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1
UMA PROVA DE GRUPO DE DOIS
Alexandre Batista Reis
Diretor da Contemplo Cia de Dança (PRONAC 129736)
Bahia, novembro 2016
Resumo: Este artigo é o resultado
sintético do trabalho que foi
desenvolvido durante o período que
decorre do mês de outubro de 2013 a
julho de 2016, referente ao processo
pré-seletivo simplificado da Contemplo
Cia de Dança. Para alcançar esta síntese
abordaram-se referências bibliográficas,
análise comportamental e entrevistas
aplicadas a partir de conceitos
politicamente aliados à heurística do
programa do espetáculo de dança
contemporânea AURORA. No processo
pré-seletivo simplificado consideraram-
se três relações assimétricas que
subordinam perspectivas de avaliação
psicológica: emancipação, remuneração
e profissionalização neste projeto
cultural.
Palavras chave: Dança Contemporânea,
Emancipação, Trabalho e Sexualidade.
Abstract: This article is the synthetic
result of the work that was developed
during the period from October 2013
to July 2016, referring to the simplified
pre-selection process of Contemplo Cia
de Dança. To achieve this synthesis,
bibliographic references, behavioral
analysis and applied interviews were
approached from concepts politically
allied to the heuristics of the program
of the contemporary dance spectacle
AURORA. In the simplified pre-selection
process, three asymmetric
relationships were considered that
subordinate perspectives of
psychological assessment:
emancipation, income, and
professionalization in this cultural
project.
Tags: Keywords: Contemporary Dance,
Emancipation, Work and Sexuality.
2
Demandas1
surpreendentes foram alcançadas ao investigar e propor um processo pré-
seletivo nacional de dançarinos-intérpretes (jovens do sexo masculino) para uma possível
contratação temporária e remunerada vinculada ao curso de dança contemporânea da
Contemplo Cia de Dança.
Este processo é aparentemente aleatório, agregador de ações teóricas e práticas, locais e
virtuais e tratou-se ainda de uma investigação psicológica indiferente às formas e conteúdos da
dança contemporânea e seus requisitos. Enquanto processo dialético e empírico aprofundou-se
em seleção que proporcionaram um resultado efetivo de concretização às futuras contratações
de artistas para a composição da equipe de dançarinos-intérpretes da Contemplo Cia de Dança.
Esta análise considera temáticas político-ideológicas emergentes e inseridas no ambiente
de trabalho pedagógico, artístico e profissional desta companhia. As inscrições se tornaram uma
cornucópia, e não um caminho em linha reta para alcançar vacância no projeto, na qual diferentes
artistas preocupados com o rompimento de padrões de comportamento são concorrentes entre
si e a homoafetividade é subentendida como um pré-requisito imanente e propagador de auto-
organização destes candidatos (dançarinos-intérpretes); enfatizando relações de interesse
incentivadas pelo desejo de emancipação do candidato por meio da arte da dança e, também, a
partir de uma recombinação disciplinadora, na qual se tentou analisar o sistema binário corpo
homoafetivo/dança contemporânea e sua inserção dentro de perspectivas histórico-sociais e
virtuais.
Na Contemplo Cia de Dança o contrato surge a partir do plano comportamental,
psicobiológico e profissional. A fidelidade é significativa ao compromisso entusiástico com a
repetição de estímulo-resposta, cognição e movimentos corporais. Antes de se inscrever é preciso
que o candidato tenha um compromisso com a (re)criação e sua integridade, tais condições de
participação são um pouco mais elevadas se comparadas às diretrizes contratuais planejadas por
companhias de dança contemporânea2
.
Na Contemplo Cia de Dança o processo investigativo-seletivo para o desenvolvimento do
espetáculo AURORA3
prioriza a (re)criação da subcultura gay masculina brasileira com enfoque na
sustentabilidade e permanência afetiva destes participantes.
1 “É preciso que pensemos Avaliação Psicológica de fato como um processo e que, como tal, se inicia pela análise das
demandas. Demandas não são encomendas e, assim, é preciso colocar em análise constantemente as perguntas que nos
são dirigidas, para que estas nos sirvam fundamentalmente para pensar o limite ético do nosso conhecimento, o qual
resguarda um limite epistemológico e de fundamentação científica, mas também guarda um limite político.” De acordo
com BICALHO, Pedro Paulo G. In: Direitos Humanos e Avaliação Psicológica: pela abertura das caixas pretas que nos
constituem. Pág. 17. 2012.
2 “Em dança contemporânea, para alcançar o nível de comunicação ou de expressão dos diferentes coreógrafos, o
intérprete precisa adequar-se física e intelectualmente ao projeto criador, o que implica treinamento físico aliado ao
entendimento e aceitação de um determinado projeto estético.” De acordo com SANTOS, Elise A. et MACÊDO, Kátia B.
In: O Trabalho dos Bailarinos Profissionais de uma Companhia de Dança Contemporânea: Uma Perspectiva
Psicodinâmica. Pág. 309. 2010.
3 REIS, A. B. PROGRAMA DA CONTEMPLO. 2012. (Desenvolvimento de material didático ou instrucional - Programa
Pedagógico e Artístico para a Contemplo Cia de Dança). Palavras-chave: Tecnologia Educacional; Produção Cultural;
Dança Contemporânea. Grande área: Linguística, Letras e Artes / Área: Artes / Subárea: Artes do Vídeo / Especialidade:
Dança Contemporânea. Setores de atividade: Educação. Brasil/Português. Homepage:
http://contemplociadanca.blogspot.com.br/. Finalidade: Gestão, coordenação e contratação de pessoas para a
realização de Curso Profissionalizante de Dança Contemporânea em Brasília - DF. Formação profissionalizante em Dança
Contemporânea com 800 horas/atividades, com a obtenção ao final do processo educativo do registro profissional.
3
De modo semelhante, recriação e diferença, se apresentam nas pinturas rupestres dos
sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara onde, quase nunca, uma figura é
idêntica à outra. Tais categorias foram reunidas, e propagadas, para o desenvolvimento de um
artista homoafetivo único e disponível para este trabalho transdisciplinar. Para alcançá-lo foi
necessário desenvolver um questionário contratual que enfatizou duas questões morais.
1. Qual é o compromisso do candidato com a sua auto avaliação mediante o
paradoxo do ato puro?
2. Como evitar que o dançarino-intérprete não sofra com a psicose do milênio?
O ato puro, ou psicose do milênio, vem sendo associado ao corpo enquanto patologia
instantânea de vicissitudes na sua representação4
. A crise desta representação interfere no tempo
disponível para a formação da identidade profissional do artista da dança contemporânea. Por
este motivo é importante avaliar se dançarinos-intérpretes, jovens, semelhantes e/ou
nitidamente complexos, serão igualmente capazes de prosperar no ambiente artístico e
profissional da Contemplo Cia de Dança enquanto produto da pós-modernidade e de sua
emancipação. O pertencimento do dançarino-intérprete a esta companhia e seu modelamento
comportamental acontecerão se, e somente se, significar um grande passo para a compreensão
identitária da companhia, estendida e estabelecida enquanto equipamento cultural para as
próximas gerações futuras. O comportamento profissional busca a estabilidade participativa e
exige que o processo pedagógico fique atento a tais condições. O trabalho com a dança deve ser
entendido como atividade física e artística pouco reconhecida na transigência de orientações
sexuais, ou seja, deve ser entendido enquanto lugar seguro, enquanto refúgio de natureza anti-
discriminatória de orientação e/ou de afastamento de grupos heterogêneos.
“Constato assim a dança, como técnica corporal, e que quando estigmatizada por
uma conjuntura sociocultural, possa ser o “refúgio motor” que o aluno com essa tendência
se vale para sublimar aquelas que ele considera desfavoráveis, e que não lhe atribuem
satisfação interativa naquele momento. Mas, sobretudo coadjuvantes à individuação e às
sensações de bem-estar ou mal-estar, que participam na compreensão global de cultura
corporal dos indivíduos.” 5
O mais importante para a manutenção do dançarino-intérprete na Contemplo Cia de
Dança é a perseguição ao projeto pedagógico por meio da leitura de relações psicológicas e
corporais estabelecidas com seu comportamento moral e afetivo. A montagem coreográfica, a
turnê e as demais responsabilidades orientadas no programa do espetáculo de dança
contemporânea AURORA são importantes para alcançar um entendimento de arte e de filosofia.
4 YAZIGI, Latife, MINERBO, Marion & ATTUX, Cecília. Patologias do Milênio: o Ato Puro e a Psicose da Ação. In:
Mudanças Psicoterapêuticas. Estudos Psicossociais, v.8, (14):13-33, jul/dez, 2000.
5 REIS, A. B. Imagem Corporal Homossexual: reflexões sobre o discurso que se faz deste corpo em aulas de Educação
Física. URL disponível em: https://www.slideshare.net/AlexandreReis18/ebook-desmunhecando-o-discursopdf . Pág.
14. 1994.
4
No homem o ímpeto criativo e o conhecimento estético têm gênese instantânea, única e
é irrepetível. No dançarino-intérprete da Contemplo Cia de Dança o alcance do crescimento do
desejo de participar do projeto – pela própria grandiosidade do debate que ele propõe – é uma
condição diferenciada para a maioria dos jovens que se encontram iludidos, ou ludibriados, com a
paradoxal visão de mundo consumidor que insiste condicioná-los, neste século, enquanto
organismos economicamente producentes e criadores de um modus vivendi no qual a lógica da
produção de bens culturais indica a estética do consumo.
A produção cultural pós-modernista gera uma arte volumosa, efetivamente identificada
como a mais prazerosa, benéfica ou saudável. Entretanto, a diferença do projeto da Contemplo
Cia de Dança se destaca pela crítica aos padrões racionais discursivos orientados pela ânsia do
sucesso vivido como renúncia de alteridade. O processo pedagógico e artístico despoja o corpo
dos padrões historicamente conhecidos. Volta-se aos objetos físicos, perceptíveis e sensoriais do
corpo quais, voluntariamente, exercem a superação de tensões, desequilíbrios e conflitos de
identidade.
O capitalismo e os seus vários tons de cinza redefiniram o conceito de prazer. A
meditação faz com que possamos alcançar os objetos abstratos da vida onírica, estes objetos
abstratos e as sensações de bem-estar são determinantes para explicar o caráter de
amadurecimento da identidade artística do candidato. Porém, a conquista progressiva da unidade
corporal e a prática na presença, na intuição do outro e do conjunto da obra, refletem o modo de
agir e de pensar dos dançarinos-intérpretes.
Sibyl with Tabula Rasa. Diego VELÁSQUEZ. Meadows Museum, Dallas, Texas
Na pintura de Velásquez o corpo e os lábios estão entreabertos como se estivessem
prestes a falar ou a mover enquanto seu dedo repousa sobre o tablete (tabula rasa)
aparentemente em branco. Assim o corpo é a tabula-rasa de vários tons de branco que precisam
ser coloridos dentro de um espaço-tempo definido.
Entende-se o corpo dançante como uma “tela” presente sob uma direção coreográfica, os
meios em alcançá-lo (corpo) apto à reconstrução desta dança ancestral são abordados na
heurística do programa do espetáculo de dança contemporânea AURORA. Percebe-se que o corpo
está aflito por reconhecimento e emancipação e enquanto suporte da arte ele (corpo) é
5
capturado subitamente, de surpresa, para responder questões que lhe são pertinentes e que
ainda não foram aplicadas dentro do sistema educativo brasileiro.
Ao mesmo tempo este corpo anseia por ficção, por inovação e por satisfação de seus
desejos. Implora por evolução. Na Pré-História e nos grupos indígenas o movimento permitia o
encontro de regiões menos áridas para o florescimento dos alimentos cultivados; e hoje a
crescente insegurança climática e ecológico-financeira, além da ambição pela propriedade, pelo
privilégio, atribui uma nova compreensão humana dos espaços percebidos. Acontece uma
mudança lenta na moral acalentada para as pessoas de baixa renda, fundamentada no domínio e
no poder da educação, produzindo uma realidade que representa a arte da dança de forma
abstrata, entretanto, perfeitamente realizável como um projeto cultural aprovado mediante uma
lei de incentivo federal (lei 8.313/1991). Mesmo assim, percebe-se que as políticas culturais não
têm condições de efetivar, ou mesmo de atenuar por si só, a realização ulterior do projeto em
função de uma evidente incapacidade administrativa do Estado brasileiro em sua totalidade
cultural até agora.
O artista-proponente sente-se isolado, dedica-se à abstração do projeto em si e para si,
apoiando-se na expectativa de patrocínio proveniente de legítimos editais que poderiam
impulsionar o seu intento dentro do período de execução aprovado. Os editais seguem a lógica da
editalização, uma formatação hegemônica dos modelos de financiamento público. Dentro da
atual conjuntura, as iniciativas que se mantiverem na mesma direção dificilmente conseguirão
escapar da editalização. O ponto nevrálgico é o tempo que os editais acabam por padronizar e, na
maioria das vezes, não corresponde com a construção do tempo da criação.
Desse modo, não despontando o patrocínio corre-se o risco de sua estagnação, de sua
involução, como realidade concreta a ser transmitida à sociedade.
