolveu, de forma inaudita, a especulação
financeira, para a criação de valor através do mecanismo das pirâmides de Ponzi; que
se tornaram o elemento dominante para o aumento do PIB, tornando este ainda mais
diáfano e de evolução incerta, como se viu após 2008, com a inundação de dinheiro
através dos bancos centrais, sem qualquer relação com a chamada “economia real” e
sem ter de “sujar as mãos” com a colocação de trabalhadores em torno de máquinas,
estruturas de vendas, logística, publicidade...
Country Benchmark
Current Value (in
S&P 500 terms)
Gain since
Nov 26, 1990
United States S&P 500 3,168 901%
Hong Kong Hang Seng Comp. 2,926 824%
Germany DAX 30 2,913 820%
Canada S&P/TSX Comp. 1,717 444%
France CAC 40 1,16 268%
United Kingdom FTSE 100 1,072 238%
Japan Nikkei 225 315 1%
Note: Data has been transformed to match the scale of the S&P 500, and is current as of December 13, 2019
https://www.visualcapitalist.com/worlds-major-stock-markets-same-scale-1990-2019/
Tudo funciona a partir de supercomputadores, muito ágeis na decisão sobre o que
comprar ou vender, mesmo quando se trata de navios carregados com combustíveis,
cereais ou oleaginosas, por exemplo, cuja carga é comprada já a bordo e revendida no
âmbito de jogos especulativos. Há alguns anos, a moda do óleo vegetal para substituir
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os de origem fóssil, veio a provocar fortes subidas dos preços dos cereais que
conduziram a levantamentos populares em áreas pobres do globo, como África1
.
Para além dos novos “produtos financeiros” que se vão criando, a pressão para um
maior consumo de bens e serviços faz-se através da indução da moda e da deificação
da novidade, O que torna a compra e o consumo em verdadeiras adições. A dinâmica
do capital é muito forte, sendo lançados melhoramentos reais ou formais nos bens de
consumo, com a incorporação de novas funcionalidades e usos nos objetos, na aposta
no design, daí se exigindo um investimento massivo em publicidade. Por outro lado, a
incorporação de componentes mais baratos (incluindo os custos salariais), o aumento
da produtividade, a segmentação da produção e da venda por várias empresas (por
ex. através do franchise) e diversos pontos do planeta, envolve longas e complexas
redes de transporte2.
As necessidades de afastamento ou supressão da concorrência
podem envolver a artificial redução da vida útil dos equipamentos produtivos para que
se proceda a uma substituição mais rápida por modelos novos ou apenas mais
apelativos, mais inseridos na moda; com um subsequente acréscimo de lixo; em
muitos casos, com uma reciclagem cara e difícil, também ela, inserida em longas
cadeias logísticas.
Essa longa, frequente e diversificada destruição de bens e equipamentos, tornados
obsoletos, desatualizados, física ou comercialmente, obriga a uma constante aplicação
de novos capitais em investimentos e aplicações onde o lucro resulte maior por
unidade de tempo e por unidade de capital investido.
Todos os elementos descritos constituem a vida do capitalismo, enquadram a
concorrência existente entre os sectores de produção, entre países e áreas
geográficas, entre grupos económicos ou financeiros, entre classes políticas; todos se
incluem num encadeado que, embora campo de ferozes disputas pela primazia, tem
em comum a essencial produção de mercadorias, a sua injeção no mercado, tendo
como efeito desejado, a acumulação de capital.
Neste modelo socioeconómico surgem grandes dificuldades de perpetuação:
A primeira, refere-se às necessidades da Humanidade em bens e serviços que é,
naturalmente, finita, tal como os recursos oferecidos pelo planeta em termos de
água, minérios, energias fósseis, florestas…; porém, essas necessidades, o seu
volume e a sua manipulação são um instrumento essencial como alicerce da
acumulação capitalista;
1
Uns anos mais atrás, em 1973, na sequência da guerra entre árabes e sionistas, uma empresa portuguesa de
transporte de combustíveis e ramas de petróleo viu subir de modo astronómico a cotação da carga de um dos seus
grandes navios, o que lhe deu, nesse ano, um lucro fabuloso.
