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VERA CRISTINA DE SOUZA 
MULHER NEGRA E MIOMAS: UMA INCURSÃO NA ÀREA DA SAÚDE, RAÇA/ETNIA. 
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais – Antropologia, sob a orientação da Profa. Dra. Josildeth Gomes Consorte. 
PUC - SÃO PAULO 
1995
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FOLHA DE APROVAÇÃO 
Banca examinadora: 
Dra. Josildeth Gomes Consorte (orientadora) 
Dra Elza Berquó 
Dra. Maria Helena Villas Boas Concone
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Í N D I C E 
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 01 
CAPÍTULO 1 – SAÚDE D DOENÇA DA POPULAÇÃO NEGRA 
NOS ESTUDOS SOBRE OS NEGROS NO BRASIL 
Considerações Gerais.................................................................................................. 08 
1. Saúde e doença da População Negra no período 
da escravidão.............................................................................................. 08 
2. Saúde e doença da População Negra no Negra nas 
preocupações dos intelectuais brasileiros.................................................. 10 
3. Saúde e doença da População Negra nas preocupações 
dos dos intelectuais brasileiros.................................................................... 13 
4. A luta feminista no Brasil e o destaque das questões 
relativas à saúde da mulher......................................................................... 14 
5. O recorte racial / étnico nas pesquisas sobre saúde mulher........................................................................................................... 15 
CAPÍTULO 2 – COR E DOENÇAS RACIAIS / ÉTNICAS: 
ATITUDES E PROBLEMAS DE ABORDAGEM 
Considerações Gerais.................................................................................................... 21 
1. O item cor.......................................................................................................... 21 
2. Do quesito cor às categorias raça/etnia........................................................... 24 
CAPÍTULO 3 – A PESQUISA DE CAMPO SOBRE MIOMAS 
1. Material e Métodos...................................................................................... 28 
2. Resultados..................................................................................................... 30 
2.1Perfil demográfico das entrevistadas........................................................... 30 
2.1.1 Condições de vida.................................................................................... 30 
2.1.2 Nupcialidade ............................................................................................ 34 
2.1.3 Perfil reprodutivo ..................................................................................... 36 
2.2 Caracterização dos miomas...................................................................... 42 
2.2.1 Incidência e reincidência dos miomas.................................................. 42 
2.2.2 Idade média do aparecimento do mioma.............................................. 46 
2.2.3 Meios de diagnóstico .............................................................................. 48 
2.2.4 Conhecimento dos miomas e das formas de tratamentos..................... 49 
2.2.5 Orientação médica e formas de tratamentos......................................... 53 
2.2.6 Miomas e métodos contraceptivos........................................................... 65 
CAPÍTULO 4 – MIOMAS UTERINOS: CONSIDERAÇÕES E OPINIÕES 
MÉDICAS 
Considerações Gerais ....................................................................................... 68 
1. Etiologia............................ .......................................................................... 68 
2. Incidência..................................................................................................... 70 
3. Tipos.................................................................................................. ............ 70 
4. Sintomatologia........................................................................................ .... 72
4 
5. Formas de tratamentos................................................................................. 73 
6. Controvérsias e conclusões............................................................................ 77 
6.1 Miomas versus infertilidade...................................... .................................. 77 
6.2 Miomas versus contracepção....................................................................... 78 
6.3 Miomas versus outras patologias................................................................. 79 
CONCLUSÕES.............................................................................................................. 80 
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 82 
ANEXOS:.................................................................................................................... 88 
1. Questionário utilizado nas pesquisas de campo 
2. Roteiro utilizado nas entrevistas gravadas com profissionais de saúde
5 
INTRODUÇÃO 
No Brasil, ainda são poucos os estudos que tratam da saúde da população negra, bem como das chamadas doenças raciais/étnicas1 com ela relacionadas, seja em virtude da dificuldade de se lidar com a complexidade da questão racial entre nós, seja da incompreensão, por parte de muitos, em admitir que ainda hoje persiste a discriminação entre negros e brancos. Esta situação se agrava ainda mais quando se trata de estudos sobre a saúde reprodutiva da mulher negra, na medida em que o interesse por assuntos nesta área, mesmo para a população feminina em geral, é muito recente. 
È de domínio público a informação de que a qualidade de saúde pública no país, é de um modo geral precária, dado o conjunto de problemas que apresentam. Além disto, não é difícil constatar que o acesso a estes serviços varia para os diferentes grupos que compõem a população, com maior desvantagem para os negros. 
A maioria da população negra das grandes cidades, em função da discriminação racial e social a que está sujeita, concentra-se na periferia dos centros urbanos, onde os serviços de infra-estrutura são mais deficientes ou inexistentes e as oportunidades econômicas e educacionais, as mais precárias (ROLNIK, 1989). 
Dois importantes indicadores na análise das condições de vida de uma população são a mortalidade infantil e a mortalidade materna. Ao estudar estes dois indicadores por cor, TAMBURO (1987) concluiu que a mortalidade infantil da população negra é maior que a da população branca, o que, segundo a autora, entre outros fatores, pode ser também atribuído às piores condições de vida em que se encontram os negros. 
1 Entendemos doenças raciais/étnicas como as patologias que prevalecem ou são quase exclusivas em determinados grupos populacionais classificados enquanto raciais (negros, brancos e amarelos) ou étnicos (ciganos, judeus, etc). A esse respeito ver OLIVEIRA, 1994
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Com relação à mortalidade feminina por cor no Brasil, estudos revelam que há sobremortalidade das mulheres negras em relação às brancas, o que, segundo CUNHA (1990), também se pode atribuir a diferenças nas condições materiais de vida - acesso aos serviços de saúde e a informação, qualidade dos alimentos consumidos, etc. 
Não objetivamos neste estudo descrever as precárias condições de vida em que se encontra a maioria da população negra, uma vez que vários autores já o fizeram de modo exaustivo (FERNANDES, 1960; IANNI, 1987; ARAÚJO, 1987; CHAIA, 1988; ROLNIK, 1989; ROSEMBERG, 1991, BENTO, 1994). 
Estes estudos, porém, não se ocuparam especificamente da saúde da mulher negra. 
O presente trabalho procura abordar um aspecto importante da saúde da mulher negra: sua saúde reprodutiva. 
Nosso interesse por este tema teve início quando passamos a integrar a equipe do Programa "Saúde Reprodutiva da Mulher Negra", do CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, iniciado em 1992, sob a coordenação da Profa. Dra. Elza Berquó, sob os auspícios da Fundação MacArthur (Estados Unidos). Um dos itens do Programa foi a realização de uma pesquisa de campo, no município de São Paulo, visando caracterizar aspectos relacionados à saúde reprodutiva da mulher negra, tendo como contraponto necessário à mulher branca, mediante uma amostra por cotas de 1.026 mulheres de 15 a 50 anos de idade, 513 brancas e 513 negras, onde foi possível acumular conhecimentos a respeito de características específicas da saúde da mulher negra. 
Durante este período estivemos expostas ao debate sobre condições materiais de vida versus predisposição biológica no que se refere à saúde. O Programa também
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compreendeu dois importantes seminários2 com renomados médicos3 e geneticistas4 brasileiros sob o aspecto da saúde/doença e raça/etnia. A anemia falciforme e a hipertensão arterial5 foram citadas nos seminários como doenças raciais-étnicas, dada sua maior prevalência na população negra. 
Concomitantemente à participação no Programa, iniciamos extenso levantamento bibliográfico6 e realizamos entrevistas com profissionais de saúde7 com o objetivo de aprofundar o entendimento sobre a questão. 
Em parte da literatura médica norte-americana consultada e alguns dos depoimentos dos profissionais de saúde brasileiros entrevistados encontramos a afirmação de que as mulheres negras são mais predispostas a desenvolver miomas uterinos do que as mulheres brancas, embora nem sempre, se explicasse a razão para esta suposta diferença. 
Em face destas colocações, reexaminamos os dados da referida pesquisa de campo, à procura de uma eventual diferença na proporção de miomas entre brancas e negras. Os resultados empíricos, entretanto, não confirmaram tal diferença, já que as proporções de miomas para mulheres negras e brancas foram praticamente as mesmas: 15.6% e 15.4%, respectivamente. 
2 Em janeiro de 1993, foi realizado o seminário "Etnia versus Biológico. No mês de dezembro do mesmo ano, foi realizado o seminário "Alcances e Limites da Predisposição biológica". Este último resultou na publicação dos Cadernos de Pesquisa CEBRAP, no 2 
3 José da Rocha Carvalheiro, Marco Antonio Zago, Miriam Ribeiro, Pedro Paulo Roque Monteleone, entre outros. 
4 Carla Franchi Pinto, Crodowaldo Pavan, Eliane Azevedo, Mara H. Hutz, Oswaldo Frota Pessoa. 
5. A esse respeito ver ZAGO, 1994. 
6. A pesquisa bibliográfica deu-se junto a BIREME - Centro Latino-Americano de Informação em Ciências da Saúde, Escola Paulista de Medicina, Escola de Saúde Pública e Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. 
7. Os profissionais de saúde entrevistados foram: José Carlos Riechelmann, médico ginecologista-obstetra, terapeuta sexual; Luiz Claudio Dacca, médico ginecologista-obstetra, do Centro de Saúde de Vargem Grande Paulista; Alice de Paula Souza, especialista em Saúde Pública do Centro de Saúde de Vargem Grande Paulista; Jussara Marchi, enfermeira do Centro de Saúde de Vargem Grande Paulista e Dulce Sena, médica ginecologista-obstetra.
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Em que pese o fato da literatura médica não apontar nenhuma relação entre miomas e esterilização, mas levando em conta a voz corrente entre mulheres negras de que a esterilização feminina decorria, em parte, da presença de miomas, buscamos comparar as proporções desses tumores entre esterilizadas negras e brancas verificadas na Pesquisa. Embora a proporção de miomas para as negras esterilizadas (17,5%) fosse o dobro da relativa às brancas esterilizadas (8.8%), estas porcentagens não diferiram estatisticamente8. Mesmo assim decidimos levantar informações adicionais com o propósito de esclarecer esta elevada proporção de negras com miomas dentre as esterilizadas. 
Não tendo sido conduzida com o propósito específico de aprofundar estudos sobre miomas, a Pesquisa não continha informações detalhadas sobre o histórico dos miomas acoplado com o histórico da anticoncepção e da reprodução. 
Decidimos então, no ano de 1993, voltar a campo a fim de reentrevistar todas as mulheres esterilizadas e portadoras de miomas, encontradas na Pesquisa: Eram dezoito negras e dez brancas. A estas adicionamos um número idêntico de não-esterilizadas com o cuidado de que tivessem características de idade, escolaridade e número de gestações semelhantes às correspondentes esterilizadas, para permitir comparabilidade, perfazendo um total de 56 mulheres: 36 mulheres negras com miomas, sendo dezoito esterilizadas e dezoito não-esterilizadas, assim como vinte mulheres brancas com miomas, sendo dez esterilizadas e dez não-esterilizadas. 
A análise dos resultados desta nova investigação forneceu-nos uma visão mais abrangente acerca da epidemiologia dos miomas e da sua relação com a saúde reprodutiva das mulheres que os apresentam, mostrando que mioma não é razão de esterilização. 
8. Valor observado da estatística Z igual a 1.88, menor do que o valor crítico de 1.96 ao nível de significância de 5%.
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Ainda que os dados da nossa amostra de 56 mulheres não confirmassem a hipótese da prevalência de miomas entre as mulheres negras, os dados relativos ao suposto aparecimento de novos miomas pareciam indicar que sua manifestação era maior entre mulheres negras. 
Restava ainda uma questão fundamental a esclarecer, já que as informações sobre miomas haviam sido obtidas junto às próprias mulheres, sem que dispuséssemos de diagnóstico médico que comprovasse a informação. 
Por este motivo, empreendemos uma nova investigação, centrada agora num serviço de saúde, junto ao qual poderíamos obter informações relativas à incidência dos miomas a partir de diagnósticos médicos, numa população de baixa renda. Esta nova investigação, realizada no Centro de Saúde de Vila Morais, bairro da Saúde, nos permitiria: 
1 - Conhecer o perfil demográfico e reprodutivo das entrevistadas; 
2 - Estimar a incidência e reincidência de miomas nas mulheres negras e brancas; 
3 - Levantar os meios de diagnóstico de miomas; 
4 - Investigar o nível de conhecimento dos miomas e das formas de tratamentos das mulheres brancas e negras; 
5 - Conhecer a orientação médica e a conduta adotada pelas entrevistadas para o tratamento dos miomas; 
Com essa nova investigação não apenas criaríamos a possibilidade de verificar a suposta incidência de miomas em mulheres negras de baixa renda, como de ampliar o
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nosso conhecimento sobre a relação destas mulheres com esses tumores e a repercussão destes sobre a sua vida reprodutiva.
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A dissertação está dividida em quatro capítulos onde abordaremos os seguintes conteúdos: 
CAPÍTULO 1 - SAÚDE E DOENÇA DA POPULAÇÃO NEGRA NOS ESTUDOS SOBRE O NEGRO NO BRASIL. 
Nesse capítulo traçaremos um quadro das condições de vida e das doenças que atingiam os escravos brasileiros, o pensamento sobre o negro surgido no país no final do século XIX e seus desdobramentos no século XX, os posicionamentos dos negros sobre as suas questões e a emergência dos estudos sobre a demografia da população negra. 
CAPÍTULO 2 - COR E DOENÇAS RACIAIS ÈTNICAS: ATITUDES E PROBLEMAS DE ABORDAGEM. 
Este capítulo tratará das dificuldades quanto a implantação do quesito cor nos serviços de saúde e a sua necessidade para a avaliação do processo saúde/doença da população negra; a polêmica em torno dos conceitos de raça e etnia e das doenças consideradas raciais/étnicas relacionadas à população negra do país. 
CAPÍTULO 3 - A PESQUISA DE CAMPO SOBRE MIOMAS UTERINOS. 
Nesse capítulo serão analisados os resultados da pesquisa de campo realizada com mulheres negras e brancas portadoras de mioma uterino, abrangendo sua incidência e reincidência, conhecimento das entrevistadas sobre os tumores, orientação médica e formas de tratamentos, meios de diagnóstico, etc. 
CAPÍTULO 4 - MIOMAS UTERINOS: CONSIDERAÇÕES E OPINIÕES MÉDICAS.
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O presente capítulo discorrerá sobre a epidemiologia dos miomas uterinos segundo depoimentos de profissionais de saúde e informações obtidas através da literatura médica norte-americana. 
É nossa intenção com esta dissertação contribuir, ainda que modestamente, para a superação das lacunas apontadas no início - lacunas estas decorrentes do tratamento precário do item cor nos levantamentos estatísticos e estudos epidemiológicos referentes à saúde reprodutiva da mulher negra.
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CAPÍTULO 1 
SAÚDE E DOENÇA DA POPULAÇÃO NEGRA NOS ESTUDOS SOBRE OS NEGROS NO BRASIL 
Considerações gerais 
Desde os tempos da escravidão, no Brasil, os negros enfrentaram problemas com sua saúde. É verdade que, naquela época, tanto negros como brancos ressentiam-se da dificuldade de obter assistência institucional à saúde, já que praticamente não existiam médicos. Para os negros, porém, essa situação se agravava em virtude do desinteresse dos senhores pela saúde de seus escravos. 
Nos nossos dias é certo que a medicina se encontra bastante desenvolvida, mas a maioria da população continua não tendo acesso a ela, principalmente os negros, que são entre os pobres os mais pobres. 
1 - Saúde e Doença da População Negra no Período da Escravidão9 
Ao estudar as condições de vida da população escrava no tocante à sua saúde, COSTA (1989) mostra que muitas das doenças que acometiam os negros decorriam das suas péssimas condições de vida. Sofriam de problemas pulmonares, sobretudo de tuberculose, por causa do ambiente insalubre das senzalas. Por estarem submetidos a trabalhos exaustivos e, conseqüentemente, à estafa, era comum entre os negros das zonas rurais os acidentes nos engenhos, que os levavam à morte ou a mutilações. A utilização das águas dos rios para banho e ingestão, comumente contaminadas por dejetos, provavelmente contribuiu para que contraíssem doenças infecciosas. 
A precariedade nas condições de vida favorecia também a incidência de outras doenças como disenteria, verminoses, gastrite, hepatite, morféia, tétano, impaludismo, escorbuto, doenças sexualmente transmissíveis - as antigas moléstias ou doenças 
9 Neste capítulo, nos utilizamos, sobretudo, dos estudos de Emília Viotti da Costa (1989), pela abrangência em que investigou a saúde dos escravos brasileiros.
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venéreas - bouba, reumatismo, doenças da pele (como a sarna, a erisipela e a impingem) e elefantíase. 
As verminoses do tipo ancilostomíase e ascaridíase causavam fortes reações orgânicas, que resultavam em indisposição física. Provocavam também tosse, problemas digestivos, hepatites crônicas, febres e até perfurações de órgãos. Desconhecendo que a verminose necatoríase provoca a geofagia (hábito de comer terra), os senhores puniam os escravos acometidos pela doença com um tipo especial de castigo: a obrigatoriedade do uso de máscara de zinco, ou folha-de-flandres. Esse verme também é causa de determinadas dermatoses nos membros inferiores. A solução encontrada pelos senhores para os escravos portadores de hanseníase, assim como para aqueles que apresentavam elefantíase, era a alforria. Doentes, abandonados e inutilizados para o trabalho, restava- lhes a mendicância. 
Para a cura de seus males, os negros utilizavam-se dos conhecimentos trazidos da África, como o preparo de medicamentos à base de ervas, cinzas e pedras. Tinham por hábito, também, fazer orações, proferir palavras santas e invocar determinados santos para protegê-los de certas doenças: santa Luzia, para os doenças dos olhos, santa Ágata, para as doenças dos pulmões, são Lázaro, contra a hanseníase. 
Eram altas as taxas de mortalidade de brancos e escravos, mas sobretudo destes. No ano de 1830, enquanto nasciam 4.0% de crianças brancas morriam 2.83%; para os escravos enquanto nasciam 4.76% morriam 6.86% (KARL SEIDLER, apud COSTA, 1987). 
A mortalidade das crianças negras nas fazendas chegou a atingir 88% dos nascimentos tendo como causas mais freqüentes o mal de sete dias (tétano neonatal), o desmame precoce e o consumo habitual de alimentos contaminados (L.COUTY, apud COSTA, 1987). 
As escravas de leite, por sua vez, geralmente eram impossibilitadas de amamentar seus filhos, já que eram alugadas pelos seus senhores como amas-de-leite para alimentar as crianças da Casa Grande, agravando ainda mais esta situação (MOTA, 1990).
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Era freqüente também a mortalidade materna causada pelas precárias condições em que se realizava o parto, assim como pelo fato de que as negras com gravidez adiantada continuavam no mesmo ritmo intenso de trabalho. 
Outro fator de morbidade e até de mortalidade entre a população escrava estava relacionado à mulher negra virgem. Havia uma crença de que o homem branco portador de doença venérea seria curado se tivesse relações sexuais com uma mulher negra virgem (ETZEL, 1976). 
"O número de escravos reduzia-se em cinco por cento ao ano, dada a elevada mortalidade infantil e ao pequeno 
número de mulheres, que, nesta época estava na proporção de uma para cinco" (COSTA, 1989). Frente a esta situação, os senhores entendiam que de nada adiantaria melhorar as condições de vida da população escrava, pois para eles os negros encontravam-se "em extinção". 
Com o fim do tráfico de escravos, em 1850, e a conseqüente dificuldade de obtê- los, verificou-se uma relativa melhora na alimentação e nos cuidados com a saúde dos negros. A regra geral, porém, continuava sendo o descaso. 
Segundo COSTA (1989), mesmo após a escravidão, mantiveram-se os altos índices de mortalidade infantil, materna e adulta. Segundo o Anuário Médico Brasileiro de 1891, a febre amarela, a malária e a precariedade nas condições de moradia, de alimentação e sanitárias foram fatores que muito contribuíram para a persistência da alta mortalidade entre os negros. 
2 - Saúde e Doença da População Negra nas Preocupações dos Intelectuais Brasileiros. 
No final do século XIX, persistiam epidemias como o mal de Chagas, febre amarela, febre tifóide, escarlatina e cólera, entre outras. O país estava "doente" e era necessário encontrar a causa e a cura desses males, de forma que à mestiçagem foi atribuída a responsabilidade por esta situação. Por outro lado, acreditava-se que o cruzamento constante das raças proporcionaria, através da “depuração”, a pureza da raça branca e, conseqüentemente, a solução para o problema.
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SCHWARCZ (1993) resgata o pensamento da intelectualidade brasileira fundamentado no darwinismo social e na eugenia, mostrando os caminhos que esses pesquisadores, em sua maioria mestiços, percorreram para encontrar uma solução "científica" para condenar a mestiçagem reinante no maior "laboratório racial", como o Brasil era visto. 
O darwinismo social, produto ideológico da teoria científica de Darwin, propugnava que a vida social seguiria os mesmos moldes da evolução biológica. A eugenia, por sua vez, visava à reprodução dos mais “aptos” e à extinção dos "inferiores". Em 1904, nos Estados Unidos, foi fundado o Laboratório de Evolução Experimental, e em 1905, na Alemanha, a Sociedade de Higiene Racial, centros pioneiros neste particular (OLIVEIRA, 1995). 
No Brasil, em 1917 foi fundada a Liga Pró-Saneamento e em 1918 a Sociedade Eugênica de São Paulo. Os eugenistas mantiveram grande afinidade com as idéias higienistas da Liga Pró-Saneamento, à qual muitos deles pertenciam. A Sociedade Eugênica de São Paulo encerrou suas atividades em 1919 (MARQUES, 1994). 
No entanto, o movimento eugênico após atingir o seu apogeu declina e perde o apoio dos cientistas europeus e norte-americanos. Retorna com novo fôlego nos anos 30, quando da ascensão do nazismo, que difundia o arianismo. No início da década de 30, foi criada na cidade do Rio de Janeiro a Comissão Central Brasileira de Eugenia, que publicava o Boletim da Eugenia. (OLIVEIRA, 1995). 
No final do século XIX, foram fundadas as Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, cabendo-lhes detectar o surgimento de doenças e traçar planos para erradicá-las. Expandem-se, na escola baiana, os estudos sobre medicina legal, com o objetivo de investigar menos a doença e mais o doente, através dos estudos da craniologia (SCHWARCZ, 1993) . 
Frente a todos estes acontecimentos, PEREIRA (1981), analisando a produção dos estudos sobre o negro no Brasil, elencou três fases distintas para caracterizá-la: o negro como expressão de raça, como expressão de cultura e como expressão social. 
Na primeira fase, os "atributos biológicos ou somáticos interpretados pelas ideologias, pelas crenças e motivações históricas da época compõem uma imagem
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negativa e patológica do homem de cor perante os outros ramos raciais que formam a população" (PEREIRA, 1981). 
Nina Rodrigues, médico maranhense, iniciou seus estudos sobre os negros na Bahia baseado em uma visão evolucionista, objetivando identificar quem era "aquele povo de origem africana" e em qual estágio se encontrava a sua cultura. 
Morto prematuramente, não finalizou suas pesquisas sobre os efeitos da mestiçagem, "mas é evidente a sua satisfação em constatar que os africanos aqui chegados já haviam ultrapassado os estágios mais rudimentares da evolução destacando- se mesmo entre eles alguns grupos (como os Malés) por seus dotes intelectuais e sua capacidade de liderança: 'os escravos negros introduzidos no Brasil não pertenciam exclusivamente aos povos africanos mais degradados, brutais ou selvagens'"(CONSORTE, 1987). 
A segunda fase apontada por Borges Pereira - "O negro enquanto expressão de cultura" - iniciou-se na década de 20 e, conforme o autor, teve as seguintes características: "O negro se infiltra nas reflexões científicas como expressão de cultura. Seus atributos raciais são colocados em plano secundário, cedendo lugar às suas peculiaridades culturais (PEREIRA, 1981). 