“A arte abstrata recusa a própria possibilidade de representação da
realidade. O hiper-realismo vem mostrar, paradoxalmente, que a cópia mais que
perfeita da realidade transmite exatamente a sensação de falta de realidade da
realidade mesma, típica da realidade virtual, da Era da imagem.”6
O projeto aprovado torna-se abstrato e dissemina angústia em toda a equipe anuente, ele
não passa de ser uma imagem autorizada pela política cultural que justifica a crise de sua
representação proporcionando uma forma simbólica chamada por alguns de pós-modernidade na
arte.
A abstração artística do candidato transforma o projeto em sensação e seduz seu
interesse na exposição de sentimentos exógenos e extravagantes que o projeto propõe enquanto
obra de arte contemporânea. A concepção do espetáculo de dança contemporânea AURORA
sugere um corpo ancestral, irreprimível e virtualmente livre de preconceitos.
6 YAZIGI, Latife, MINERBO, Marion & ATTUX, Cecília. Patologias do Milênio: o Ato Puro e a Psicose da Ação. In:
Mudanças Psicoterapêuticas. Estudos Psicossociais, v.8, (14):13-33, jul/dez, 2000.
6
Novos artistas resistiram à existência do preconceito e discriminação sobrepujando a
regra e recriando formas de expressão e de trabalho artístico. Entretanto, na história da dança,
nem todos os artistas foram, em essência, dançantes e homoafetivos. Este cenário ocorre ainda
pela ausência de conhecimento da importância histórica da dança contemporânea no Brasil e de
como esta arte do movimento humano ainda é desconhecida em comparação com o ritmo de
desenvolvimento sociocultural nas sociedades ocidentais7
.
A Contemplo Cia de Dança é um empreendimento nacional da área cultural de dança
contemporânea. Este empreendimento resultou de um longo processo transeunte iniciado desde
o final dos anos de 1980, partindo do Estado de Goiás, e decorrente de instalações, pesquisas e
viagens de análise prático-teóricas para outros destinos nacionais e estrangeiros.
Sua efetivação artístico-pedagógica contradiz o senso comum de estabilização enquanto
fenômeno urbano de uma única cidade. A companhia torna-se assim fruto de uma rede de
complexas relações culturais que a sintetizam em sua capacidade de alcance. O seu registro no
Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e no Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(INPI) foram efetivados no Estado da Bahia.
A companhia convive num ambiente de produção cultural pleno de metas políticas que
vigoram desde a primeira década deste milênio. A companhia é classificada como optante pelo
Simples Nacional8
e é mantida especialmente por patrocínios, além de recursos próprios. O
proponente é contundente aos motivos pelos quais o trabalho técnico e a obra artística a ser
concebida não alcançarão seus objetivos somente com uma internalização de fatores cognitivos,
corporais e de criação em dança.
Desse modo, outras motivações contribuem implicitamente neste projeto, tais como:
pedagogia, juventude, qualidade de vida, brasilidade, musicalidade, saúde, disciplina, sexualidade
e IDH.
Os artistas da dança contemporânea estabelecidos dentro dos critérios heurísticos da
companhia determinam a demanda de tempo exigido na conclusão das etapas emancipatórias do
projeto. Simples assim, não é. E não será tão facilmente mediante a vagarosa expansão da
consciência cultural sobre a importância da repercussão e concretização de um projeto iniciado
com aprofundamento teórico, além de reconhecimento da trajetória nacional e internacional do
proponente sobre este assunto. Por este motivo o proponente revê e reavalia o papel das pessoas
dentro do procedimento aprovado e publicado por duas vezes consecutivas por meio da Lei
Rouanet (2007 e 2013) no Diário Oficial da União. Trata-se de um processo meticuloso,
dispendioso e desgastante, o qual dispõe de um conjunto de colaboradores à distância. E,
7
“Puede ser que muchos de los estudiosos de esta técnica no dieron cuenta de lo que estaban escribiendo con sus
métodos, pero fundamentaron un lenguaje que ha cambiado todo el ritmo de la Historia de nuestra sociedad occidental.
Por ejemplo, los hábitos perjudiciales del trabajo del siglo pasado exigían movimientos capaces de compensarlos. El
trabajo industrial ceñía el hombre de quedarse inmóvil y haciendo siempre las mismas tareas. La danza contemporánea
ha intervenido proporcionando calidades de movimiento que reanuda el hombre a su esencia.” In: REIS, A.B. Análisis
Histórico-crítico de la Danza Contemporánea y Muestra Cineantropométrica de Practicantes en la Universidad
Autónoma de Madrid. Pág. 09. 2002.
8
O Simples Nacional é um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, previsto na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
Disponível em: http://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/Documentos/Pagina.aspx?id=3. Acessado em
02/08/2015.
7
portanto, espera-se uma coesão que se sustentará com a autonomia identitária da companhia e
que esta não se tornará, supostamente, um processo precário ou desequilibrado.
Desse modo, cada função deve ser exercida dentro da Contemplo Cia de Dança de forma
crescente, analítica e continuamente investigativa. Devem ser consideradas as lentas
mobilizações e incentivos que envolvem um projeto cultural nacional, tendo em vista que este
associa o poder público, o privado e as iniciativas individuais. Ressalta-se que durante este
processo emancipatório, pertinente ao projeto, buscaram-se parcerias que não funcionaram na
mesma medida dos interesses delineados no programa do espetáculo de dança contemporânea
AURORA9
e que problemas éticos, morais e estéticos estão presentes no desenvolvimento deste
projeto cultural nacional afim de que ele interaja no mercado de arte contemporânea com o
mesmo direito e vigor que qualquer outro na atualidade da economia criativa.
A opção pelo projeto não está isolada do histórico biopsicossocial10
e profissional dos
artistas. Tratar-se-á de uma escolha única e é, também, uma força necessária para despertar
nestes dançarinos-intérpretes outra percepção de si. Esta escolha é um pré-requisito importante
para a aprovação dos candidatos e os critérios apontados no programa do espetáculo de dança
contemporânea AURORA facilitaram a primeira avaliação decenal do projeto (2003-2013) num
cenário bastante competitivo, inseguro, pleno de rivalidades e convivências intermitentes. O ato
ou efeito de optar por determinado saber implica numa docilização que culminará na eficácia
física do corpo e, segundo a genealogia foucaultiana, “aparece no intuito de fazer os corpos
aumentarem a força útil através de exercícios e treinamentos, utilizando-se de técnicas de
racionalização.” (p.88) 11
.
A docilização por intermédio de uma arquitetura pedagógica amplamente discutida
enfatiza uma experiência que, em primeira instância, sugere que nenhum treinamento dura para
sempre. Antigos conflitos tendem a ressurgir ou surgir em novas formas muitas vezes inesperadas
e imprevisíveis capazes de definir o arrependimento, no corpo do dançarino-intérprete, como
alternativa para sua (re)criação e reavaliação. A adaptação ao ambiente de trabalho tem certa
psicoafetividade que está submetida num contexto de descontinuidades, o projeto enfatiza uma
pedagogia da convivência12
por sete meses consecutivos e não se propõe mudança de conteúdos
e formas para que a dança contemporânea aconteça. A intenção desta pedagogia é conviver
praticando criatividades entre corpos e movimentos, observando limites e evoluções susceptíveis.
9 REIS, Alexandre. B. PROGRAMA DA CONTEMPLO. 2012. Op. cit.
10 Fatores biológicos - como a predisposição genética e os processos de mutação que determinam o desenvolvimento
corporal em geral e do sistema nervoso em particular, etc.;
Fatores psicológicos - como preferências, expectativas e medos, reações emocionais, processos cognitivos e
interpretação das percepções, etc.;
Fatores socioculturais - como a presença de outras pessoas, expectativas da sociedade e do meio cultural, influência
do círculo familiar, de amigos, etc., modelos de papéis sociais, etc.
11 FALCHI, Cinthia A. Déficit Erótico Na Educação: Um Problema Ético. In: REU, Sorocaba, SP, v. 39, n. 1, p. 87-104, jun.
2013.
12 “Penso que precisamos aprender sempre com o outro. Dessa maneira é necessário uma pedagogia que desobedeça
uma conduta corporal ou um discurso virilizante, efetivamente crítica, conscientizada e que possibilite o encontro e as
amizades entre os alunos e a turma”. REIS, A. B. Imagem Corporal Homossexual: reflexões sobre o discurso que se faz
deste corpo em aulas de Educação Física. Pág. 14. Op. Cit. Pág. 48.
8
Este processo de (re)criação e arrependimento não está muito distante do que afirmou
Foucault no primeiro capítulo de sua Microfísica do Poder13
, quando não é na mudança de
conteúdo, nem na alteração teórica dos conjuntos sistemáticos que, analogicamente ao que se
propõe no programa do espetáculo de dança contemporânea AURORA, alcançará e constituirá
este corpo dançante contemporâneo. Poucos pensadores conseguiram criar confluências tão
profundas nas ciências humanas, causando impacto liberador e criativo quanto Michel Foucault e
ele é reconhecido também neste processo de (re)criação e arrependimento, tornando possível
que a arte da dança sobreviva mediante uma realidade de classes e a um discurso moralizador e
normativo que, até hoje, tão somente valoriza a produtividade com novos tipos de trabalhos
corporais. Encontrar o desenvolvimento da arte da dança desde os núcleos da sua educação
escolarizada, profissional até à sociedade empresarial de concorrência e dos espetáculos redunda
no prolongamento da saúde, da juventude deste corpo dançante e autossuficiente.
“Nessa perspectiva autoempreendedora, a saúde e o corpo, além da
educação escolarizada e profissional, reorganizam-se com o objetivo de produzir o
capital humano dotado de um belo corpo, excelente saúde juvenil e habilidades
informacionais e cognitivas extraordinárias.”14
Pág. 128.
Ciente de que, para ser aprovado, o dançarino-intérprete precisa falar de si mesmo como
se fosse o centro das atenções de uma dança original, e este comportamento vislumbra uma
relação emblemática na conquista dos direitos individuais para sua ascese no processo seletivo e
planejada emancipação. O domínio da técnica corporal, a disciplina e o rendimento costumam ser
considerados valores que desencadeiam autonomia. Estes valores são centrais na lógica
dominante da concorrência, pois segundo Foucault esta é uma “exigência de se auto-constituir de
maneira a satisfazer as demandas simbólicas da sociedade empresarial de concorrência.”15
O artista é autônomo de si mesmo como próprio produtor de dança, neste sentido
experimenta uma extrovertida e escrupulosa conduta que exige o domínio de seu corpo e de sua
sexualidade, responsabilizando-se sobre a conduta que deve manter e distanciando-se de atos
que frustrem a sua esperança. Não se trata, simplesmente, de disciplinar o corpo na dança, porém
de ter poder sobre si mesmo. O dançarino-intérprete deseja tornar-se alvo privilegiado da
atuação deste poder. Além disso, suas orientações sexuais e trajetórias vêm sendo marcadas por
incertezas e angústias. Uma interpretação racista/xenofóbica surgiria se o projeto não estivesse
atento ao fato de que a homoafetividade dos dançarinos-intérpretes pudesse interferir a priori
13 “(...) não é portanto uma mudança de conteúdo (refutação de erros antigos, nascimento de novas verdades), nem
tampouco uma alteração da forma teórica (renovação do paradigma, modificação dos conjuntos sistemáticos). O que
está em questão é o que rege os enunciados e a forma como estes se regem entre si para constituir um conjunto de
proposições aceitáveis cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de serem verificadas ou infirmadas por
procedimentos.” FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Pág. 5.
14
CÉSAR, Maria Rita de Assis & DUARTE, André. Governo dos Corpos e Escola Contemporânea: pedagogia do fitness.
In: Educação e Realidade: 34(2): 119-134; mai/ago 2009.
15
DUARTE, André. Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo. Artigo disponível em: (99+)
Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo. In: Para uma vida não fascista. Ed. Margareth
Rago; Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. 35-50. | André Duarte - Academia.edu . Acessado em
16/10/2022.
9
em temáticas delicadas e convivências que culminariam em manifestações agressivas dentro do
ambiente da companhia. Felizmente, tais manifestações político-sociais já se discutem enquanto
consequências prejudiciais, de toda espécie, no Brasil contemporâneo. Difícil ainda é manter seis
rapazes homoafetivos (dançarinos-intérpretes) em pleno desenvolvimento dancístico numa
realidade que impede o seu desenvolvimento ulterior, pois a legislação brasileira contemporânea
não deu conta de avançar tanto quanto precisa na defesa de seus direitos individuais e coletivos
enquanto artistas emancipados, tendo em vista que tramita na Câmara dos Deputados, em
regime ordinário, o projeto de Lei nº 4.281/2012 de autoria do Deputado Osmar Júnior, qual
instituirá a ”Bolsa-Artista.”
Todos (as) os (as) dançarinos (as)-intérpretes serão convocados (as) a participar de um
processo técnico-coreográfico que tem uma classificação indicativa a partir de conteúdos
envolvendo nudez e sexualidade, conteúdos que podem interferir no desenvolvimento integral de
crianças e adolescentes. A superexposição corpórea é conduzida por um espetáculo de superfícies
densas, no qual o corpo seminu do artista mistura-se aos ambientes, textos, tecidos, metais,
líquidos, cenários e luzes. Portanto, a superexposição destes artistas provocará um risco às suas
imagens e que, pela prática de ostentação do corpo desnudo ou seminu, veiculado em redes
sociais e multimidiáticas (Youtube, Instagram, Snapchat e etc) declinadas da comunicação visual
do projeto incitariam estes dançarinos-intérpretes a correrem o risco de sofrerem consequências
com a libidinagem.