2
Sabemos que as trotinetas que se tornaram moda nas cidades europeias são fabricadas na China,
depois enviadas para os EUA e dali para a Europa por… via aérea! A sua produção, exploração e duração
está longe de trazer benefícios ambientais substanciais, mas… deixa os autarcas orgulhosos e os grupos
ambientalistas a pular de contentes, ocultando os custos energéticos de funcionamento, de recolha e
reparação dos veículos que não duram mais que dois meses. Os cães ladram e a caravana passa…
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Essa basilar finitude confronta-se, obviamente com o patamar em que se encontra
o consumo ou, mais genericamente, o gasto dos seres humanos, diretos ou
indiretos. Convém que esse patamar se mantenha num nível estável,
compaginando o volume do rebanho humano e as necessidades da sua
existência, com os níveis de bem-estar que se pretendam sejam alimentados
através de aumentos de produtividade, da reciclagem, de novas invenções e não
através da pressão desastrada sobre os finitos recursos do planeta.
A acumulação de capital resulta de três grandes fatores:
o Primeiro, existe uma pressão sobre os povos para a redução dos salários reais,
para a esterilização através do desemprego e da inanição, ao mesmo tempo
que se acentua a punção fiscal; dessa compressão dos rendimentos resulta
um maior quinhão à disposição dos capitalistas, nas suas várias estirpes, sem
prejuízo das diferenças entre eles.
o Segundo, a maximização da acumulação, inerente à lógica da produção
mercantil, com a criação de valor, não se satisfaz apenas com o
esmagamento dos rendimentos dirigidos à multidão humana; e tende a
expandir essa criação de valor, incluindo nesta a predação dos recursos do
planeta, para fins só lateralmente dirigidos à produção de bens de consumo e
de capital.
o Em terceiro lugar, as disputas entre os grupos e empresas capitalistas obrigam
os Estados a manter forças armadas, pesados sistemas judiciais e policiais, a
desenvolver constantes desenvolvimentos na produção de armamento - uma
área particularmente lesiva do planeta - para além da mobilização dos povos
para, através de folclóricas jornadas eleitorais ou fascizantes derivas
nacionalistas, defenderem um grupo de capitalistas contra outro, incluindo
sacrificando vidas humanas, de modo escandalosamente inútil, porque esse
sacrifício não beneficia os povos e segmenta, estupidamente, a Humanidade3
.
Dos três pontos anteriores, resulta uma pressão constante para a acumulação de
capital, nas multinacionais e no sistema financeiro, particularmente; e, ao mesmo
tempo, um pendor para a predação do planeta e o sacrifício de milhares de
milhões de pessoas, vítimas da guerra, conflitos sectários, desertificação,
pobreza, doença, fome... de onde resultam fenómenos de xenofobia, racismo,
nacionalismo, antagonismos religiosos e étnicos, de defesa contra as ameaças
provenientes do Outro, em geral; e que, em regra, revelam medo, menoridade
ética ou inocuidade estratégica.
A produção de bens e serviços como atrás definida está longe de satisfazer a gula
da criação de valor. Mesmo a satisfação das necessidades de toda a população
mundial – que está longe de acontecer – não conduziria ao sagrado objetivo da
criação de valor, que se pretende acumulativa, até alcançar o infinito. Por isso, o
3
O capitalismo predatório e a estupidez patriótica (1) A estupidez patriótica e a globalização (2)
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capitalismo não pode evitar os conflitos, as falências, a concentração de meios em
grandes empórios e não pode satisfazer-se com nenhum nível de produção de
bens e serviços, de consumo ou de endividamento para esse efeito. A procura do
infinito exige luta e destruição, destruição e luta, inovação e abandono de
tecnologias, da produção de novos bens e serviços e o convencimento dos
consumidores para escoarem essa produção – muitas vezes fonte de consumos
nefastos - para nisso comprometerem os seus rendimentos (mesmo precários,
como se torna evidente) atuais e futuros, com um elevado nível de endividamento
que, no caso das habitações, pode passar para a geração seguinte, sem que os
Estados percam a oportunidade de cobrar impostos no âmbito da posse e da
sucessão.