Nesta fase, Arthur Ramos, entre outros autores, questionou a tese da inferioridade intelectual do negro, mas considerava que a origem africana não era "ideal" para "um país que se queria branco, ocidental e cristão e que buscava modernizar-se e inserir-se no caudal da civilização" (CONSORTE, 1987). Para tanto, a religião dos africanos e suas crenças e superstições deveriam ser erradicadas através da educação, enquanto a cor seria diluída através da miscigenação. 
Na década de 30, Gilberto Freire atribuiu à cultura africana papel fundamental na construção da nacionalidade brasileira, mas, "ao valorizar a contribuição cultural do negro e a miscigenação de modo idílico", segundo a autora, Gilberto Freire, lançou os fundamentos do mito das três raças, o mito da democracia racial, que ganharia a partir de então estatuto acadêmico e oficial para a compreensão da nossa identidade enquanto povo" (CONSORTE, 1987).
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A terceira fase dos estudos sobre o negro, que Borges Pereira denominou como "o negro como expressão social", iniciou-se com o fim da Segunda Guerra Mundial, mediante uma reflexão crítica quanto ao "conceito de raça como realidade empírica - uma revisão de toda a problemática social, política e científica que históricamente se elaborara em torno da variedade fenotípica dos diferentes grupos humanos" (PEREIRA, 1981). 
Na década de 50, a UNESCO (1950-60) iniciou no país uma série de estudos com o objetivo de investigar como se processava a inserção dos negros na sociedade e, sobretudo, de identificar as barreiras à sua ascensão social. Dentre os autores que fizeram parte do Programa havia nomes como Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Roger Bastide (São Paulo); Octavio Ianni (Paraná) e Fernando Henrique Cardoso (Rio Grande do Sul); Thales de Azevedo, Charles Wagley, Marvin Harris, Harry Hutchinson e Benjamin Zimerman (Bahia); Renê Ribeiro (Recife); Luiz A. da Costa Pinto (Rio de Janeiro). 
Nenhum destes estudos, porém se ocupou da saúde desta população. 
3 - A População Negra Frente a seus Problemas 
Após a Abolição, no final do século XIX, surgiram, sobretudo no estado de São Paulo, organizações negras formadas majoritariamente por intelectuais considerados na época como a "elite negra". Tinham como objetivo propiciar aos negros formas de lazer e de cultura, sobretudo bailes, acesso a bibliotecas, cursos, encenação de peças teatrais que tratassem de sua realidade. 
Na década de 20, surgiu a imprensa negra de cunho político, que denunciava as práticas de discriminação racial e a situação de inferioridade sócio-econômica em que se encontravam os negros. A imprensa desta época, ao mesmo tempo que se apresentava como um veículo político posicionava-se também quanto ao modo pelo qual o negro deveria se comportar na sociedade para que tivesse o reconhecimento social do branco. Os negros deveriam unir-se e primar pela educação, e que desta forma integrar-se-iam na sociedade, assim como acontecia aos imigrantes. 
Como mostra CUNHA (1992), a postura e consciência política dos negros fez surgir em 1931 a Frente Negra Brasileira, que chegou a se registrar enquanto partido político, sendo extinta em 1937, no início do governo Vargas.
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Nos anos do Estado Novo (1937 a 1945), marcados pelo autoritarismo político, foram reprimidas as ações de contestação ou reivindicação de todos os movimentos sociais, de forma que também o movimento negro passou por uma fase de grande silêncio. 
Em 1978 foi criado o Movimento Negro Unificado (MNU), cujo objetivo geral era refletir sobre as formas de organização, manifestação e resistência ao racismo, empreendendo profundas discussões sobre raça, classe e cultura. A década de 70 foi um período fértil em movimentos sociais, incluindo-se entre eles o feminista e o de homossexuais. 
Na década de 80, com o centenário da Abolição da Escravatura (1888-1988), vários estudos sobre a situação dos negros foram realizados, tanto na academia quanto por parte de membros das várias entidades do movimento negro. Estas intensificaram suas manifestações de protesto e denúncia de discriminação contra os negros. Ainda neste período, com a redemocratização em curso no país e o surgimento de novos partidos políticos, o movimento negro conseguiu ampliar espaço para apresentar suas reivindicações. Nesse período verificou-se uma maior inserção de negros nos partidos e na Igreja Católica, que culminou com eleições de alguns candidatos negros (CUNHA, 1992). 
Todavia, as questões específicas relativas à saúde da população negra não foram tocadas por estes movimentos. A preocupação com a saúde da população negra só irá surgir no contexto das lutas feministas do período e especificamente voltada para a saúde da mulher negra. 
4 - A Luta Feminista no Brasil e o Destaque das Questões Relativas à Saúde da Mulher 
A partir dos anos 70 muitas foram as discussões em torno da participação política, econômica e social da mulher na sociedade. O grande marco de referência desses debates foi o Ano Internacional da Mulher, em 1975, decretado pela ONU. 
Na década de 80, o movimento feminista iniciou uma luta pela atenção específica à saúde da mulher, congregando mulheres negras e brancas, a maioria oriundas de
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partidos políticos de esquerda, sem que no entanto fosse discutida a relação entre saúde/doença e raça/etnia (ARAÚJO, 1994). 
Em 1985, a partir de uma reivindicação do movimento de mulheres, foi criado o PAISM - Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, com o objetivo "de oferecer às mulheres o direito de assistência à saúde dos níveis mais simples aos mais complexos, da atenção curativa à prevenção, assim como é o que permite a compreensão e a abordagem da mulher e do indivíduo na sua totalidade e das coletividades nas suas singularidades" (COSTA, 1993). 
No entanto, as questões relativas à saúde da mulher negra não foram contempladas no arcabouço teórico do PAISM e até os dias atuais este é matéria de grandes debates (OLIVEIRA, 1994). 
A partir do final da década de 80 foram implantados - sobretudo em algumas capitais, como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro - alguns serviços destinados à saúde da mulher, voltados principalmente ao planejamento familiar, prevenção à mortalidade materna e assistência à gestante de alto risco. 
Não obstante, havia um hiato entre a defesa dos interesses de gênero, promovido pelo movimento feminista, e a luta pró-cidadania da população negra, encabeçada pelo movimento negro: a questão específica da mulher negra. Assim, em 1988 surgiram as primeiras organizações de mulheres negras, que fundiam os ideais do movimento feminista e do movimento negro, voltando-se para os problema da discriminação social, econômica, educacional e política em relação à mulher negra (CARNEIRO, 1994). 
5 - O Recorte Racial/Étnico nas Pesquisas sobre Saúde 
A partir da segunda metade da década de 80, o NEPO - Núcleo de Estudos de População, da Universidade Estadual de Campinas, iniciou importantes projetos de investigações demográficas acerca da população negra, entre as quais podemos destacar os seguintes títulos: "Estudo da Dinâmica Demográfica da População Negra no Brasil" (BERQUÓ, BERCOVICH e GARCIA, 1987), "Fecundidade da Mulher Negra: Constatações e Questões" (BERCOVICH, 1987); "Mortalidade Infantil da População Negra Brasileira" (TAMBURO, 1987), " Nupcialidade da População Negra" (BERQUÓ,
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1987); "O Quadro de Discriminação Racial da Mortalidade Adulta Feminina no Brasil" (CUNHA, 1990). 
A partir de então, vários pesquisadores e centros de pesquisas realizaram estudos sobre a saúde da população negra, entre os quais, "Amamentação na População da Raça Negra em São Paulo" (RÉA, 1990); "A Mortalidade Intra-Uterina por Cor: Um Estudo no Município de São Paulo" (MORELL e SILVA, 1990). 
Alguns desses estudos tornaram-se referências imprescindíveis para a compreensão da demografia da população negra brasileira. 
Em "A fecundidade da Mulher Negra: Constatações e Questões" (BERCOVICH, 1987), estudo que comparou a fecundidade de mulheres brancas, pardas e pretas, revelou que até o ano de 1960, a fecundidade das mulheres brasileiras apresentava a seguinte ordem: maior fecundidade para as pardas, nível intermediário para as brancas e sistemáticamente menor fecundidade para as pretas. 
A autora supõe que a menor fecundidade de mulheres pretas até 1960 deve-se "à menor proporção de mulheres pretas que se unem” e :“à menor proporção de mulheres prolíficas, mesmo as que estão unidas" (BERCOVICH, 1987). 
A partir dos anos setenta, a autora verifica acentuada queda da fecundidade apresentada pelas mulheres brancas. 
Já no início da década de oitenta, BERCOVICH (1987) constata que as pretas apresentavam fecundidade superior às mulheres brancas; resultando então na maior fecundidade para as pardas, seguidas das pretas e em último lugar às brancas. 
Segundo a autora, a queda da fecundidade das mulheres brancas fez com que, pela primeira vez, houvesse superioridade da fecundidade das mulheres pretas sobre a das brancas. 
BERQUÓ (1987), em "Nupcialidade da População Negra no Brasil", constata que " nos últimos quarenta anos ocorreram no país uma diminuição relativa das populações declaradas brancas e pretas e um aumento relativo de pardos".
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Conforme sua investigação, no período 1940-1950 a população branca cresceu a taxas médias anuais de 2,10%, porcentagem que passou a 2,94% em 1950-1960 e a 2,16% em 1960-1980. 
Segundo a autora, a população preta, entre 1940-1950, apresentou redução em termos absolutos, "passando de 6.035.869 a 5.692.657 pessoas, ou seja, sujeitos a uma taxa anual de -0,58%. “Em 1950-1960 e em 1960-1980 "houve certa recuperação e o crescimento foi na ordem de 0,84% e 0,61% ao ano, respectivamente" (BERQUÓ, 1987). 
A população parda, entre 1940 e 1950, apresentou alto crescimento, com "taxa anual de 4,62%: curiosamente, essa desacelera no período seguinte, 4.09%, para permanecer em 4,05% entre 1960-1980" (BERQUÓ, 1987). 
Com relação à nupcialidade, a autora revela um excedente de mulheres no Brasil (...). "Em 1980, por exemplo, para cada mil homens correspondiam 1.032 mulheres, pensando-se em termos de nupcialidade, isto é, das chances das pessoas de sexos opostos têm de encontrar parceiros para se unirem o que numa sociedade monogâmica como a nossa, este desequilíbrio numérico entre os sexos tem implicações que podem afetar bastante a vida das mulheres entre outros fatores como idade e cor" (...) (BERQUÓ, 1987). 
A autora mostra que a taxa de nupcialidade das mulheres brancas é maior que a de pardas e pretas, sendo maior a proporção de homens pretos unidos com mulheres brancas ou pardas, contrastando com o menor número de mulheres pretas casadas com homens pardos ou brancos. Para os homens pardos é maior a proporção daqueles unidos com mulheres brancas do que com pardas. De outro lado, segundo a autora, encontra-se maior proporção de pardas casadas com homens pretos do que pardos unidos com pretas. 
No que concerne a menor fecundidade das mulheres pretas até 1960 - dados apresentados por (BERCOVICH 1987) - BERQUÓ (1987) supõe que este fato possa ser conseqüência do retardo na idade ao casar e do maior celibato entre as pretas. 
Ainda quanto a proporção de pretas que não tiveram filhos nascidos vivos ser maior do que a de pardas e brancas, no período de 1940-1960 (BERCOVICH, 1987), BERQUÓ (1987) sugere três hipóteses: "menor chance de concepção, ou seja, elas seriam mais estéreis"; "menor chance de levar uma concepção a termo, ou seja, elas
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seriam menos fecundas" e "maior prevalência de abortos induzidos". Supõe ainda que a gonorréia, a sífilis e as infecções por Chlamydia, doenças sexualmente transmissíveis que assolaram todo o país - sobretudo a população de baixa renda - antes que a penicilina se tornasse disponível em meados da década de 50, possam ter influenciado com maior intensidade na saúde reprodutiva das mulheres pretas através da esterilidade tubária via doença inflamatória pélvica. A sífilis em mulheres grávidas pode causar aborto ou morte fetal tardia. 
Chama atenção ainda, nesse estudo, para a possibilidade da prática do aleitamento materno ter contribuído para a menor fecundidade - é reconhecido, como enfatiza, que as pretas tiveram por hábito a prática da amamentação natural - sendo comprovado que o aleitamento materno é regulador da fecundidade. 
Com relação a menor fecundidade apresentada pelas mulheres brancas em 1980, a autora afirma que "a população brasileira sofreu a, apartir de 1960, uma redução da ordem de 32% em sua fecundidade, com 7% ocorrendo no período de 1960-70 e 28% entre 1970-1980. Essa queda foi sentida maiormente, entre as mulheres brancas, chegando a atingir 44%, enquanto as pretas experimentavam 16% de declíneo, cabendo 23% às pardas" (BERQUO, 1987). 
Em "Mortalidade Infantil da População Negra Brasileira", TAMBURO (1987) revela que houve queda da mortalidade em geral, e em especial a infantil, nos países em desenvolvimento, inclusive no Brasil, devida, entre outros fatores, ao desenvolvimento econômico e tecnológico. Mesmo assim, considera a autora, nossos níveis de mortalidade ainda são considerados altos em relação aos de outros países desenvolvidos ou em desenvolvimento. 
Ao analisar a mortalidade infantil por cor, TAMBURO (1987) verificou que em 1960 a mortalidade das crianças brancas era 44% menor do que a das crianças pardas e 33% menor do que a das crianças pretas. 
Investigando o período de 1960 a 1980, mostra que a mortalidade infantil entre os pardos (31%), embora tenha apresentado redução, ainda era muito alta, uma vez que somente em 1980 igualou-se ao nível de mortalidade infantil de brancos registrado em 1960. Já a taxa de mortalidade das crianças pretas antes de completar um ano de idade era ligeiramente inferior à das crianças pardas. Em 1980 verificou-se diminuição na
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mortalidade infantil de brancos, pardos e pretos - especialmente para brancos (36%). Para as crianças pretas, a autora observou "diminuição da vantagem do subgrupo preto, que caiu de 7% para apenas 3% em 1980". 
Como já se sabe, a população negra, em sua maioria, apresenta níveis de escolaridade inferiores aos da população branca. Assim, TAMBURO (1987) revela ainda que, quanto maior o nível de escolaridade da mãe, menor o nível de mortalidade das crianças menores de um ano, de modo que também nesta relação é maior a mortalidade infantil de pretos, seguida da de pardos. 
Em "O Quadro de Discriminação Racial da Mortalidade Adulta Feminina no Brasil" CUNHA (1990), investiga a mortalidade feminina da população das zonas rurais e urbanas no período compreendido entre 1940 e 1980. Em 1940, a esperança de vida da população brasileira era de 38.5 anos avançando para 62.7 em 1980. Segundo a autora, "a medida que declinam os níveis de mortalidade manifesta-se um padrão diferencial por sexo, que em geral acaba beneficiando as mulheres de maneira mais acentuada a partir dos 35 anos". 
Quando verifica-se a mortalidade por cor, segundo a autora, a mortalidade de mulheres pretas é maior do que a das pardas e maior ainda do que a das brancas, relação também encontrada na mortalidade infantil. A sobremortalidade de mulheres pardas e pretas, segundo CUNHA (1990), pode ser justificada pelas precárias condições de vida e saúde em que vive a maioria da população negra. 
CUNHA (1990), verificou que, ao contrário do que ocorria em décadas passadas, quando a mortalidade urbana era inferior à rural, atualmente as zonas urbanas apresentam maior mortalidade, sobretudo entre a população negra. Para explicar esta inversão, a autora levanta a hipótese de que a crescente pauperização nas zonas urbanas igualou-as às condições precárias de infra-estrutura das zonas rurais, e os progressos decorrentes da industrialização, urbanização e saneamento básico não beneficiaram homogeneamente os diferentes grupos sociais. 
Em "Amamentação na População da Raça Negra em São Paulo", RÉA (1990) investigou as formas utilizadas pelas mães de crianças pequenas para alimentá-las - se através da amamentação ou do uso da mamadeira. O aleitamento materno, segundo a autora, é a forma mais indicada para a alimentação da criança pequena, principalmente no
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que se refere à proteção contra doenças. É uma prática amplamente usada nos países pobres, inclusive na África, já que as mulheres negras foram reconhecidas como eficazes amas-de-leite no período da escravidão. 
A autora concluiu que as mulheres pretas - em função de suas condições sócio- econômicas - acentuada necessidade de trabalhar fora de casa - entre outros fatores, utilizam predominantemente a mamadeira. As pardas, que também apresentam situação econômica precária , mas não tão severa quanto à das pretas, igualmente recorrem pouco à aleitamento materno. Destaca, porém, que são "as mulheres pretas que conseguem melhores índices de aleitamento no início da vida (até o quarto mês), onde os fatores de ordem biológica - estabelecimento da sucção apropriada determinando um suprimento adequado de leite, não turgescência e esvaziamento correto das mamas, não existência de mastites ou rachaduras impeditivas da prática de amamentar, etc. - fatores estes mais interferentes, no início da vida, seriam mais superáveis pelas pretas do que pelas brancas. A partir de um certo período (mais ou menos depois do quarto mês) onde as questões sociais podem ter maior peso são as brancas que conseguem maior sucesso na lactação" (RÉA, 1988). 
Em "A Mortalidade Intra-Uterina por Cor: Um Estudo no Município de São Paulo", MORELL e SILVA (1990) - através dos dados sobre fecundidade e nupcialidade da população negra apresentados por BERCOVICH (1987) e BERQUÓ (1987), respectivamente - realizaram estudo acerca da mortalidade intra-uterina por cor, com o objetivo de investigar sua relação com a fecundidade de mulheres brancas, pretas e pardas no Município de São Paulo. 
As autoras mostram que as proporções de gravidezes entre pardas e pretas são semelhantes (1.92 e 1.91) respectivamente, sendo que as primeiras apresentam maior número de nascidos vivos que as segundas, "porque a sua incidência de mortalidade intra-uterina é menor (0,30 por mulher contra 0,38 das pretas), decorrente principalmente do menor número de abortos espontâneos (0,24 contra 0,31), uma vez que os níveis da natimortalidade são semelhantes (0,06 contra 0,07)" (MORELL e SILVA, 1988). 
As mulheres brancas são as que engravidam menos (1.67 gravidez por mulher) e as que apresentam menor fecundidade (1,34), aspectos que segundo as autoras, estão "relacionados com o maior uso de meios anticoncepcionais". Revelam ainda que são as
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brancas as que apresentam menor incidência de mortes fetais, tanto aquelas devidas a abortos espontâneos, quanto aquelas referentes a nacidos mortos.
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CAPÍTULO 2 
COR E DOENÇAS RACIAIS/ÉTNICAS: ATITUDES E PROBLEMAS DE ABORDAGEM 
Considerações gerais 
No Brasil, são grandes as dificuldades em torno da identificação racial da população, sobretudo no que diz respeito ao negro. O fato de sermos um país mestiço, que nunca adotou oficialmente uma linha demarcatória de cor, como ocorreu em outros países, faz com que a classificação e a autoclassificação desta variável fundamentem-se de modo subjetivo. Desta forma, quem classifica sua própria cor ou quem atribui determinada cor a outrem o faz com grande liberdade de definição, e assim também acontece nos censos demográficos, nas pesquisas e nos formulários institucionais. Não há consenso no país quanto à definição de quem é negro e do que é ser negro. 
1. O item Cor 
Os censos demográficos do IBGE não apresentam uma sistematização nem quanto ao item cor nem quanto ao seu cruzamento com outras variáveis, impossibilitando uma avaliação evolutiva e comparativa das condições de vida da população negra. Exemplo disso é o censo de 1960, que apresentou o item cor cruzado somente com as variáveis sexo e idade. A PNAD de 1982, por sua vez, apresentou menos dados desagregados por cor que a PNAD de 1976 (CARNEIRO, 1990). 
O item cor foi introduzido pela primeira vez no censo de 1872, no qual a classificação da população compreendia as categorias "livres e "escravos", através da autoclassificação do recenseado e da atribuição da cor por esses a seus escravos como brancos, pretos, pardos ou caboclos. No recenseamento de 1890, as alternativas de cor eram branco, preto, mestiço e caboclo. Em 1940, adotaram-se opções entre brancos, pretos, amarelos e pardos (para aqueles que não se enquadrassem nos três primeiros grupos) (ARAÚJO, 1987). 
No censo de 1970 não apareceu o quesito cor, que retornou em 1980 com as mesmas variáveis de classificação do censo de 1940. "A falta do quesito cor no censo de
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1970 deixa um vazio de informações de vinte anos quanto a esse item, exatamente em um período de significativas transformações no padrão demográfico brasileiro" (BERQUÓ, 1988). 
Em 1976, a PNAD incluiu pela primeira vez o quesito cor, no Suplemento de Mobilidade Social e Cor, utilizando dois critérios para sua identificação: primeiro, mediante pergunta aberta, o recenseado classificava sua cor livremente e depois de acordo com as categorias preestabelecidas: branco, pardo, preto e amarelo. Esta metodologia teve como objetivo relacionar as respostas obtidas nas perguntas abertas com as obtidas nas perguntas fechadas, verificando-se, por exemplo, que aqueles que se autoclassificaram como "morenos" na pergunta aberta optaram pela cor parda na questão fechada (ARAÚJO, 1987)10. 
A identificação racial é de suma importância nos serviços de saúde, no que se refere "aos diagnósticos e prognósticos, na prevenção e no acompanhamento condigno, sobretudo das doenças atualmente consideradas raciais/étnicas" (OLIVEIRA, 1994). 
A utilidade dos dados de identificação racial no atendimento à pessoa doente encerra grande importância, uma vez que existem doenças que incidem mais sobre uma determinada raça do que sobre outra, assim como mais sobre um sexo do que sobre outro."A patologia do homem é diferente da patologia da mulher não só no que se refere às doenças do aparelho genital, mas também em muitas outras afecções em outros aparelhos (...) Assim como existe uma patologia dos sexos, uma patologia das idades, temos também uma patologia favorecida pelo fator racial. São conhecidas as suscetibilidades e também a relativa imunidade especial de certas raças para determinadas doenças" (ROMEIRO, 1968). 
Frente à necessidade da consideração do quesito cor na atenção à saúde e face à resistência à sua aceitação por parte de funcionários e profissionais de saúde, algumas entidades do movimento negro da cidade de São Paulo, no início da década de 90, reivindicaram junto à Secretaria Municipal de Saúde a inclusão e o preenchimento do item cor nos documentos dos órgãos institucionais e nas pesquisas oficiais. Foi então oficialmente decretada, sob a portaria nº 696/90, a inclusão do item cor no Sistema de Informação da Secretaria Municipal de Saúde. 
10. A esse respeito consultar HARRIS, CONSORTE et alii (1993).
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Nesse período foram várias as mobilizações do movimento negro no sentido de sensibilizar e conscientizar profissionais de saúde e a população quanto à necessidade, validade e importância da inclusão do quesito cor para a avaliação das condições de saúde dos diferentes grupos populacionais. 
Um marco importante destas mobilizações foi a realização do seminário "O Quadro Negro de Saúde - Implantação do Quesito Cor no Sistema Municipal de Saúde", no qual se propôs que a identificação de raça/cor nos prontuários médicos dos usuários do Sistema Municipal de Saúde obedecesse à classificação entre branco, pardo, preto e amarelo, e que este dado fosse coletado mediante autoclassificação, modelo idêntico ao adotado pelo IBGE no censo de 1991 (CADERNOS CEFOR, 1992). 
Segundo o depoimento de Penha Lúcia Valério11, participante dessa campanha, muitas foram as dificuldades para que o quesito cor fosse corretamente preenchido. Foi grande a resistência por parte de alguns profissionais e funcionários ligados à saúde para aceitar e compreender a necessidade desse dado. Consideravam-no de pouca importância frente à gravidade em que se encontrava o sistema de saúde pública naquele período, ou alegavam que o preenchimento do item cor nos prontuários médicos significava uma manifestação de racismo. 
No entanto, ainda segundo este depoimento, mesmo sob todas as dificuldades os resultados até 1992 foram avaliados positivamente. A partir de 1993, porém, o item cor, quando preenchido, passou a desconsiderar as normas da autoclassificação. 