No espetáculo de dança contemporânea AURORA credita-se uma consequência positiva
da produção artística, resultante de uma sociedade tolerante, dinâmica, autêntica e criativa. O
mais interessante é que mesmo avesso às ordens definitivas do projeto o candidato presencia
uma força criadora de obstáculos a serem questionados para alcançar a razão imediata de sua
aprovação, ou melhor, da aprovação do seu interesse no projeto, e de sua consequente
contratação. Esta leitura de si e do projeto em si só poderão determinar coerência de forças
sensíveis no sentido de sua aprovação absoluta, remunerada e cotidiana na produção artística do
espetáculo de dança contemporânea AURORA e na propagação do método de ensino-
aprendizagem desenvolvido durante as etapas de pré-produção, produção e pós-produção.
Questões de desenvolvimento cognitivo e neurofuncional não devem ser encaradas como pressão
por produtividade individual ou coletiva, os dançarinos-intérpretes devem construir uma crítica à
lógica da descartabilidade, que segundo FERRAZ (2010) corrói a nossa capacidade de lembrar, e
esta lógica está muito presente nas relações de trabalho com a produção artística em dança, e
seus vieses, onde o movimento humano torna-se imediato e irreversível.
“(...) a lógica da descartabilidade, tanto nas relações de trabalho quanto
nas ligações pessoais, termina por curtocircuitar o sentimento de continuidade do
vivido e a produzir couraças que impedem a livre circulação dos afetos do corpo,
abrindo vastos espaços brancos na memória.”16
16
FERRAZ, Maria Cristina Franco. Homo Deletabilis. Corpo, percepção, esquecimento do século XIX ao XXI. Rio de
Janeiro: Editora Garamond. Pág. 12. 2010
10
Estes espaços brancos na memória podem ser associados ao arrependimento, e geram
sentimentos muitas vezes responsáveis pela descontinuidade e descartabilidade das relações de
trabalho. A tentativa de esquecimento, ou ainda a solicitação de perdão enquanto sentido de
pesar pelo desfalque, pelo erro, e a submissão estão intimamente ligados ao sentido da fé, do
arrependimento.
Entretanto, pela banalização do corpo a recombinação disciplinadora pós-moderna
passou a depender-se mais de uma dor física ou econômica do que moral em si. A submissão do
sujeito aos imperativos dos detentores de poder das instituições sociais tem sido motivo de
muitas manifestações sociais. Em comparação temos que na dança contemporânea além dos
dançarinos jugarem suas atividades insuficientes para alcançar uma performance17
satisfatória
para si próprios e para o público, outro problema é revelado quanto ao arrependimento de sua
opção ligada à profissão, o fato de que a imagem do dançarino é constantemente vinculada ao
fato dele ser homossexual. O arrependimento se refere a um fenômeno indesejável que a
experiência determina como forma desagradável de conhecimento próprio, sob o olhar do mundo
vivencial e moral.
Moralidade que considera o arrependimento como uma força intuitiva, atenuante e
corretiva, condutora de regra. O ressarcimento dessas intuições comunga o espírito numa
reconciliação tardia em função do controle ou da abstinência, diante da experiência erótica, por
exemplo. Ele afasta o modelo contraditório do remorso, sentimento fronteiriço que conduz o
propósito de mudar ou de permanecer na Contemplo Cia de Dança. As consequências de viver
pelo trabalho escolhido como dançarino-intérprete é motivo de expiação do sofrimento. A
maioria dos familiares dos dançarinos-intérpretes encara a profissão enquanto erro de trajetória
de existência, é muito comum observarem a carreira como insustentável e a profissão como
frustrante. Portanto não está descartada que a contratação, mediante a atual conjuntura política
e cultural, dependeria de uma banalização do arrependimento de ser artista e que a remuneração
aprovada e proposta, enquanto bolsista, não é suficiente para causar a mudança deste paradigma
no biênio 2014-2015.
Igualmente aspectos físicos e energéticos dos candidatos não estão descartados da
normativa contratual e laboral do projeto. É muito natural que os jovens estejam submetidos a
uma precária condição trabalhista, e a sua consequente aprovação neste projeto não está
distante de suas reivindicações por melhorias nas condições de trabalho com a dança
contemporânea. A resolução dos arrependimentos pode ser alcançada pela vida onírica e o
diferencial disciplinar do projeto pode ser permutado em recombinação de cargos e papéis,
conhecimentos multidisciplinares e censura.
Estes artistas devem ainda usufruir de oportunidades controladas por um sistema
sustentável de remuneração e consumo, e inverso ao alívio imediatista dos desejos.
Considerando a manutenção do entusiasmo uma condição política do modelo contraditório da
produção artística, qual significa a isenção da miséria humana, abordada como irrevogável
17
SANTOS, Elise A. et MACÊDO, Kátia B. (org.). O Trabalho de quem faz arte e diverte os outros. In: O Trabalho dos
Bailarinos Profissionais de uma Companhia de Dança Contemporânea: Uma Perspectiva Psicodinâmica. (p. 321-322).
2010.
11
finitude da existência ou realidade da existência humana18
. O modelo contraditório significa, pois,
uma estratégia crítica como alívio para uma transgressão e resistência da vanguarda.
Foster (1996) e Kershaw (1996) coincidem pontos de vista importantes sobre as antigas
noções do “teatro político” e do “artista político”. Segundo Foster (1996), “mais uma vez,
estamos diante de desenvolvimentos desiguais, ou seja, adiante apenas de tendências, que não
obstante é tarefa do artista político articular” (p. 202). Segundo Kershaw (1996) há uma crise
generalizada contínua da confiança na legitimidade dos processos políticos estabelecidos, e que,
paradoxalmente, mina qualquer prática de desempenho que tem a ambição de ser oposição. Ele
justifica que “se poucas pessoas acreditam no Estado, então não valerá a pena atacá-lo”(p.133).
Simultaneamente, a midiatização de desenvolvimento das sociedades dispersa a inserção de
desempenho na vida cotidiana.
A desonra enquanto reparação do erro estaria subjugada ao poder do Estado que, por sua
vez está cada vez mais dependente dos meios de comunicação, somos imediatamente
confrontados com um mundo performativo ideal, pleno de estilos de representação e, neste
processo, as funções ideológicas tornam-se cada vez mais diversas. E é neste contexto que
Pascal19
problematiza a miséria humana referente ao sistema que permeia todos
independentemente de sua condição cultural ou econômica.
O ato de repensar a identidade de gênero e profissional condicionará os dançarinos-
intérpretes da Contemplo Cia de Dança ao novo paradigma da mente. Ora, a crítica é fundamental
para a integridade moral. Se na pré-história a experiência simultânea de mundo modulava a
resolução dos problemas práticos de coleta e caça, enfrentados pelo homem, hoje esta
experiência exige o conhecimento do controle de estações e duração na resolução de equações
ininteligíveis para a maioria das especulações cognitivas e evolucionistas. O homem
habilidosamente separou os problemas adaptativos do mundo ancestral com o avanço da técnica,
esta seletividade ainda é privilegiada para os atuais fatos histórico-sociais de sua existência.
Dentre os aspectos de adaptabilidade a recombinação disciplinadora é o mecanismo que pode
movimentar os arranjos da condição humana; (re)conhecida culturalmente como disciplina, e tem
seu ponto de partida na genealogia foucaultiana com a descoberta dos micropoderes disciplinares
que visavam a administração do corpo individual. A disciplina é o mecanismo que pode
movimentar os arranjos da condição humana. A disciplina é o embaralhamento de elementos
morais intercambiáveis e segundo Foucault (1984)20
é na ‘fila’ que se situa a posição
disciplinadora do corpo. Para compreender o domínio da disciplina na Contemplo Cia de Dança
coexistem dois fatores de extrema importância na manutenção do entusiasmo: a pós-
modernidade e a hiperconectividade. Ponderá-los com a banalização do arrependimento de ser
artista e o perfil profissional, de gênero e sexualidade, deste dançarino-intérprete no projeto
nacional da Contemplo Cia de Dança é fundamentalmente importante para sua aprovação.
18 A Condição Humana, segundo Blaise Pascal. Artigo disponível em: https://1library.org/article/pens%C3%A9es-a-
condi%C3%A7%C3%A3o-humana-segundo-blaise-pascal.ydj06r6y . Acessado em 16/10/2022.
19 Ibidem.
20 “A disciplina, arte de dispor em fila (...) individualiza os corpos por uma localização (...) rede de relações”. In:
FOUCAULT, Michel. Vigiar Punir. (p.133).
12
A pós-modernidade
No contexto das primaveras (de Praga e Árabe)21
que culminaram com uma tentativa de
romper com o status quo vigente nos países em crise temos que entender que, com a crise da
modernidade, abriu-se um período de tempo em que a indefinição se tornou a regra. Esta
indefinição é entendida enquanto crise da representação.
Neste começo de século também a dança contemporânea, que já vinha oscilando na sua
crise de representação, instituiu-se de projetos agressivos e de contestação às leis de incentivo
que beneficiaram somente instituições mantenedoras da ordem política e social proposta pelo
Estado, suas autarquias e demais empresas patrocinadoras. O contexto da dança contemporânea,
ou também reconhecida como dança pós-moderna, costuma ser abordado em outro lugar e
pouco tem sido escrito sobre o seu potencial político22
. Numa sociedade capitalista tardia,
reposicionada da ética da produção para a ética do consumo, encontramos mudanças que
resultaram na mercantilização da cultura. E, por exemplo, hoje o “Vale-Cultura” concebe esta
potencialidade econômica na cadeia produtiva do setor cultural brasileiro, em termos gerais o
benefício é visto como algo a ser construído, ou seja: o significado, a performance, os artistas e o
público são todos construídos ou estão sendo construídos a partir desta lógica.
Estes domínios são construídos e, ao mesmo tempo, desencadeiam a construção de
subjetividades individuais. O enfoque do trabalho em dança contemporânea vinculado aos
processos de produção e construção estão condicionados à política de mercantilização da cultura
que, por meio de dispositivos de representação auto-reflexiva, - tais como intertextualidade e
paródia - fragmentaram-se e atravessam uma complexa rede de eixos de energia temática e
criativa, tais como gênero, sexualidade, raça e classe.
A pós-modernidade na dança segundo BRIGINSHAW23
defende que o único sistema
operacional político potencial de alguns textos pós-modernos reside nos vislumbres que eles
podem dar de como operar os sistemas de energia, principais domínios de poder, tais como
gênero e sexualidade. A encenação do significado revela o processo de construção. De acordo
com BRIGINSHAW, estes processos de construção giram em torno da relação polêmica da pós-
modernidade para a modernidade.
“(...) Aplicar esta teoria faz com que a dança, poderia ser reivindicada enquanto
manifesto político dos coreógrafos (...) Algumas coreografias brincam com conceitos como
gênero e sexualidade, revelando assim a sua natureza construída, parecem desafiar o
status quo, exemplificando assim um pós-modernismo de resistência, outros coreógrafos
tendem acriticamente a celebrar mercantilização, simpatizando-se com um pós-
21
Teresa Cristina Schneider Marques & Antônio Eduardo Alves de Oliveira. De Praga Ao Mundo Árabe:
Uma Análise Comparada De Primaveras Políticas. In: Revista Conjuntura Austral. Vol. 4, nº. 17. Abr. Mai.
2013.
22
BRIGINSHAW, Valerie A. Postmodern dance and the politics of resistance. Chapter 7, In: Analysing
Performance – a critical reader. Org.: Campbell, P. United Kingdom: Manchester, 1996. (p. 125).
23
Ibidem.
13
modernismo de reação. Este tipo de categorização é perigoso, no entanto, como as
fronteiras são notoriamente escorregadias, os debates abundam. O pós-modernismo de
resistência é o que busca questionar, em vez de explorar códigos culturais, para explorar
ao invés de esconder as afiliações políticas e sociais.24
Na dança contemporânea talvez mais do que em outros segmentos das Artes Cênicas esta
crise da representação torna-se muito evidente. Ela é o “simulacro” citado por BAUDRILLARD25
,
ou seja, uma imagem de dança, uma imagem sombria, torna-se mero pretexto de dança e tem
conotações paralelas. E isto pode ser destacado pela tecnologia que pode desempenhar um papel
essencial na dança contemporânea enfatizando características da superfície do corpo (estático ou
em movimento) e suas infinitas representações. A pós-modernidade na dança encena esta crise
da representação, e segundo CAMARGO26
é:
“A perda da nitidez das fronteiras ideais, o esquecimento dos limites das
definições abstratas e a incompreensão de novas emergências em características
conceituais são provocadas por linguagens não verbais que se tornaram onipresentes no
cotidiano e suportes de novos conhecimentos, inviabilizando a hierarquia moderna e
lançando a todos num mar entrópico de sensações ininteligíveis.”
A dança é considerada, então, pertinente a esta afirmação. Ela poderia ser lida por
substituição dos 'vocabulários de dança' para 'linguagem' em textos coreográficos. Por exemplo, o
vocabulário do balé clássico tem desempenhado um papel fundamental na construção de certa
visão da feminilidade. Textos coreográficos pós-modernos, expondo este processo de construção
e desconstrução "descentralizam" qualquer noção do estereótipo feminino. O processo de
representação é particularmente pertinente para a dança, onde os assuntos são ambos
representados no desempenho e os artistas também estão representando seus desempenhos.