Essa pulsão para cavalgar ciclos de produção-destruição-produção… típica do
capitalismo reconstrói em todo o tempo hierarquias, entre estados-nação, no seio
das classes políticas, entre grupos de capitalistas, segmentando também, os
trabalhadores e articulando-os, num género de porta giratória, com a massa de
desempregados; empurrando para um canto, como estorvo, como não produtivos,
fracos consumidores e outros, pouco interessantes para se endividarem junto dos
bancos – desempregados, doentes e reformados - cujos rendimentos… oneram
as contas públicas e contribuem para os deficits, como se queixam os governos; e
ainda povos inteiros das periferias do capitalismo, em África, América do Sul, Ásia
e mesmo, Europa.
A lógica consumista, a destruição constante de capital, a pulsão produtivista - no
âmbito da qual a produção de bens e serviços é um fim em si e não destinada à
satisfação de necessidades - tem impactos bem visíveis no planeta, ultrapassando
em muito, as transformações e os danos provocados pelo Homem nos últimos
milénios. Embora nos pareça que o Homem tem preferido causar danos ao
próprio Homem.
Quando se identifica um dano, um problema, em qualquer âmbito – doméstico,
social, económico ou planetário – a lógica humana coloca a questão, de imediato,
sobre as suas causas. Na lógica do capital, o sistema é o perfeito; e como perfeito
deve ser eterno. Daí, na lógica da indigência intelectual de Reagan ou Trump, há
apenas que eliminar o Mal, isto é eliminar al-Bagdadhi ou bin Laden (antigos
amigos desavindos…), distribuir sanções económicas pelo planeta, fazer os
bancos centrais emitirem crédito sem limites, alimentar actuações militares,
alargar áreas de conflito e de fuga de populações, oferecendo como
entretenimento soldados com o timbre ONU/UN. Estendem ou intensificam os
sacrifícios a impor às populações, como se vem observando na América Latina,
na Europa ou nos EUA, no Médio Oriente, na Índia ou em África, onde os
governos tendem a ser cada vez mais autoritários e repressivos, mesmo quando
usam processos eleitorais (em regra nada democráticos) para legitimarem as
respetivas oligarquias.
Sendo - a lógica do capital - sinónima de perfeição, os conflitos entre capitalistas,
pelo acesso aos mercados consumidores ou de matérias-primas, fariam parte da
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dinâmica do próprio sistema, da sã concorrência, em que o novo substitui o velho,
tendo a evolução tecnológica como motor da construção do futuro e, também a
esperteza, como elementos construtores do progresso. A concorrência, no
contexto da sólida moral protestante dos tempos de Adam Smith deveria afastar a
corrupção dos mecanismos do mercado; porém, … essa concorrência, livre e leal,
nunca foi generalizada. E tem sido mais comum e determinante a intervenção dos
Estados e seus governos para enviesar a concorrência, através de leis
discriminatórias, pela predação colonial e pela guerra, pela posse de terras e
mercados, junto dos estados-nação tomados inimigos nessa ocasião; e ainda pela
guerra interna pelo baixo preço do trabalho, como celebrizado no pioneiro
massacre de Peterloo.
Hoje, a despeito dos avanços tecnológicos, continua por demonstrar que essa
putativa perfeição da lógica do capital generalize o bem-estar, o qual parece cada
vez mais restringir-se a segmentos sociais minoritários (e numa minoria de
países) de onde precedem os brilhantes cérebros que cruzam ideias em Davos ou
Bilderberg. Em verdadeiros actos conspirativos de um ente resultante da
clonagem de Gates, Hitler e Al Capone, contra a Humanidade.