Com o objetivo de sensibilizar a população negra para a importância de classificar-se na categoria "preto", e não camuflar sua cor sob as categorias "pardo" ou mesmo "branco", o movimento negro realizou uma campanha durante o censo demográfico de 1991 com o slogan "Não deixe sua cor passar em branco - responda com bom (c)senso". Para o movimento negro, o racismo induz muitos negros a não assumir sua cor real, como ocorreu, por exemplo, na PNAD de 1976, que apresentou 35 itens de matizes de cor diferentes. 
11 Chefe de Seção Técnica de Informação da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo.
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2 - Do Quesito Cor às Categorias Raça/Etnia 
Se por um lado, reconhecemos ser de extrema importância a consideração do quesito cor nos serviços de saúde, a situação se torna mais complexa quando buscamos introduzir as variáveis raça e etnia na análise dos processos de saúde/doença, pois, se de um lado, historicamente, na área da saúde estas variáveis remontam a uma suposta hierarquia biológica de brancos sobre negros, segundo modelos de teses racistas de diversos matizes, como já apontamos, por outro lado, os conceitos de raça e de etnia no Brasil são bastante polêmicos, tanto no interior da academia como nos centros de pesquisas e nas entidades do movimento negro. 
O conceito de raça é por vezes tomado na sua acepção biológica, como aparece por exemplo na primeira Declaração da UNESCO (1950), ou textos mais recentes de conceituados biólogos (vide Cadernos de Pesquisa CEBRAP no.2); outras vezes ele aparece como uma categoria social, como apresentado no atual estudo de OLIVEIRA (1995), ou ainda nos estudos do referido Caderno. 
A noção de etnia, embora ainda pouco discutida no que diz respeito aos negros brasileiros, também gera polêmica. 
Segundo alguns estudiosos, para a ideologia dominante "os negros não constituem grupos étnicos, não possuem territórios específicos, não falam a língua dos seus antepassados e, freqüentemente, ignoram tudo a respeito da história dos seus maiores: de quando e como aqui chegaram, de onde vieram e o que trouxeram na sua bagagem. Suas manifestações culturais encontram-se muito fragmentadas e a sua imagem, quando associada à sua ascendência escrava, evoca sempre como qualidades maiores a paciência, a docilidade, a resignação, o sofrimento e a submissão, jamais a rebeldia, a resistência e a recusa da escravidão. Em resumo, os negros não têm espaços físicos a defender, sua herança cultural em grande parte se perdeu e enquanto descendentes de africanos, longe de evocarem nobres virtudes, trazem à lembrança o sofrimento e a resignação associados a um passado que seria melhor esquecer" (CONSORTE, 1987). 
Para outros, "etnia é uma construção cultural, relativa portanto aos hábitos e costumes de determinados grupos ou povos. Ou seja, parto da afirmativa de que etnia está para a raça assim como gênero está para o sexo, muito embora sexo seja uma categoria
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biológica e raça uma categoria social que possuem como substratos os corpos das pessoas e o lugar que elas se alocam na sociedade, as classes sociais, o meio em que vivem" (OLIVEIRA, 1995). 
Não obstante tais dificuldades, o conceito de doenças raciais/étnicas é uma formulação que no Brasil vem sendo desenvolvida no curso do Programa “Saúde Reprodutiva da Mulher Negra”, em um esforço de sistematização da produção teórica existente na área, com a agregação de novas reflexões. 
Conforme aparece, textualmente na justificativa do Seminário "Alcances e Limites da Predisposição Biológica" promovido pelo mesmo: 
"No desenvolvimento da pesquisa "Saúde Reprodutiva da Mulher Negra" foram aparecendo indícios da necessidade de maior aprofundamento sobre as questões relativas à predisposição biológica, e conseqüentemente sobre o entendimento do conceito de raça e qual significado biológico encerra. Existem várias maneiras ou modelos "científicos" de explicar as doenças, a saúde e a maior ou menor resistência às enfermidades. De modo que são propagadas inúmeras "certezas" sobre a sanidade e a enfermidade, desde as mais "científicas" até às mais "populares". Existem múltiplos saberes sobre isso, alguns complementares, outros excludentes e alguns meramente sem sentido. É inegável a necessidade de se estudarem mais e melhor os modelos explicativos da saúde e da doença, ou mesmo da 'normalidade diferente', visto que se, por um lado, existem provas irrefutáveis de que determinadas patologias e/ou condições biológicas estão presentes com exclusividade em uma raça e não em outras, por outro, há muito de especulação sobre outras tantas. É preciso delimitar e entender as certezas, bem como conhecer as especulações e as suas bases"(Caderno de Pesquisa CEBRAP, no.2, 1994). 
Doenças raciais/étnicas vem sendo definida pelo Programa, segundo já referimos inicialmente, como aquelas patologias que os grupos raciais - branco, negro e amarelo - ou étnicos - judeus, ciganos etc. - apresentam com exclusividade ou prevalência. São consideradas também como raciais/étnicas as doenças que se caracterizam por uma evoluçã 
o diferenciada nos distintos grupos populacionais, assim como por diferenciações regulares entre os grupos raciais ou étnicos, independentemente ou com pouca interferência das condições sócio-econômicas (OLIVEIRA, 1993).
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Segundo ZAGO (1993), as manifestações das doenças dependem das interações de dois fatores: genéticos e ambientais, sendo que para alguns tipos de doenças pode prevalecer ora o fator genético (como, por exemplo, a anemia falciforme), ora o fator ambiental (como as infecções). Entre as doenças predominantemente genéticas e as predominantemente ambientais situam-se as doenças resultantes destes dois fatores, como a febre reumática, a diabete melito e a doença coronariana cardíaca. No entanto, não existe uma fatalidade genética para a manifestação das doenças genéticas. Elas ocorrem dependendo das condições ambientais em que se encontra o indivíduo, o mesmo acontecendo com as doenças infecciosas, que não são de natureza genética e poderão se manifestar de acordo com a composição genética do indivíduo. 
Dentre as doenças genéticas no Brasil, a anemia falciforme é a mais comum. Trata-se de uma anemia hereditária prevalente na população negra. Apresenta-se de modo variado entre os portadores. Existem aqueles que manifestam a doença de forma grave e aqueles que a apresentam de forma benigna, quase sem conseqüências. Portanto, dependendo do caso, o indivíduo portador desta doença pode falecer na fase infantil ou então sobreviver até a vida adulta sem complicações graves. Esta variação depende da interação dos fatores genéticos e ambientais - estes, representados pelas condições sócio- econômicas no sentido amplo, ou seja, de higiene, qualidade de alimentação, acesso a assistência médica. 
Cada grupo populacional apresenta distintamente incidência e prevalência de doenças de acordo com os fatores ambientais, genéticos e na interação entre eles, assim como na diversidade que apresentam os grupos humanos. "A diversidade genética inclui vários componentes: a diversidade entre os indivíduos, a diversidade global entre as espécies e as diferenças entre as populações (dentro de uma mesma espécie). Quando consideramos uma única espécie, convém distinguir dois tipos de diversidades genéticas: as diferenças entre os indivíduos de uma mesma população e as diferenças entre populações" (ZAGO, 1993). 
Várias são as doenças genéticas que se manifestam de modo diferente em diversos grupos humanos. Uma delas "é uma forma de porfiria, que afeta os brancos na África do Sul com uma freqüência cerca de trezentas vezes maior que entre as outras populações de caucasóides. A fibrose cística, extremamente freqüente em populações européias, sua incidência é máxima no norte da Europa e vai diminuindo em direção ao sul, sendo extremamente rara entre negros e orientais. A doença de Tay-Sachs, que é uma
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anormalidade genética observada entre judeus ashkenazi, é extremamente rara em outros grupos de judeus. Também as hemoglobinopatias têm uma distribuição muito heterogênea em diferentes populações humanas. Por exemplo, as talassemias são muito freqüentes em povos mediterrâneos e do sudoeste da Ásia, sendo raras ou ausentes em outras populações. Por outro lado, a anemia falciforme é muito freqüente em algumas populações africanas e praticamente inexistente na Europa e na Ásia" (ZAGO, 1993). 
Ao comparar doenças de fundo genético entre as populações negra e branca dos Estados Unidos, ZAGO (1994) mostra que a hipertensão arterial é mais freqüente e mais grave em negros, podendo ser sua causa justificada pelos seguintes fatores: estresse sociocultural, constituição genética, hábitos alimentares, peso corporal (obesidade). 
Ainda segundo o autor, os casos de diabete melito tipo I, mais grave, são mais freqüentes em brancos do que em negros, enquanto o tipo II é prevalente nestes. O albinismo é uma anormalidade genética. O mais comum é o albinismo óculo-cutâneo tirosinase-negativa, que acomete igualmente negros e brancos, mas a tirosinase-positiva é duas vezes maior em negros. A deficiência de lactase, que resulta em intolerância ao leite, é mais comum em negros. Algumas malformações congênitas apresentam-se predominantemente em negros e outras em brancos, de acordo com os fatores genéticos e ambientais: a anencefalia aparece mais em brancos do que em negros, e a hipoplasia do pulmão é prevalente em negros. 
O câncer dermatológico é mais freqüente na população branca, embora ocorram determinados tipos de cânceres prevalentes em negros. A sobrevivência de negros com câncer é menor do que a dos brancos, o que, segundo OLIVEIRA (1993), parece estar diretamente relacionado com as condições sócio-econômicas. 
Ainda com relação aos cânceres, ARAÚJO (1993) aponta que as mulheres negras norte-americanas apresentam o dobro de incidência de câncer no colo do útero em relação às mulheres brancas norte-americanas, sendo que o desenvolvimento deste câncer está associado às condições de pobreza. Já as mulheres brancas apresentam maior predisposição para desenvolver o câncer de mama, porém, "na última década, de 12% a 15% das mulheres negras com câncer de mama apresentam uma média de sobrevida cinco vezes menor que as mulheres brancas", o que pode ser justificado, segundo a autora, pelo precário acesso aos serviços de saúde de boa qualidade.
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CAPÍTULO 3 
A PESQUISA DE CAMPO SOBRE MIOMAS UTERINOS 
1. Material e Métodos: 
A pesquisa sobre miomas foi realizada a partir dos prontuários médicos do Centro de Saúde de Vila Morais, localizado no bairro da Saúde, município de São Paulo, que atende predominantemente população de baixa renda. Os motivos que nos levaram a esta escolha foram, entre outros, o fato de nas matrículas estarem preenchidos o quesito cor dos usuários do serviço, bem como o grande movimento diário de consultas no serviço de ginecologia. 
Nosso propósito foi tomar um conjunto de mulheres com diagnóstico de mioma feito em 1994 e entrevistá-las um ano após, a fim de investigar as questões relacionadas ao mioma, ocorridas durante o período de um ano. 
No mês de fevereiro de 1994, passaram pelo serviço de ginecologia 583 mulheres (361 brancas, 197 negras e 25 sem informação sobre o item cor). Através da anotação do CID - Código Internacional de Doenças, selecionamos todos os prontuários das pacientes em que constavam os códigos referentes aos miomas, anotados pela ginecologista, o que correspondeu a 165 mulheres (83 brancas e 82 negras). Através dos números dos prontuários levantamos as matrículas das pacientes, onde constavam seus dados pessoais. Uma vez anotados em nossas fichas o nome, endereço e cor da paciente, iniciamos, em fevereiro de 1995, as entrevistas domiciliares. 
Assim, as mulheres objeto desta pesquisa são aquelas cujo diagnóstico do mioma foi feito no referido Centro em fevereiro de 1994.
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O questionário de campo abordou, dentre outras questões, condições sócio- econômicas, escolaridade, nupcialidade, vida reprodutiva, uso de métodos contraceptivos, uso de serviços de saúde, formas de tratamentos e conhecimento sobre os miomas (questionário em anexo). 
Neste retorno ao campo enfrentamos alguns problemas como, por exemplo, a dificuldade de encontrar as entrevistadas em seus domicílios, já que a grande maioria trabalha fora de casa. Assim, as entrevistas eram marcadas à noite ou nos finais de semana e agendadas de acordo com a disponibilidade da entrevistada. Também, o fato de o Centro de Saúde de Vila Morais atender à população de quatro regiões distintas - Vila Morais, Vila Brasilina, Jardim Santo Antonio e Àgua Funda - tornou muito difícil a localização dos endereços das entrevistadas. Mas as dificuldades eram compensadas à medida que as entrevistadas manifestavam interesse pelas questões relativas aos miomas, sendo que, após o término das entrevistas, eram constantes as solicitações de maiores esclarecimentos sobre estes tumores. 
Com relação ao item cor, utilizamos o modelo adotado pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou seja, o da autoclassificação na seguinte ordem: preta, parda, branca e amarela12 . Além disso, anotávamos também em nossos questionários a cor observada na entrevistada, o que muito coincidiu com a cor por elas declarada. Das 82 negras, 21 declararam-se como sendo pretas e 61 pardas. Em nossas anotações consideramos dentre elas, 18 pretas e 64 pardas. 
O critério utilizado pelo Centro de Saúde de Vila Morais quanto à classificação da cor ocorre da seguinte forma: é solicitado ao usuário que apresente no ato da matrícula a certidão de nascimento ou a de casamento, onde consta preenchido o item cor. Segundo depoimento de uma funcionária, com relação à população negra é predominante nestes 
12. Não encontramos nenhuma mulher autodeclarada "amarela".
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documentos a cor parda e rara a cor preta. No caso do usuário não possuir os documentos solicitados, então a classificação da cor é feita pela atendente, enquanto parda ou branca. 
2. Resultados 
2.1. Perfil Demográfico das Entrevistadas 
2.1.1 Condições de vida 
Embora brancas e negras fizessem parte de um mesmo grupo social - mulheres de baixa renda, freqüentassem o mesmo centro de saúde e residissem num mesmo bairro, a análise de algumas variáveis revela de pronto diferenças sociais entre elas, que a nosso ver não podem ser explicadas unicamente pela questão de classe. 
A idade média das mulheres no momento da entrevista era de 30.0 anos para as brancas e 32.1 anos para as negras, o que permite supor que o acesso aos serviços de saúde para as negras é mais tardio (Tabela 1).
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Tabela 1 - Mulheres segundo idade no momento da entrevista, por cor 
IDADE EM ANOS COMPLETOS 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. de 15 a 24 anos 
% 
. de 25 a 34 anos 
% 
. de 35 a 44 anos 
% 
. de 45 a 54 anos 
% 
19.3 
60.2 
20.5 
0.0 
4.9 
51.2 
40.2 
3.7 
12.1 
55.8 
30.3 
1.8 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
IDADE MÉDIA 
100.0 
83 
30,0 
100.0 
82 
32,1 
100.0 
165 
COR DA 
ENTREVISTADA 
Como já era esperado, o nível de escolaridade apresentado pelas entrevistadas não excedeu ao primeiro grau. Enquanto 14.5% das brancas tinham até a terceira série, para as negras esta porcentagem avançava para 25.6%. A situação se inverte quando se eleva a escolarização: 26.5% das brancas tinham a quinta série completa contra 14.6% das negras (Tabela 2).
39 
Tabela 2 - Mulheres segundo escolaridade, por cor 
ESCOLARIDADE 
TOTAL 
COR DA 
ENTREVISTADA 
BRANCA 
NEGRA 
. 1a. a 3a. série 
% 
. 4a. série compl. 
% 
. 5a. série compl. 
% 
14.5 
59.0 
26.5 
25.6 
59.8 
14.6 
20.0 
59.4 
20.6 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
100.0 
83 
100.0 
82 
100.0 
165 
Elevadas parcelas de brancas, 96.4% e negras 97.6% exerciam algum tipo de atividade remunerada fora de casa, com destaque no setor terciário. Chama a atenção que enquanto 83.8% das brancas tinham carteira profissional registrada, apenas 48.7% das negras tinham vínculo empregatício. Esse dado pode ser explicado pelo fato de que 51.3% das negras trabalhavam como empregadas domésticas diaristas, contra apenas 12.5% das brancas. Destas últimas, 71.3% estavam alocadas em fábricas exercendo funções como auxiliares de produção (acabamento e montagem) contra 43.7% das negras (Tabela 3)
40 
Tabela 3 - Mulheres segundo profissão, por cor 
PROFISSÃO 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
COR DA 
ENTREVISTADA 
. Aux.de produção 
% 
. Cabeleireira 
% 
. Empreg.doméstica* 
% 
. Balconista 
% 
71.3 
3.7 
12.5 
12.5 
43.7 
0.0 
51.3 
5.0 
57.6 
1.8 
31.9 
8.7 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
100.0 
80 
100.0 
80 
100.0 
160 
* Empregada doméstica diarista 
O rendimento mensal também diferiu entre brancas e negras. Enquanto 8.7% das brancas ganhavam um salário mínimo, 22.5% das negras encontravam-se nessa situação. Para aquelas que recebiam mais de dois até três salários mínimos, 55.1% eram brancas e 30.0% negras (Tabela 4).
41 
Tabela 4 - Mulheres segundo rendimento mensal em salário mínimo (SM), por cor 
RENDIMENTO MENSAL 
TOTAL 
BRANCA 
COR DA 
ENTREVISTADA 
NEGRA 
. Até 1 SM 
% 
. + de 1 a 2 SM 
% 
. + de 2 a 3 SM 
% 
8.7 
36.2 
55.1 
22.5 
47.5 
30.0 
15.6 
41.8 
42.6 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
100.0 
80 
100.0 
100.0 
80 
160 
Os dados acima apontam, mais uma vez, aquilo que vários autores que tratam das condições de vida das mulheres negras já mostraram, ou seja, além da discriminação social existe a racial a que estão sujeitas. 
2.1.2 - Nupcialidade 
Ao estudar a nupcialidade da mulher negra, BERQUÓ (1987), constatou que essas apresentam menor chance de se unirem consensual ou legalmente quando comparadas às brancas. A autora aponta duas razões possíveis para justificar a preterição das mulheres negras: "em primeiro lugar, a presença de casamentos exogâmicos por cor e em segundo lugar, na competição matrimonial levam vantagens as mulheres brancas". 
De fato, os dados de nossa pesquisa revelaram que 72.3% das mulheres brancas estiveram alguma vez unidas, contra apenas 39.0% das negras (Tabela 5).
42 
Tabela 5 - Mulheres alguma vez unidas, por cor 
ALGUMA.VEZ UNIDAS 
TOTAL 
COR DA 
ENTREVISTADA 
BRANCA 
NEGRA 
. Sim 
% 
. Não 
% 
72.3 
27.7 
39.0 
61.0 
55.8 
44.2 
TOTAL % 
100.0 
100.0 
100.0 
No.DE CASOS 
83 
82 
165 
Com relação à idade ao casar, nossos dados também corroboram os de BERQUÓ (1987), no sentido de casamento tardio para as mulheres negras: mulheres brancas entraram em união, em média, aos 24.3 anos e as negras aos 29.8 anos (Tabela 6)
43 
Tabela 6 - Mulheres segundo idade no momento da união, por cor 
IDADE DA UNIÃO 
TOTAL 
COR DA 
ENTREVISTADA 
BRANCA 
NEGRA 
. de 15 a 24 anos 
% 
. de 25 a 34 anos 
% 
. de 35 a 44 anos 
% 
15.0 
80.0 
5.0 
9.3 
53.2 
37.5 
13.0 
70.7 
16.3 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
IDADE MÉDIA NO 
MOMENTO DA UNIÃO 
100.0 
60 
100.0 
100.0 
32 
92 
24.3 
29.8 
2.1.3 - Perfil Reprodutivo 
Do total da amostra de mulheres de 15 a 54 anos, 41.8% nunca haviam engravidado; este percentual declina para 16.3% quando se considera apenas as mulheres alguma vez unidas. Na amostra de mulheres negras, 50.0% nunca chegaram a uma gravidez, proporção que poderia parecer muito mais elevada que os 33.7% correspondentes às mulheres brancas. Entretanto, isto se deve, em parte, ao alto índice de mulheres negras não unidas, conforme visto na Tabela 5. 
De fato, dentre as mulheres alguma vez unidas é de 12.5% a proporção de negras que nunca engravidaram, em contraponto aos 18.3% das brancas.
44 
Vale notar que a segmentação por cor não mostrou nenhuma diferença na proporção de grávidas para as não unidas, a qual foi da ordem de 26.0%. 
Quanto ao número médio de gestações, as brancas apresentaram um valor mais elevado, isto é, 1.7 ficando as negras com 1.2. Também a média de nascidos vivos foi maior para as brancas, isto é, 1.5 contrastada com 0.9 para as negras. 
Estas médias se elevam quando referidas às mulheres que engravidaram: 2.3 para as brancas e 1.8 para as negras. 
Chama a atenção ainda a maior incidência de perdas fetais entre mulheres negras, numa proporção de 17.0%, em contraste com de 10.9% para as brancas.
45 
MULHERES BRANCAS SEGUNDO: a) Número de gestações b) Número de nascidos vivos 
c) Gravidez segundo estado conjugal 
a) No. DE GESTAÇÕES 
No. DE MULHERES 
b) No. DE NASCIDOS VIVOS (NV) 
No.DE MULHERES 
c) UNIÃO 
ENRAVIDOU 
NUNCA ENGRAVIDOU 
TOTAL 
. 0 
.1 Gestação 
.2 Gestações 
.3 Gestações 
.4 Gestações 
28 
3 
20 
27 
5 
. 0 
. 1 NV 
. 2 NV 
. 3 NV 
. 4 NV 
34 
3 
17 
25 
4 
. Unidas 
. Não Unidas 
49 
6 
11 
17 
60 
23 
Total 
83 
Total 
83 
Total 
55 
28 
83
46 
MULHERES NEGRAS SEGUNDO: a) Número de gestações b) Número de nascidos vivos 
c) Gravidez segundo estado conjugal 
a) No. DE GESTAÇÕES 
No. DE MULHERES 
b) No. DE NASCIDOS VIVOS( NV) 
No.DE MULHERES 
c) UNIÃO 
ENRAVIDOU 
NUNCA ENGRAVIDOU 
TOTAL 
. 0 
.1 Gestação 
.2 Gestações 
.3 Gestações 
.4 Gestações 
41 
3 
22 
11 
5 
. 0 
. 1 NV 
. 2 NV 
. 3 NV 
. 4 NV 
48 
2 
17 
10 
5 
. Unidas 
. Não Unidas 
28 
13 
4 
37 
32 
50 
Total 
82 
Total 
41 
Total 
82 
41 
82
47 
QUADRO RESUMO DO PERFIL REPRODUTIVO 
DAS MULHERES, POR COR 
BRANCA 
NEGRA 
. Nunca engravidaram % 
. Unidas que nunca engravidaram % 
. Não unidas que engravidaram % 
. No. médio de gestações 
. No. médio de Nascidos Vivos 
. No. médio de Nascidos Vivos para as que engravidaram 
. Perdas fetais % 
33.7 
18.3 
26.0 
1.7 
1.5 
2.3 
10.9 
50.0 
12.5 
26.0 
1.2 
0.9 
1.8 
17.0 
Ao consultarmos a literatura médica norte-americana, assim como os depoimentos prestados pelos profissionais de saúde, deparamo-nos com distintos pontos de vista no que se refere aos miomas e gestações. 
Segundo ENTMANN (s.d.), os miomas podem ocasionar infertilidade nas mulheres que os apresentam, uma vez que os tumores podem provocar desvio na passagem do espermatozóide, impedindo a fixação do zigoto no útero. 
Para EGWUATU (1989), o mioma é responsável não só pela baixa fertilidade, mas também pela alta taxa de aborto espontâneo apresentada por mulheres brancas e negras. Estas últimas, segundo o autor, têm maiores chances de tornarem-se inférteis, em função da alta freqüência de infecções pélvicas que apresentam.
48 
RIECHELMANN13, afirma que dependendo da localização do mioma, é possível ocorrer abortos espontâneos, assim como partos prematuros. No primeiro caso, o mioma poderá pressionar e romper a placenta, e no segundo poderá pressionar o feto, uma vez que estará ocupando o seu lugar. A medida que evolui a gravidez, aumentam também os riscos de sua interrupção. Segundo ele, a gestação é o momento propício para o surgimento ou desenvolvimento do mioma, em razão do aumento do estrógeno produzido pelo útero grávido. Entretanto, não é fácil detectar, mesmo através do ultrasom, se o feto foi gerado antes ou depois do aparecimento mioma. 
Vale notar que do total de nossas entrevistadas encontramos dois casos de mulheres negras que engravidaram durante o período estudado, ou seja, após ter sido diagnosticado o mioma. Uma delas sofreu perda fetal aos três meses de gravidez e a outra chegou até o oitavo mês resultanto em nascido vivo. 
Segundo ARAÚJO14, no período da gestação o crescimento do mioma é acelerado, porém, a sua remoção no momento do parto somente deverá ser realizada em situações especiais uma vez que, após a gestação, a tendência é a diminuição do seu tamanho. 
13 José Carlos Riechelmann - médico ginecologista-obstetra e sexologista - depoimento prestado em 1995. 
14 Jacilda Cabral Nascimento Araújo - médica ginecologista-obstetra do Centro de Saúde de Vila Morais - depoimento prestado em 1995.
49 
2.2. Caracterização dos Miomas 
2.2.1 Incidência e reincidência dos miomas 
Os prontuários das 583 mulheres que passaram pelo Centro de Saúde permitiram traçar o perfil da incidência de miomas, por cor. 
Tabela 7 - Diagnóstico de mioma por cor da entrevistada, fevereiro de 1994. 
DIAGNÓSTICO DE MIOMA 
TOTAL 
COR DA 
ENTREVISTADA 
BRANCA 
NEGRA 
. Com mioma 
% 
. Sem mioma 
% 
83 
22.9 
278 
77.1 
82 
41.6 
115 
58.4 
165 
29.6 
393 
70.4 
TOTAL % 
100.0 
100.0 
197 
100.0 
558 
No.DE CASOS 
361 
Como se pode notar, é significativamente superior a incidência de miomas entre as mulheres negras quando comparadas às brancas15. 
15. Valor observado de X2 igual a 21,770 significante ao nível de 5% para 1 grau de liberdade (valor crítico igual a 3.861).
50 
Vale ressaltar que as negras foram as que mais apresentaram queixas acreditando ter novos miomas, numa proporção mais de quatro vezes superior que a de brancas, como pode ser visto na Tabela 8. 
Tabela 8 - Mulheres que voltaram ao Centro de Saúde com queixas de novos miomas, por cor 
COR DA ENTREVISTADA 
Voltaram com novas queixas 
Total de entre- 
vistadas 
% de Mulheres com queixas 
. Branca 
. Negra 
12 
51 
83 
82 
14.4 
62.1 
TOTAL 
63 
165 
38.1 
Também os diagnósticos de reincidência de miomas foram superiores para as mulheres negras, 21,9% em relação às brancas 6.0%16 (Tabela 9). 
16. Valor ojosbservado de x2 igual a 8,591 significante ao nível de 5% para 1 grau de liberdade (valor crítico igual a 3.861)
51 
Tabela 9 - Diagnóstico de reincidência de mioma por cor, de fevereiro de 1994 a fevereiro de 1995 
DIAGNÓSTICO DE MIOMA 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. Com mioma 
% 
. Sem mioma 
% 
5 
6.0 
78 
94.0 
18 
21.9 
COR DA 
ENTREVISTADA 
64 
78.1 
23 
14.0 
142 
86.0 
TOTAL % 
100.0 
100.0 
100.0 
No.DE CASOS 
83 
82 
165 
A investigação sobre a incidência dos miomas em mulheres negras é palco de debate entre investigadores dessa questão. 
Segundo VERKAUF (1992), embora ainda não seja conhecida a origem dos miomas, é provável que fatores genéticos exerçam influência importante no surgimento e desenvolvimento desses tumores em mulheres brancas e negras, e mais acentuadamente nessas últimas. 
Para ROSS (1986), a maior incidência pode ser justificada pela alta freqüência de infecções pélvicas que as negras apresentam. Segundo o autor, essas infecções causam irritação da parede uterina e, conseqüentemente, o desenvolvimento anormal do útero, ocasionando dessa forma o surgimento dos tumores.
52 
De outro lado, têm-se discutido que a predisposição biológica não é fator determinante para o desenvolvimento dos tumores, sendo necessário considerar, antes, o importante papel que as condições sociais e econômicas desempenham na qualidade da saúde, inclusive no que concerne aos miomas (ARAÚJO, 1994). 
Segundo depoimento de ARAÚJO que diagnosticou os miomas em nossas entrevistadas no período estudado, os miomas uterinos são os tumores mais comuns entre as mulheres. Embora não associe os miomas à cor, essa profissional entende que as condições materiais de vida e o estresse são fatores que contribuem para a manifestação dos mesmos - sabemos que são as negras as mais expostas a essa situação. 
RIECHELMANN argumenta que a prevalência de miomas em mulheres negras não ocorre devido apenas à predisposição biológica que apresentam, mas como também pela interação dos genes com o ambiente psicossocial em que se encontram. 
Se de um lado a incidência de miomas segundo a cor, está em discussão, as queixas sobre a reincidência desses tumores parecem ser comuns na população de baixa renda. 
Segundo ARAÚJO, é freqüente o atendimento de mulheres brancas e negras com queixas de recidivas dos sintomas de miomas. Elas retornam ao serviço de saúde, apresentando, geralmente, os mesmos sintomas manifestados quando do diagnóstico inicial. Nesses casos, é solicitado um novo exame de ultra-sonografia para que, através de comparação entre o exame anterior e o atual, seja comprovada ou não a reincidência dos tumores. 
Segundo esse depoimento, não são incomuns os casos em que o tratamento do tumor finaliza em cirurgia, seja a miomectomia ou a histerectomia. Na maioria das vezes, as pacientes uma vez iniciado o tratamento, tão logo sintam alívio dos sintomas
53 
apresentados (cólicas e hemorragias) geralmente o abandone, agravando o quadro clínico apresentado. 
2.2.2 - Idade média no aparecimento do mioma 
Estudos revelam que os miomas surgem no decorrer da vida reprodutiva, raramente antes da menarca e geralmente nas mulheres com mais de 30 anos, tendendo a regredir à medida em que se aproxima da menopausa (ROSS, 1986). 
Nossos dados revelaram que os miomas surgiram nas mulheres brancas, em média, aos 29 anos, e ao redor dos 31.0 para as negras. O fato de as mulheres negras terem em geral apresentado miomas dois anos mais tarde chamou-nos a atenção por duas razões: primeiro porque era de se esperar que os tumores se manifestassem mais cedo na vida das negras, em função da suposta predisposição biológica que apresentam para o seu desenvolvimento, e, segundo, em face do aspecto psicossomático, no sentido de que as mesmas estão mais expostas a situações hostis17. 
Talvez uma resposta possível para nossa indagação esteja no menor acesso das negras aos serviços de saúde como mostra a Tabela 10. 
17A esse respeito ver Capítulo 4
54 
Tabela 10 - Mulheres segundo intervalo médio entre consultas ginecológicas, por cor 
INTERVALO ENTRE AS CONSULTAS GINECOLÓGICAS 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. 1 vez a cada 3 anos 
% 
. 1 vez a cada 4 anos 
% 
. 1 vez a cada 5 anos 
% 
31.4 
45.8 
COR DA 
ENTREVISTADA 
6.0 
11.0 
83.0 
18.7 
28.5 
52.8 
22.8 
TOTAL % 
100.0 
100.0 
100.0 
No.DE CASOS 
83 
82 
165 
INTERVALO MÉDIO 
3.8 
4.7 
4.4 
De fato, embora deva ser considerado a baixa freqüência para ambas, as brancas fazem uma consulta aos serviços de ginecologia-obstetrícia num intervalo médio de 3.8 anos, enquanto as negras o fazem a cada 4.7 anos. 
A periodicidade correta de uma consulta ginecológica para uma mulher que apresenta mioma é no mínimo uma vez por ano. “Se a paciente for bem examinada nas consultas ginecológicas e fizer os exames no período de um ano raramente apresentará uma situação grave de miomas. Podendo nesse intervalo de tempo desenvolver miomas de um, dois ou três centímetros mas não uma situação exagerada” (RIECHELMANN).
55 
2.2.3 - Meios de diagnóstico 
Para o total de mulheres que apresentaram mioma alguma vez, analogamente para as 63 que voltaram ao Centro de Saúde com queixas de novos miomas durante o período considerado - fevereiro de 1994 a fevereiro de 1995 - o método utilizado para o diagnóstico dos miomas foi o exame de ultra-sonografia, realizado no Amparo Maternal ou no Laboratório Jabaquara ambos do (INSS), onde o resultado é obtido num período de um a dez dias. 
Segundo ARAÚJO, são comuns os casos em que o mioma não é perceptível na consulta ginecológica. Isso pode ocorrer se for muito pequeno ou dependendo da sua forma e localização no útero. Para todas as pacientes que apresentam sintomatologia de mioma é solicitado o exame da ultra-sonografia. No entanto, há casos em que são diagnosticados miomas em pacientes assintomáticas através de um ultrasom solicitado por uma outra razão que não a suspeita de miomatose. 
RIECHELMANN acrescenta que são freqüentes os casos em que o mioma é descoberto por acaso, no momento do parto cesáreo ou em qualquer outra situação de intervenção cirúrgica próxima à região do útero. 
Nos casos em que o mioma tenha atingido certo grau de desenvolvimento, é possível detectá-lo através do apalpamento do abdome, onde percebe-se aumento no volume do útero (OLIVEIRA, 1995). 
Segundo depoimentos de profissionais de saúde, os sintomas comuns nos casos de miomas são dores pélvicas, hemorragias, dores no corpo, maior freqüência urinária e alteração no peso corporal. 
Chamou-nos a atenção o fato de que nossas entrevistadas chegaram ao Centro de Saúde com sintomas de cólicas e hemorragias. Segundo ARAÚJO, que as atendeu, essas
56 
são, de fato, as queixas mais comuns que conduzem as mulheres à consulta ginecológica, no que concerne aos miomas. 
Para RIECHELMANN, as manifestações dos sintomas dos miomas podem estar relacionadas com o ambiente psicossocial, ou seja, se um mioma pequeno causar dores intensas é porque fatores emocionais estão exercendo influência sobre eles. Porém, se a paciente apresentar gravidade no quadro clínico do mioma, então os fatores emocionais terão menor importância. 
2.2.4 Conhecimento dos miomas e das formas de tratamentos 
O conhecimento das entrevistadas sobre o mioma e as suas formas de tratamentos parecem revelar muitas desinformações sobre estas questões. Descrevem-nos como sendo "um tumor ou um caroço benigno, que cresce na barriga ou no útero, causam cólicas e hemorragias", mas até o momento da entrevista não avaliavam o que o mioma representava para as suas vidas reprodutivas. 
Muitas delas referiram-se a parentes e amigas que assim como elas tiveram experiências com esses tumores. Das brancas, 22.9% afirmaram serem irmãs e 8.4% filhas de mães com miomas. Das negras 51.3% e 7.3% citaram irmãs e mães com miomas, respectivamente. As amigas também nestas condições, foram citadas por brancas 48.2% e negras 20.7% (Tabela 11).
57 
Tabela 11 - Mulheres segundo conhecimento de parentes/amigas com miomas, por cor 
PARENTES/AMIGAS COM MIOMAS 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. Mãe 
% 
. Irmã 
% 
. Amiga 
% 
. Não conhece 
% 
8.4 
22.9 
48.2 
20.5 
COR DA 
ENTREVISTADA 
7.3 
51.3 
20.7 
20.7 
7.9 
49.7 
21.8 
20.6 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
100.0 
83 
100.0 
82 
100.0 
165 
Esses dados, principalmente no que se refere à mulher negra, vão ao encontro das afirmações feitas por parte de profissionais de saúde de que o mioma uterino é uma doença familiar (OLIVEIRA, 1995). 
Ao referirem-se às formas de tratamentos do mioma utilizadas por parentes e amigas, nossas entrevistadas atestaram serem essas semelhantes às formas por elas adotadas. Mesmo aquelas que afirmaram conhecer as formas cirúrgicas foram informadas por essas relações, além da informação dada no Centro de Saúde, o que permite supor que a troca de informações entre elas, nem sempre de acordo com as obtidas através da médica-ginecologista, resultam nas práticas incorretas quanto ao tratamento dos miomas. 
Vale notar que o conhecimento sobre a possibilidade da reincidência dos miomas estava presente para 57.3% das negras e apenas 22.9% das brancas. Esse achado pode ser resultado do quadro apresentado quanto à maior incidência de miomas para as primeiras,
58 
assim como pode ser devido a uma experiência familiar associada à presença de queixa de novos miomas (Tabela 12). 
Tabela 12 - Mulheres segundo conhecimento da reincidência do mioma, por cor 
TEM CONHECIMENTO DA REINCIDÊNCIA DO MIOMA 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. Sim 
% 
. Não 
COR DA 
ENTREVISTADA 
22.9 
77.1 
57.3 
% 
42.7 
40.0 
60.0 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
100.0 
83 
100.0 
82 
100.0 
165 
As formas de tratamentos mais conhecidas são os medicamentos. Do total de mulheres, somente 13.3% das brancas e 30.5% das negras referiram-se à histerectomia. O desconhecimento acerca da miomectomia foi também alto entre brancas e negras, correspondendo a 88.0% e 85.4%, respectivamente (Tabela 13).
59 
Tabela 13 - Mulheres segundo conhecimento das formas de tratamento para mioma, por cor 
CONHECIMENTO DAS FORMAS DE TRATAMENTO 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. Só remédio 
% 
. Remédio e Histerectomia 
% 
. Remédio, Histerectomia e Miomectomia 
% 
74.7 
COR DA 
ENTREVISTADA 
13.3 
12.0 
54.9 
30.5 
14.6 
64.9 
21.8 
13.3 
TOTAL % 
100.0 
100.0 
100.0 
No.DE CASOS 
83 
82 
165 
Os dados acima são muito significativos se pensados no sentido da prevenção de uma histerectomia. De fato, o maior conhecimento desta prática cirúrgica do que da miomectomia pode levar um considerável contingente de mulheres a lançar mão da histerectomia, pondo um fim definitivo à capacidade reprodutiva, quando uma alternativa, ainda que cirúrgica, a miomectomia poderia ser a solução. 
Embora afirmassem que obtiveram no Centro de Saúde informações acerca dos miomas, brancas e negras, em sua maioria, manifestaram a necessidade de serem melhor informadas a esse respeito, sugerindo inclusive que os profissionais de saúde, elaborassem folhetos informativos, principalmente com relação à prevenção da histerectomia.
60 
2.2.5 Orientação médica e formas de tratamentos 
Segundo ARAÚJO, não existe uma única recomendação médica para o tratamento do mioma. Esta poderá variar para a mesma paciente, de acordo com o quadro clínico que apresentar, ou seja, poderá iniciar o tratamento somente através do controle (observação / acompanhamento clínico), sendo que em um outro momento poderão ser recomendados os medicamentos, com o objetivo de diminuir o tamanho ou estacionar o crescimento do mioma. Pode-se chegar também à miomectomia ou à histerectomia, ou ainda, no melhor dos casos, aguardar a chegada da menopausa, ocasião em que os miomas regridem ou param de crescer. 
Essa variação, de acordo com esse depoimento, ocorre em função principalmente, da baixa freqüência às consultas. É muito comum que as mulheres, após ter sido diagnosticado o mioma, não retornem ao centro de saúde, ou então o fazem apenas tardiamente, após um ou mais anos, já com um quadro clínico bastante agravado. Há os casos daquelas que voltam com os miomas crescidos ou novos tumores desenvolvidos, o que modifica ou acentua os sintomas anteriormente apresentados. Pode ocorrer, então, ou somente a recidiva dos sintomas (o que significa que o mesmo mioma voltou a incomodar, ou também o surgimento de outros miomas). 
Existem também os casos, embora menos freqüentes, em que a paciente chega ao consultório com um quadro clínico grave, o que implica imediato encaminhamento à histerectomia de emergência. 
No nosso estudo deparamo-nos com três categorias de mulheres: aquelas que tiveram diagnóstico de miomas somente uma vez; as que apresentaram recidiva dos sintomas e as que tiveram diagnóstico de reincidência de miomas.
61 
A recomendação médica para brancas e negras quando do primeiro diagnóstico de miomas foi a prescrição de medicamentos por um período mínimo de três meses e o retorno após esse período para o controle, em detrimento da histerectomia e da miomectomia. Houve três casos, de mulheres negras, em que não foram prescritos os medicamentos, mas apenas a observação clínica, por estarem elas, segundo ARAÚJO, na pré-menopausa. Nessa fase, o organismo não mais produz estrógeno e o mioma tende à diminuir. 
Segundo ARAÚJO, a indicação de medicamentos para nossas mulheres deu-se, naquele momento, por apresentarem miomas pequenos e sem gravidade no que se refere à dores ou crises hemorrágicas. O controle também é, de uma maneira geral, recomendado às todas as pacientes assintomáticas, assim como para aquelas em que seus quadros clínicos assim os permitam. 
O mioma é um tumor dependente do estrógeno, que o faz crescer enquanto que a progesterona o faz diminuir. Assim, os medicamentos são à base de progestágenos, que produzindo uma menstruação artificial, bloqueiam a fabricação do estrógeno. 
ARAÚJO salienta que, constantemente, as pacientes só recorrem à consulta ginecológica quando as dores e as hemorragias já estão adiantadas, e que o não seguimento das orientações médicas agrava os casos de miomas. Um tumor que poderia ser tratado apenas mediante a observação, ou com medicamentos, acaba em miomectomia ou até histerectomia. 
São muito comuns os casos em que as pacientes interrompem o tratamento clínico de forma aleatória, apresentando, por conseqüência, gravidade na recidiva dos sintomas.
62 
A Tabela 14 mostra a maneira pela qual as entrevistadas trataram-se quando do primeiro diagnóstico de mioma. 
Tabela 14 - Mulheres segundo modo do tratamento quanto ao primeiro diagnóstico do mioma, por cor 
COMO TRATOU DO PRIMEIRO MIOMA 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. Usou o medicamento e voltou após 3 meses para rotina 
% 
. Abandonou o medimento com menos de 3 meses 
COR DA 
ENTREVISTADA 
% 
9.6 
90.4 
7.3 
8.4 
92.7 
91.6 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
100.0 
83 
100.0 
82 
100.0 
165 
Nota-se que, somente 9.6% das mulheres brancas e 7.3% das negras seguiram corretamente as recomendações médicas, sendo que as demais abandonaram o tratamento antes do período recomendado. Ressaltamos que no período estudado, os medicamentos para o tratamento dos miomas eram distribuídos gratuitamente no referido Centro de Saúde, o que significa que não foi a ausência desses o motivo para o descumprimento das orientações médicas. 
De fato, perguntadas sobre isso, comumente respondiam: "as cólicas e as hemorragias passaram"/"o mioma desapareceu" /"não sinto mais nada".
63 
Nos casos em que os sintomas voltaram (cólicas e hemorragias), só retornaram ao Centro de Saúde aquelas que, conforme próprio depoimento, já estavam bastante incomodadas. As demais, que também tiveram novamente esses sintomas, porém menos acentuados, optaram por recorrer à farmácia. Assim, se foi no Centro de Saúde que foram diagnosticados os tumores, foi na farmácia, em larga medida, que foram realizadas as "consultas" e obtidas as "orientações" para a solução dos problemas de saúde advindos dos miomas. Segundo elas, após seis meses, em média, em que suspenderam o medicamento, os sintomas novamente se manifestaram. 
A Tabela 15 indica as razões pelas quais mulheres brancas e negras não comparecem com regularidade às consultas ginecológicas. 
Tabela 15 - Mulheres segundo razão de não comparecimento às consultas ginecológicas, por cor 
RAZÃO DE NÃO COMPARECIMENTO ÀS CONSULTAS GINECOLÓGICAS 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. Tem vergonha de fazer exame ginecológico/ prefere ir à farmácia 
% 
. Perde-se muito tempo no Centro de Saúde/perde-se o dia de serviço, prefere ir à farmácia 
% 
COR DA 
ENTREVISTADA 
69.9 
30.1 
25.6 
47.8 
74.4 
52.2 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
100.0 
83 
100.0 
82 
100.0 
165
64 
É interessante notar os tipos de respostas obtidas de brancas e negras para duas questões distintas: motivo do abandono do medicamento e da não freqüencia às consultas ginecológicas. No primeiro caso, todas responderam terem acreditado que os sintomas e a doença haviam desaparecido, o que vem a reforçar o fato de que há grande desinformação da população de baixa renda quanto aos miomas e sua saúde reprodutiva. 
Quanto as justificativas para a não freqüência às consultas ginecológicas, enquanto 69.9% das brancas referiram constrangimento de fazer os exames ginecológicos, 74.4% das negras atestaram razões relativas ao acesso ao serviço e ao "tempo gasto" no Centro de Saúde. 
Talvez no caso das mulheres negras, como colocamos anteriormente, o fato de não possuírem registro em carteira profissional, por serem majoritariamente empregadas domésticas diaristas, implique o não pagamento do dia mesmo com a apresentação do atestado médico no local de trabalho. Já as mulheres brancas que apresentavam vínculo empregatício justificam essa falta de hábito, por uma questão subjetiva: "vergonha de fazer exames ginecológicos". 
Entretanto, se a freqüência das negras ao Centro de Saúde é acentuadamente menor (conforme mostramos no início deste capítulo), são elas que retornam majoritariamente à consulta ginecológica com queixas de novos miomas. Frente a isso podemos supor que se o acesso aos serviços de saúde fosse maior, maior ainda seriam as suas queixas - considerando-se a predisposição biológica e a explicação psicossomática, que juntas parecem contribuir para o desenvolvimento dos tumores - e menores seriam então os casos graves de miomas entre elas, uma vez que estariam sendo, de alguma forma, mais assistidas no que concerne à miomatose. 
É importante notar que à medida que brancas e negras retornaram ao Centro de Saúde, com queixas de novos miomas, fossem eles comprovados ou não, passaram a ser
65 
incorporadas nas prescrições médicas as intervenções cirúrgicas, como mostra a Tabela 16.
66 
Tabela 16 - Mulheres segundo orientação médica para o tratamento da recidiva de sintomas, por cor 
ORIENTAÇÃO MÉDICA PARA RECIDIVA DE SINTOMAS 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. Medicamento por 3 meses e voltar para rotina 
% 
. Medicamento por 3 meses e miomectomia 
% 
71.5 
28.5 
COR DA 
ENTREVISTADA 
94.0 
90.0 
6.0 
10.0 
TOTAL % 
100.0 
No.DE CASOS 
7 
100.0 
33 
100.0 
40 
Considerando o elevado número de mulheres negras que tiveram diagnosticada a recidiva dos sintomas (33), chamou-nos atenção o fato de que a miomectomia somente foi indicada para duas delas. 
Segundo ARAÚJO, embora a proporção de negras que apresentaram recidiva dos sintomas fosse significativamente superior às brancas, naquele momento, ainda era possível ser evitada qualquer forma de intervenção cirúrgica. 
Enfatiza ainda que a irregularidade da freqüência às consultas e o abandono dos tratamentos, são as prováveis razões para justificar o agravamento do quadro clínico apresentado por essas mulheres quando do diagnóstico inicial do mioma. 
Cabe observar que mesmo nesses casos a miomectomia não foi recomendada sem ser precedida da prescrição de medicamentos por um período médio de três meses. 
A eficácia da miomectomia, porém, é matéria polêmica entre aqueles que estudam, ou lidam com a miomatose.
67 
Para EGWUATU (1989), a miomectomia não deve ser realizada em pacientes férteis. No seu entender, essa prática cirúrgica, além de comprometer a fertilidade, também pode ter como conseqüência negativa a hipertensão arterial. 
Por sua vez, ARAÚJO, afirma que a miomectomia é uma cirurgia indicada principalmente para as pacientes jovens que ainda não possuem o número de filhos desejados. Enfatiza ainda que em todos os casos cirúrgicos são avaliadas as possibilidades de realização da miomectomia, em detrimento da histerectomia, independentemente do número de filhos ou da idade da paciente. 
Se de um lado, como já apontamos, nossas entrevistadas não tiveram por hábito seguir a recomendação médica quanto ao tratamento através dos medicamentos, o mesmo não ocorreu com as formas cirúrgicas, como mostra a Tabela 17. 
Tabela 17 - Mulheres segundo modo do tratamento da recidiva dos sintomas do mioma, por cor 
COMO TRATOU DA RECIDIVA DOS SINTOMAS 
TOTAL 
BRANCA 
NEGRA 
. Seguiu corretamente a orientação médica 
% 
. Abandonou o medicamento com menos de 3 meses 
% 
. Tomou o medicamento por 3 meses e fez a miomectomia 
% 
COR DA 
ENTREVISTADA 
14.2 
57.3 
28.5 
12.1 
12.5 
81.9 
6.0 
72.5 
15.0 
TOTAL % 
No.DE CASOS 
100.0 
7 
100.0 
33 
100.0 
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MULHER NEGRA E MIOMAS: UMA INCURSÃO NA ÀREA DA SAÚDE, RAÇA/ETNIA.

  • 1. 1 VERA CRISTINA DE SOUZA MULHER NEGRA E MIOMAS: UMA INCURSÃO NA ÀREA DA SAÚDE, RAÇA/ETNIA. Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais – Antropologia, sob a orientação da Profa. Dra. Josildeth Gomes Consorte. PUC - SÃO PAULO 1995
  • 2. 2 FOLHA DE APROVAÇÃO Banca examinadora: Dra. Josildeth Gomes Consorte (orientadora) Dra Elza Berquó Dra. Maria Helena Villas Boas Concone
  • 3. 3 Í N D I C E INTRODUÇÃO........................................................................................................ 01 CAPÍTULO 1 – SAÚDE D DOENÇA DA POPULAÇÃO NEGRA NOS ESTUDOS SOBRE OS NEGROS NO BRASIL Considerações Gerais.................................................................................................. 08 1. Saúde e doença da População Negra no período da escravidão.............................................................................................. 08 2. Saúde e doença da População Negra no Negra nas preocupações dos intelectuais brasileiros.................................................. 10 3. Saúde e doença da População Negra nas preocupações dos dos intelectuais brasileiros.................................................................... 13 4. A luta feminista no Brasil e o destaque das questões relativas à saúde da mulher......................................................................... 14 5. O recorte racial / étnico nas pesquisas sobre saúde mulher........................................................................................................... 15 CAPÍTULO 2 – COR E DOENÇAS RACIAIS / ÉTNICAS: ATITUDES E PROBLEMAS DE ABORDAGEM Considerações Gerais.................................................................................................... 21 1. O item cor.......................................................................................................... 21 2. Do quesito cor às categorias raça/etnia........................................................... 24 CAPÍTULO 3 – A PESQUISA DE CAMPO SOBRE MIOMAS 1. Material e Métodos...................................................................................... 28 2. Resultados..................................................................................................... 30 2.1Perfil demográfico das entrevistadas........................................................... 30 2.1.1 Condições de vida.................................................................................... 30 2.1.2 Nupcialidade ............................................................................................ 34 2.1.3 Perfil reprodutivo ..................................................................................... 36 2.2 Caracterização dos miomas...................................................................... 42 2.2.1 Incidência e reincidência dos miomas.................................................. 42 2.2.2 Idade média do aparecimento do mioma.............................................. 46 2.2.3 Meios de diagnóstico .............................................................................. 48 2.2.4 Conhecimento dos miomas e das formas de tratamentos..................... 49 2.2.5 Orientação médica e formas de tratamentos......................................... 53 2.2.6 Miomas e métodos contraceptivos........................................................... 65 CAPÍTULO 4 – MIOMAS UTERINOS: CONSIDERAÇÕES E OPINIÕES MÉDICAS Considerações Gerais ....................................................................................... 68 1. Etiologia............................ .......................................................................... 68 2. Incidência..................................................................................................... 70 3. Tipos.................................................................................................. ............ 70 4. Sintomatologia........................................................................................ .... 72
  • 4. 4 5. Formas de tratamentos................................................................................. 73 6. Controvérsias e conclusões............................................................................ 77 6.1 Miomas versus infertilidade...................................... .................................. 77 6.2 Miomas versus contracepção....................................................................... 78 6.3 Miomas versus outras patologias................................................................. 79 CONCLUSÕES.............................................................................................................. 80 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 82 ANEXOS:.................................................................................................................... 88 1. Questionário utilizado nas pesquisas de campo 2. Roteiro utilizado nas entrevistas gravadas com profissionais de saúde
  • 5. 5 INTRODUÇÃO No Brasil, ainda são poucos os estudos que tratam da saúde da população negra, bem como das chamadas doenças raciais/étnicas1 com ela relacionadas, seja em virtude da dificuldade de se lidar com a complexidade da questão racial entre nós, seja da incompreensão, por parte de muitos, em admitir que ainda hoje persiste a discriminação entre negros e brancos. Esta situação se agrava ainda mais quando se trata de estudos sobre a saúde reprodutiva da mulher negra, na medida em que o interesse por assuntos nesta área, mesmo para a população feminina em geral, é muito recente. È de domínio público a informação de que a qualidade de saúde pública no país, é de um modo geral precária, dado o conjunto de problemas que apresentam. Além disto, não é difícil constatar que o acesso a estes serviços varia para os diferentes grupos que compõem a população, com maior desvantagem para os negros. A maioria da população negra das grandes cidades, em função da discriminação racial e social a que está sujeita, concentra-se na periferia dos centros urbanos, onde os serviços de infra-estrutura são mais deficientes ou inexistentes e as oportunidades econômicas e educacionais, as mais precárias (ROLNIK, 1989). Dois importantes indicadores na análise das condições de vida de uma população são a mortalidade infantil e a mortalidade materna. Ao estudar estes dois indicadores por cor, TAMBURO (1987) concluiu que a mortalidade infantil da população negra é maior que a da população branca, o que, segundo a autora, entre outros fatores, pode ser também atribuído às piores condições de vida em que se encontram os negros. 1 Entendemos doenças raciais/étnicas como as patologias que prevalecem ou são quase exclusivas em determinados grupos populacionais classificados enquanto raciais (negros, brancos e amarelos) ou étnicos (ciganos, judeus, etc). A esse respeito ver OLIVEIRA, 1994
  • 6. 6 Com relação à mortalidade feminina por cor no Brasil, estudos revelam que há sobremortalidade das mulheres negras em relação às brancas, o que, segundo CUNHA (1990), também se pode atribuir a diferenças nas condições materiais de vida - acesso aos serviços de saúde e a informação, qualidade dos alimentos consumidos, etc. Não objetivamos neste estudo descrever as precárias condições de vida em que se encontra a maioria da população negra, uma vez que vários autores já o fizeram de modo exaustivo (FERNANDES, 1960; IANNI, 1987; ARAÚJO, 1987; CHAIA, 1988; ROLNIK, 1989; ROSEMBERG, 1991, BENTO, 1994). Estes estudos, porém, não se ocuparam especificamente da saúde da mulher negra. O presente trabalho procura abordar um aspecto importante da saúde da mulher negra: sua saúde reprodutiva. Nosso interesse por este tema teve início quando passamos a integrar a equipe do Programa "Saúde Reprodutiva da Mulher Negra", do CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, iniciado em 1992, sob a coordenação da Profa. Dra. Elza Berquó, sob os auspícios da Fundação MacArthur (Estados Unidos). Um dos itens do Programa foi a realização de uma pesquisa de campo, no município de São Paulo, visando caracterizar aspectos relacionados à saúde reprodutiva da mulher negra, tendo como contraponto necessário à mulher branca, mediante uma amostra por cotas de 1.026 mulheres de 15 a 50 anos de idade, 513 brancas e 513 negras, onde foi possível acumular conhecimentos a respeito de características específicas da saúde da mulher negra. Durante este período estivemos expostas ao debate sobre condições materiais de vida versus predisposição biológica no que se refere à saúde. O Programa também
  • 7. 7 compreendeu dois importantes seminários2 com renomados médicos3 e geneticistas4 brasileiros sob o aspecto da saúde/doença e raça/etnia. A anemia falciforme e a hipertensão arterial5 foram citadas nos seminários como doenças raciais-étnicas, dada sua maior prevalência na população negra. Concomitantemente à participação no Programa, iniciamos extenso levantamento bibliográfico6 e realizamos entrevistas com profissionais de saúde7 com o objetivo de aprofundar o entendimento sobre a questão. Em parte da literatura médica norte-americana consultada e alguns dos depoimentos dos profissionais de saúde brasileiros entrevistados encontramos a afirmação de que as mulheres negras são mais predispostas a desenvolver miomas uterinos do que as mulheres brancas, embora nem sempre, se explicasse a razão para esta suposta diferença. Em face destas colocações, reexaminamos os dados da referida pesquisa de campo, à procura de uma eventual diferença na proporção de miomas entre brancas e negras. Os resultados empíricos, entretanto, não confirmaram tal diferença, já que as proporções de miomas para mulheres negras e brancas foram praticamente as mesmas: 15.6% e 15.4%, respectivamente. 2 Em janeiro de 1993, foi realizado o seminário "Etnia versus Biológico. No mês de dezembro do mesmo ano, foi realizado o seminário "Alcances e Limites da Predisposição biológica". Este último resultou na publicação dos Cadernos de Pesquisa CEBRAP, no 2 3 José da Rocha Carvalheiro, Marco Antonio Zago, Miriam Ribeiro, Pedro Paulo Roque Monteleone, entre outros. 4 Carla Franchi Pinto, Crodowaldo Pavan, Eliane Azevedo, Mara H. Hutz, Oswaldo Frota Pessoa. 5. A esse respeito ver ZAGO, 1994. 6. A pesquisa bibliográfica deu-se junto a BIREME - Centro Latino-Americano de Informação em Ciências da Saúde, Escola Paulista de Medicina, Escola de Saúde Pública e Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. 7. Os profissionais de saúde entrevistados foram: José Carlos Riechelmann, médico ginecologista-obstetra, terapeuta sexual; Luiz Claudio Dacca, médico ginecologista-obstetra, do Centro de Saúde de Vargem Grande Paulista; Alice de Paula Souza, especialista em Saúde Pública do Centro de Saúde de Vargem Grande Paulista; Jussara Marchi, enfermeira do Centro de Saúde de Vargem Grande Paulista e Dulce Sena, médica ginecologista-obstetra.
  • 8. 8 Em que pese o fato da literatura médica não apontar nenhuma relação entre miomas e esterilização, mas levando em conta a voz corrente entre mulheres negras de que a esterilização feminina decorria, em parte, da presença de miomas, buscamos comparar as proporções desses tumores entre esterilizadas negras e brancas verificadas na Pesquisa. Embora a proporção de miomas para as negras esterilizadas (17,5%) fosse o dobro da relativa às brancas esterilizadas (8.8%), estas porcentagens não diferiram estatisticamente8. Mesmo assim decidimos levantar informações adicionais com o propósito de esclarecer esta elevada proporção de negras com miomas dentre as esterilizadas. Não tendo sido conduzida com o propósito específico de aprofundar estudos sobre miomas, a Pesquisa não continha informações detalhadas sobre o histórico dos miomas acoplado com o histórico da anticoncepção e da reprodução. Decidimos então, no ano de 1993, voltar a campo a fim de reentrevistar todas as mulheres esterilizadas e portadoras de miomas, encontradas na Pesquisa: Eram dezoito negras e dez brancas. A estas adicionamos um número idêntico de não-esterilizadas com o cuidado de que tivessem características de idade, escolaridade e número de gestações semelhantes às correspondentes esterilizadas, para permitir comparabilidade, perfazendo um total de 56 mulheres: 36 mulheres negras com miomas, sendo dezoito esterilizadas e dezoito não-esterilizadas, assim como vinte mulheres brancas com miomas, sendo dez esterilizadas e dez não-esterilizadas. A análise dos resultados desta nova investigação forneceu-nos uma visão mais abrangente acerca da epidemiologia dos miomas e da sua relação com a saúde reprodutiva das mulheres que os apresentam, mostrando que mioma não é razão de esterilização. 8. Valor observado da estatística Z igual a 1.88, menor do que o valor crítico de 1.96 ao nível de significância de 5%.
  • 9. 9 Ainda que os dados da nossa amostra de 56 mulheres não confirmassem a hipótese da prevalência de miomas entre as mulheres negras, os dados relativos ao suposto aparecimento de novos miomas pareciam indicar que sua manifestação era maior entre mulheres negras. Restava ainda uma questão fundamental a esclarecer, já que as informações sobre miomas haviam sido obtidas junto às próprias mulheres, sem que dispuséssemos de diagnóstico médico que comprovasse a informação. Por este motivo, empreendemos uma nova investigação, centrada agora num serviço de saúde, junto ao qual poderíamos obter informações relativas à incidência dos miomas a partir de diagnósticos médicos, numa população de baixa renda. Esta nova investigação, realizada no Centro de Saúde de Vila Morais, bairro da Saúde, nos permitiria: 1 - Conhecer o perfil demográfico e reprodutivo das entrevistadas; 2 - Estimar a incidência e reincidência de miomas nas mulheres negras e brancas; 3 - Levantar os meios de diagnóstico de miomas; 4 - Investigar o nível de conhecimento dos miomas e das formas de tratamentos das mulheres brancas e negras; 5 - Conhecer a orientação médica e a conduta adotada pelas entrevistadas para o tratamento dos miomas; Com essa nova investigação não apenas criaríamos a possibilidade de verificar a suposta incidência de miomas em mulheres negras de baixa renda, como de ampliar o
  • 10. 10 nosso conhecimento sobre a relação destas mulheres com esses tumores e a repercussão destes sobre a sua vida reprodutiva.
  • 11. 11 A dissertação está dividida em quatro capítulos onde abordaremos os seguintes conteúdos: CAPÍTULO 1 - SAÚDE E DOENÇA DA POPULAÇÃO NEGRA NOS ESTUDOS SOBRE O NEGRO NO BRASIL. Nesse capítulo traçaremos um quadro das condições de vida e das doenças que atingiam os escravos brasileiros, o pensamento sobre o negro surgido no país no final do século XIX e seus desdobramentos no século XX, os posicionamentos dos negros sobre as suas questões e a emergência dos estudos sobre a demografia da população negra. CAPÍTULO 2 - COR E DOENÇAS RACIAIS ÈTNICAS: ATITUDES E PROBLEMAS DE ABORDAGEM. Este capítulo tratará das dificuldades quanto a implantação do quesito cor nos serviços de saúde e a sua necessidade para a avaliação do processo saúde/doença da população negra; a polêmica em torno dos conceitos de raça e etnia e das doenças consideradas raciais/étnicas relacionadas à população negra do país. CAPÍTULO 3 - A PESQUISA DE CAMPO SOBRE MIOMAS UTERINOS. Nesse capítulo serão analisados os resultados da pesquisa de campo realizada com mulheres negras e brancas portadoras de mioma uterino, abrangendo sua incidência e reincidência, conhecimento das entrevistadas sobre os tumores, orientação médica e formas de tratamentos, meios de diagnóstico, etc. CAPÍTULO 4 - MIOMAS UTERINOS: CONSIDERAÇÕES E OPINIÕES MÉDICAS.
  • 12. 12 O presente capítulo discorrerá sobre a epidemiologia dos miomas uterinos segundo depoimentos de profissionais de saúde e informações obtidas através da literatura médica norte-americana. É nossa intenção com esta dissertação contribuir, ainda que modestamente, para a superação das lacunas apontadas no início - lacunas estas decorrentes do tratamento precário do item cor nos levantamentos estatísticos e estudos epidemiológicos referentes à saúde reprodutiva da mulher negra.
  • 13. 13 CAPÍTULO 1 SAÚDE E DOENÇA DA POPULAÇÃO NEGRA NOS ESTUDOS SOBRE OS NEGROS NO BRASIL Considerações gerais Desde os tempos da escravidão, no Brasil, os negros enfrentaram problemas com sua saúde. É verdade que, naquela época, tanto negros como brancos ressentiam-se da dificuldade de obter assistência institucional à saúde, já que praticamente não existiam médicos. Para os negros, porém, essa situação se agravava em virtude do desinteresse dos senhores pela saúde de seus escravos. Nos nossos dias é certo que a medicina se encontra bastante desenvolvida, mas a maioria da população continua não tendo acesso a ela, principalmente os negros, que são entre os pobres os mais pobres. 1 - Saúde e Doença da População Negra no Período da Escravidão9 Ao estudar as condições de vida da população escrava no tocante à sua saúde, COSTA (1989) mostra que muitas das doenças que acometiam os negros decorriam das suas péssimas condições de vida. Sofriam de problemas pulmonares, sobretudo de tuberculose, por causa do ambiente insalubre das senzalas. Por estarem submetidos a trabalhos exaustivos e, conseqüentemente, à estafa, era comum entre os negros das zonas rurais os acidentes nos engenhos, que os levavam à morte ou a mutilações. A utilização das águas dos rios para banho e ingestão, comumente contaminadas por dejetos, provavelmente contribuiu para que contraíssem doenças infecciosas. A precariedade nas condições de vida favorecia também a incidência de outras doenças como disenteria, verminoses, gastrite, hepatite, morféia, tétano, impaludismo, escorbuto, doenças sexualmente transmissíveis - as antigas moléstias ou doenças 9 Neste capítulo, nos utilizamos, sobretudo, dos estudos de Emília Viotti da Costa (1989), pela abrangência em que investigou a saúde dos escravos brasileiros.
  • 14. 14 venéreas - bouba, reumatismo, doenças da pele (como a sarna, a erisipela e a impingem) e elefantíase. As verminoses do tipo ancilostomíase e ascaridíase causavam fortes reações orgânicas, que resultavam em indisposição física. Provocavam também tosse, problemas digestivos, hepatites crônicas, febres e até perfurações de órgãos. Desconhecendo que a verminose necatoríase provoca a geofagia (hábito de comer terra), os senhores puniam os escravos acometidos pela doença com um tipo especial de castigo: a obrigatoriedade do uso de máscara de zinco, ou folha-de-flandres. Esse verme também é causa de determinadas dermatoses nos membros inferiores. A solução encontrada pelos senhores para os escravos portadores de hanseníase, assim como para aqueles que apresentavam elefantíase, era a alforria. Doentes, abandonados e inutilizados para o trabalho, restava- lhes a mendicância. Para a cura de seus males, os negros utilizavam-se dos conhecimentos trazidos da África, como o preparo de medicamentos à base de ervas, cinzas e pedras. Tinham por hábito, também, fazer orações, proferir palavras santas e invocar determinados santos para protegê-los de certas doenças: santa Luzia, para os doenças dos olhos, santa Ágata, para as doenças dos pulmões, são Lázaro, contra a hanseníase. Eram altas as taxas de mortalidade de brancos e escravos, mas sobretudo destes. No ano de 1830, enquanto nasciam 4.0% de crianças brancas morriam 2.83%; para os escravos enquanto nasciam 4.76% morriam 6.86% (KARL SEIDLER, apud COSTA, 1987). A mortalidade das crianças negras nas fazendas chegou a atingir 88% dos nascimentos tendo como causas mais freqüentes o mal de sete dias (tétano neonatal), o desmame precoce e o consumo habitual de alimentos contaminados (L.COUTY, apud COSTA, 1987). As escravas de leite, por sua vez, geralmente eram impossibilitadas de amamentar seus filhos, já que eram alugadas pelos seus senhores como amas-de-leite para alimentar as crianças da Casa Grande, agravando ainda mais esta situação (MOTA, 1990).
  • 15. 15 Era freqüente também a mortalidade materna causada pelas precárias condições em que se realizava o parto, assim como pelo fato de que as negras com gravidez adiantada continuavam no mesmo ritmo intenso de trabalho. Outro fator de morbidade e até de mortalidade entre a população escrava estava relacionado à mulher negra virgem. Havia uma crença de que o homem branco portador de doença venérea seria curado se tivesse relações sexuais com uma mulher negra virgem (ETZEL, 1976). "O número de escravos reduzia-se em cinco por cento ao ano, dada a elevada mortalidade infantil e ao pequeno número de mulheres, que, nesta época estava na proporção de uma para cinco" (COSTA, 1989). Frente a esta situação, os senhores entendiam que de nada adiantaria melhorar as condições de vida da população escrava, pois para eles os negros encontravam-se "em extinção". Com o fim do tráfico de escravos, em 1850, e a conseqüente dificuldade de obtê- los, verificou-se uma relativa melhora na alimentação e nos cuidados com a saúde dos negros. A regra geral, porém, continuava sendo o descaso. Segundo COSTA (1989), mesmo após a escravidão, mantiveram-se os altos índices de mortalidade infantil, materna e adulta. Segundo o Anuário Médico Brasileiro de 1891, a febre amarela, a malária e a precariedade nas condições de moradia, de alimentação e sanitárias foram fatores que muito contribuíram para a persistência da alta mortalidade entre os negros. 2 - Saúde e Doença da População Negra nas Preocupações dos Intelectuais Brasileiros. No final do século XIX, persistiam epidemias como o mal de Chagas, febre amarela, febre tifóide, escarlatina e cólera, entre outras. O país estava "doente" e era necessário encontrar a causa e a cura desses males, de forma que à mestiçagem foi atribuída a responsabilidade por esta situação. Por outro lado, acreditava-se que o cruzamento constante das raças proporcionaria, através da “depuração”, a pureza da raça branca e, conseqüentemente, a solução para o problema.
  • 16. 16 SCHWARCZ (1993) resgata o pensamento da intelectualidade brasileira fundamentado no darwinismo social e na eugenia, mostrando os caminhos que esses pesquisadores, em sua maioria mestiços, percorreram para encontrar uma solução "científica" para condenar a mestiçagem reinante no maior "laboratório racial", como o Brasil era visto. O darwinismo social, produto ideológico da teoria científica de Darwin, propugnava que a vida social seguiria os mesmos moldes da evolução biológica. A eugenia, por sua vez, visava à reprodução dos mais “aptos” e à extinção dos "inferiores". Em 1904, nos Estados Unidos, foi fundado o Laboratório de Evolução Experimental, e em 1905, na Alemanha, a Sociedade de Higiene Racial, centros pioneiros neste particular (OLIVEIRA, 1995). No Brasil, em 1917 foi fundada a Liga Pró-Saneamento e em 1918 a Sociedade Eugênica de São Paulo. Os eugenistas mantiveram grande afinidade com as idéias higienistas da Liga Pró-Saneamento, à qual muitos deles pertenciam. A Sociedade Eugênica de São Paulo encerrou suas atividades em 1919 (MARQUES, 1994). No entanto, o movimento eugênico após atingir o seu apogeu declina e perde o apoio dos cientistas europeus e norte-americanos. Retorna com novo fôlego nos anos 30, quando da ascensão do nazismo, que difundia o arianismo. No início da década de 30, foi criada na cidade do Rio de Janeiro a Comissão Central Brasileira de Eugenia, que publicava o Boletim da Eugenia. (OLIVEIRA, 1995). No final do século XIX, foram fundadas as Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, cabendo-lhes detectar o surgimento de doenças e traçar planos para erradicá-las. Expandem-se, na escola baiana, os estudos sobre medicina legal, com o objetivo de investigar menos a doença e mais o doente, através dos estudos da craniologia (SCHWARCZ, 1993) . Frente a todos estes acontecimentos, PEREIRA (1981), analisando a produção dos estudos sobre o negro no Brasil, elencou três fases distintas para caracterizá-la: o negro como expressão de raça, como expressão de cultura e como expressão social. Na primeira fase, os "atributos biológicos ou somáticos interpretados pelas ideologias, pelas crenças e motivações históricas da época compõem uma imagem
  • 17. 17 negativa e patológica do homem de cor perante os outros ramos raciais que formam a população" (PEREIRA, 1981). Nina Rodrigues, médico maranhense, iniciou seus estudos sobre os negros na Bahia baseado em uma visão evolucionista, objetivando identificar quem era "aquele povo de origem africana" e em qual estágio se encontrava a sua cultura. Morto prematuramente, não finalizou suas pesquisas sobre os efeitos da mestiçagem, "mas é evidente a sua satisfação em constatar que os africanos aqui chegados já haviam ultrapassado os estágios mais rudimentares da evolução destacando- se mesmo entre eles alguns grupos (como os Malés) por seus dotes intelectuais e sua capacidade de liderança: 'os escravos negros introduzidos no Brasil não pertenciam exclusivamente aos povos africanos mais degradados, brutais ou selvagens'"(CONSORTE, 1987). A segunda fase apontada por Borges Pereira - "O negro enquanto expressão de cultura" - iniciou-se na década de 20 e, conforme o autor, teve as seguintes características: "O negro se infiltra nas reflexões científicas como expressão de cultura. Seus atributos raciais são colocados em plano secundário, cedendo lugar às suas peculiaridades culturais (PEREIRA, 1981). Nesta fase, Arthur Ramos, entre outros autores, questionou a tese da inferioridade intelectual do negro, mas considerava que a origem africana não era "ideal" para "um país que se queria branco, ocidental e cristão e que buscava modernizar-se e inserir-se no caudal da civilização" (CONSORTE, 1987). Para tanto, a religião dos africanos e suas crenças e superstições deveriam ser erradicadas através da educação, enquanto a cor seria diluída através da miscigenação. Na década de 30, Gilberto Freire atribuiu à cultura africana papel fundamental na construção da nacionalidade brasileira, mas, "ao valorizar a contribuição cultural do negro e a miscigenação de modo idílico", segundo a autora, Gilberto Freire, lançou os fundamentos do mito das três raças, o mito da democracia racial, que ganharia a partir de então estatuto acadêmico e oficial para a compreensão da nossa identidade enquanto povo" (CONSORTE, 1987).
  • 18. 18 A terceira fase dos estudos sobre o negro, que Borges Pereira denominou como "o negro como expressão social", iniciou-se com o fim da Segunda Guerra Mundial, mediante uma reflexão crítica quanto ao "conceito de raça como realidade empírica - uma revisão de toda a problemática social, política e científica que históricamente se elaborara em torno da variedade fenotípica dos diferentes grupos humanos" (PEREIRA, 1981). Na década de 50, a UNESCO (1950-60) iniciou no país uma série de estudos com o objetivo de investigar como se processava a inserção dos negros na sociedade e, sobretudo, de identificar as barreiras à sua ascensão social. Dentre os autores que fizeram parte do Programa havia nomes como Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Roger Bastide (São Paulo); Octavio Ianni (Paraná) e Fernando Henrique Cardoso (Rio Grande do Sul); Thales de Azevedo, Charles Wagley, Marvin Harris, Harry Hutchinson e Benjamin Zimerman (Bahia); Renê Ribeiro (Recife); Luiz A. da Costa Pinto (Rio de Janeiro). Nenhum destes estudos, porém se ocupou da saúde desta população. 3 - A População Negra Frente a seus Problemas Após a Abolição, no final do século XIX, surgiram, sobretudo no estado de São Paulo, organizações negras formadas majoritariamente por intelectuais considerados na época como a "elite negra". Tinham como objetivo propiciar aos negros formas de lazer e de cultura, sobretudo bailes, acesso a bibliotecas, cursos, encenação de peças teatrais que tratassem de sua realidade. Na década de 20, surgiu a imprensa negra de cunho político, que denunciava as práticas de discriminação racial e a situação de inferioridade sócio-econômica em que se encontravam os negros. A imprensa desta época, ao mesmo tempo que se apresentava como um veículo político posicionava-se também quanto ao modo pelo qual o negro deveria se comportar na sociedade para que tivesse o reconhecimento social do branco. Os negros deveriam unir-se e primar pela educação, e que desta forma integrar-se-iam na sociedade, assim como acontecia aos imigrantes. Como mostra CUNHA (1992), a postura e consciência política dos negros fez surgir em 1931 a Frente Negra Brasileira, que chegou a se registrar enquanto partido político, sendo extinta em 1937, no início do governo Vargas.
  • 19. 19 Nos anos do Estado Novo (1937 a 1945), marcados pelo autoritarismo político, foram reprimidas as ações de contestação ou reivindicação de todos os movimentos sociais, de forma que também o movimento negro passou por uma fase de grande silêncio. Em 1978 foi criado o Movimento Negro Unificado (MNU), cujo objetivo geral era refletir sobre as formas de organização, manifestação e resistência ao racismo, empreendendo profundas discussões sobre raça, classe e cultura. A década de 70 foi um período fértil em movimentos sociais, incluindo-se entre eles o feminista e o de homossexuais. Na década de 80, com o centenário da Abolição da Escravatura (1888-1988), vários estudos sobre a situação dos negros foram realizados, tanto na academia quanto por parte de membros das várias entidades do movimento negro. Estas intensificaram suas manifestações de protesto e denúncia de discriminação contra os negros. Ainda neste período, com a redemocratização em curso no país e o surgimento de novos partidos políticos, o movimento negro conseguiu ampliar espaço para apresentar suas reivindicações. Nesse período verificou-se uma maior inserção de negros nos partidos e na Igreja Católica, que culminou com eleições de alguns candidatos negros (CUNHA, 1992). Todavia, as questões específicas relativas à saúde da população negra não foram tocadas por estes movimentos. A preocupação com a saúde da população negra só irá surgir no contexto das lutas feministas do período e especificamente voltada para a saúde da mulher negra. 4 - A Luta Feminista no Brasil e o Destaque das Questões Relativas à Saúde da Mulher A partir dos anos 70 muitas foram as discussões em torno da participação política, econômica e social da mulher na sociedade. O grande marco de referência desses debates foi o Ano Internacional da Mulher, em 1975, decretado pela ONU. Na década de 80, o movimento feminista iniciou uma luta pela atenção específica à saúde da mulher, congregando mulheres negras e brancas, a maioria oriundas de
  • 20. 20 partidos políticos de esquerda, sem que no entanto fosse discutida a relação entre saúde/doença e raça/etnia (ARAÚJO, 1994). Em 1985, a partir de uma reivindicação do movimento de mulheres, foi criado o PAISM - Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, com o objetivo "de oferecer às mulheres o direito de assistência à saúde dos níveis mais simples aos mais complexos, da atenção curativa à prevenção, assim como é o que permite a compreensão e a abordagem da mulher e do indivíduo na sua totalidade e das coletividades nas suas singularidades" (COSTA, 1993). No entanto, as questões relativas à saúde da mulher negra não foram contempladas no arcabouço teórico do PAISM e até os dias atuais este é matéria de grandes debates (OLIVEIRA, 1994). A partir do final da década de 80 foram implantados - sobretudo em algumas capitais, como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro - alguns serviços destinados à saúde da mulher, voltados principalmente ao planejamento familiar, prevenção à mortalidade materna e assistência à gestante de alto risco. Não obstante, havia um hiato entre a defesa dos interesses de gênero, promovido pelo movimento feminista, e a luta pró-cidadania da população negra, encabeçada pelo movimento negro: a questão específica da mulher negra. Assim, em 1988 surgiram as primeiras organizações de mulheres negras, que fundiam os ideais do movimento feminista e do movimento negro, voltando-se para os problema da discriminação social, econômica, educacional e política em relação à mulher negra (CARNEIRO, 1994). 5 - O Recorte Racial/Étnico nas Pesquisas sobre Saúde A partir da segunda metade da década de 80, o NEPO - Núcleo de Estudos de População, da Universidade Estadual de Campinas, iniciou importantes projetos de investigações demográficas acerca da população negra, entre as quais podemos destacar os seguintes títulos: "Estudo da Dinâmica Demográfica da População Negra no Brasil" (BERQUÓ, BERCOVICH e GARCIA, 1987), "Fecundidade da Mulher Negra: Constatações e Questões" (BERCOVICH, 1987); "Mortalidade Infantil da População Negra Brasileira" (TAMBURO, 1987), " Nupcialidade da População Negra" (BERQUÓ,
  • 21. 21 1987); "O Quadro de Discriminação Racial da Mortalidade Adulta Feminina no Brasil" (CUNHA, 1990). A partir de então, vários pesquisadores e centros de pesquisas realizaram estudos sobre a saúde da população negra, entre os quais, "Amamentação na População da Raça Negra em São Paulo" (RÉA, 1990); "A Mortalidade Intra-Uterina por Cor: Um Estudo no Município de São Paulo" (MORELL e SILVA, 1990). Alguns desses estudos tornaram-se referências imprescindíveis para a compreensão da demografia da população negra brasileira. Em "A fecundidade da Mulher Negra: Constatações e Questões" (BERCOVICH, 1987), estudo que comparou a fecundidade de mulheres brancas, pardas e pretas, revelou que até o ano de 1960, a fecundidade das mulheres brasileiras apresentava a seguinte ordem: maior fecundidade para as pardas, nível intermediário para as brancas e sistemáticamente menor fecundidade para as pretas. A autora supõe que a menor fecundidade de mulheres pretas até 1960 deve-se "à menor proporção de mulheres pretas que se unem” e :“à menor proporção de mulheres prolíficas, mesmo as que estão unidas" (BERCOVICH, 1987). A partir dos anos setenta, a autora verifica acentuada queda da fecundidade apresentada pelas mulheres brancas. Já no início da década de oitenta, BERCOVICH (1987) constata que as pretas apresentavam fecundidade superior às mulheres brancas; resultando então na maior fecundidade para as pardas, seguidas das pretas e em último lugar às brancas. Segundo a autora, a queda da fecundidade das mulheres brancas fez com que, pela primeira vez, houvesse superioridade da fecundidade das mulheres pretas sobre a das brancas. BERQUÓ (1987), em "Nupcialidade da População Negra no Brasil", constata que " nos últimos quarenta anos ocorreram no país uma diminuição relativa das populações declaradas brancas e pretas e um aumento relativo de pardos".
  • 22. 22 Conforme sua investigação, no período 1940-1950 a população branca cresceu a taxas médias anuais de 2,10%, porcentagem que passou a 2,94% em 1950-1960 e a 2,16% em 1960-1980. Segundo a autora, a população preta, entre 1940-1950, apresentou redução em termos absolutos, "passando de 6.035.869 a 5.692.657 pessoas, ou seja, sujeitos a uma taxa anual de -0,58%. “Em 1950-1960 e em 1960-1980 "houve certa recuperação e o crescimento foi na ordem de 0,84% e 0,61% ao ano, respectivamente" (BERQUÓ, 1987). A população parda, entre 1940 e 1950, apresentou alto crescimento, com "taxa anual de 4,62%: curiosamente, essa desacelera no período seguinte, 4.09%, para permanecer em 4,05% entre 1960-1980" (BERQUÓ, 1987). Com relação à nupcialidade, a autora revela um excedente de mulheres no Brasil (...). "Em 1980, por exemplo, para cada mil homens correspondiam 1.032 mulheres, pensando-se em termos de nupcialidade, isto é, das chances das pessoas de sexos opostos têm de encontrar parceiros para se unirem o que numa sociedade monogâmica como a nossa, este desequilíbrio numérico entre os sexos tem implicações que podem afetar bastante a vida das mulheres entre outros fatores como idade e cor" (...) (BERQUÓ, 1987). A autora mostra que a taxa de nupcialidade das mulheres brancas é maior que a de pardas e pretas, sendo maior a proporção de homens pretos unidos com mulheres brancas ou pardas, contrastando com o menor número de mulheres pretas casadas com homens pardos ou brancos. Para os homens pardos é maior a proporção daqueles unidos com mulheres brancas do que com pardas. De outro lado, segundo a autora, encontra-se maior proporção de pardas casadas com homens pretos do que pardos unidos com pretas. No que concerne a menor fecundidade das mulheres pretas até 1960 - dados apresentados por (BERCOVICH 1987) - BERQUÓ (1987) supõe que este fato possa ser conseqüência do retardo na idade ao casar e do maior celibato entre as pretas. Ainda quanto a proporção de pretas que não tiveram filhos nascidos vivos ser maior do que a de pardas e brancas, no período de 1940-1960 (BERCOVICH, 1987), BERQUÓ (1987) sugere três hipóteses: "menor chance de concepção, ou seja, elas seriam mais estéreis"; "menor chance de levar uma concepção a termo, ou seja, elas
  • 23. 23 seriam menos fecundas" e "maior prevalência de abortos induzidos". Supõe ainda que a gonorréia, a sífilis e as infecções por Chlamydia, doenças sexualmente transmissíveis que assolaram todo o país - sobretudo a população de baixa renda - antes que a penicilina se tornasse disponível em meados da década de 50, possam ter influenciado com maior intensidade na saúde reprodutiva das mulheres pretas através da esterilidade tubária via doença inflamatória pélvica. A sífilis em mulheres grávidas pode causar aborto ou morte fetal tardia. Chama atenção ainda, nesse estudo, para a possibilidade da prática do aleitamento materno ter contribuído para a menor fecundidade - é reconhecido, como enfatiza, que as pretas tiveram por hábito a prática da amamentação natural - sendo comprovado que o aleitamento materno é regulador da fecundidade. Com relação a menor fecundidade apresentada pelas mulheres brancas em 1980, a autora afirma que "a população brasileira sofreu a, apartir de 1960, uma redução da ordem de 32% em sua fecundidade, com 7% ocorrendo no período de 1960-70 e 28% entre 1970-1980. Essa queda foi sentida maiormente, entre as mulheres brancas, chegando a atingir 44%, enquanto as pretas experimentavam 16% de declíneo, cabendo 23% às pardas" (BERQUO, 1987). Em "Mortalidade Infantil da População Negra Brasileira", TAMBURO (1987) revela que houve queda da mortalidade em geral, e em especial a infantil, nos países em desenvolvimento, inclusive no Brasil, devida, entre outros fatores, ao desenvolvimento econômico e tecnológico. Mesmo assim, considera a autora, nossos níveis de mortalidade ainda são considerados altos em relação aos de outros países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Ao analisar a mortalidade infantil por cor, TAMBURO (1987) verificou que em 1960 a mortalidade das crianças brancas era 44% menor do que a das crianças pardas e 33% menor do que a das crianças pretas. Investigando o período de 1960 a 1980, mostra que a mortalidade infantil entre os pardos (31%), embora tenha apresentado redução, ainda era muito alta, uma vez que somente em 1980 igualou-se ao nível de mortalidade infantil de brancos registrado em 1960. Já a taxa de mortalidade das crianças pretas antes de completar um ano de idade era ligeiramente inferior à das crianças pardas. Em 1980 verificou-se diminuição na
  • 24. 24 mortalidade infantil de brancos, pardos e pretos - especialmente para brancos (36%). Para as crianças pretas, a autora observou "diminuição da vantagem do subgrupo preto, que caiu de 7% para apenas 3% em 1980". Como já se sabe, a população negra, em sua maioria, apresenta níveis de escolaridade inferiores aos da população branca. Assim, TAMBURO (1987) revela ainda que, quanto maior o nível de escolaridade da mãe, menor o nível de mortalidade das crianças menores de um ano, de modo que também nesta relação é maior a mortalidade infantil de pretos, seguida da de pardos. Em "O Quadro de Discriminação Racial da Mortalidade Adulta Feminina no Brasil" CUNHA (1990), investiga a mortalidade feminina da população das zonas rurais e urbanas no período compreendido entre 1940 e 1980. Em 1940, a esperança de vida da população brasileira era de 38.5 anos avançando para 62.7 em 1980. Segundo a autora, "a medida que declinam os níveis de mortalidade manifesta-se um padrão diferencial por sexo, que em geral acaba beneficiando as mulheres de maneira mais acentuada a partir dos 35 anos". Quando verifica-se a mortalidade por cor, segundo a autora, a mortalidade de mulheres pretas é maior do que a das pardas e maior ainda do que a das brancas, relação também encontrada na mortalidade infantil. A sobremortalidade de mulheres pardas e pretas, segundo CUNHA (1990), pode ser justificada pelas precárias condições de vida e saúde em que vive a maioria da população negra. CUNHA (1990), verificou que, ao contrário do que ocorria em décadas passadas, quando a mortalidade urbana era inferior à rural, atualmente as zonas urbanas apresentam maior mortalidade, sobretudo entre a população negra. Para explicar esta inversão, a autora levanta a hipótese de que a crescente pauperização nas zonas urbanas igualou-as às condições precárias de infra-estrutura das zonas rurais, e os progressos decorrentes da industrialização, urbanização e saneamento básico não beneficiaram homogeneamente os diferentes grupos sociais. Em "Amamentação na População da Raça Negra em São Paulo", RÉA (1990) investigou as formas utilizadas pelas mães de crianças pequenas para alimentá-las - se através da amamentação ou do uso da mamadeira. O aleitamento materno, segundo a autora, é a forma mais indicada para a alimentação da criança pequena, principalmente no
  • 25. 25 que se refere à proteção contra doenças. É uma prática amplamente usada nos países pobres, inclusive na África, já que as mulheres negras foram reconhecidas como eficazes amas-de-leite no período da escravidão. A autora concluiu que as mulheres pretas - em função de suas condições sócio- econômicas - acentuada necessidade de trabalhar fora de casa - entre outros fatores, utilizam predominantemente a mamadeira. As pardas, que também apresentam situação econômica precária , mas não tão severa quanto à das pretas, igualmente recorrem pouco à aleitamento materno. Destaca, porém, que são "as mulheres pretas que conseguem melhores índices de aleitamento no início da vida (até o quarto mês), onde os fatores de ordem biológica - estabelecimento da sucção apropriada determinando um suprimento adequado de leite, não turgescência e esvaziamento correto das mamas, não existência de mastites ou rachaduras impeditivas da prática de amamentar, etc. - fatores estes mais interferentes, no início da vida, seriam mais superáveis pelas pretas do que pelas brancas. A partir de um certo período (mais ou menos depois do quarto mês) onde as questões sociais podem ter maior peso são as brancas que conseguem maior sucesso na lactação" (RÉA, 1988). Em "A Mortalidade Intra-Uterina por Cor: Um Estudo no Município de São Paulo", MORELL e SILVA (1990) - através dos dados sobre fecundidade e nupcialidade da população negra apresentados por BERCOVICH (1987) e BERQUÓ (1987), respectivamente - realizaram estudo acerca da mortalidade intra-uterina por cor, com o objetivo de investigar sua relação com a fecundidade de mulheres brancas, pretas e pardas no Município de São Paulo. As autoras mostram que as proporções de gravidezes entre pardas e pretas são semelhantes (1.92 e 1.91) respectivamente, sendo que as primeiras apresentam maior número de nascidos vivos que as segundas, "porque a sua incidência de mortalidade intra-uterina é menor (0,30 por mulher contra 0,38 das pretas), decorrente principalmente do menor número de abortos espontâneos (0,24 contra 0,31), uma vez que os níveis da natimortalidade são semelhantes (0,06 contra 0,07)" (MORELL e SILVA, 1988). As mulheres brancas são as que engravidam menos (1.67 gravidez por mulher) e as que apresentam menor fecundidade (1,34), aspectos que segundo as autoras, estão "relacionados com o maior uso de meios anticoncepcionais". Revelam ainda que são as
  • 26. 26 brancas as que apresentam menor incidência de mortes fetais, tanto aquelas devidas a abortos espontâneos, quanto aquelas referentes a nacidos mortos.
  • 27. 27 CAPÍTULO 2 COR E DOENÇAS RACIAIS/ÉTNICAS: ATITUDES E PROBLEMAS DE ABORDAGEM Considerações gerais No Brasil, são grandes as dificuldades em torno da identificação racial da população, sobretudo no que diz respeito ao negro. O fato de sermos um país mestiço, que nunca adotou oficialmente uma linha demarcatória de cor, como ocorreu em outros países, faz com que a classificação e a autoclassificação desta variável fundamentem-se de modo subjetivo. Desta forma, quem classifica sua própria cor ou quem atribui determinada cor a outrem o faz com grande liberdade de definição, e assim também acontece nos censos demográficos, nas pesquisas e nos formulários institucionais. Não há consenso no país quanto à definição de quem é negro e do que é ser negro. 1. O item Cor Os censos demográficos do IBGE não apresentam uma sistematização nem quanto ao item cor nem quanto ao seu cruzamento com outras variáveis, impossibilitando uma avaliação evolutiva e comparativa das condições de vida da população negra. Exemplo disso é o censo de 1960, que apresentou o item cor cruzado somente com as variáveis sexo e idade. A PNAD de 1982, por sua vez, apresentou menos dados desagregados por cor que a PNAD de 1976 (CARNEIRO, 1990). O item cor foi introduzido pela primeira vez no censo de 1872, no qual a classificação da população compreendia as categorias "livres e "escravos", através da autoclassificação do recenseado e da atribuição da cor por esses a seus escravos como brancos, pretos, pardos ou caboclos. No recenseamento de 1890, as alternativas de cor eram branco, preto, mestiço e caboclo. Em 1940, adotaram-se opções entre brancos, pretos, amarelos e pardos (para aqueles que não se enquadrassem nos três primeiros grupos) (ARAÚJO, 1987). No censo de 1970 não apareceu o quesito cor, que retornou em 1980 com as mesmas variáveis de classificação do censo de 1940. "A falta do quesito cor no censo de
  • 28. 28 1970 deixa um vazio de informações de vinte anos quanto a esse item, exatamente em um período de significativas transformações no padrão demográfico brasileiro" (BERQUÓ, 1988). Em 1976, a PNAD incluiu pela primeira vez o quesito cor, no Suplemento de Mobilidade Social e Cor, utilizando dois critérios para sua identificação: primeiro, mediante pergunta aberta, o recenseado classificava sua cor livremente e depois de acordo com as categorias preestabelecidas: branco, pardo, preto e amarelo. Esta metodologia teve como objetivo relacionar as respostas obtidas nas perguntas abertas com as obtidas nas perguntas fechadas, verificando-se, por exemplo, que aqueles que se autoclassificaram como "morenos" na pergunta aberta optaram pela cor parda na questão fechada (ARAÚJO, 1987)10. A identificação racial é de suma importância nos serviços de saúde, no que se refere "aos diagnósticos e prognósticos, na prevenção e no acompanhamento condigno, sobretudo das doenças atualmente consideradas raciais/étnicas" (OLIVEIRA, 1994). A utilidade dos dados de identificação racial no atendimento à pessoa doente encerra grande importância, uma vez que existem doenças que incidem mais sobre uma determinada raça do que sobre outra, assim como mais sobre um sexo do que sobre outro."A patologia do homem é diferente da patologia da mulher não só no que se refere às doenças do aparelho genital, mas também em muitas outras afecções em outros aparelhos (...) Assim como existe uma patologia dos sexos, uma patologia das idades, temos também uma patologia favorecida pelo fator racial. São conhecidas as suscetibilidades e também a relativa imunidade especial de certas raças para determinadas doenças" (ROMEIRO, 1968). Frente à necessidade da consideração do quesito cor na atenção à saúde e face à resistência à sua aceitação por parte de funcionários e profissionais de saúde, algumas entidades do movimento negro da cidade de São Paulo, no início da década de 90, reivindicaram junto à Secretaria Municipal de Saúde a inclusão e o preenchimento do item cor nos documentos dos órgãos institucionais e nas pesquisas oficiais. Foi então oficialmente decretada, sob a portaria nº 696/90, a inclusão do item cor no Sistema de Informação da Secretaria Municipal de Saúde. 10. A esse respeito consultar HARRIS, CONSORTE et alii (1993).
  • 29. 29 Nesse período foram várias as mobilizações do movimento negro no sentido de sensibilizar e conscientizar profissionais de saúde e a população quanto à necessidade, validade e importância da inclusão do quesito cor para a avaliação das condições de saúde dos diferentes grupos populacionais. Um marco importante destas mobilizações foi a realização do seminário "O Quadro Negro de Saúde - Implantação do Quesito Cor no Sistema Municipal de Saúde", no qual se propôs que a identificação de raça/cor nos prontuários médicos dos usuários do Sistema Municipal de Saúde obedecesse à classificação entre branco, pardo, preto e amarelo, e que este dado fosse coletado mediante autoclassificação, modelo idêntico ao adotado pelo IBGE no censo de 1991 (CADERNOS CEFOR, 1992). Segundo o depoimento de Penha Lúcia Valério11, participante dessa campanha, muitas foram as dificuldades para que o quesito cor fosse corretamente preenchido. Foi grande a resistência por parte de alguns profissionais e funcionários ligados à saúde para aceitar e compreender a necessidade desse dado. Consideravam-no de pouca importância frente à gravidade em que se encontrava o sistema de saúde pública naquele período, ou alegavam que o preenchimento do item cor nos prontuários médicos significava uma manifestação de racismo. No entanto, ainda segundo este depoimento, mesmo sob todas as dificuldades os resultados até 1992 foram avaliados positivamente. A partir de 1993, porém, o item cor, quando preenchido, passou a desconsiderar as normas da autoclassificação. Com o objetivo de sensibilizar a população negra para a importância de classificar-se na categoria "preto", e não camuflar sua cor sob as categorias "pardo" ou mesmo "branco", o movimento negro realizou uma campanha durante o censo demográfico de 1991 com o slogan "Não deixe sua cor passar em branco - responda com bom (c)senso". Para o movimento negro, o racismo induz muitos negros a não assumir sua cor real, como ocorreu, por exemplo, na PNAD de 1976, que apresentou 35 itens de matizes de cor diferentes. 11 Chefe de Seção Técnica de Informação da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo.
  • 30. 30 2 - Do Quesito Cor às Categorias Raça/Etnia Se por um lado, reconhecemos ser de extrema importância a consideração do quesito cor nos serviços de saúde, a situação se torna mais complexa quando buscamos introduzir as variáveis raça e etnia na análise dos processos de saúde/doença, pois, se de um lado, historicamente, na área da saúde estas variáveis remontam a uma suposta hierarquia biológica de brancos sobre negros, segundo modelos de teses racistas de diversos matizes, como já apontamos, por outro lado, os conceitos de raça e de etnia no Brasil são bastante polêmicos, tanto no interior da academia como nos centros de pesquisas e nas entidades do movimento negro. O conceito de raça é por vezes tomado na sua acepção biológica, como aparece por exemplo na primeira Declaração da UNESCO (1950), ou textos mais recentes de conceituados biólogos (vide Cadernos de Pesquisa CEBRAP no.2); outras vezes ele aparece como uma categoria social, como apresentado no atual estudo de OLIVEIRA (1995), ou ainda nos estudos do referido Caderno. A noção de etnia, embora ainda pouco discutida no que diz respeito aos negros brasileiros, também gera polêmica. Segundo alguns estudiosos, para a ideologia dominante "os negros não constituem grupos étnicos, não possuem territórios específicos, não falam a língua dos seus antepassados e, freqüentemente, ignoram tudo a respeito da história dos seus maiores: de quando e como aqui chegaram, de onde vieram e o que trouxeram na sua bagagem. Suas manifestações culturais encontram-se muito fragmentadas e a sua imagem, quando associada à sua ascendência escrava, evoca sempre como qualidades maiores a paciência, a docilidade, a resignação, o sofrimento e a submissão, jamais a rebeldia, a resistência e a recusa da escravidão. Em resumo, os negros não têm espaços físicos a defender, sua herança cultural em grande parte se perdeu e enquanto descendentes de africanos, longe de evocarem nobres virtudes, trazem à lembrança o sofrimento e a resignação associados a um passado que seria melhor esquecer" (CONSORTE, 1987). Para outros, "etnia é uma construção cultural, relativa portanto aos hábitos e costumes de determinados grupos ou povos. Ou seja, parto da afirmativa de que etnia está para a raça assim como gênero está para o sexo, muito embora sexo seja uma categoria
  • 31. 31 biológica e raça uma categoria social que possuem como substratos os corpos das pessoas e o lugar que elas se alocam na sociedade, as classes sociais, o meio em que vivem" (OLIVEIRA, 1995). Não obstante tais dificuldades, o conceito de doenças raciais/étnicas é uma formulação que no Brasil vem sendo desenvolvida no curso do Programa “Saúde Reprodutiva da Mulher Negra”, em um esforço de sistematização da produção teórica existente na área, com a agregação de novas reflexões. Conforme aparece, textualmente na justificativa do Seminário "Alcances e Limites da Predisposição Biológica" promovido pelo mesmo: "No desenvolvimento da pesquisa "Saúde Reprodutiva da Mulher Negra" foram aparecendo indícios da necessidade de maior aprofundamento sobre as questões relativas à predisposição biológica, e conseqüentemente sobre o entendimento do conceito de raça e qual significado biológico encerra. Existem várias maneiras ou modelos "científicos" de explicar as doenças, a saúde e a maior ou menor resistência às enfermidades. De modo que são propagadas inúmeras "certezas" sobre a sanidade e a enfermidade, desde as mais "científicas" até às mais "populares". Existem múltiplos saberes sobre isso, alguns complementares, outros excludentes e alguns meramente sem sentido. É inegável a necessidade de se estudarem mais e melhor os modelos explicativos da saúde e da doença, ou mesmo da 'normalidade diferente', visto que se, por um lado, existem provas irrefutáveis de que determinadas patologias e/ou condições biológicas estão presentes com exclusividade em uma raça e não em outras, por outro, há muito de especulação sobre outras tantas. É preciso delimitar e entender as certezas, bem como conhecer as especulações e as suas bases"(Caderno de Pesquisa CEBRAP, no.2, 1994). Doenças raciais/étnicas vem sendo definida pelo Programa, segundo já referimos inicialmente, como aquelas patologias que os grupos raciais - branco, negro e amarelo - ou étnicos - judeus, ciganos etc. - apresentam com exclusividade ou prevalência. São consideradas também como raciais/étnicas as doenças que se caracterizam por uma evoluçã o diferenciada nos distintos grupos populacionais, assim como por diferenciações regulares entre os grupos raciais ou étnicos, independentemente ou com pouca interferência das condições sócio-econômicas (OLIVEIRA, 1993).
  • 32. 32 Segundo ZAGO (1993), as manifestações das doenças dependem das interações de dois fatores: genéticos e ambientais, sendo que para alguns tipos de doenças pode prevalecer ora o fator genético (como, por exemplo, a anemia falciforme), ora o fator ambiental (como as infecções). Entre as doenças predominantemente genéticas e as predominantemente ambientais situam-se as doenças resultantes destes dois fatores, como a febre reumática, a diabete melito e a doença coronariana cardíaca. No entanto, não existe uma fatalidade genética para a manifestação das doenças genéticas. Elas ocorrem dependendo das condições ambientais em que se encontra o indivíduo, o mesmo acontecendo com as doenças infecciosas, que não são de natureza genética e poderão se manifestar de acordo com a composição genética do indivíduo. Dentre as doenças genéticas no Brasil, a anemia falciforme é a mais comum. Trata-se de uma anemia hereditária prevalente na população negra. Apresenta-se de modo variado entre os portadores. Existem aqueles que manifestam a doença de forma grave e aqueles que a apresentam de forma benigna, quase sem conseqüências. Portanto, dependendo do caso, o indivíduo portador desta doença pode falecer na fase infantil ou então sobreviver até a vida adulta sem complicações graves. Esta variação depende da interação dos fatores genéticos e ambientais - estes, representados pelas condições sócio- econômicas no sentido amplo, ou seja, de higiene, qualidade de alimentação, acesso a assistência médica. Cada grupo populacional apresenta distintamente incidência e prevalência de doenças de acordo com os fatores ambientais, genéticos e na interação entre eles, assim como na diversidade que apresentam os grupos humanos. "A diversidade genética inclui vários componentes: a diversidade entre os indivíduos, a diversidade global entre as espécies e as diferenças entre as populações (dentro de uma mesma espécie). Quando consideramos uma única espécie, convém distinguir dois tipos de diversidades genéticas: as diferenças entre os indivíduos de uma mesma população e as diferenças entre populações" (ZAGO, 1993). Várias são as doenças genéticas que se manifestam de modo diferente em diversos grupos humanos. Uma delas "é uma forma de porfiria, que afeta os brancos na África do Sul com uma freqüência cerca de trezentas vezes maior que entre as outras populações de caucasóides. A fibrose cística, extremamente freqüente em populações européias, sua incidência é máxima no norte da Europa e vai diminuindo em direção ao sul, sendo extremamente rara entre negros e orientais. A doença de Tay-Sachs, que é uma
  • 33. 33 anormalidade genética observada entre judeus ashkenazi, é extremamente rara em outros grupos de judeus. Também as hemoglobinopatias têm uma distribuição muito heterogênea em diferentes populações humanas. Por exemplo, as talassemias são muito freqüentes em povos mediterrâneos e do sudoeste da Ásia, sendo raras ou ausentes em outras populações. Por outro lado, a anemia falciforme é muito freqüente em algumas populações africanas e praticamente inexistente na Europa e na Ásia" (ZAGO, 1993). Ao comparar doenças de fundo genético entre as populações negra e branca dos Estados Unidos, ZAGO (1994) mostra que a hipertensão arterial é mais freqüente e mais grave em negros, podendo ser sua causa justificada pelos seguintes fatores: estresse sociocultural, constituição genética, hábitos alimentares, peso corporal (obesidade). Ainda segundo o autor, os casos de diabete melito tipo I, mais grave, são mais freqüentes em brancos do que em negros, enquanto o tipo II é prevalente nestes. O albinismo é uma anormalidade genética. O mais comum é o albinismo óculo-cutâneo tirosinase-negativa, que acomete igualmente negros e brancos, mas a tirosinase-positiva é duas vezes maior em negros. A deficiência de lactase, que resulta em intolerância ao leite, é mais comum em negros. Algumas malformações congênitas apresentam-se predominantemente em negros e outras em brancos, de acordo com os fatores genéticos e ambientais: a anencefalia aparece mais em brancos do que em negros, e a hipoplasia do pulmão é prevalente em negros. O câncer dermatológico é mais freqüente na população branca, embora ocorram determinados tipos de cânceres prevalentes em negros. A sobrevivência de negros com câncer é menor do que a dos brancos, o que, segundo OLIVEIRA (1993), parece estar diretamente relacionado com as condições sócio-econômicas. Ainda com relação aos cânceres, ARAÚJO (1993) aponta que as mulheres negras norte-americanas apresentam o dobro de incidência de câncer no colo do útero em relação às mulheres brancas norte-americanas, sendo que o desenvolvimento deste câncer está associado às condições de pobreza. Já as mulheres brancas apresentam maior predisposição para desenvolver o câncer de mama, porém, "na última década, de 12% a 15% das mulheres negras com câncer de mama apresentam uma média de sobrevida cinco vezes menor que as mulheres brancas", o que pode ser justificado, segundo a autora, pelo precário acesso aos serviços de saúde de boa qualidade.
  • 34. 34
  • 35. 35 CAPÍTULO 3 A PESQUISA DE CAMPO SOBRE MIOMAS UTERINOS 1. Material e Métodos: A pesquisa sobre miomas foi realizada a partir dos prontuários médicos do Centro de Saúde de Vila Morais, localizado no bairro da Saúde, município de São Paulo, que atende predominantemente população de baixa renda. Os motivos que nos levaram a esta escolha foram, entre outros, o fato de nas matrículas estarem preenchidos o quesito cor dos usuários do serviço, bem como o grande movimento diário de consultas no serviço de ginecologia. Nosso propósito foi tomar um conjunto de mulheres com diagnóstico de mioma feito em 1994 e entrevistá-las um ano após, a fim de investigar as questões relacionadas ao mioma, ocorridas durante o período de um ano. No mês de fevereiro de 1994, passaram pelo serviço de ginecologia 583 mulheres (361 brancas, 197 negras e 25 sem informação sobre o item cor). Através da anotação do CID - Código Internacional de Doenças, selecionamos todos os prontuários das pacientes em que constavam os códigos referentes aos miomas, anotados pela ginecologista, o que correspondeu a 165 mulheres (83 brancas e 82 negras). Através dos números dos prontuários levantamos as matrículas das pacientes, onde constavam seus dados pessoais. Uma vez anotados em nossas fichas o nome, endereço e cor da paciente, iniciamos, em fevereiro de 1995, as entrevistas domiciliares. Assim, as mulheres objeto desta pesquisa são aquelas cujo diagnóstico do mioma foi feito no referido Centro em fevereiro de 1994.
  • 36. 36 O questionário de campo abordou, dentre outras questões, condições sócio- econômicas, escolaridade, nupcialidade, vida reprodutiva, uso de métodos contraceptivos, uso de serviços de saúde, formas de tratamentos e conhecimento sobre os miomas (questionário em anexo). Neste retorno ao campo enfrentamos alguns problemas como, por exemplo, a dificuldade de encontrar as entrevistadas em seus domicílios, já que a grande maioria trabalha fora de casa. Assim, as entrevistas eram marcadas à noite ou nos finais de semana e agendadas de acordo com a disponibilidade da entrevistada. Também, o fato de o Centro de Saúde de Vila Morais atender à população de quatro regiões distintas - Vila Morais, Vila Brasilina, Jardim Santo Antonio e Àgua Funda - tornou muito difícil a localização dos endereços das entrevistadas. Mas as dificuldades eram compensadas à medida que as entrevistadas manifestavam interesse pelas questões relativas aos miomas, sendo que, após o término das entrevistas, eram constantes as solicitações de maiores esclarecimentos sobre estes tumores. Com relação ao item cor, utilizamos o modelo adotado pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, ou seja, o da autoclassificação na seguinte ordem: preta, parda, branca e amarela12 . Além disso, anotávamos também em nossos questionários a cor observada na entrevistada, o que muito coincidiu com a cor por elas declarada. Das 82 negras, 21 declararam-se como sendo pretas e 61 pardas. Em nossas anotações consideramos dentre elas, 18 pretas e 64 pardas. O critério utilizado pelo Centro de Saúde de Vila Morais quanto à classificação da cor ocorre da seguinte forma: é solicitado ao usuário que apresente no ato da matrícula a certidão de nascimento ou a de casamento, onde consta preenchido o item cor. Segundo depoimento de uma funcionária, com relação à população negra é predominante nestes 12. Não encontramos nenhuma mulher autodeclarada "amarela".
  • 37. 37 documentos a cor parda e rara a cor preta. No caso do usuário não possuir os documentos solicitados, então a classificação da cor é feita pela atendente, enquanto parda ou branca. 2. Resultados 2.1. Perfil Demográfico das Entrevistadas 2.1.1 Condições de vida Embora brancas e negras fizessem parte de um mesmo grupo social - mulheres de baixa renda, freqüentassem o mesmo centro de saúde e residissem num mesmo bairro, a análise de algumas variáveis revela de pronto diferenças sociais entre elas, que a nosso ver não podem ser explicadas unicamente pela questão de classe. A idade média das mulheres no momento da entrevista era de 30.0 anos para as brancas e 32.1 anos para as negras, o que permite supor que o acesso aos serviços de saúde para as negras é mais tardio (Tabela 1).
  • 38. 38 Tabela 1 - Mulheres segundo idade no momento da entrevista, por cor IDADE EM ANOS COMPLETOS TOTAL BRANCA NEGRA . de 15 a 24 anos % . de 25 a 34 anos % . de 35 a 44 anos % . de 45 a 54 anos % 19.3 60.2 20.5 0.0 4.9 51.2 40.2 3.7 12.1 55.8 30.3 1.8 TOTAL % No.DE CASOS IDADE MÉDIA 100.0 83 30,0 100.0 82 32,1 100.0 165 COR DA ENTREVISTADA Como já era esperado, o nível de escolaridade apresentado pelas entrevistadas não excedeu ao primeiro grau. Enquanto 14.5% das brancas tinham até a terceira série, para as negras esta porcentagem avançava para 25.6%. A situação se inverte quando se eleva a escolarização: 26.5% das brancas tinham a quinta série completa contra 14.6% das negras (Tabela 2).
  • 39. 39 Tabela 2 - Mulheres segundo escolaridade, por cor ESCOLARIDADE TOTAL COR DA ENTREVISTADA BRANCA NEGRA . 1a. a 3a. série % . 4a. série compl. % . 5a. série compl. % 14.5 59.0 26.5 25.6 59.8 14.6 20.0 59.4 20.6 TOTAL % No.DE CASOS 100.0 83 100.0 82 100.0 165 Elevadas parcelas de brancas, 96.4% e negras 97.6% exerciam algum tipo de atividade remunerada fora de casa, com destaque no setor terciário. Chama a atenção que enquanto 83.8% das brancas tinham carteira profissional registrada, apenas 48.7% das negras tinham vínculo empregatício. Esse dado pode ser explicado pelo fato de que 51.3% das negras trabalhavam como empregadas domésticas diaristas, contra apenas 12.5% das brancas. Destas últimas, 71.3% estavam alocadas em fábricas exercendo funções como auxiliares de produção (acabamento e montagem) contra 43.7% das negras (Tabela 3)
  • 40. 40 Tabela 3 - Mulheres segundo profissão, por cor PROFISSÃO TOTAL BRANCA NEGRA COR DA ENTREVISTADA . Aux.de produção % . Cabeleireira % . Empreg.doméstica* % . Balconista % 71.3 3.7 12.5 12.5 43.7 0.0 51.3 5.0 57.6 1.8 31.9 8.7 TOTAL % No.DE CASOS 100.0 80 100.0 80 100.0 160 * Empregada doméstica diarista O rendimento mensal também diferiu entre brancas e negras. Enquanto 8.7% das brancas ganhavam um salário mínimo, 22.5% das negras encontravam-se nessa situação. Para aquelas que recebiam mais de dois até três salários mínimos, 55.1% eram brancas e 30.0% negras (Tabela 4).
  • 41. 41 Tabela 4 - Mulheres segundo rendimento mensal em salário mínimo (SM), por cor RENDIMENTO MENSAL TOTAL BRANCA COR DA ENTREVISTADA NEGRA . Até 1 SM % . + de 1 a 2 SM % . + de 2 a 3 SM % 8.7 36.2 55.1 22.5 47.5 30.0 15.6 41.8 42.6 TOTAL % No.DE CASOS 100.0 80 100.0 100.0 80 160 Os dados acima apontam, mais uma vez, aquilo que vários autores que tratam das condições de vida das mulheres negras já mostraram, ou seja, além da discriminação social existe a racial a que estão sujeitas. 2.1.2 - Nupcialidade Ao estudar a nupcialidade da mulher negra, BERQUÓ (1987), constatou que essas apresentam menor chance de se unirem consensual ou legalmente quando comparadas às brancas. A autora aponta duas razões possíveis para justificar a preterição das mulheres negras: "em primeiro lugar, a presença de casamentos exogâmicos por cor e em segundo lugar, na competição matrimonial levam vantagens as mulheres brancas". De fato, os dados de nossa pesquisa revelaram que 72.3% das mulheres brancas estiveram alguma vez unidas, contra apenas 39.0% das negras (Tabela 5).
  • 42. 42 Tabela 5 - Mulheres alguma vez unidas, por cor ALGUMA.VEZ UNIDAS TOTAL COR DA ENTREVISTADA BRANCA NEGRA . Sim % . Não % 72.3 27.7 39.0 61.0 55.8 44.2 TOTAL % 100.0 100.0 100.0 No.DE CASOS 83 82 165 Com relação à idade ao casar, nossos dados também corroboram os de BERQUÓ (1987), no sentido de casamento tardio para as mulheres negras: mulheres brancas entraram em união, em média, aos 24.3 anos e as negras aos 29.8 anos (Tabela 6)
  • 43. 43 Tabela 6 - Mulheres segundo idade no momento da união, por cor IDADE DA UNIÃO TOTAL COR DA ENTREVISTADA BRANCA NEGRA . de 15 a 24 anos % . de 25 a 34 anos % . de 35 a 44 anos % 15.0 80.0 5.0 9.3 53.2 37.5 13.0 70.7 16.3 TOTAL % No.DE CASOS IDADE MÉDIA NO MOMENTO DA UNIÃO 100.0 60 100.0 100.0 32 92 24.3 29.8 2.1.3 - Perfil Reprodutivo Do total da amostra de mulheres de 15 a 54 anos, 41.8% nunca haviam engravidado; este percentual declina para 16.3% quando se considera apenas as mulheres alguma vez unidas. Na amostra de mulheres negras, 50.0% nunca chegaram a uma gravidez, proporção que poderia parecer muito mais elevada que os 33.7% correspondentes às mulheres brancas. Entretanto, isto se deve, em parte, ao alto índice de mulheres negras não unidas, conforme visto na Tabela 5. De fato, dentre as mulheres alguma vez unidas é de 12.5% a proporção de negras que nunca engravidaram, em contraponto aos 18.3% das brancas.
  • 44. 44 Vale notar que a segmentação por cor não mostrou nenhuma diferença na proporção de grávidas para as não unidas, a qual foi da ordem de 26.0%. Quanto ao número médio de gestações, as brancas apresentaram um valor mais elevado, isto é, 1.7 ficando as negras com 1.2. Também a média de nascidos vivos foi maior para as brancas, isto é, 1.5 contrastada com 0.9 para as negras. Estas médias se elevam quando referidas às mulheres que engravidaram: 2.3 para as brancas e 1.8 para as negras. Chama a atenção ainda a maior incidência de perdas fetais entre mulheres negras, numa proporção de 17.0%, em contraste com de 10.9% para as brancas.
  • 45. 45 MULHERES BRANCAS SEGUNDO: a) Número de gestações b) Número de nascidos vivos c) Gravidez segundo estado conjugal a) No. DE GESTAÇÕES No. DE MULHERES b) No. DE NASCIDOS VIVOS (NV) No.DE MULHERES c) UNIÃO ENRAVIDOU NUNCA ENGRAVIDOU TOTAL . 0 .1 Gestação .2 Gestações .3 Gestações .4 Gestações 28 3 20 27 5 . 0 . 1 NV . 2 NV . 3 NV . 4 NV 34 3 17 25 4 . Unidas . Não Unidas 49 6 11 17 60 23 Total 83 Total 83 Total 55 28 83
  • 46. 46 MULHERES NEGRAS SEGUNDO: a) Número de gestações b) Número de nascidos vivos c) Gravidez segundo estado conjugal a) No. DE GESTAÇÕES No. DE MULHERES b) No. DE NASCIDOS VIVOS( NV) No.DE MULHERES c) UNIÃO ENRAVIDOU NUNCA ENGRAVIDOU TOTAL . 0 .1 Gestação .2 Gestações .3 Gestações .4 Gestações 41 3 22 11 5 . 0 . 1 NV . 2 NV . 3 NV . 4 NV 48 2 17 10 5 . Unidas . Não Unidas 28 13 4 37 32 50 Total 82 Total 41 Total 82 41 82
  • 47. 47 QUADRO RESUMO DO PERFIL REPRODUTIVO DAS MULHERES, POR COR BRANCA NEGRA . Nunca engravidaram % . Unidas que nunca engravidaram % . Não unidas que engravidaram % . No. médio de gestações . No. médio de Nascidos Vivos . No. médio de Nascidos Vivos para as que engravidaram . Perdas fetais % 33.7 18.3 26.0 1.7 1.5 2.3 10.9 50.0 12.5 26.0 1.2 0.9 1.8 17.0 Ao consultarmos a literatura médica norte-americana, assim como os depoimentos prestados pelos profissionais de saúde, deparamo-nos com distintos pontos de vista no que se refere aos miomas e gestações. Segundo ENTMANN (s.d.), os miomas podem ocasionar infertilidade nas mulheres que os apresentam, uma vez que os tumores podem provocar desvio na passagem do espermatozóide, impedindo a fixação do zigoto no útero. Para EGWUATU (1989), o mioma é responsável não só pela baixa fertilidade, mas também pela alta taxa de aborto espontâneo apresentada por mulheres brancas e negras. Estas últimas, segundo o autor, têm maiores chances de tornarem-se inférteis, em função da alta freqüência de infecções pélvicas que apresentam.
  • 48. 48 RIECHELMANN13, afirma que dependendo da localização do mioma, é possível ocorrer abortos espontâneos, assim como partos prematuros. No primeiro caso, o mioma poderá pressionar e romper a placenta, e no segundo poderá pressionar o feto, uma vez que estará ocupando o seu lugar. A medida que evolui a gravidez, aumentam também os riscos de sua interrupção. Segundo ele, a gestação é o momento propício para o surgimento ou desenvolvimento do mioma, em razão do aumento do estrógeno produzido pelo útero grávido. Entretanto, não é fácil detectar, mesmo através do ultrasom, se o feto foi gerado antes ou depois do aparecimento mioma. Vale notar que do total de nossas entrevistadas encontramos dois casos de mulheres negras que engravidaram durante o período estudado, ou seja, após ter sido diagnosticado o mioma. Uma delas sofreu perda fetal aos três meses de gravidez e a outra chegou até o oitavo mês resultanto em nascido vivo. Segundo ARAÚJO14, no período da gestação o crescimento do mioma é acelerado, porém, a sua remoção no momento do parto somente deverá ser realizada em situações especiais uma vez que, após a gestação, a tendência é a diminuição do seu tamanho. 13 José Carlos Riechelmann - médico ginecologista-obstetra e sexologista - depoimento prestado em 1995. 14 Jacilda Cabral Nascimento Araújo - médica ginecologista-obstetra do Centro de Saúde de Vila Morais - depoimento prestado em 1995.
  • 49. 49 2.2. Caracterização dos Miomas 2.2.1 Incidência e reincidência dos miomas Os prontuários das 583 mulheres que passaram pelo Centro de Saúde permitiram traçar o perfil da incidência de miomas, por cor. Tabela 7 - Diagnóstico de mioma por cor da entrevistada, fevereiro de 1994. DIAGNÓSTICO DE MIOMA TOTAL COR DA ENTREVISTADA BRANCA NEGRA . Com mioma % . Sem mioma % 83 22.9 278 77.1 82 41.6 115 58.4 165 29.6 393 70.4 TOTAL % 100.0 100.0 197 100.0 558 No.DE CASOS 361 Como se pode notar, é significativamente superior a incidência de miomas entre as mulheres negras quando comparadas às brancas15. 15. Valor observado de X2 igual a 21,770 significante ao nível de 5% para 1 grau de liberdade (valor crítico igual a 3.861).
  • 50. 50 Vale ressaltar que as negras foram as que mais apresentaram queixas acreditando ter novos miomas, numa proporção mais de quatro vezes superior que a de brancas, como pode ser visto na Tabela 8. Tabela 8 - Mulheres que voltaram ao Centro de Saúde com queixas de novos miomas, por cor COR DA ENTREVISTADA Voltaram com novas queixas Total de entre- vistadas % de Mulheres com queixas . Branca . Negra 12 51 83 82 14.4 62.1 TOTAL 63 165 38.1 Também os diagnósticos de reincidência de miomas foram superiores para as mulheres negras, 21,9% em relação às brancas 6.0%16 (Tabela 9). 16. Valor ojosbservado de x2 igual a 8,591 significante ao nível de 5% para 1 grau de liberdade (valor crítico igual a 3.861)
  • 51. 51 Tabela 9 - Diagnóstico de reincidência de mioma por cor, de fevereiro de 1994 a fevereiro de 1995 DIAGNÓSTICO DE MIOMA TOTAL BRANCA NEGRA . Com mioma % . Sem mioma % 5 6.0 78 94.0 18 21.9 COR DA ENTREVISTADA 64 78.1 23 14.0 142 86.0 TOTAL % 100.0 100.0 100.0 No.DE CASOS 83 82 165 A investigação sobre a incidência dos miomas em mulheres negras é palco de debate entre investigadores dessa questão. Segundo VERKAUF (1992), embora ainda não seja conhecida a origem dos miomas, é provável que fatores genéticos exerçam influência importante no surgimento e desenvolvimento desses tumores em mulheres brancas e negras, e mais acentuadamente nessas últimas. Para ROSS (1986), a maior incidência pode ser justificada pela alta freqüência de infecções pélvicas que as negras apresentam. Segundo o autor, essas infecções causam irritação da parede uterina e, conseqüentemente, o desenvolvimento anormal do útero, ocasionando dessa forma o surgimento dos tumores.
  • 52. 52 De outro lado, têm-se discutido que a predisposição biológica não é fator determinante para o desenvolvimento dos tumores, sendo necessário considerar, antes, o importante papel que as condições sociais e econômicas desempenham na qualidade da saúde, inclusive no que concerne aos miomas (ARAÚJO, 1994). Segundo depoimento de ARAÚJO que diagnosticou os miomas em nossas entrevistadas no período estudado, os miomas uterinos são os tumores mais comuns entre as mulheres. Embora não associe os miomas à cor, essa profissional entende que as condições materiais de vida e o estresse são fatores que contribuem para a manifestação dos mesmos - sabemos que são as negras as mais expostas a essa situação. RIECHELMANN argumenta que a prevalência de miomas em mulheres negras não ocorre devido apenas à predisposição biológica que apresentam, mas como também pela interação dos genes com o ambiente psicossocial em que se encontram. Se de um lado a incidência de miomas segundo a cor, está em discussão, as queixas sobre a reincidência desses tumores parecem ser comuns na população de baixa renda. Segundo ARAÚJO, é freqüente o atendimento de mulheres brancas e negras com queixas de recidivas dos sintomas de miomas. Elas retornam ao serviço de saúde, apresentando, geralmente, os mesmos sintomas manifestados quando do diagnóstico inicial. Nesses casos, é solicitado um novo exame de ultra-sonografia para que, através de comparação entre o exame anterior e o atual, seja comprovada ou não a reincidência dos tumores. Segundo esse depoimento, não são incomuns os casos em que o tratamento do tumor finaliza em cirurgia, seja a miomectomia ou a histerectomia. Na maioria das vezes, as pacientes uma vez iniciado o tratamento, tão logo sintam alívio dos sintomas
  • 53. 53 apresentados (cólicas e hemorragias) geralmente o abandone, agravando o quadro clínico apresentado. 2.2.2 - Idade média no aparecimento do mioma Estudos revelam que os miomas surgem no decorrer da vida reprodutiva, raramente antes da menarca e geralmente nas mulheres com mais de 30 anos, tendendo a regredir à medida em que se aproxima da menopausa (ROSS, 1986). Nossos dados revelaram que os miomas surgiram nas mulheres brancas, em média, aos 29 anos, e ao redor dos 31.0 para as negras. O fato de as mulheres negras terem em geral apresentado miomas dois anos mais tarde chamou-nos a atenção por duas razões: primeiro porque era de se esperar que os tumores se manifestassem mais cedo na vida das negras, em função da suposta predisposição biológica que apresentam para o seu desenvolvimento, e, segundo, em face do aspecto psicossomático, no sentido de que as mesmas estão mais expostas a situações hostis17. Talvez uma resposta possível para nossa indagação esteja no menor acesso das negras aos serviços de saúde como mostra a Tabela 10. 17A esse respeito ver Capítulo 4
  • 54. 54 Tabela 10 - Mulheres segundo intervalo médio entre consultas ginecológicas, por cor INTERVALO ENTRE AS CONSULTAS GINECOLÓGICAS TOTAL BRANCA NEGRA . 1 vez a cada 3 anos % . 1 vez a cada 4 anos % . 1 vez a cada 5 anos % 31.4 45.8 COR DA ENTREVISTADA 6.0 11.0 83.0 18.7 28.5 52.8 22.8 TOTAL % 100.0 100.0 100.0 No.DE CASOS 83 82 165 INTERVALO MÉDIO 3.8 4.7 4.4 De fato, embora deva ser considerado a baixa freqüência para ambas, as brancas fazem uma consulta aos serviços de ginecologia-obstetrícia num intervalo médio de 3.8 anos, enquanto as negras o fazem a cada 4.7 anos. A periodicidade correta de uma consulta ginecológica para uma mulher que apresenta mioma é no mínimo uma vez por ano. “Se a paciente for bem examinada nas consultas ginecológicas e fizer os exames no período de um ano raramente apresentará uma situação grave de miomas. Podendo nesse intervalo de tempo desenvolver miomas de um, dois ou três centímetros mas não uma situação exagerada” (RIECHELMANN).
  • 55. 55 2.2.3 - Meios de diagnóstico Para o total de mulheres que apresentaram mioma alguma vez, analogamente para as 63 que voltaram ao Centro de Saúde com queixas de novos miomas durante o período considerado - fevereiro de 1994 a fevereiro de 1995 - o método utilizado para o diagnóstico dos miomas foi o exame de ultra-sonografia, realizado no Amparo Maternal ou no Laboratório Jabaquara ambos do (INSS), onde o resultado é obtido num período de um a dez dias. Segundo ARAÚJO, são comuns os casos em que o mioma não é perceptível na consulta ginecológica. Isso pode ocorrer se for muito pequeno ou dependendo da sua forma e localização no útero. Para todas as pacientes que apresentam sintomatologia de mioma é solicitado o exame da ultra-sonografia. No entanto, há casos em que são diagnosticados miomas em pacientes assintomáticas através de um ultrasom solicitado por uma outra razão que não a suspeita de miomatose. RIECHELMANN acrescenta que são freqüentes os casos em que o mioma é descoberto por acaso, no momento do parto cesáreo ou em qualquer outra situação de intervenção cirúrgica próxima à região do útero. Nos casos em que o mioma tenha atingido certo grau de desenvolvimento, é possível detectá-lo através do apalpamento do abdome, onde percebe-se aumento no volume do útero (OLIVEIRA, 1995). Segundo depoimentos de profissionais de saúde, os sintomas comuns nos casos de miomas são dores pélvicas, hemorragias, dores no corpo, maior freqüência urinária e alteração no peso corporal. Chamou-nos a atenção o fato de que nossas entrevistadas chegaram ao Centro de Saúde com sintomas de cólicas e hemorragias. Segundo ARAÚJO, que as atendeu, essas
  • 56. 56 são, de fato, as queixas mais comuns que conduzem as mulheres à consulta ginecológica, no que concerne aos miomas. Para RIECHELMANN, as manifestações dos sintomas dos miomas podem estar relacionadas com o ambiente psicossocial, ou seja, se um mioma pequeno causar dores intensas é porque fatores emocionais estão exercendo influência sobre eles. Porém, se a paciente apresentar gravidade no quadro clínico do mioma, então os fatores emocionais terão menor importância. 2.2.4 Conhecimento dos miomas e das formas de tratamentos O conhecimento das entrevistadas sobre o mioma e as suas formas de tratamentos parecem revelar muitas desinformações sobre estas questões. Descrevem-nos como sendo "um tumor ou um caroço benigno, que cresce na barriga ou no útero, causam cólicas e hemorragias", mas até o momento da entrevista não avaliavam o que o mioma representava para as suas vidas reprodutivas. Muitas delas referiram-se a parentes e amigas que assim como elas tiveram experiências com esses tumores. Das brancas, 22.9% afirmaram serem irmãs e 8.4% filhas de mães com miomas. Das negras 51.3% e 7.3% citaram irmãs e mães com miomas, respectivamente. As amigas também nestas condições, foram citadas por brancas 48.2% e negras 20.7% (Tabela 11).
  • 57. 57 Tabela 11 - Mulheres segundo conhecimento de parentes/amigas com miomas, por cor PARENTES/AMIGAS COM MIOMAS TOTAL BRANCA NEGRA . Mãe % . Irmã % . Amiga % . Não conhece % 8.4 22.9 48.2 20.5 COR DA ENTREVISTADA 7.3 51.3 20.7 20.7 7.9 49.7 21.8 20.6 TOTAL % No.DE CASOS 100.0 83 100.0 82 100.0 165 Esses dados, principalmente no que se refere à mulher negra, vão ao encontro das afirmações feitas por parte de profissionais de saúde de que o mioma uterino é uma doença familiar (OLIVEIRA, 1995). Ao referirem-se às formas de tratamentos do mioma utilizadas por parentes e amigas, nossas entrevistadas atestaram serem essas semelhantes às formas por elas adotadas. Mesmo aquelas que afirmaram conhecer as formas cirúrgicas foram informadas por essas relações, além da informação dada no Centro de Saúde, o que permite supor que a troca de informações entre elas, nem sempre de acordo com as obtidas através da médica-ginecologista, resultam nas práticas incorretas quanto ao tratamento dos miomas. Vale notar que o conhecimento sobre a possibilidade da reincidência dos miomas estava presente para 57.3% das negras e apenas 22.9% das brancas. Esse achado pode ser resultado do quadro apresentado quanto à maior incidência de miomas para as primeiras,
  • 58. 58 assim como pode ser devido a uma experiência familiar associada à presença de queixa de novos miomas (Tabela 12). Tabela 12 - Mulheres segundo conhecimento da reincidência do mioma, por cor TEM CONHECIMENTO DA REINCIDÊNCIA DO MIOMA TOTAL BRANCA NEGRA . Sim % . Não COR DA ENTREVISTADA 22.9 77.1 57.3 % 42.7 40.0 60.0 TOTAL % No.DE CASOS 100.0 83 100.0 82 100.0 165 As formas de tratamentos mais conhecidas são os medicamentos. Do total de mulheres, somente 13.3% das brancas e 30.5% das negras referiram-se à histerectomia. O desconhecimento acerca da miomectomia foi também alto entre brancas e negras, correspondendo a 88.0% e 85.4%, respectivamente (Tabela 13).
  • 59. 59 Tabela 13 - Mulheres segundo conhecimento das formas de tratamento para mioma, por cor CONHECIMENTO DAS FORMAS DE TRATAMENTO TOTAL BRANCA NEGRA . Só remédio % . Remédio e Histerectomia % . Remédio, Histerectomia e Miomectomia % 74.7 COR DA ENTREVISTADA 13.3 12.0 54.9 30.5 14.6 64.9 21.8 13.3 TOTAL % 100.0 100.0 100.0 No.DE CASOS 83 82 165 Os dados acima são muito significativos se pensados no sentido da prevenção de uma histerectomia. De fato, o maior conhecimento desta prática cirúrgica do que da miomectomia pode levar um considerável contingente de mulheres a lançar mão da histerectomia, pondo um fim definitivo à capacidade reprodutiva, quando uma alternativa, ainda que cirúrgica, a miomectomia poderia ser a solução. Embora afirmassem que obtiveram no Centro de Saúde informações acerca dos miomas, brancas e negras, em sua maioria, manifestaram a necessidade de serem melhor informadas a esse respeito, sugerindo inclusive que os profissionais de saúde, elaborassem folhetos informativos, principalmente com relação à prevenção da histerectomia.
  • 60. 60 2.2.5 Orientação médica e formas de tratamentos Segundo ARAÚJO, não existe uma única recomendação médica para o tratamento do mioma. Esta poderá variar para a mesma paciente, de acordo com o quadro clínico que apresentar, ou seja, poderá iniciar o tratamento somente através do controle (observação / acompanhamento clínico), sendo que em um outro momento poderão ser recomendados os medicamentos, com o objetivo de diminuir o tamanho ou estacionar o crescimento do mioma. Pode-se chegar também à miomectomia ou à histerectomia, ou ainda, no melhor dos casos, aguardar a chegada da menopausa, ocasião em que os miomas regridem ou param de crescer. Essa variação, de acordo com esse depoimento, ocorre em função principalmente, da baixa freqüência às consultas. É muito comum que as mulheres, após ter sido diagnosticado o mioma, não retornem ao centro de saúde, ou então o fazem apenas tardiamente, após um ou mais anos, já com um quadro clínico bastante agravado. Há os casos daquelas que voltam com os miomas crescidos ou novos tumores desenvolvidos, o que modifica ou acentua os sintomas anteriormente apresentados. Pode ocorrer, então, ou somente a recidiva dos sintomas (o que significa que o mesmo mioma voltou a incomodar, ou também o surgimento de outros miomas). Existem também os casos, embora menos freqüentes, em que a paciente chega ao consultório com um quadro clínico grave, o que implica imediato encaminhamento à histerectomia de emergência. No nosso estudo deparamo-nos com três categorias de mulheres: aquelas que tiveram diagnóstico de miomas somente uma vez; as que apresentaram recidiva dos sintomas e as que tiveram diagnóstico de reincidência de miomas.
  • 61. 61 A recomendação médica para brancas e negras quando do primeiro diagnóstico de miomas foi a prescrição de medicamentos por um período mínimo de três meses e o retorno após esse período para o controle, em detrimento da histerectomia e da miomectomia. Houve três casos, de mulheres negras, em que não foram prescritos os medicamentos, mas apenas a observação clínica, por estarem elas, segundo ARAÚJO, na pré-menopausa. Nessa fase, o organismo não mais produz estrógeno e o mioma tende à diminuir. Segundo ARAÚJO, a indicação de medicamentos para nossas mulheres deu-se, naquele momento, por apresentarem miomas pequenos e sem gravidade no que se refere à dores ou crises hemorrágicas. O controle também é, de uma maneira geral, recomendado às todas as pacientes assintomáticas, assim como para aquelas em que seus quadros clínicos assim os permitam. O mioma é um tumor dependente do estrógeno, que o faz crescer enquanto que a progesterona o faz diminuir. Assim, os medicamentos são à base de progestágenos, que produzindo uma menstruação artificial, bloqueiam a fabricação do estrógeno. ARAÚJO salienta que, constantemente, as pacientes só recorrem à consulta ginecológica quando as dores e as hemorragias já estão adiantadas, e que o não seguimento das orientações médicas agrava os casos de miomas. Um tumor que poderia ser tratado apenas mediante a observação, ou com medicamentos, acaba em miomectomia ou até histerectomia. São muito comuns os casos em que as pacientes interrompem o tratamento clínico de forma aleatória, apresentando, por conseqüência, gravidade na recidiva dos sintomas.
  • 62. 62 A Tabela 14 mostra a maneira pela qual as entrevistadas trataram-se quando do primeiro diagnóstico de mioma. Tabela 14 - Mulheres segundo modo do tratamento quanto ao primeiro diagnóstico do mioma, por cor COMO TRATOU DO PRIMEIRO MIOMA TOTAL BRANCA NEGRA . Usou o medicamento e voltou após 3 meses para rotina % . Abandonou o medimento com menos de 3 meses COR DA ENTREVISTADA % 9.6 90.4 7.3 8.4 92.7 91.6 TOTAL % No.DE CASOS 100.0 83 100.0 82 100.0 165 Nota-se que, somente 9.6% das mulheres brancas e 7.3% das negras seguiram corretamente as recomendações médicas, sendo que as demais abandonaram o tratamento antes do período recomendado. Ressaltamos que no período estudado, os medicamentos para o tratamento dos miomas eram distribuídos gratuitamente no referido Centro de Saúde, o que significa que não foi a ausência desses o motivo para o descumprimento das orientações médicas. De fato, perguntadas sobre isso, comumente respondiam: "as cólicas e as hemorragias passaram"/"o mioma desapareceu" /"não sinto mais nada".
  • 63. 63 Nos casos em que os sintomas voltaram (cólicas e hemorragias), só retornaram ao Centro de Saúde aquelas que, conforme próprio depoimento, já estavam bastante incomodadas. As demais, que também tiveram novamente esses sintomas, porém menos acentuados, optaram por recorrer à farmácia. Assim, se foi no Centro de Saúde que foram diagnosticados os tumores, foi na farmácia, em larga medida, que foram realizadas as "consultas" e obtidas as "orientações" para a solução dos problemas de saúde advindos dos miomas. Segundo elas, após seis meses, em média, em que suspenderam o medicamento, os sintomas novamente se manifestaram. A Tabela 15 indica as razões pelas quais mulheres brancas e negras não comparecem com regularidade às consultas ginecológicas. Tabela 15 - Mulheres segundo razão de não comparecimento às consultas ginecológicas, por cor RAZÃO DE NÃO COMPARECIMENTO ÀS CONSULTAS GINECOLÓGICAS TOTAL BRANCA NEGRA . Tem vergonha de fazer exame ginecológico/ prefere ir à farmácia % . Perde-se muito tempo no Centro de Saúde/perde-se o dia de serviço, prefere ir à farmácia % COR DA ENTREVISTADA 69.9 30.1 25.6 47.8 74.4 52.2 TOTAL % No.DE CASOS 100.0 83 100.0 82 100.0 165
  • 64. 64 É interessante notar os tipos de respostas obtidas de brancas e negras para duas questões distintas: motivo do abandono do medicamento e da não freqüencia às consultas ginecológicas. No primeiro caso, todas responderam terem acreditado que os sintomas e a doença haviam desaparecido, o que vem a reforçar o fato de que há grande desinformação da população de baixa renda quanto aos miomas e sua saúde reprodutiva. Quanto as justificativas para a não freqüência às consultas ginecológicas, enquanto 69.9% das brancas referiram constrangimento de fazer os exames ginecológicos, 74.4% das negras atestaram razões relativas ao acesso ao serviço e ao "tempo gasto" no Centro de Saúde. Talvez no caso das mulheres negras, como colocamos anteriormente, o fato de não possuírem registro em carteira profissional, por serem majoritariamente empregadas domésticas diaristas, implique o não pagamento do dia mesmo com a apresentação do atestado médico no local de trabalho. Já as mulheres brancas que apresentavam vínculo empregatício justificam essa falta de hábito, por uma questão subjetiva: "vergonha de fazer exames ginecológicos". Entretanto, se a freqüência das negras ao Centro de Saúde é acentuadamente menor (conforme mostramos no início deste capítulo), são elas que retornam majoritariamente à consulta ginecológica com queixas de novos miomas. Frente a isso podemos supor que se o acesso aos serviços de saúde fosse maior, maior ainda seriam as suas queixas - considerando-se a predisposição biológica e a explicação psicossomática, que juntas parecem contribuir para o desenvolvimento dos tumores - e menores seriam então os casos graves de miomas entre elas, uma vez que estariam sendo, de alguma forma, mais assistidas no que concerne à miomatose. É importante notar que à medida que brancas e negras retornaram ao Centro de Saúde, com queixas de novos miomas, fossem eles comprovados ou não, passaram a ser
  • 65. 65 incorporadas nas prescrições médicas as intervenções cirúrgicas, como mostra a Tabela 16.
  • 66. 66 Tabela 16 - Mulheres segundo orientação médica para o tratamento da recidiva de sintomas, por cor ORIENTAÇÃO MÉDICA PARA RECIDIVA DE SINTOMAS TOTAL BRANCA NEGRA . Medicamento por 3 meses e voltar para rotina % . Medicamento por 3 meses e miomectomia % 71.5 28.5 COR DA ENTREVISTADA 94.0 90.0 6.0 10.0 TOTAL % 100.0 No.DE CASOS 7 100.0 33 100.0 40 Considerando o elevado número de mulheres negras que tiveram diagnosticada a recidiva dos sintomas (33), chamou-nos atenção o fato de que a miomectomia somente foi indicada para duas delas. Segundo ARAÚJO, embora a proporção de negras que apresentaram recidiva dos sintomas fosse significativamente superior às brancas, naquele momento, ainda era possível ser evitada qualquer forma de intervenção cirúrgica. Enfatiza ainda que a irregularidade da freqüência às consultas e o abandono dos tratamentos, são as prováveis razões para justificar o agravamento do quadro clínico apresentado por essas mulheres quando do diagnóstico inicial do mioma. Cabe observar que mesmo nesses casos a miomectomia não foi recomendada sem ser precedida da prescrição de medicamentos por um período médio de três meses. A eficácia da miomectomia, porém, é matéria polêmica entre aqueles que estudam, ou lidam com a miomatose.
  • 67. 67 Para EGWUATU (1989), a miomectomia não deve ser realizada em pacientes férteis. No seu entender, essa prática cirúrgica, além de comprometer a fertilidade, também pode ter como conseqüência negativa a hipertensão arterial. Por sua vez, ARAÚJO, afirma que a miomectomia é uma cirurgia indicada principalmente para as pacientes jovens que ainda não possuem o número de filhos desejados. Enfatiza ainda que em todos os casos cirúrgicos são avaliadas as possibilidades de realização da miomectomia, em detrimento da histerectomia, independentemente do número de filhos ou da idade da paciente. Se de um lado, como já apontamos, nossas entrevistadas não tiveram por hábito seguir a recomendação médica quanto ao tratamento através dos medicamentos, o mesmo não ocorreu com as formas cirúrgicas, como mostra a Tabela 17. Tabela 17 - Mulheres segundo modo do tratamento da recidiva dos sintomas do mioma, por cor COMO TRATOU DA RECIDIVA DOS SINTOMAS TOTAL BRANCA NEGRA . Seguiu corretamente a orientação médica % . Abandonou o medicamento com menos de 3 meses % . Tomou o medicamento por 3 meses e fez a miomectomia % COR DA ENTREVISTADA 14.2 57.3 28.5 12.1 12.5 81.9 6.0 72.5 15.0 TOTAL % No.DE CASOS 100.0 7 100.0 33 100.0 40