Como HUTCHEON afirmou: "A vida no mundo pós-moderno é totalmente mediada através de
representações".27
24
“Applying this theory to dance, it could be claimed that choreographers such as Lea Anderson, Pina
Bausch and Mark Morris, who play with concepts such as gender and sexuality, thus revealing their
constructed nature, seem to challenge the status quo thereby exemplifying a postmodernism of resistance.
Oh the other hand, choreographers such as Karole Armitage and Michael Clark tend uncritically to celebrate
commodification more in sympathy with a postmodernism of reaction. This kind of categorisation is
dangerous, however, as the boundaries are notoriously slippery. Debates abound. Foster’s ‘postmodernism
of resistance’ which ‘seeks to question rather than exploit cultural codes, to explore rather than to conceal
social and political affiliations’.” BRIGINSHAW, Valerie A. Postmodern dance and the politics of resistance.
Op. Cit. (p. 125-126).
25
BAUDRILLARD apud BRIGINSHAW, Valerie A. Op. Cit. (p. 126).
26
CAMARGO, Marcos H. A Crise da Representação Moderna. Artigo disponível em:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/camargo-marcos-a-crise-da-representacao-moderna.pdf. Acessado em
10/03/14. (p. 12). 2011.
27
HUTCHEON, L. apud BRIGINSHAW, Valerie A. Op. Cit. (p. 127).
14
A representação é, portanto, conhecimento dialético entre superficialidade e
profundidade. Suas camadas proporcionam cognição e a opção do dançarino-intérprete pelo
projeto nacional da Contemplo Cia de Dança. Ansiedade, angústia e simultaneidade são
sentimentos localizados na crise da representação e, paralelamente, incitam novos critérios e
controvérsias na contratação destes. Verifica-se, na crise da representação, uma instabilidade na
compreensão dos valores objetivos do projeto nacional da Contemplo Cia de Dança, sendo que
tais valores são pertencentes ao imaginário homoafetivo, e precisam ser exaustivamente
discutidos onde a hiperconectividade não seja descartada conquanto processo imprescindível de
fidelização ao projeto.
A hiperconectividade
A programação inserida no contexto das redes comunicacionais evidencia a percepção
superficial e o discurso distópico do mundo vivencial. O homem angustiado e à sombra de suas
relações na ordem contemporânea não consegue mais equilibrar seu tempo para realizar tarefas
artesanais, como faziam os indígenas. A questão da infância e da adolescência perpassa tais
critérios de construção da crítica e relacionam-se igualmente no projeto da Contemplo Cia de
Dança com a dificuldade de contratação de aprendizes, candidatos menores de dezoito anos, para
a sua fundamentação e instalação enquanto equipamento cultural contemporâneo. Por outro
lado, jovens candidatos não estarão, a priori, completamente aptos para a contratação, tendo em
vista que, faz-se necessária uma observação mínima dos inquéritos para o alistamento.
Com a hiperconectividade determina-se uma fronteira fictícia até então desconhecida. A
hiperconectividade do jovem pós-moderno pode ser comparada à distopia Huxleyana e, segundo
CARIBÉ , no mundo de Aldous, a luxúria e o prazer são extremamente estimulados e não existem
vínculos afetivos, que são combatidos com o estimulo à busca individual pela auto-realização.
Neste mundo hipotético, vive-se para o consumo e o prazer.
Com o risco do fim da vida social o voyeurismo desponta enquanto método de proteção e
conhecimento do corpo, método que proporciona uma inteligência cibernética capaz de
desenvolver estruturas de telemetria mental (ocultas) e de, supostamente, alcançar a telepatia
que proporcionaria arranjos entre dois cérebros. Segundo NICOLELIS (2012) “dois cérebros
poderiam, eventualmente, chegar a um consenso, vamos dizer, sobre a identidade de um objeto
complexo explorado apenas parcialmente por ambos.”28
A cultura brasileira foi pautada na arte da sedução, do futebol ao carnaval, incrementada
pela ilusão do consumismo e descarte. Não é fácil construir uma crítica ao contexto nacional
quando não se tem interesses emancipatórios a priori 29
. FOSTER30
e OSÓRIO31
apresentaram
28 Apud STIX, Gary. Brain to Brain: Dawning of the Telepathic Rat Tweet. Artigo disponível em:
http://blogs.scientificamerican.com/talking-back/2013/02/28/brain-to-brain-dawning-of-the-telepathic-rat-tweet/,
acesso em 19/01/2014.
29 Para Habermas a comunicação é precisa quando trata das situações em que se busca o entendimento, o acordo, o
discurso polêmico. Habermas acredita que, com a modernidade surgem condições para o desenvolvimento de uma
15
obras nitidamente esclarecedoras sobre a ‘sedução multiculturalista’, ou seja, sedução por valores
cingidos pelo fetiche, onde tudo se torna mercantilizável e coisificado. OSÓRIO ainda critica que
“a incorporação de processos diversos de modernização implica assumir uma simultaneidade de
‘agoras’ que articulam modelos alternativos de passado e de futuro”. Segundo FOSTER
“emergimos da imediaticidade do Imaginário para sermos inseridos como sujeito dentro de
estruturas sociais.”
O caráter sedutor deste(s) discurso(s) quando dirigido(s) para a educação escolar vai de
encontro com a educação no século XXI que é ousada, flexível, desafiadora e complexa.
Apresentada como requisito de alistamento ao processo educativo, esta sedução multiculturalista
deve ser graduada em níveis de pureza. São necessárias experiências de transição à emancipação
e às diversidades abaladas pela contaminação dos arrependimentos.
Destarte, o recente impulso de fazer parte de um projeto nacional manifesta, no
candidato à vaga de dançarino-intérprete, uma espécie de vínculo ainda não solucionado
efetivamente no seu mundo interior. A ideia de se formarem elos ideológicos e disciplinares,
aparentemente representados por meio de “selfies”32
como processo virtual de apresentação e
emancipação da juventude. Esta ideia supõe a resolução imediata da expectativa de sucesso
vindouro por meio de uma simultânea projeção imagética e corporal aliada ao mundo do trabalho
racionalidade comunicativa (pela maior circulação de informações, menos censura, etc.). Apud VILALBA, Rodrigo. Teoria
da Comunicação: conceitos básicos. São Paulo: Ática, 2006.
30 FOSTER, Hal. RECODIFICAÇÃO: Arte, Espetáculo, Política Cultural. 1996.
31 OSÓRIO, Luiz Camillo. Altermodernidade brasileira. In: Viso · Cadernos de estética aplicada, n.11. Jan-jun/2012.
32
Palavra escolhida pelo dicionário Oxford - e que significa o autorretrato tirado exclusivamente para ser
compartilhado -, e em superexposição com o mundo.
16
artístico. A convencionalidade desta emancipação gera a manutenção de interesses mútuos,
sexuais e originais, quais estão cada vez mais rápidos e difusos por conta da era cibercultural em
que vivemos, e o entusiasmo ainda é condição permanente para a evolução humana.
A metodologia deste processo de ensino-aprendizagem não poderá, por tal convenção,
ser confundida com aliciamento. A definição de aliciamento, segundo o dicionário Michaelis é
engambelar, prometer presentes, dinheiro, fama, fortuna, e etc. para atrair a pessoa, ou induzi-la
a atos de rebeldia. Em atenção quanto ao artigo 218 do Código Penal Brasileiro vale mencionar
que é crime corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (quatorze) e menor de 18
(dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-
lo. Motivos mais do que evidentes e necessários para a consciência do apelo ao consumo e ao
sexo, e que estes dois impulsos criam condicionamentos, criam consciência, onde o silêncio é
conivência e a igualdade é um mito moderno que vem enfrentando desgaste, por conta do
avanço das ideias sobre a diversidade original das pessoas33
.
A profissionalização em dança contemporânea na Contemplo Cia de Dança – perspectivas,
relações de interesse, remuneração e a profissionalização
O interesse no projeto inicialmente desenvolvido (2003-2008) antes do seu registro no
Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica é fortalecido enquanto conhecimento a ser transmitido,
inalienável e fidedigno ao sistema de ensino-aprendizagem que será, possivelmente, comparado
ao sentido de subalternidade evidente em cursos de capacitação profissional. O processo pré-
seletivo nacional constrói uma nova localização sobre o tempo e o desejo na vida do candidato. O
fato de conhecer o andamento da Contemplo Cia de Dança determina a gênese de um processo
formativo, profissional, multidirecional e internacional. A vivência do sonho de ser artista é um
privilégio, mundialmente construído no corpo de dançarinos-intérpretes, e propõe um legado de
dança contemporânea a ser construído.
A qualidade do encontro com o método é a primeira faísca que permite avaliar relações
de interesse e perspectivas, porém ela não é uma condição plena de fulgurante sintonia e
profissionalização. Primeiramente as pessoas vinculam-se ao projeto nacional da Contemplo Cia
de Dança pelo entusiasmo e à medida que se apresentam obstáculos na compreensão do
conceito do processo formativo, há um distanciamento. Diferente do que se poderia imaginar,
mesmo com todos os artifícios conectivos e privilégios da vida pós-moderna, a sintonia é cada vez
mais cacofônica, múltipla, dispersa e irradia infinitos impulsos, desejos subjetivos e
emancipatórios.
A capacidade de comunicação não é fácil de alcançar para quem é indiferente às formas e
conteúdos da dança contemporânea e seus requisitos. Além disso, quem se apresenta no tempo
imediato, do aqui e agora, como já foi citado, vive na ausência da noção de futuro. Esta angústia
33
CAMARGO, Marcos H. A Crise da Representação Moderna. Artigo disponível em:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/camargo-marcos-a-crise-da-representacao-moderna.pdf. (p. 10). 2011.
17
reflete a emergência da empregabilidade que pode transformar a relação de interesse no projeto
nacional da Contemplo Cia de Dança numa força impulsiva da psicose do milênio, o ato puro.
“La crisis económica del 73 supuso un efecto destructivo sobre el empleo y el
mercado fue incapaz de generar puestos de trabajo para toda la población activa (…) La
escuela resulta ser solamente la primera etapa en trayectorias complejas y menos
directas, que sólo en ocasiones resultan ser continuas y en el resto de las ocasiones se
caracterizan por avances y retrocesos consignados con vueltas al sistema educativo o con
periodos de espera, que conducen a los jóvenes a diferentes e imprevisibles posiciones
dentro de la estructura social y ocupacional”.34
Avanços e retrocessos das relações de interesse, da remuneração e da profissionalização
no século XX descortinam efeitos prejudiciais da psicose do milênio e estão comprovados desde
as cinco últimas décadas; cronologicamente dez anos depois do centenário da morte de Marx em
1973 e depois em 1984, ano terrível da distopia de Orwell e, mais dez anos depois, em 1993
quando o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, anunciou um programa de
estabilização econômica que foi base para a nova moeda (o Real) até alcançarmos as
manifestações do Passe Livre de 2013.
Historicamente, a precariedade da remuneração e da profissionalização da juventude é
ainda dependente do sistema educativo dos países. Além disso, depende do desempenho das
instituições de ensino que estão adaptadas a contextos culturais e econômicos particulares. Os
tempos hoje são outros e a remuneração proposta na Contemplo Cia de Dança faz lembrar a
queda de Alice num comprido e baixo aposento que era iluminado por uma fileira de lâmpadas
penduradas no teto e havia portas de diferentes tamanhos trancadas, enquanto ela desejava
apenas alcançar o jardim para passear por entre aqueles canteiros de flores viçosas e fontes
geladas ... eis, então, o momento da chegada de Alice ao País das Maravilhas, no qual resta saber
se a anfitriã, a Rainha Vermelha, a receberá com um temperamento duro ou manterá postura
mais leve e descontraída.
O benefício financeiro identificado enquanto bolsa-auxílio no projeto nacional da
Contemplo Cia de Dança vai de acordo com critérios e cronograma próprio de execução aprovado
e publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 06 de Janeiro de 2014. Está previsto um dispêndio
de atividades diárias, distribuídas durante seis meses de formação básica e turnê nacional,
perfazendo aproximadamente 06h00 atividades diretas e indiretas e, além disso, supostamente,
remunera-se o dançarino-intérprete em conformidade com o projeto de Lei nº 4.281/2012. A
bolsa-auxílio também está em concordância às Resoluções Normativas que estabelecem as
normas gerais e específicas para concessão e implementação de bolsas no Brasil. Outros dados
comparativos35
puderam ser consultados afim de traçar um perfil mais ou menos objetivo da
remuneração dos profissionais de dança no Brasil. Verificou-se que o profissional da dança, em
sua maioria, ainda não é tão valorizado financeiramente. Poucos ganham acima de três (3)
salários mínimos com dança, seja dando aulas ou apresentando espetáculos; outros não têm
34 BLASI, Bernat Albaigés. Construcción De Valores En Los Procesos De Emancipación Juvenil. 2007.
35
Disponível em: http://www.firjan.org.br/industriacriativa. Acesso em 03/03/2014.
18
renda alguma. Os dados também mostraram que poucos têm registro profissional, estando o
profissional suscetível a exploração do trabalho, recebendo valores ínfimos por ensaio ou aula.