Para que o stock de capital acumulado cresça é preciso alimentar, em
permanência, o ciclo da criação de novos produtos e serviços de forma a superar
a destruição de capital resultante de conflitos, com colunas de migrantes e
refugiados em fuga, com casas e infraestruturas destruídas por
bombardeamentos, resultantes do recurso à guerra e ao banditismo. Essa
constante situação de destruição e criação é inerente à lógica do capital, constitui
um criminoso meio de renovação dos stocks de capital, em interação com novas
tecnologias de produção, de marketing, de manipulação e controlo de gente, de
acordo com as diversas faces do poliedro humano – trabalhadores, estudantes,
aposentados, militares, consumidores, contribuintes, capitalistas, membros de
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classes políticas, homens/mulheres, eleitores…; uma vida tranquila e digna para
todos, com aproveitamento dos conhecimentos existentes, com aumento do bem-
estar coletivo sem perdas para a qualidade do ambiente, por muito evidentes que
sejam para o senso comum, por incontestáveis que sejam para a racionalidade
humana, não podem ser subscritos pelos capitalistas na sua globalidade4
.
Essa destruição criativa de capital em simultâneo com a criação de valor,
correspondem ao início de um novo ciclo de crescimento da produção de bens, da
criação de lucros, duma retoma do consumo… até à próxima crise. De modo mais
vulgar, importa é que o PIB cresça… cresça…
O modelo de crescimento infinito é inseparável do capitalismo. A criação de valor
é o seu pulsar, a sua respiração. O Golem soltou-se no século XVII, ocupou o
planeta em três séculos e as resistências foram esmagadas ou cooptadas,
enquanto as alternativas soçobraram perante a força do capitalismo, como
também porque os vencidos não souberam ou não puderam aprofundar
estratégias e proceder às práticas de o conter e encaminhar para o suicídio. Hoje,
teme-se que esse suicídio possa arrastar a Humanidade para uma guerra total,
para uma contaminação devastadora, para a destruição das condições de vida no
planeta, para uma redução brutal no número de efetivos humanos, uma vez que
no capítulo das extinções de espécies animais e vegetais, há muito se perdeu a
conta.
O capitalismo nunca teve como primeira prioridade a satisfação das necessidades
humanas; os seres humanos são apenas os elementos vivos essenciais à
produção de valor, ao consumo, ao endividamento, constituindo este uma
amarração, uma captura do devedor pelo sistema financeiro, da sua vida futura. A
Humanidade é principalmente um instrumento para a acumulação de capital.
Nos tempos que correm, é a especulação financeira o elemento mais dinâmico
para a acumulação de capital, com as vantagens de requerer pouca intervenção
humana e apenas leves infraestruturas produtivas, quando se compara com
tempos, poucas décadas atrás, quando a indústria polarizava a parte substantiva
e politicamente activa das populações. Aparentemente, o próximo rebentamento
da bolha financeira (tal como o anterior) irá ser amortecido pelos governos que
intermediarão a transferência dos danos para as pessoas comuns, através das
finanças públicas (a doutrina Draghi), com forte intervenção dos Estados e das
classes políticas; estas que intervindo de modo cada vez mais empenhado veem
nisso a sua continuidade como agentes executores. Só assim não será se os
povos recusarem essa intermediação, ao contrário do que aconteceu na
sequência da crise iniciada em 2008; se recusarem a atuação desviante e
provocatória dos partidos ditos de esquerda que cumpriram cabalmente a sua
função em Portugal, Espanha e Grécia em 2011/15.
4
https://grazia-tanta.blogspot.pt/2018/02/uma-questao-premente-como-sair-do.html (1)
https://grazia-tanta.blogspot.pt/2018/04/uma-questao-premente-como-sair-do.html (2)
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Os danos ambientais, como muitos outros, são elementos provenientes do
funcionamento do capitalismo, são danos colaterais que os capitalistas procuram
não endogeneizar para não afetarem os seus níveis e ritmos de acumulação de
capital; deixando, como é evidente, que esses danos atinjam populações de
várias dimensões e que sejam os Estados (e as classes politicas de turno) a
colmatar ou remediar esses danos… com o dinheiro dos impostos pagos por
quantos têm dificuldade em deles se isentarem.