O projeto nacional da Contemplo Cia de Dança incentiva e remunera o candidato
aprovado com uma bolsa-auxílio focada na sua participação. Esta bolsa prioriza o empenho e
enfatiza uma relação profícua tendo como princípio a educação voltada para o potencial cognitivo
e didático do trabalho enquanto dançarino-intérprete, dependente de seu entorno e das
situações que o circunscrevem. A organização deste curso de dança contemporânea acontecerá
de forma não fragmentária, durante seis meses (aprovado enquanto PRONAC nº 129736) e com
plano de formação e cronograma pedagógico devidamente estruturado em itinerários formativos,
articulados a uma sistemática final de certificação que favorecerá ainda a mobilidade e o
desenvolvimento profissional para o segmento das Artes Cênicas/Dança Contemporânea dentro
do território nacional.
____ .

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  • 1. 1 UMA PROVA DE GRUPO DE DOIS Alexandre Batista Reis Diretor da Contemplo Cia de Dança (PRONAC 129736) Bahia, novembro 2016 Resumo: Este artigo é o resultado sintético do trabalho que foi desenvolvido durante o período que decorre do mês de outubro de 2013 a julho de 2016, referente ao processo pré-seletivo simplificado da Contemplo Cia de Dança. Para alcançar esta síntese abordaram-se referências bibliográficas, análise comportamental e entrevistas aplicadas a partir de conceitos politicamente aliados à heurística do programa do espetáculo de dança contemporânea AURORA. No processo pré-seletivo simplificado consideraram- se três relações assimétricas que subordinam perspectivas de avaliação psicológica: emancipação, remuneração e profissionalização neste projeto cultural. Palavras chave: Dança Contemporânea, Emancipação, Trabalho e Sexualidade. Abstract: This article is the synthetic result of the work that was developed during the period from October 2013 to July 2016, referring to the simplified pre-selection process of Contemplo Cia de Dança. To achieve this synthesis, bibliographic references, behavioral analysis and applied interviews were approached from concepts politically allied to the heuristics of the program of the contemporary dance spectacle AURORA. In the simplified pre-selection process, three asymmetric relationships were considered that subordinate perspectives of psychological assessment: emancipation, income, and professionalization in this cultural project. Tags: Keywords: Contemporary Dance, Emancipation, Work and Sexuality.
  • 2. 2 Demandas1 surpreendentes foram alcançadas ao investigar e propor um processo pré- seletivo nacional de dançarinos-intérpretes (jovens do sexo masculino) para uma possível contratação temporária e remunerada vinculada ao curso de dança contemporânea da Contemplo Cia de Dança. Este processo é aparentemente aleatório, agregador de ações teóricas e práticas, locais e virtuais e tratou-se ainda de uma investigação psicológica indiferente às formas e conteúdos da dança contemporânea e seus requisitos. Enquanto processo dialético e empírico aprofundou-se em seleção que proporcionaram um resultado efetivo de concretização às futuras contratações de artistas para a composição da equipe de dançarinos-intérpretes da Contemplo Cia de Dança. Esta análise considera temáticas político-ideológicas emergentes e inseridas no ambiente de trabalho pedagógico, artístico e profissional desta companhia. As inscrições se tornaram uma cornucópia, e não um caminho em linha reta para alcançar vacância no projeto, na qual diferentes artistas preocupados com o rompimento de padrões de comportamento são concorrentes entre si e a homoafetividade é subentendida como um pré-requisito imanente e propagador de auto- organização destes candidatos (dançarinos-intérpretes); enfatizando relações de interesse incentivadas pelo desejo de emancipação do candidato por meio da arte da dança e, também, a partir de uma recombinação disciplinadora, na qual se tentou analisar o sistema binário corpo homoafetivo/dança contemporânea e sua inserção dentro de perspectivas histórico-sociais e virtuais. Na Contemplo Cia de Dança o contrato surge a partir do plano comportamental, psicobiológico e profissional. A fidelidade é significativa ao compromisso entusiástico com a repetição de estímulo-resposta, cognição e movimentos corporais. Antes de se inscrever é preciso que o candidato tenha um compromisso com a (re)criação e sua integridade, tais condições de participação são um pouco mais elevadas se comparadas às diretrizes contratuais planejadas por companhias de dança contemporânea2 . Na Contemplo Cia de Dança o processo investigativo-seletivo para o desenvolvimento do espetáculo AURORA3 prioriza a (re)criação da subcultura gay masculina brasileira com enfoque na sustentabilidade e permanência afetiva destes participantes. 1 “É preciso que pensemos Avaliação Psicológica de fato como um processo e que, como tal, se inicia pela análise das demandas. Demandas não são encomendas e, assim, é preciso colocar em análise constantemente as perguntas que nos são dirigidas, para que estas nos sirvam fundamentalmente para pensar o limite ético do nosso conhecimento, o qual resguarda um limite epistemológico e de fundamentação científica, mas também guarda um limite político.” De acordo com BICALHO, Pedro Paulo G. In: Direitos Humanos e Avaliação Psicológica: pela abertura das caixas pretas que nos constituem. Pág. 17. 2012. 2 “Em dança contemporânea, para alcançar o nível de comunicação ou de expressão dos diferentes coreógrafos, o intérprete precisa adequar-se física e intelectualmente ao projeto criador, o que implica treinamento físico aliado ao entendimento e aceitação de um determinado projeto estético.” De acordo com SANTOS, Elise A. et MACÊDO, Kátia B. In: O Trabalho dos Bailarinos Profissionais de uma Companhia de Dança Contemporânea: Uma Perspectiva Psicodinâmica. Pág. 309. 2010. 3 REIS, A. B. PROGRAMA DA CONTEMPLO. 2012. (Desenvolvimento de material didático ou instrucional - Programa Pedagógico e Artístico para a Contemplo Cia de Dança). Palavras-chave: Tecnologia Educacional; Produção Cultural; Dança Contemporânea. Grande área: Linguística, Letras e Artes / Área: Artes / Subárea: Artes do Vídeo / Especialidade: Dança Contemporânea. Setores de atividade: Educação. Brasil/Português. Homepage: http://contemplociadanca.blogspot.com.br/. Finalidade: Gestão, coordenação e contratação de pessoas para a realização de Curso Profissionalizante de Dança Contemporânea em Brasília - DF. Formação profissionalizante em Dança Contemporânea com 800 horas/atividades, com a obtenção ao final do processo educativo do registro profissional.
  • 3. 3 De modo semelhante, recriação e diferença, se apresentam nas pinturas rupestres dos sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara onde, quase nunca, uma figura é idêntica à outra. Tais categorias foram reunidas, e propagadas, para o desenvolvimento de um artista homoafetivo único e disponível para este trabalho transdisciplinar. Para alcançá-lo foi necessário desenvolver um questionário contratual que enfatizou duas questões morais. 1. Qual é o compromisso do candidato com a sua auto avaliação mediante o paradoxo do ato puro? 2. Como evitar que o dançarino-intérprete não sofra com a psicose do milênio? O ato puro, ou psicose do milênio, vem sendo associado ao corpo enquanto patologia instantânea de vicissitudes na sua representação4 . A crise desta representação interfere no tempo disponível para a formação da identidade profissional do artista da dança contemporânea. Por este motivo é importante avaliar se dançarinos-intérpretes, jovens, semelhantes e/ou nitidamente complexos, serão igualmente capazes de prosperar no ambiente artístico e profissional da Contemplo Cia de Dança enquanto produto da pós-modernidade e de sua emancipação. O pertencimento do dançarino-intérprete a esta companhia e seu modelamento comportamental acontecerão se, e somente se, significar um grande passo para a compreensão identitária da companhia, estendida e estabelecida enquanto equipamento cultural para as próximas gerações futuras. O comportamento profissional busca a estabilidade participativa e exige que o processo pedagógico fique atento a tais condições. O trabalho com a dança deve ser entendido como atividade física e artística pouco reconhecida na transigência de orientações sexuais, ou seja, deve ser entendido enquanto lugar seguro, enquanto refúgio de natureza anti- discriminatória de orientação e/ou de afastamento de grupos heterogêneos. “Constato assim a dança, como técnica corporal, e que quando estigmatizada por uma conjuntura sociocultural, possa ser o “refúgio motor” que o aluno com essa tendência se vale para sublimar aquelas que ele considera desfavoráveis, e que não lhe atribuem satisfação interativa naquele momento. Mas, sobretudo coadjuvantes à individuação e às sensações de bem-estar ou mal-estar, que participam na compreensão global de cultura corporal dos indivíduos.” 5 O mais importante para a manutenção do dançarino-intérprete na Contemplo Cia de Dança é a perseguição ao projeto pedagógico por meio da leitura de relações psicológicas e corporais estabelecidas com seu comportamento moral e afetivo. A montagem coreográfica, a turnê e as demais responsabilidades orientadas no programa do espetáculo de dança contemporânea AURORA são importantes para alcançar um entendimento de arte e de filosofia. 4 YAZIGI, Latife, MINERBO, Marion & ATTUX, Cecília. Patologias do Milênio: o Ato Puro e a Psicose da Ação. In: Mudanças Psicoterapêuticas. Estudos Psicossociais, v.8, (14):13-33, jul/dez, 2000. 5 REIS, A. B. Imagem Corporal Homossexual: reflexões sobre o discurso que se faz deste corpo em aulas de Educação Física. URL disponível em: https://www.slideshare.net/AlexandreReis18/ebook-desmunhecando-o-discursopdf . Pág. 14. 1994.
  • 4. 4 No homem o ímpeto criativo e o conhecimento estético têm gênese instantânea, única e é irrepetível. No dançarino-intérprete da Contemplo Cia de Dança o alcance do crescimento do desejo de participar do projeto – pela própria grandiosidade do debate que ele propõe – é uma condição diferenciada para a maioria dos jovens que se encontram iludidos, ou ludibriados, com a paradoxal visão de mundo consumidor que insiste condicioná-los, neste século, enquanto organismos economicamente producentes e criadores de um modus vivendi no qual a lógica da produção de bens culturais indica a estética do consumo. A produção cultural pós-modernista gera uma arte volumosa, efetivamente identificada como a mais prazerosa, benéfica ou saudável. Entretanto, a diferença do projeto da Contemplo Cia de Dança se destaca pela crítica aos padrões racionais discursivos orientados pela ânsia do sucesso vivido como renúncia de alteridade. O processo pedagógico e artístico despoja o corpo dos padrões historicamente conhecidos. Volta-se aos objetos físicos, perceptíveis e sensoriais do corpo quais, voluntariamente, exercem a superação de tensões, desequilíbrios e conflitos de identidade. O capitalismo e os seus vários tons de cinza redefiniram o conceito de prazer. A meditação faz com que possamos alcançar os objetos abstratos da vida onírica, estes objetos abstratos e as sensações de bem-estar são determinantes para explicar o caráter de amadurecimento da identidade artística do candidato. Porém, a conquista progressiva da unidade corporal e a prática na presença, na intuição do outro e do conjunto da obra, refletem o modo de agir e de pensar dos dançarinos-intérpretes. Sibyl with Tabula Rasa. Diego VELÁSQUEZ. Meadows Museum, Dallas, Texas Na pintura de Velásquez o corpo e os lábios estão entreabertos como se estivessem prestes a falar ou a mover enquanto seu dedo repousa sobre o tablete (tabula rasa) aparentemente em branco. Assim o corpo é a tabula-rasa de vários tons de branco que precisam ser coloridos dentro de um espaço-tempo definido. Entende-se o corpo dançante como uma “tela” presente sob uma direção coreográfica, os meios em alcançá-lo (corpo) apto à reconstrução desta dança ancestral são abordados na heurística do programa do espetáculo de dança contemporânea AURORA. Percebe-se que o corpo está aflito por reconhecimento e emancipação e enquanto suporte da arte ele (corpo) é
  • 5. 5 capturado subitamente, de surpresa, para responder questões que lhe são pertinentes e que ainda não foram aplicadas dentro do sistema educativo brasileiro. Ao mesmo tempo este corpo anseia por ficção, por inovação e por satisfação de seus desejos. Implora por evolução. Na Pré-História e nos grupos indígenas o movimento permitia o encontro de regiões menos áridas para o florescimento dos alimentos cultivados; e hoje a crescente insegurança climática e ecológico-financeira, além da ambição pela propriedade, pelo privilégio, atribui uma nova compreensão humana dos espaços percebidos. Acontece uma mudança lenta na moral acalentada para as pessoas de baixa renda, fundamentada no domínio e no poder da educação, produzindo uma realidade que representa a arte da dança de forma abstrata, entretanto, perfeitamente realizável como um projeto cultural aprovado mediante uma lei de incentivo federal (lei 8.313/1991). Mesmo assim, percebe-se que as políticas culturais não têm condições de efetivar, ou mesmo de atenuar por si só, a realização ulterior do projeto em função de uma evidente incapacidade administrativa do Estado brasileiro em sua totalidade cultural até agora. O artista-proponente sente-se isolado, dedica-se à abstração do projeto em si e para si, apoiando-se na expectativa de patrocínio proveniente de legítimos editais que poderiam impulsionar o seu intento dentro do período de execução aprovado. Os editais seguem a lógica da editalização, uma formatação hegemônica dos modelos de financiamento público. Dentro da atual conjuntura, as iniciativas que se mantiverem na mesma direção dificilmente conseguirão escapar da editalização. O ponto nevrálgico é o tempo que os editais acabam por padronizar e, na maioria das vezes, não corresponde com a construção do tempo da criação. Desse modo, não despontando o patrocínio corre-se o risco de sua estagnação, de sua involução, como realidade concreta a ser transmitida à sociedade. “A arte abstrata recusa a própria possibilidade de representação da realidade. O hiper-realismo vem mostrar, paradoxalmente, que a cópia mais que perfeita da realidade transmite exatamente a sensação de falta de realidade da realidade mesma, típica da realidade virtual, da Era da imagem.”6 O projeto aprovado torna-se abstrato e dissemina angústia em toda a equipe anuente, ele não passa de ser uma imagem autorizada pela política cultural que justifica a crise de sua representação proporcionando uma forma simbólica chamada por alguns de pós-modernidade na arte. A abstração artística do candidato transforma o projeto em sensação e seduz seu interesse na exposição de sentimentos exógenos e extravagantes que o projeto propõe enquanto obra de arte contemporânea. A concepção do espetáculo de dança contemporânea AURORA sugere um corpo ancestral, irreprimível e virtualmente livre de preconceitos. 6 YAZIGI, Latife, MINERBO, Marion & ATTUX, Cecília. Patologias do Milênio: o Ato Puro e a Psicose da Ação. In: Mudanças Psicoterapêuticas. Estudos Psicossociais, v.8, (14):13-33, jul/dez, 2000.
  • 6. 6 Novos artistas resistiram à existência do preconceito e discriminação sobrepujando a regra e recriando formas de expressão e de trabalho artístico. Entretanto, na história da dança, nem todos os artistas foram, em essência, dançantes e homoafetivos. Este cenário ocorre ainda pela ausência de conhecimento da importância histórica da dança contemporânea no Brasil e de como esta arte do movimento humano ainda é desconhecida em comparação com o ritmo de desenvolvimento sociocultural nas sociedades ocidentais7 . A Contemplo Cia de Dança é um empreendimento nacional da área cultural de dança contemporânea. Este empreendimento resultou de um longo processo transeunte iniciado desde o final dos anos de 1980, partindo do Estado de Goiás, e decorrente de instalações, pesquisas e viagens de análise prático-teóricas para outros destinos nacionais e estrangeiros. Sua efetivação artístico-pedagógica contradiz o senso comum de estabilização enquanto fenômeno urbano de uma única cidade. A companhia torna-se assim fruto de uma rede de complexas relações culturais que a sintetizam em sua capacidade de alcance. O seu registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) foram efetivados no Estado da Bahia. A companhia convive num ambiente de produção cultural pleno de metas políticas que vigoram desde a primeira década deste milênio. A companhia é classificada como optante pelo Simples Nacional8 e é mantida especialmente por patrocínios, além de recursos próprios. O proponente é contundente aos motivos pelos quais o trabalho técnico e a obra artística a ser concebida não alcançarão seus objetivos somente com uma internalização de fatores cognitivos, corporais e de criação em dança. Desse modo, outras motivações contribuem implicitamente neste projeto, tais como: pedagogia, juventude, qualidade de vida, brasilidade, musicalidade, saúde, disciplina, sexualidade e IDH. Os artistas da dança contemporânea estabelecidos dentro dos critérios heurísticos da companhia determinam a demanda de tempo exigido na conclusão das etapas emancipatórias do projeto. Simples assim, não é. E não será tão facilmente mediante a vagarosa expansão da consciência cultural sobre a importância da repercussão e concretização de um projeto iniciado com aprofundamento teórico, além de reconhecimento da trajetória nacional e internacional do proponente sobre este assunto. Por este motivo o proponente revê e reavalia o papel das pessoas dentro do procedimento aprovado e publicado por duas vezes consecutivas por meio da Lei Rouanet (2007 e 2013) no Diário Oficial da União. Trata-se de um processo meticuloso, dispendioso e desgastante, o qual dispõe de um conjunto de colaboradores à distância. E, 7 “Puede ser que muchos de los estudiosos de esta técnica no dieron cuenta de lo que estaban escribiendo con sus métodos, pero fundamentaron un lenguaje que ha cambiado todo el ritmo de la Historia de nuestra sociedad occidental. Por ejemplo, los hábitos perjudiciales del trabajo del siglo pasado exigían movimientos capaces de compensarlos. El trabajo industrial ceñía el hombre de quedarse inmóvil y haciendo siempre las mismas tareas. La danza contemporánea ha intervenido proporcionando calidades de movimiento que reanuda el hombre a su esencia.” In: REIS, A.B. Análisis Histórico-crítico de la Danza Contemporánea y Muestra Cineantropométrica de Practicantes en la Universidad Autónoma de Madrid. Pág. 09. 2002. 8 O Simples Nacional é um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, previsto na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www8.receita.fazenda.gov.br/SimplesNacional/Documentos/Pagina.aspx?id=3. Acessado em 02/08/2015.
  • 7. 7 portanto, espera-se uma coesão que se sustentará com a autonomia identitária da companhia e que esta não se tornará, supostamente, um processo precário ou desequilibrado. Desse modo, cada função deve ser exercida dentro da Contemplo Cia de Dança de forma crescente, analítica e continuamente investigativa. Devem ser consideradas as lentas mobilizações e incentivos que envolvem um projeto cultural nacional, tendo em vista que este associa o poder público, o privado e as iniciativas individuais. Ressalta-se que durante este processo emancipatório, pertinente ao projeto, buscaram-se parcerias que não funcionaram na mesma medida dos interesses delineados no programa do espetáculo de dança contemporânea AURORA9 e que problemas éticos, morais e estéticos estão presentes no desenvolvimento deste projeto cultural nacional afim de que ele interaja no mercado de arte contemporânea com o mesmo direito e vigor que qualquer outro na atualidade da economia criativa. A opção pelo projeto não está isolada do histórico biopsicossocial10 e profissional dos artistas. Tratar-se-á de uma escolha única e é, também, uma força necessária para despertar nestes dançarinos-intérpretes outra percepção de si. Esta escolha é um pré-requisito importante para a aprovação dos candidatos e os critérios apontados no programa do espetáculo de dança contemporânea AURORA facilitaram a primeira avaliação decenal do projeto (2003-2013) num cenário bastante competitivo, inseguro, pleno de rivalidades e convivências intermitentes. O ato ou efeito de optar por determinado saber implica numa docilização que culminará na eficácia física do corpo e, segundo a genealogia foucaultiana, “aparece no intuito de fazer os corpos aumentarem a força útil através de exercícios e treinamentos, utilizando-se de técnicas de racionalização.” (p.88) 11 . A docilização por intermédio de uma arquitetura pedagógica amplamente discutida enfatiza uma experiência que, em primeira instância, sugere que nenhum treinamento dura para sempre. Antigos conflitos tendem a ressurgir ou surgir em novas formas muitas vezes inesperadas e imprevisíveis capazes de definir o arrependimento, no corpo do dançarino-intérprete, como alternativa para sua (re)criação e reavaliação. A adaptação ao ambiente de trabalho tem certa psicoafetividade que está submetida num contexto de descontinuidades, o projeto enfatiza uma pedagogia da convivência12 por sete meses consecutivos e não se propõe mudança de conteúdos e formas para que a dança contemporânea aconteça. A intenção desta pedagogia é conviver praticando criatividades entre corpos e movimentos, observando limites e evoluções susceptíveis. 9 REIS, Alexandre. B. PROGRAMA DA CONTEMPLO. 2012. Op. cit. 10 Fatores biológicos - como a predisposição genética e os processos de mutação que determinam o desenvolvimento corporal em geral e do sistema nervoso em particular, etc.; Fatores psicológicos - como preferências, expectativas e medos, reações emocionais, processos cognitivos e interpretação das percepções, etc.; Fatores socioculturais - como a presença de outras pessoas, expectativas da sociedade e do meio cultural, influência do círculo familiar, de amigos, etc., modelos de papéis sociais, etc. 11 FALCHI, Cinthia A. Déficit Erótico Na Educação: Um Problema Ético. In: REU, Sorocaba, SP, v. 39, n. 1, p. 87-104, jun. 2013. 12 “Penso que precisamos aprender sempre com o outro. Dessa maneira é necessário uma pedagogia que desobedeça uma conduta corporal ou um discurso virilizante, efetivamente crítica, conscientizada e que possibilite o encontro e as amizades entre os alunos e a turma”. REIS, A. B. Imagem Corporal Homossexual: reflexões sobre o discurso que se faz deste corpo em aulas de Educação Física. Pág. 14. Op. Cit. Pág. 48.
  • 8. 8 Este processo de (re)criação e arrependimento não está muito distante do que afirmou Foucault no primeiro capítulo de sua Microfísica do Poder13 , quando não é na mudança de conteúdo, nem na alteração teórica dos conjuntos sistemáticos que, analogicamente ao que se propõe no programa do espetáculo de dança contemporânea AURORA, alcançará e constituirá este corpo dançante contemporâneo. Poucos pensadores conseguiram criar confluências tão profundas nas ciências humanas, causando impacto liberador e criativo quanto Michel Foucault e ele é reconhecido também neste processo de (re)criação e arrependimento, tornando possível que a arte da dança sobreviva mediante uma realidade de classes e a um discurso moralizador e normativo que, até hoje, tão somente valoriza a produtividade com novos tipos de trabalhos corporais. Encontrar o desenvolvimento da arte da dança desde os núcleos da sua educação escolarizada, profissional até à sociedade empresarial de concorrência e dos espetáculos redunda no prolongamento da saúde, da juventude deste corpo dançante e autossuficiente. “Nessa perspectiva autoempreendedora, a saúde e o corpo, além da educação escolarizada e profissional, reorganizam-se com o objetivo de produzir o capital humano dotado de um belo corpo, excelente saúde juvenil e habilidades informacionais e cognitivas extraordinárias.”14 Pág. 128. Ciente de que, para ser aprovado, o dançarino-intérprete precisa falar de si mesmo como se fosse o centro das atenções de uma dança original, e este comportamento vislumbra uma relação emblemática na conquista dos direitos individuais para sua ascese no processo seletivo e planejada emancipação. O domínio da técnica corporal, a disciplina e o rendimento costumam ser considerados valores que desencadeiam autonomia. Estes valores são centrais na lógica dominante da concorrência, pois segundo Foucault esta é uma “exigência de se auto-constituir de maneira a satisfazer as demandas simbólicas da sociedade empresarial de concorrência.”15 O artista é autônomo de si mesmo como próprio produtor de dança, neste sentido experimenta uma extrovertida e escrupulosa conduta que exige o domínio de seu corpo e de sua sexualidade, responsabilizando-se sobre a conduta que deve manter e distanciando-se de atos que frustrem a sua esperança. Não se trata, simplesmente, de disciplinar o corpo na dança, porém de ter poder sobre si mesmo. O dançarino-intérprete deseja tornar-se alvo privilegiado da atuação deste poder. Além disso, suas orientações sexuais e trajetórias vêm sendo marcadas por incertezas e angústias. Uma interpretação racista/xenofóbica surgiria se o projeto não estivesse atento ao fato de que a homoafetividade dos dançarinos-intérpretes pudesse interferir a priori 13 “(...) não é portanto uma mudança de conteúdo (refutação de erros antigos, nascimento de novas verdades), nem tampouco uma alteração da forma teórica (renovação do paradigma, modificação dos conjuntos sistemáticos). O que está em questão é o que rege os enunciados e a forma como estes se regem entre si para constituir um conjunto de proposições aceitáveis cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de serem verificadas ou infirmadas por procedimentos.” FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Pág. 5. 14 CÉSAR, Maria Rita de Assis & DUARTE, André. Governo dos Corpos e Escola Contemporânea: pedagogia do fitness. In: Educação e Realidade: 34(2): 119-134; mai/ago 2009. 15 DUARTE, André. Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo. Artigo disponível em: (99+) Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo. In: Para uma vida não fascista. Ed. Margareth Rago; Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. 35-50. | André Duarte - Academia.edu . Acessado em 16/10/2022.