Como é óbvio, clamar contra os danos sem proceder a uma atitude fortemente
crítica face às causas e seus causadores, é ser benevolente com o capitalismo;
constitui uma aceitação do capitalismo como fatalidade, uma endogeneização
conivente com o capitalismo, estendendo, respeitosamente, a mão à esmola de
uma menor agressividade ambiental, junto das classes políticas. Assim, tudo se
resumirá, à construção de um mundo de felicidade comendo soja transgénica e
não carne? Ou a substituir o carro a gasóleo por outro elétrico, incorporando
energia fóssil produzida algures? E o desemprego, a precariedade, o militarismo,
o nacionalismo, os jogos em torno da idade da reforma, a carga fiscal asfixiante, a
ausência de democracia, a mercantilização da satisfação de todas as
necessidades humanas, resolvem-se na sequência de uma ação centrada no
ambiente? Nesse contexto, essa benevolência e aceitação do statu quo,
somadas, designam-se por cumplicidade.
É notória uma incapacidade generalizada de construção de alternativas à perigosa
situação actual, depois do fracasso dos socialismos; que nunca passaram de
capitalismos de Estado, com um partido único repartido em várias tendências
rivais em vez de vários partidos rivais, como acontece nas dominantes
democracias de mercado. Todos, porém, muito hábeis em práticas corruptas, de
lobbying, de assenhoreamento de uma massa fiscal que nunca se reduz.
Faz parte dessa incapacidade qualquer focagem sectorial do capitalismo, sempre
insuficiente. É metodologicamente estúpido pensar que é possível combater os
efeitos sem ter as causas como objetivo central; tal como é infantil ou reacionário
defender melhorias no âmbito do capitalismo, admitindo o surgimento de um
capitalismo piedoso, compreensivo, domesticado, respeitador do ambiente e
empenhado na contenção da deriva climática; ou ainda, mantendo um capitalismo
que usa o consumismo e a dívida como formas de captura de pessoas e povos,
cada vez mais precarizados pelos capitalistas e pelos seus Estados e acarretando
ainda com os custos dos desvarios climáticos na saúde, nas faturas do
supermercado ou, numa carga fiscal acrescida, incluída nas folhas salariais.
O que faz a multidão aceitar a canga capitalista? A aceitação do capitalista, do
despedimento e do desemprego, do baixo salário e da pensão miserável, do
aumento do tempo de vida no trabalho a despeito das capacidades derivadas de
novas tecnologias, constituem uma humilhação para todos os que necessitam de
se submeter para sobreviver. No entanto, não é difícil verificar que os ganhos de
produtividade só marginalmente conduzem a acréscimos de rendimentos para os
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assalariados e, ainda mais raramente, à redução do tempo de trabalho; em
contrapartida, é fácil verificar a expansão de tarefas inúteis, burocráticas, de
controlo, entediantes e, cuja finalidade consiste precisamente na ocupação do
tempo de vida do ser humano, travestido de trabalhador ou colaborador5
. Este, se
estiver muitas horas ocupado, submetido a métricas para a aferição do seu
desempenho - que, em grande parte se integram com a medida do desempenho
dos seus congéneres - vulgarmente diz-se que está a… trabalhar. Se cada
assalariado, antes e depois da sua jornada, tem de se enfiar em transportes
apinhados, filas de trânsito e eventual despejo/recolha de filhos em escolas ou
infantários, para além de tarefas domésticas, esse assalariado terá ainda algumas
horas para, exausto, se entregar às vacuidades televisivas ou das redes sociais; é
um autómato integrado numa sociedade de controlo.