  • 9. 9 em temáticas delicadas e convivências que culminariam em manifestações agressivas dentro do ambiente da companhia. Felizmente, tais manifestações político-sociais já se discutem enquanto consequências prejudiciais, de toda espécie, no Brasil contemporâneo. Difícil ainda é manter seis rapazes homoafetivos (dançarinos-intérpretes) em pleno desenvolvimento dancístico numa realidade que impede o seu desenvolvimento ulterior, pois a legislação brasileira contemporânea não deu conta de avançar tanto quanto precisa na defesa de seus direitos individuais e coletivos enquanto artistas emancipados, tendo em vista que tramita na Câmara dos Deputados, em regime ordinário, o projeto de Lei nº 4.281/2012 de autoria do Deputado Osmar Júnior, qual instituirá a ”Bolsa-Artista.” Todos (as) os (as) dançarinos (as)-intérpretes serão convocados (as) a participar de um processo técnico-coreográfico que tem uma classificação indicativa a partir de conteúdos envolvendo nudez e sexualidade, conteúdos que podem interferir no desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. A superexposição corpórea é conduzida por um espetáculo de superfícies densas, no qual o corpo seminu do artista mistura-se aos ambientes, textos, tecidos, metais, líquidos, cenários e luzes. Portanto, a superexposição destes artistas provocará um risco às suas imagens e que, pela prática de ostentação do corpo desnudo ou seminu, veiculado em redes sociais e multimidiáticas (Youtube, Instagram, Snapchat e etc) declinadas da comunicação visual do projeto incitariam estes dançarinos-intérpretes a correrem o risco de sofrerem consequências com a libidinagem. No espetáculo de dança contemporânea AURORA credita-se uma consequência positiva da produção artística, resultante de uma sociedade tolerante, dinâmica, autêntica e criativa. O mais interessante é que mesmo avesso às ordens definitivas do projeto o candidato presencia uma força criadora de obstáculos a serem questionados para alcançar a razão imediata de sua aprovação, ou melhor, da aprovação do seu interesse no projeto, e de sua consequente contratação. Esta leitura de si e do projeto em si só poderão determinar coerência de forças sensíveis no sentido de sua aprovação absoluta, remunerada e cotidiana na produção artística do espetáculo de dança contemporânea AURORA e na propagação do método de ensino- aprendizagem desenvolvido durante as etapas de pré-produção, produção e pós-produção. Questões de desenvolvimento cognitivo e neurofuncional não devem ser encaradas como pressão por produtividade individual ou coletiva, os dançarinos-intérpretes devem construir uma crítica à lógica da descartabilidade, que segundo FERRAZ (2010) corrói a nossa capacidade de lembrar, e esta lógica está muito presente nas relações de trabalho com a produção artística em dança, e seus vieses, onde o movimento humano torna-se imediato e irreversível. “(...) a lógica da descartabilidade, tanto nas relações de trabalho quanto nas ligações pessoais, termina por curtocircuitar o sentimento de continuidade do vivido e a produzir couraças que impedem a livre circulação dos afetos do corpo, abrindo vastos espaços brancos na memória.”16 16 FERRAZ, Maria Cristina Franco. Homo Deletabilis. Corpo, percepção, esquecimento do século XIX ao XXI. Rio de Janeiro: Editora Garamond. Pág. 12. 2010
  • 10. 10 Estes espaços brancos na memória podem ser associados ao arrependimento, e geram sentimentos muitas vezes responsáveis pela descontinuidade e descartabilidade das relações de trabalho. A tentativa de esquecimento, ou ainda a solicitação de perdão enquanto sentido de pesar pelo desfalque, pelo erro, e a submissão estão intimamente ligados ao sentido da fé, do arrependimento. Entretanto, pela banalização do corpo a recombinação disciplinadora pós-moderna passou a depender-se mais de uma dor física ou econômica do que moral em si. A submissão do sujeito aos imperativos dos detentores de poder das instituições sociais tem sido motivo de muitas manifestações sociais. Em comparação temos que na dança contemporânea além dos dançarinos jugarem suas atividades insuficientes para alcançar uma performance17 satisfatória para si próprios e para o público, outro problema é revelado quanto ao arrependimento de sua opção ligada à profissão, o fato de que a imagem do dançarino é constantemente vinculada ao fato dele ser homossexual. O arrependimento se refere a um fenômeno indesejável que a experiência determina como forma desagradável de conhecimento próprio, sob o olhar do mundo vivencial e moral. Moralidade que considera o arrependimento como uma força intuitiva, atenuante e corretiva, condutora de regra. O ressarcimento dessas intuições comunga o espírito numa reconciliação tardia em função do controle ou da abstinência, diante da experiência erótica, por exemplo. Ele afasta o modelo contraditório do remorso, sentimento fronteiriço que conduz o propósito de mudar ou de permanecer na Contemplo Cia de Dança. As consequências de viver pelo trabalho escolhido como dançarino-intérprete é motivo de expiação do sofrimento. A maioria dos familiares dos dançarinos-intérpretes encara a profissão enquanto erro de trajetória de existência, é muito comum observarem a carreira como insustentável e a profissão como frustrante. Portanto não está descartada que a contratação, mediante a atual conjuntura política e cultural, dependeria de uma banalização do arrependimento de ser artista e que a remuneração aprovada e proposta, enquanto bolsista, não é suficiente para causar a mudança deste paradigma no biênio 2014-2015. Igualmente aspectos físicos e energéticos dos candidatos não estão descartados da normativa contratual e laboral do projeto. É muito natural que os jovens estejam submetidos a uma precária condição trabalhista, e a sua consequente aprovação neste projeto não está distante de suas reivindicações por melhorias nas condições de trabalho com a dança contemporânea. A resolução dos arrependimentos pode ser alcançada pela vida onírica e o diferencial disciplinar do projeto pode ser permutado em recombinação de cargos e papéis, conhecimentos multidisciplinares e censura. Estes artistas devem ainda usufruir de oportunidades controladas por um sistema sustentável de remuneração e consumo, e inverso ao alívio imediatista dos desejos. Considerando a manutenção do entusiasmo uma condição política do modelo contraditório da produção artística, qual significa a isenção da miséria humana, abordada como irrevogável 17 SANTOS, Elise A. et MACÊDO, Kátia B. (org.). O Trabalho de quem faz arte e diverte os outros. In: O Trabalho dos Bailarinos Profissionais de uma Companhia de Dança Contemporânea: Uma Perspectiva Psicodinâmica. (p. 321-322). 2010.
  • 11. 11 finitude da existência ou realidade da existência humana18 . O modelo contraditório significa, pois, uma estratégia crítica como alívio para uma transgressão e resistência da vanguarda. Foster (1996) e Kershaw (1996) coincidem pontos de vista importantes sobre as antigas noções do “teatro político” e do “artista político”. Segundo Foster (1996), “mais uma vez, estamos diante de desenvolvimentos desiguais, ou seja, adiante apenas de tendências, que não obstante é tarefa do artista político articular” (p. 202). Segundo Kershaw (1996) há uma crise generalizada contínua da confiança na legitimidade dos processos políticos estabelecidos, e que, paradoxalmente, mina qualquer prática de desempenho que tem a ambição de ser oposição. Ele justifica que “se poucas pessoas acreditam no Estado, então não valerá a pena atacá-lo”(p.133). Simultaneamente, a midiatização de desenvolvimento das sociedades dispersa a inserção de desempenho na vida cotidiana. A desonra enquanto reparação do erro estaria subjugada ao poder do Estado que, por sua vez está cada vez mais dependente dos meios de comunicação, somos imediatamente confrontados com um mundo performativo ideal, pleno de estilos de representação e, neste processo, as funções ideológicas tornam-se cada vez mais diversas. E é neste contexto que Pascal19 problematiza a miséria humana referente ao sistema que permeia todos independentemente de sua condição cultural ou econômica. O ato de repensar a identidade de gênero e profissional condicionará os dançarinos- intérpretes da Contemplo Cia de Dança ao novo paradigma da mente. Ora, a crítica é fundamental para a integridade moral. Se na pré-história a experiência simultânea de mundo modulava a resolução dos problemas práticos de coleta e caça, enfrentados pelo homem, hoje esta experiência exige o conhecimento do controle de estações e duração na resolução de equações ininteligíveis para a maioria das especulações cognitivas e evolucionistas. O homem habilidosamente separou os problemas adaptativos do mundo ancestral com o avanço da técnica, esta seletividade ainda é privilegiada para os atuais fatos histórico-sociais de sua existência. Dentre os aspectos de adaptabilidade a recombinação disciplinadora é o mecanismo que pode movimentar os arranjos da condição humana; (re)conhecida culturalmente como disciplina, e tem seu ponto de partida na genealogia foucaultiana com a descoberta dos micropoderes disciplinares que visavam a administração do corpo individual. A disciplina é o mecanismo que pode movimentar os arranjos da condição humana. A disciplina é o embaralhamento de elementos morais intercambiáveis e segundo Foucault (1984)20 é na ‘fila’ que se situa a posição disciplinadora do corpo. Para compreender o domínio da disciplina na Contemplo Cia de Dança coexistem dois fatores de extrema importância na manutenção do entusiasmo: a pós- modernidade e a hiperconectividade. Ponderá-los com a banalização do arrependimento de ser artista e o perfil profissional, de gênero e sexualidade, deste dançarino-intérprete no projeto nacional da Contemplo Cia de Dança é fundamentalmente importante para sua aprovação. 18 A Condição Humana, segundo Blaise Pascal. Artigo disponível em: https://1library.org/article/pens%C3%A9es-a- condi%C3%A7%C3%A3o-humana-segundo-blaise-pascal.ydj06r6y . Acessado em 16/10/2022. 19 Ibidem. 20 “A disciplina, arte de dispor em fila (...) individualiza os corpos por uma localização (...) rede de relações”. In: FOUCAULT, Michel. Vigiar Punir. (p.133).
  • 12. 12 A pós-modernidade No contexto das primaveras (de Praga e Árabe)21 que culminaram com uma tentativa de romper com o status quo vigente nos países em crise temos que entender que, com a crise da modernidade, abriu-se um período de tempo em que a indefinição se tornou a regra. Esta indefinição é entendida enquanto crise da representação. Neste começo de século também a dança contemporânea, que já vinha oscilando na sua crise de representação, instituiu-se de projetos agressivos e de contestação às leis de incentivo que beneficiaram somente instituições mantenedoras da ordem política e social proposta pelo Estado, suas autarquias e demais empresas patrocinadoras. O contexto da dança contemporânea, ou também reconhecida como dança pós-moderna, costuma ser abordado em outro lugar e pouco tem sido escrito sobre o seu potencial político22 . Numa sociedade capitalista tardia, reposicionada da ética da produção para a ética do consumo, encontramos mudanças que resultaram na mercantilização da cultura. E, por exemplo, hoje o “Vale-Cultura” concebe esta potencialidade econômica na cadeia produtiva do setor cultural brasileiro, em termos gerais o benefício é visto como algo a ser construído, ou seja: o significado, a performance, os artistas e o público são todos construídos ou estão sendo construídos a partir desta lógica. Estes domínios são construídos e, ao mesmo tempo, desencadeiam a construção de subjetividades individuais. O enfoque do trabalho em dança contemporânea vinculado aos processos de produção e construção estão condicionados à política de mercantilização da cultura que, por meio de dispositivos de representação auto-reflexiva, - tais como intertextualidade e paródia - fragmentaram-se e atravessam uma complexa rede de eixos de energia temática e criativa, tais como gênero, sexualidade, raça e classe. A pós-modernidade na dança segundo BRIGINSHAW23 defende que o único sistema operacional político potencial de alguns textos pós-modernos reside nos vislumbres que eles podem dar de como operar os sistemas de energia, principais domínios de poder, tais como gênero e sexualidade. A encenação do significado revela o processo de construção. De acordo com BRIGINSHAW, estes processos de construção giram em torno da relação polêmica da pós- modernidade para a modernidade. “(...) Aplicar esta teoria faz com que a dança, poderia ser reivindicada enquanto manifesto político dos coreógrafos (...) Algumas coreografias brincam com conceitos como gênero e sexualidade, revelando assim a sua natureza construída, parecem desafiar o status quo, exemplificando assim um pós-modernismo de resistência, outros coreógrafos tendem acriticamente a celebrar mercantilização, simpatizando-se com um pós- 21 Teresa Cristina Schneider Marques & Antônio Eduardo Alves de Oliveira. De Praga Ao Mundo Árabe: Uma Análise Comparada De Primaveras Políticas. In: Revista Conjuntura Austral. Vol. 4, nº. 17. Abr. Mai. 2013. 22 BRIGINSHAW, Valerie A. Postmodern dance and the politics of resistance. Chapter 7, In: Analysing Performance – a critical reader. Org.: Campbell, P. United Kingdom: Manchester, 1996. (p. 125). 23 Ibidem.
  • 13. 13 modernismo de reação. Este tipo de categorização é perigoso, no entanto, como as fronteiras são notoriamente escorregadias, os debates abundam. O pós-modernismo de resistência é o que busca questionar, em vez de explorar códigos culturais, para explorar ao invés de esconder as afiliações políticas e sociais.24 Na dança contemporânea talvez mais do que em outros segmentos das Artes Cênicas esta crise da representação torna-se muito evidente. Ela é o “simulacro” citado por BAUDRILLARD25 , ou seja, uma imagem de dança, uma imagem sombria, torna-se mero pretexto de dança e tem conotações paralelas. E isto pode ser destacado pela tecnologia que pode desempenhar um papel essencial na dança contemporânea enfatizando características da superfície do corpo (estático ou em movimento) e suas infinitas representações. A pós-modernidade na dança encena esta crise da representação, e segundo CAMARGO26 é: “A perda da nitidez das fronteiras ideais, o esquecimento dos limites das definições abstratas e a incompreensão de novas emergências em características conceituais são provocadas por linguagens não verbais que se tornaram onipresentes no cotidiano e suportes de novos conhecimentos, inviabilizando a hierarquia moderna e lançando a todos num mar entrópico de sensações ininteligíveis.” A dança é considerada, então, pertinente a esta afirmação. Ela poderia ser lida por substituição dos 'vocabulários de dança' para 'linguagem' em textos coreográficos. Por exemplo, o vocabulário do balé clássico tem desempenhado um papel fundamental na construção de certa visão da feminilidade. Textos coreográficos pós-modernos, expondo este processo de construção e desconstrução "descentralizam" qualquer noção do estereótipo feminino. O processo de representação é particularmente pertinente para a dança, onde os assuntos são ambos representados no desempenho e os artistas também estão representando seus desempenhos. Como HUTCHEON afirmou: "A vida no mundo pós-moderno é totalmente mediada através de representações".27 24 “Applying this theory to dance, it could be claimed that choreographers such as Lea Anderson, Pina Bausch and Mark Morris, who play with concepts such as gender and sexuality, thus revealing their constructed nature, seem to challenge the status quo thereby exemplifying a postmodernism of resistance. Oh the other hand, choreographers such as Karole Armitage and Michael Clark tend uncritically to celebrate commodification more in sympathy with a postmodernism of reaction. This kind of categorisation is dangerous, however, as the boundaries are notoriously slippery. Debates abound. Foster’s ‘postmodernism of resistance’ which ‘seeks to question rather than exploit cultural codes, to explore rather than to conceal social and political affiliations’.” BRIGINSHAW, Valerie A. Postmodern dance and the politics of resistance. Op. Cit. (p. 125-126). 25 BAUDRILLARD apud BRIGINSHAW, Valerie A. Op. Cit. (p. 126). 26 CAMARGO, Marcos H. A Crise da Representação Moderna. Artigo disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/camargo-marcos-a-crise-da-representacao-moderna.pdf. Acessado em 10/03/14. (p. 12). 2011. 27 HUTCHEON, L. apud BRIGINSHAW, Valerie A. Op. Cit. (p. 127).
  • 14. 14 A representação é, portanto, conhecimento dialético entre superficialidade e profundidade. Suas camadas proporcionam cognição e a opção do dançarino-intérprete pelo projeto nacional da Contemplo Cia de Dança. Ansiedade, angústia e simultaneidade são sentimentos localizados na crise da representação e, paralelamente, incitam novos critérios e controvérsias na contratação destes. Verifica-se, na crise da representação, uma instabilidade na compreensão dos valores objetivos do projeto nacional da Contemplo Cia de Dança, sendo que tais valores são pertencentes ao imaginário homoafetivo, e precisam ser exaustivamente discutidos onde a hiperconectividade não seja descartada conquanto processo imprescindível de fidelização ao projeto. A hiperconectividade A programação inserida no contexto das redes comunicacionais evidencia a percepção superficial e o discurso distópico do mundo vivencial. O homem angustiado e à sombra de suas relações na ordem contemporânea não consegue mais equilibrar seu tempo para realizar tarefas artesanais, como faziam os indígenas. A questão da infância e da adolescência perpassa tais critérios de construção da crítica e relacionam-se igualmente no projeto da Contemplo Cia de Dança com a dificuldade de contratação de aprendizes, candidatos menores de dezoito anos, para a sua fundamentação e instalação enquanto equipamento cultural contemporâneo. Por outro lado, jovens candidatos não estarão, a priori, completamente aptos para a contratação, tendo em vista que, faz-se necessária uma observação mínima dos inquéritos para o alistamento. Com a hiperconectividade determina-se uma fronteira fictícia até então desconhecida. A hiperconectividade do jovem pós-moderno pode ser comparada à distopia Huxleyana e, segundo CARIBÉ , no mundo de Aldous, a luxúria e o prazer são extremamente estimulados e não existem vínculos afetivos, que são combatidos com o estimulo à busca individual pela auto-realização. Neste mundo hipotético, vive-se para o consumo e o prazer. Com o risco do fim da vida social o voyeurismo desponta enquanto método de proteção e conhecimento do corpo, método que proporciona uma inteligência cibernética capaz de desenvolver estruturas de telemetria mental (ocultas) e de, supostamente, alcançar a telepatia que proporcionaria arranjos entre dois cérebros. Segundo NICOLELIS (2012) “dois cérebros poderiam, eventualmente, chegar a um consenso, vamos dizer, sobre a identidade de um objeto complexo explorado apenas parcialmente por ambos.”28 A cultura brasileira foi pautada na arte da sedução, do futebol ao carnaval, incrementada pela ilusão do consumismo e descarte. Não é fácil construir uma crítica ao contexto nacional quando não se tem interesses emancipatórios a priori 29 . FOSTER30 e OSÓRIO31 apresentaram 28 Apud STIX, Gary. Brain to Brain: Dawning of the Telepathic Rat Tweet. Artigo disponível em: http://blogs.scientificamerican.com/talking-back/2013/02/28/brain-to-brain-dawning-of-the-telepathic-rat-tweet/, acesso em 19/01/2014. 29 Para Habermas a comunicação é precisa quando trata das situações em que se busca o entendimento, o acordo, o discurso polêmico. Habermas acredita que, com a modernidade surgem condições para o desenvolvimento de uma
  • 15. 15 obras nitidamente esclarecedoras sobre a ‘sedução multiculturalista’, ou seja, sedução por valores cingidos pelo fetiche, onde tudo se torna mercantilizável e coisificado. OSÓRIO ainda critica que “a incorporação de processos diversos de modernização implica assumir uma simultaneidade de ‘agoras’ que articulam modelos alternativos de passado e de futuro”. Segundo FOSTER “emergimos da imediaticidade do Imaginário para sermos inseridos como sujeito dentro de estruturas sociais.” O caráter sedutor deste(s) discurso(s) quando dirigido(s) para a educação escolar vai de encontro com a educação no século XXI que é ousada, flexível, desafiadora e complexa. Apresentada como requisito de alistamento ao processo educativo, esta sedução multiculturalista deve ser graduada em níveis de pureza. São necessárias experiências de transição à emancipação e às diversidades abaladas pela contaminação dos arrependimentos. Destarte, o recente impulso de fazer parte de um projeto nacional manifesta, no candidato à vaga de dançarino-intérprete, uma espécie de vínculo ainda não solucionado efetivamente no seu mundo interior. A ideia de se formarem elos ideológicos e disciplinares, aparentemente representados por meio de “selfies”32 como processo virtual de apresentação e emancipação da juventude. Esta ideia supõe a resolução imediata da expectativa de sucesso vindouro por meio de uma simultânea projeção imagética e corporal aliada ao mundo do trabalho racionalidade comunicativa (pela maior circulação de informações, menos censura, etc.). Apud VILALBA, Rodrigo. Teoria da Comunicação: conceitos básicos. São Paulo: Ática, 2006. 30 FOSTER, Hal. RECODIFICAÇÃO: Arte, Espetáculo, Política Cultural. 1996. 31 OSÓRIO, Luiz Camillo. Altermodernidade brasileira. In: Viso · Cadernos de estética aplicada, n.11. Jan-jun/2012. 32 Palavra escolhida pelo dicionário Oxford - e que significa o autorretrato tirado exclusivamente para ser compartilhado -, e em superexposição com o mundo.
  • 16. 16 artístico. A convencionalidade desta emancipação gera a manutenção de interesses mútuos, sexuais e originais, quais estão cada vez mais rápidos e difusos por conta da era cibercultural em que vivemos, e o entusiasmo ainda é condição permanente para a evolução humana. A metodologia deste processo de ensino-aprendizagem não poderá, por tal convenção, ser confundida com aliciamento. A definição de aliciamento, segundo o dicionário Michaelis é engambelar, prometer presentes, dinheiro, fama, fortuna, e etc. para atrair a pessoa, ou induzi-la a atos de rebeldia. Em atenção quanto ao artigo 218 do Código Penal Brasileiro vale mencionar que é crime corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá- lo. Motivos mais do que evidentes e necessários para a consciência do apelo ao consumo e ao sexo, e que estes dois impulsos criam condicionamentos, criam consciência, onde o silêncio é conivência e a igualdade é um mito moderno que vem enfrentando desgaste, por conta do avanço das ideias sobre a diversidade original das pessoas33 . A profissionalização em dança contemporânea na Contemplo Cia de Dança – perspectivas, relações de interesse, remuneração e a profissionalização O interesse no projeto inicialmente desenvolvido (2003-2008) antes do seu registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica é fortalecido enquanto conhecimento a ser transmitido, inalienável e fidedigno ao sistema de ensino-aprendizagem que será, possivelmente, comparado ao sentido de subalternidade evidente em cursos de capacitação profissional. O processo pré- seletivo nacional constrói uma nova localização sobre o tempo e o desejo na vida do candidato. O fato de conhecer o andamento da Contemplo Cia de Dança determina a gênese de um processo formativo, profissional, multidirecional e internacional. A vivência do sonho de ser artista é um privilégio, mundialmente construído no corpo de dançarinos-intérpretes, e propõe um legado de dança contemporânea a ser construído. A qualidade do encontro com o método é a primeira faísca que permite avaliar relações de interesse e perspectivas, porém ela não é uma condição plena de fulgurante sintonia e profissionalização. Primeiramente as pessoas vinculam-se ao projeto nacional da Contemplo Cia de Dança pelo entusiasmo e à medida que se apresentam obstáculos na compreensão do conceito do processo formativo, há um distanciamento. Diferente do que se poderia imaginar, mesmo com todos os artifícios conectivos e privilégios da vida pós-moderna, a sintonia é cada vez mais cacofônica, múltipla, dispersa e irradia infinitos impulsos, desejos subjetivos e emancipatórios. A capacidade de comunicação não é fácil de alcançar para quem é indiferente às formas e conteúdos da dança contemporânea e seus requisitos. Além disso, quem se apresenta no tempo imediato, do aqui e agora, como já foi citado, vive na ausência da noção de futuro. Esta angústia 33 CAMARGO, Marcos H. A Crise da Representação Moderna. Artigo disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/camargo-marcos-a-crise-da-representacao-moderna.pdf. (p. 10). 2011.
  • 17. 17 reflete a emergência da empregabilidade que pode transformar a relação de interesse no projeto nacional da Contemplo Cia de Dança numa força impulsiva da psicose do milênio, o ato puro. “La crisis económica del 73 supuso un efecto destructivo sobre el empleo y el mercado fue incapaz de generar puestos de trabajo para toda la población activa (…) La escuela resulta ser solamente la primera etapa en trayectorias complejas y menos directas, que sólo en ocasiones resultan ser continuas y en el resto de las ocasiones se caracterizan por avances y retrocesos consignados con vueltas al sistema educativo o con periodos de espera, que conducen a los jóvenes a diferentes e imprevisibles posiciones dentro de la estructura social y ocupacional”.34 Avanços e retrocessos das relações de interesse, da remuneração e da profissionalização no século XX descortinam efeitos prejudiciais da psicose do milênio e estão comprovados desde as cinco últimas décadas; cronologicamente dez anos depois do centenário da morte de Marx em 1973 e depois em 1984, ano terrível da distopia de Orwell e, mais dez anos depois, em 1993 quando o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, anunciou um programa de estabilização econômica que foi base para a nova moeda (o Real) até alcançarmos as manifestações do Passe Livre de 2013. Historicamente, a precariedade da remuneração e da profissionalização da juventude é ainda dependente do sistema educativo dos países. Além disso, depende do desempenho das instituições de ensino que estão adaptadas a contextos culturais e econômicos particulares. Os tempos hoje são outros e a remuneração proposta na Contemplo Cia de Dança faz lembrar a queda de Alice num comprido e baixo aposento que era iluminado por uma fileira de lâmpadas penduradas no teto e havia portas de diferentes tamanhos trancadas, enquanto ela desejava apenas alcançar o jardim para passear por entre aqueles canteiros de flores viçosas e fontes geladas ... eis, então, o momento da chegada de Alice ao País das Maravilhas, no qual resta saber se a anfitriã, a Rainha Vermelha, a receberá com um temperamento duro ou manterá postura mais leve e descontraída. O benefício financeiro identificado enquanto bolsa-auxílio no projeto nacional da Contemplo Cia de Dança vai de acordo com critérios e cronograma próprio de execução aprovado e publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 06 de Janeiro de 2014. Está previsto um dispêndio de atividades diárias, distribuídas durante seis meses de formação básica e turnê nacional, perfazendo aproximadamente 06h00 atividades diretas e indiretas e, além disso, supostamente, remunera-se o dançarino-intérprete em conformidade com o projeto de Lei nº 4.281/2012. A bolsa-auxílio também está em concordância às Resoluções Normativas que estabelecem as normas gerais e específicas para concessão e implementação de bolsas no Brasil. Outros dados comparativos35 puderam ser consultados afim de traçar um perfil mais ou menos objetivo da remuneração dos profissionais de dança no Brasil. Verificou-se que o profissional da dança, em sua maioria, ainda não é tão valorizado financeiramente. Poucos ganham acima de três (3) salários mínimos com dança, seja dando aulas ou apresentando espetáculos; outros não têm 34 BLASI, Bernat Albaigés. Construcción De Valores En Los Procesos De Emancipación Juvenil. 2007. 35 Disponível em: http://www.firjan.org.br/industriacriativa. Acesso em 03/03/2014.
  • 18. 18 renda alguma. Os dados também mostraram que poucos têm registro profissional, estando o profissional suscetível a exploração do trabalho, recebendo valores ínfimos por ensaio ou aula. O projeto nacional da Contemplo Cia de Dança incentiva e remunera o candidato aprovado com uma bolsa-auxílio focada na sua participação. Esta bolsa prioriza o empenho e enfatiza uma relação profícua tendo como princípio a educação voltada para o potencial cognitivo e didático do trabalho enquanto dançarino-intérprete, dependente de seu entorno e das situações que o circunscrevem. A organização deste curso de dança contemporânea acontecerá de forma não fragmentária, durante seis meses (aprovado enquanto PRONAC nº 129736) e com plano de formação e cronograma pedagógico devidamente estruturado em itinerários formativos, articulados a uma sistemática final de certificação que favorecerá ainda a mobilidade e o desenvolvimento profissional para o segmento das Artes Cênicas/Dança Contemporânea dentro do território nacional. ____ .