Para que seja diminuta a possibilidade de revolta, o capitalismo vem
desenvolvendo os aparelhos de Estado para um nível de complexidade e de
recursos, sem comparação com o proto-estado pré-capitalista, que se confundia
com a propriedade privada de um rei ou imperador6
. O Estado capitalista, nos
primeiros estádios do seu desenvolvimento tinha um aparelho administrativo e um
outro, repressivo, ambos suficientemente frágeis para que uma revolta popular ou
um golpe de estado pudesse proceder a mudanças no poder. Hoje, tendo em
conta a extensão do aparelho administrativo e dos circuitos de informação, há um
entrosamento muito forte entre a classe política e os meios económicos que, no
caso europeu, funcionam de modo integrado e tendencialmente uniforme. Essa
cooperação europeia (e no campo da NATO) observa-se também no capítulo das
5
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/02/o-homem-ser-social-e-fragmentado.html
6
https://grazia-tanta.blogspot.com/2019/12/estado-nacao-nacionalismo-instrumentos.html
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forças armadas, desligadas de intervenções na política interna, mormente através
dos pronunciamentos como em tempos passados; mesmo na base, são
constituídas por elementos contratados e não no âmbito de um serviço militar
obrigatório, obsoleto perante a tecnicidade do armamento moderno. Quanto aos
diversos corpos policiais, são altamente armados e treinados para jugular
manifestações populares com a brutalidade adequada, como se tem visto,
recentemente, no caso dos coletes amarelos. E não se deve esquecer o papel das
seguranças privadas, das suas ligações com a polícia ou como contratados para
ações de apoio às forças armadas para o desempenho de ações de “guerra suja”.
Nos modelos políticos de democracia de mercado, as oligarquias económicas, o
patronato que “conta”, isto é, os poderosos interesses das multinacionais ou do
sistema financeiro não organizam golpes de estado… somente porque não é
preciso; os golpes ficam reservados para cenários neocoloniais onde
antagonismos tribais ou raciais coexistem com uma tropa que constitui uma forma
precária de ter salário e de onde emanam, frequentemente, “chefes de estado”
corrompidos por empresas mineiras ou empórios de plantações extensivas e
predadoras.
Nas democracias de mercado há um naipe de partidos, entre os quais uns, muito
poucos, são os grandes destinatários e beneficiários das encomendas legislativas,
de subsídios ou, dos contratos prontos a assinar, emanados dos grandes grupos
económicos locais ou globais. Como não há almoços grátis, esses grandes
interesses económicos financiam discretamente os partidos e colocam nos seus
quadros gente daqueles, bem pagos, que funcionarão como elos de tráfico de
influências. O povo, embalado por eleições, fraudulentas na sua própria
configuração e, ignorando o referido conluio, irá manter-se manso, aceitando e
pagando a fatura de um capitalismo decrépito ligado à máquina estatal.
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Regularmente quem trabalha pagará impostos sobre o consumo de bens ou
serviços, sobre o rendimento ou a propriedade, para que o Estado possa
funcionar como o garante da sociedade de controlo, mantenha a competitividade
da economia ou, mais precisamente, mantendo a classe política e os capitalistas
aquela ligados, irmanados na sucção do “pote”.
A aceitação com elevado grau de passividade, de resignação, do poder estatal e
das oligarquias empresariais por parte da multidão, tem uma origem muito antiga,
na constituição de hierarquias ancoradas no poder das armas e/ou nas ligações
ao divino. Por uma ou ambas as razões, foi-se vulgarizando e considerando, como
da própria natureza das coisas, a obediência a hierarquias, a naturalidade da
existência de pequenos grupos de gente que dá ordens à restante comunidade. A
aceitação dessa permanente e renovada coerção estrutural por parte das
camadas laboriosas das populações estende-se e aprofunda-se, de modo
avassalador, com o capitalismo, no âmbito do qual o aparelho coercivo do Estado
chega a alcançar perto de metade da riqueza criada, medida pelo célebre PIB.
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads