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1
NOTAS CRÍTICAS SOBRE JUSTIÇA, ESTADO E DIREITO NO MUNDO
CONTEMPORÂNEO.
Andréa Longhi Simões Almeida (CEUNSP)1
Maria Amélia Feracciú Pagotto (CEUNSP)2
Ilnah Toledo Augusto(CEUNSP)3
Fernando de Moura (CEUNSP)4
Rosa Maria Marciani (CEUNSP)5
Resumo
A retomada das concepções liberais clássicas sobre Direito e justiça no mundo contemporâneo
vem embasando discursos e práticas que condenam e criminalizam a redistribuição de recursos
assim como reelaboram o velho principio social-darwinista segundo o qual cada indivíduo
isolado é responsável pela criação das condições que lhe permitam sobreviver à concorrência
individual. O objetivo primeiro desta reflexão é apresentar algumas anotações, que confrontem os
ideais de justiça defendidos por essa concepção à visão materialista do Direito. A tarefa será
cumprida a partir da exposição de autores que já tratam dessa temática. Espera-se contribuir,
ainda que muito preliminarmente, para a construção de perspectivas críticas as visões de mundo
que promovem a exclusão da maior parte da humanidade dos frutos do seu trabalho ou da
possibilidade material de construir sua emancipação.
Palavras-chave: Justiça. Direito. Neoliberalismo.
1. Conjuntura mundial: direito e política
1
Bacharel em Direito (UNESP); Especialista em Direito Contratual (CEU); Mestre em Direito das Obrigações
Público e Privado (UNESP). Leciona Direito Civil e Direito Eletrônico no curso de Direito do Centro Universitário
Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP). Advogada militante.
2
Maria Amélia Ferracciú Pagotto é licenciada e bacharel em Ciências Sociais (Unicamp); Mestre em Sociologia do
Trabalho (Unicamp); Doutora em Ciências Sociais (Unicamp). Leciona Sociologia e Antropologia nos cursos de
Direito do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceusnp) Também integra o grupo de pesquisa
‘Educação, Comunidade e Movimento Sociais’ da Universidade Federal de São Carlos (UFScar- Campus Sorocaba).
Email:mameliapagotto@uol.com.br
3
Mestre pela Universidade Metodista de Piracicaba, Unimep; Especialista em Direito do Trabalho e Processual do
Trabalho; Especialista em Direito Educacional; professora de Constitucional e Internacional da Unimep.
4
Professor da Faculdade de Direito de Salto CEUSNP, advogado criminalista, especialista em Direito
Constitucional pela ESDC, email prof.fernandomoura@gmail.com
5
Professora de Direito do Trabalho e Estudos Jurídicos Dirigidos (CEUNSP), Legislação aplicada em tecnologia da
informação (FATEC ITU) e Mestre em Direito do Trabalho. Advogada militante.
2
Pode-se localizar, a partir da crise iniciada nos EUA em 2008 e que se alastrou mais
recentemente por toda a Europa, a retomada do vigor das políticas neoliberais. No entanto, esse
tema vem se tornando o pano de fundo dos grandes debates sobre a vida social contemporânea,
em quase todas as áreas do conhecimento, há, já, algumas décadas.
A grande preocupação tem sido a de compreender as novas configurações produtivas e
políticas que norteiam o tecido social a partir da escalada do capitalismo e de como ele tem se
servido da fração financeiro-bancária do capital -que alcançou muito maior volatilidade a partir
das conhecidas inovações tecnológicas com base na microeletrônica e na informática datadas da
década de 80 do século XX-, para recompor suas bases.
Mas, não se trata, apenas, de um tecido social que responde mecanicamente ás inovações
técnicas. Por isso, a noção de neoliberalismo ganha, aqui, espaço privilegiado para a análise das
formas jurídicas e os desafios políticos contemporâneos. O termo responde à necessidade de se
vincular os arranjos tecnológicos da era atual, ao conseqüente imperativo de ‘ordenação’ capaz
de vincular o processo de acumulação do capital à organização pública e à gestão das formas de
controle social. Fundamental, nessa mesma conjuntura, é a dimensão hegemônica alcançada pela
ideologia do livre mercado6
, da glorificação da livre iniciativa e das vantagens da livre
concorrência.
Para o enfrentamento da ‘crise’ anunciada recentemente nos EUA e na Europa, são
evocadas medidas de austeridade que afetarão suas classes trabalhadoras, sobretudo no campo da
saúde, educação e previdência social7
. Já muito conhecidas das populações da América Latina,
tais medidas tem sido implantadas em meio a crises políticas de imenso impacto, como é o caso
da Grécia, da Itália, Inglaterra e EUA e outros países.
Parece cada vez mais evidente que o ‘mundo da economia’ não pode ser compreendido
sem ser vinculado ao ‘mundo da política”. Essa perspectiva, que percebe a totalidade das relações
sociais capitalistas, tem sido revalorizada nos debates contemporâneos sobre a crise do
6
Ver: Anderson, Dias e Antunes.
7
Marcelo Justo, em matéria publicada na Rev. Carta Capital (jan. 2012), intitulada ‘Arrocho do governo inglês
lançará meio milhão de crianças na pobreza’ apresenta estudos elaborados por dois institutos britânicos, o Family
and Parenting Institute e o Fiscal Studies Institute, denunciando que a redução de benefícios sociais e o aumento de
impostos, entre outras medidas, lançará cerca de meio milhão de crianças e adolescentes na pobreza absoluta. A
Organização de Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) tem outra maneira de apresentar essa situação: “o Reino
Unido é a sociedade mais desigual das nações ricas.
”http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19397&boletim_id=1107&componente_i
d=17591.
3
capitalismo, na medida em que, dos escombros da crise, destacam-se os impactos negativos à
democracia ‘real’. A própria noção de cidadania tem sido alvo de novas reflexões.
No Brasil e na América Latina os preceitos teóricos de Hayeck8
, e a agenda política
defendida por M. Thatcher (Inglaterra) e R. Reagan (EUA), fizeram-se presentes e modelaram o
cenário de miséria e exclusão do qual procuramos sair neste início de século desde os idos das
décadas de 60 e 70 do século passado. As práticas discursivas em voga tem sido, desde então, as
que defendem a ‘globalização’ e o mercado como horizonte para se construir o cenário cultural
que se convencionou chamar de ‘pós modernidade’.
Desde então, medidas de austeridade econômica restringiram drasticamente os
investimentos públicos nas áreas de saúde, educação, segurança e habitação, o que afetou as
possibilidades de se assegurar as plenas condições do exercício da cidadania, conforme ficou
expresso na Constituição Brasileira de 1988. Conhecida como a Constituição Cidadã, por
pretender garantir os direitos básicos e a dignidade de cada pessoa humana, ela se viu
‘reacomodada’ pela paulatina implantação da privatização dos serviços essenciais. Resultou disso
o alargamento das fronteiras do mercado empresarial no país – cuja finalidade primeira e última é
obtenção do lucro-, e a contenção do espaço do estado como cenário no qual se manifestam as
diferentes perspectivas de classes sociais. Criou-se uma hierarquização no acesso e na qualidade
aos serviços essenciais. Sob a noção de “Estado Mínimo’, acesso aos direitos básicos tornou-se
possibilidade real apenas para as classes economicamente privilegiadas.
De modo que, além dos impactos materiais sofridos por grande parte das populações
desfavorecidas, a forma de pensar a política sofreu mudanças: o conceito de cidadania como
exercício e participação nas decisões políticas de um país passou a ser entendido como exercício
do direito ao consumo. Ser cidadão passou a ser visto como direito de pertencer ao mercado
consumidor9
.
Como corolário dessas questões, o próprio Direito, no Brasil e na América Latina, já
estava sob fogo cruzado, tanto no que diz respeito às relações internacionais10
quanto aos espaços
8
Teórico do neoliberalismo, ver O Caminho da Servidão, 1977.
9
Ver Mota e Amaral.
10
Quanto às situações internacionais que impactaram o universo jurídico brasileiro nesse período, nos referimos ao
debate sobre a dependência ao Fundo Monetário Internacional – FMI, cuja cartilha de austeridade econômica foi
imposta como contrapartida aos empréstimos para pagamento da divida internacional. Também podemos registrar
debates que envolvem as trocas comerciais no âmbito da OMC (Organização mundial do Comércio), no GATS
(Acordo Geral Sobre Serviços) e as que se referem ao trabalho (escravo e infantil, por exemplo) na esfera da OIT
(Organização Internacional do Comércio).
4
nacionais delineados pela ocorrência, cada vez mais freqüente, de situações de conflitos e
insurgências diante do agravamento da concentração do capital e das condições de miséria para
as quais foram empurradas as populações que vivem nas franjas do sistema produtivos. Na
América Latina, a contradição entre forma e conteúdo do direito atingiu grau exacerbado.
Mas, o fato de a crise do capitalismo atingir os países hegemônicos (EUA e os que
compõem a Zona do Euro), trouxe ao mundo acadêmico e ao próprio universo das decisões
políticas, uma renovada necessidade de se discutir a natureza do Direito. São tempos de conflitos
internacionais acirrados pelas contradições internas que explodem em cada unidade nacional. As
classes trabalhadoras mobilizam-se e põe em cheque o modelo de democracia e justiça – ou de
legalidade – vigente em seus países, diante dos poderes do sistema financeiro-bancário, que tem
sido socorrido pelas poupanças públicas.
Se economia e política devem ser entendidas como totalidade, não se pode deixar de
mencionar que as ideologias da competitividade individual ganharam reforços nessa conjuntura.
Mercados de trabalho encolhidos, poupanças públicas sugadas pelo sistema financeiro-bancário
internacional, bem como o grau elevado de composição orgânica do capital, tornaram as
oportunidades individuais, assim como a da sobrevivência de pequenas firmas, alvo de
verdadeiras ‘lutas corporais’ entre pessoas e corporações. Estimuladas e defendida pelos
ideólogos do mercado, a competitividade individual tornou-se ‘palavra de ordem’ repetida à
exaustão; tornou-se, principio filosófico relançado ao campo de confrontos e críticas à noção de
Estado de Bem Estar Social, produzindo nova roupagem para as doutrinas políticas
antidemocráticas e que promovem austeridade econômica, nos países capitalistas. Elas bebem na
fonte das concepções liberais clássicas.
No campo da cultura, Losurdo (2005), localiza bem o cenário vigente marcado pela volta
do liberalismo, com as novas roupagens que o atualizam e permitem que seja cunhado como
neoliberalismo:
a volta à concepção liberal clássica, vista e mantida em sua "pureza" e
"autenticidade", comporta, até mesmo em âmbito internacional, a rejeição a
qualquer redistribuição de recursos, a não ser por obras de caridade individual.
Mesmo quando alcança dimensões trágicas, significando até a morte de milhões
de pessoas, a fome continua sendo fato privado dos que a sofrem e de eventuais
benfeitores caridosos. Assim, os povos vão ter de aprender a "se alimentarem
sozinhos". Claro, milhões de crianças nem terão tempo de aprender. Mas a
resposta a essa eventual objeção já está contida num clássico da tradição liberal.
Segundo Malthus, faz parte do "governo moral deste universo que os pecados
5
dos pais recaiam sobre seus filhos": "pelas leis da natureza, a criança é confiada
direta e exclusivamente à custódia de seus pais" e não tem nenhum direito a
reivindicar perante a sociedade (LOSURDO, 2005, p. 39).
Se a crise aparece como crise genérica, sem que seja qualificada como uma crise do
capitalismo - que vem sendo resolvida por meio de uma contra-ofensiva - , é importante exercitar
perspectivas críticas no campo da economia política e suas relações com o direito.
Como afirma MASCARO (2002, p. 140), “num mundo em que a estabilidade das leis
nada parece ser em face do capitalismo multinacional” e que a hegemonia kelseniana alcançou
seu auge, expressando a vitória da visão liberal de mundo, é necessário pensar para além do que
está posto como perspectiva única. Nas palavras de Godoy (2004), também encontramos o forte
apelo no sentido de cultivar alternativas à visão única de mundo, que carrega consigo visão única
de se pensar o próprio Direito. Ele afirma:
A condição política pós-moderna que nos envolve, parasita da modernidade, de
cujos dilemas e conquistas se alimenta, sugere uma permanente crítica que exige
uma desconfiada análise das condições democratizantes, porque a globalização e
o neoliberalismo podem ensejar um neocolonialismo jurisdicista. Em resumo...o
direito brasileiro contemporâneo só pode ser analisado com seriedade dentro dos
mais amplos problemas que acompanham a globalização e o neoliberalismo.
(GODOY, 2004, p. 9)
Mediante uma dinâmica política na qual a banca internacional suga a riqueza produzida
por uma classe trabalhadora dividida por fronteiras nacionais, língua, cultura e modos de vida,
não se pode deixar de registrar, ao menos na situação brasileira, a emergência de visões e práticas
alternativas do Direito. Sob a ótica do pluralismo jurídico11
tomam corpo tendências jurídicas
com forte apelo popular que procuram promover transformações profundas na ordem jurídica
brasileira. Ribas ( 2009, p. 97) alega que se trata de uma tendência que nasce da ‘indignação ética
que conduz movimentos populares’ a produzirem formas alternativas de organizar a vida jurídica
do país.
2. Notas sobre a relação entre direito e economia política
11
Pluralismo jurídico popular e insurgente: segundo Ribas “teoria epistêmica que abrange a iniciativa de participação
dos movimentos populares e a proposição de formas plurais de organização do direito que contemple a cultura
popular”....”na qual“ prevaleça o respeito à diversidade, ás identidades aos contingenciamentos e às necessidades e
desejos de mudança” (2009, p. 95).
6
A relação entre instituições jurídicas e a economia política foi observada por Marx, autor
que teorizou a partir de questões práticas que lhe foram impostas pela sociedade de seu tempo.
Seus estudos preliminares foram feitos na área jurídica, mas a filosofia alemã de sua época foi
quem mereceu seus escritos sobre a importância de uma teoria crítica capaz de se tornar uma
força material no processo de emancipação humana.
Na Introdução à Critica da Filosofia do Direito de Hegel (2010), Marx subverte a visão
filosófica corrente ao afirmar que “o homem não é um ser abstrato, isolado do mundo. O homem
é o mundo dos homens, o estado e a sociedade. Este estado e essa sociedade engendram a
religião, criam uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. Assim,
a tarefa da história, depois que o outro mundo da verdade se desvaneceu, é
estabelecer a verdade deste mundo, A tarefa imediata da filosofia, que está a
serviço da história, é desmascarar a auto-alienação humana nas suas formas não
sagradas, agora que ela foi desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu
transforma-se deste modo em crítica da terra, a crítica da religião em critica do
direito, e a crítica da teologia em crítica da política.(MARX, 2010, p. 146).
No Prefácio à Contribuição à Critica à Economia Política apresenta o resultado de suas
pesquisas sobre as relações jurídicas. Afirma que, tal como as formas de Estado, elas
não podem ser compreendidas a partir de si mesmas nem a partir do chamado
desenvolvimento geral do espírito humano, mas enraízam-se, isso sim, nas
relações materiais da vida, cuja totalidade Hegel, na esteira dos ingleses e
franceses do século XVIII, resume sob o nome de"sociedade civil", e de que a
anatomia da sociedade civil se teria de procurar, porém, na economia política
(MARX, s/d, p.301).
Continuando, então, seus estudos sobre a economia política, por entender que
emancipação de cada indivíduo depende da emancipação em relação às barreiras criadas no
decorrer da construção e reprodução das relações práticas produzidas pelos modos de produção
materiais da vida imediata, chega à seguinte formulação:
na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações,
necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que
correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura
econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura
jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência
social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da
vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina
7
o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência
(MARX, s/d, p. 301).
A partir da concepção de história elaborada por Marx, as manifestações da cultura, do
espírito humano podem ser entendidas a partir das práticas reais e materiais que os homens
estabelecem entre si. Homens de carne e osso, inseridos em situações particulares e que
produzem relações socialmente determinadas. Marx não aceita, portanto, um conceito de homem
universal, genérico ou abstrato. Nesse sentido, do ponto de vista metodológico, no
pensamento marxista - que por sua vez não é um pensamento uníssono-, as questões acerca do
direito devem ser pensadas a partir das questões colocadas pelos processos históricos12
.
Já foi dito mais acima que as leituras da obra de Marx foram inúmeras. Nunca houve
consenso pleno no que diz respeito ao escopo da teoria marxista. O século XX - século das
grandes guerras mundiais, das revoluções operárias, das lutas pelos direitos sociais, da construção
histórica do Estado do Bem-Estar Social e dos estados burocráticos do leste europeu-, foi um
século marcado pelas mais variadas matizes de interpretação do pensamento de Marx. As
concepções de estado, justiça e democracia, passaram, necessariamente, pela leitura do
pensamento político e da analise da estrutura do capital feitas por ele.
Se para vertentes vulgares do marxismo a questão jurídica foi entendida como simples
instrumento de defesa do capital, e o direito uma ideologia a seu serviço, e “se a serviço estivesse
do capital, bastaria apenas inverter seu senhorio para que se invertesse seu serviçal (NAVES,
2000, apud MASCARO, 2002, p. 138), no transcorrer dos anos iniciais da Revolução de 1917, a
perspectiva materialista dialética ganhou maior fôlego e teve em Piotr Stutchka e Evgeny
Pachukanis dois representantes de um debate que propunha: de um lado a instrumentalização do
direito numa sociedade em transição, de outro lado o planejamento do seu definhamento, segundo
Porath (2007, p.2).
As visões marxistas vulgares, mecanicistas e simplificadoras, sofreram duros golpes
também no terreno do direito. O pensamento liberal também foi impactado pelas reflexões
teóricas citadas. As relações entre estado e justiça estiveram no centro das reformulações teóricas
e práticas desde então.
12
Ver Erkert.
8
Neste ponto desta reflexão preliminar cabe, ainda, uma breve notícia13
a respeito do
pensamento de Pachukanis, autor a quem o estudioso brasileiro do direito, Marcio Bilharinho
Naves, vem dedicando esforços de pesquisa. Pachukanis faz o retorno mais acurado à obra de
Marx, buscando desvendar, a partir da crítica à economia política, as relações entre direito,
política e capital (MASCARO, p 2002).
Segundo Naves, a questão metodológica ganha fôlego na obra de Pachukanis pois este
mergulha na análise do capital e com isso procura compreender as relações sociais não como
conceitos, mas categorias atualizados pelas formas históricas assumidas pelo capitalismo.
Seguindo a perspectiva de Marx, que funda a distinção entre a concepção materialista e a
burguesa da história em uma teoria das formas ou dos modos de produção” (NAVES, 2000, apud
MASCARO, 2002, p. 48) o problema da ligação do capitalismo à circulação mercantil passa a
assumir, em Pachukanis, dimensões de vulto. Nas palavras de Porath ( 2007, p.4),
O Direito deve ser entendido, portanto, a partir das interações que desenvolve
imerso nas relações necessárias à reprodução do capital. É nas relações de
produção e de troca, na análise da ação destas formas básicas, em seu
movimento social primário, que o autor desvenda as especificidades do
fenômeno jurídico, que, em seu contínuo desenvolvimento deontológico,
promove sua complexificação, na necessária auto-legitimação reguladora,
suposto reflexo da totalidade da práxis social.
Em Pachukanis, encontra-se a proposição de que o Direito não é uma concepção acabada,
mas construída sob o calor das relações políticas travadas entre classes sociais distintas; classes
essas, compostas por indivíduos concretos, de carne e osso, inseridos numa conjuntura
determinada e que vivenciam as rígidas contradições criadas pela propriedade privada e pelas
formas de estado erigidas a partir dos embates daí decorrentes.
Segundo Naves, a particularidade do esforço teórico desse autor está no fato de
“relacionar a forma da mercadoria com a forma jurídica” (NAVES, 2002 p. 53 apud MASCARO,
2002, p.138). Pachukanis retoma, de Marx, a excelência da forma mercadoria14
como aquela que
13
Estas anotações tem modesta pretensão: refletem um contato preliminar com o pensamento do autor. Servem como
registro de uma primeira imersão na temática da relação entre direito e justiça social sob a ótica do marxismo.
14
“O misterioso da forma mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as
características sociais do seu próprio trabalho, como se características objetivas dos próprios produtos do trabalho,
como propriedades sociais dessas coisas, e, por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho
total como uma relação social existentes fora deles, entre objetos. Por meio desse quiproquó os produtos do trabalho
se tornam mercadorias, coisas físicas metafísicas ou sociais. Assim, a impressão luminosa de uma coisa sobre o
nervo ótico não se apresenta como uma excitação subjetiva do próprio nervo, mas como a forma sensível de alguma
coisa que existe fora do olho. Mas, no ato de ver, a luz se se projeta realmente a partir de uma coisa, o objeto externo,
9
constitui o modo de produção capitalista. Sob esse modo de produção a troca de mercadorias
assumiu a função organizadora da sociabilidade (relações entre os homens) e a aparência da
igualdade jurídica tornou-se fundamental para constituição do mercado.
O direito, na sociedade capitalista, não pode deixar de ser percebido, então, como produto
e produtor da forma mercadoria que só existe sob a institucionalização de uma igualdade apenas
formal entre compradores e vendedores, vistos como iguais. Se a vida, sob o capitalismo, é regida
pela posse ou não de mercadorias, a circulação delas depende de um padrão de equivalência
(PEREIRA, 2011) sem a qual a troca não pode acontecer. “A sociedade capitalista é, antes de
tudo, uma sociedade de proprietários de mercadorias. [...] Assim o vínculo social, enraizado na
produção, apresenta-se simultaneamente sob duas formas absurdas; por um lado, como valor de
mercadoria e, por outro, como capacidade do homem de ser sujeito de direito (PACHUKANIS,
1988, p. 70/72 apud PEREIRA, 2011).
A categoria fetichismo aparece revigorada nas análises dos autores mencionados. Através,
e por meio delas, é que se pode perceber que as estruturas materiais de dominação sob o
capitalismo dependem de uma expressão política determinada baseada na aparência de uma
igualdade formal entre sujeitos do Direito. Se esses sujeito possuem, na forma, uma igualdade
jurídica que se estabelece no ato da compra e venda da força de trabalho, a igualdade desaparece
completamente no transcorrer das relações econômicas e materiais estabelecidas entre eles. Mas,
a aparência da igualdade, ou a igualdade apenas formal, anula as contradições econômicas. É essa
dimensão que permite a constante atualização da reprodução do capitalismo como forma de
dominação, ou seja, o fetichismo da mercadoria “se completa com o fetichismo jurídico”
(PACHUKANIS, 1988, p. 75)”
A questão da igualdade jurídica entre sujeitos individuais livres para estabelecer trocas no
mercado de trabalho passa a ser central. Desvendar esse fetiche, essa aparência de liberdade, mas
para outra, o olho. É uma relação física entre coisas físicas. Porém, a forma mercadoria e a relação de valor dos
produtos do trabalho, na qual ele se apresenta, não tem que ver absolutamente nada com a sua natureza física e com
as relações materiais que daí se originam. Não é mais nada que determinada relação social entre os próprios homens
que para eles aqui assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Por isso, para encontrar uma
analogia, temos de nos deslocar à região nebulosa do mundo da religião. Aqui, os produtos do cérebro humano
parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si e com os homens. O mesmo se
passa no mundo mercantil com os produtos da mão do homem. Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os
produtos da mão humana. Isso eu chamo de fetichismo que adere aos produtos de trabalho, tão logo são produtivos
como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias. Esse caráter fetichista das
mercadorias, provém, como a análise precedente já demonstrou, do caráter peculiar do trabalho que produz
mercadoria” (MARX, 1988, p.71).
10
que se faz real no cotidiano dos trabalhadores, que se apresentam como indivíduos isolados no
mercado de trabalho é fundamental diante da crise atual. Perceber como ele se atualiza na
conjuntura capitalista, é outro grande desafio para que a igualdade e a justiça não se perpetuem
como meros discursos retóricos acompanhados de ações que apenas mantenham essa lógica.
4. Conclusão
Neste pequeno espaço de reflexão foram reapresentadas algumas argumentações críticas
as teorias liberais sobre as relações entre economia, direito e justiça tendo em vista a restauração
dessas perspectivas ao mesmo tempo em que vem se organizando, sob o título genérico de ‘crise,’
uma contra-ofensiva do capitalismo.
O direito, a justiça, a legalidade tem sido alvos de questionamentos enquanto se percebe,
em todo o mundo, o avanço dos abismos sociais que separam ricos e pobres. As desigualdades
sociais, que não se circunscrevem mais aos territórios dos países periféricos ao capitalismo tem
promovido fortes duvidas quanto a eficácia das doutrinas político filosóficas que se amparam no
individualismo e na livre concorrência. Ainda que essa ideologia avance, organize estados
nacionais e relações entre países e firmas, sua eficácia tem sido questionada
O pensamento de Pachukanis é elaborado a partir dos desafios colocados pela revolução
soviética, ou seja, pela necessidade de se pensar o momento pós-revolucionário; essa inquietação,
de ordem prática, é responsável pelo desenvolvimento teórico e metodológico de sua obra.
Contudo, abstivemo-nos desse debate, que foi mencionado a titulo de contextualização, e
enfatizamos, aqui, a importância de se dedicar maiores esforços ao estudo do Direito, de um
ponto de vista materialista, diante dos desafios históricos que nos estão sendo colocados nesta
virada de século.
A aclamada falência da análise marxistas, que tomou vulto com os episódios que
culminaram com a queda do muro de Berlim na década de 80, parece não se sustentar mais diante
da vitalidade da critica ao capitalismo deste o inicio deste século. Século que vê a fração
financeira do capital alcançar uma aparente autonomia em relação as demais frações (capital
produtivo e capital comercial), e coloca a necessidade de se perceber o dinheiro como uma
relação social que integra, em si, as contradições da sociedade capitalista.
11
Sob a aparente autonomia do capital bancário, é preciso perceber a produção capitalista
como uma totalidade composta pelos momentos da produção e da circulação. Se o modo de
produção capitalista, ao fazer da banca internacional, um instrumento de expropriação e
dominação, também já não consegue ser absolutamente hegemônico, ainda que se mantenha pela
força militar e pela reprodução das ideologias que o sustentam, o vigor da critica a ele parece ter
exigido que se avance para além das criticas as formas de estado e se considere o trabalho e a
produção do valor como uma totalidade na qual, produção e circulação de mercadorias
constituem momentos distintos de um mesmo processo: processo de produção das relações
sociais capitalistas.
Resta reafirmar, para encerrar esta reflexão, que as relações sociais de produção
capitalistas não foram entendidas aqui como mecanicismo ou expressão de relações meramente
econômicas. Procuramos defender o ponto de vista segundo o qual elas se configuram como
totalidade indissolúvel entre economia e política. Essa perspectiva leva ao exame do lugar do
direito na sociedade capitalista como expressão máxima dessa totalidade e pode iluminar as
questões das desigualdades para além das camadas superficiais da complexa organização social
do mundo contemporâneo.
5. Referências bibliográficas
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12
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PEREIRAL. Ismael. A igualdade jurídica como “mimese do que está morto”. Rev. Crítica do
Direito. Nº 1 – Vol. 22. Outubro-novembro de 2011.
PORATH, Henrique de Campos. Um diálogo por uma concepção materialista do Direito.
Rev. de Sociologia Jurídica, n. 05. Julho-Dezembro de 2007.
RIBAS, L. Otávio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de
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Direito, justiça e neoliberalismo no mundo contemporâneo

  • 1. 1 NOTAS CRÍTICAS SOBRE JUSTIÇA, ESTADO E DIREITO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO. Andréa Longhi Simões Almeida (CEUNSP)1 Maria Amélia Feracciú Pagotto (CEUNSP)2 Ilnah Toledo Augusto(CEUNSP)3 Fernando de Moura (CEUNSP)4 Rosa Maria Marciani (CEUNSP)5 Resumo A retomada das concepções liberais clássicas sobre Direito e justiça no mundo contemporâneo vem embasando discursos e práticas que condenam e criminalizam a redistribuição de recursos assim como reelaboram o velho principio social-darwinista segundo o qual cada indivíduo isolado é responsável pela criação das condições que lhe permitam sobreviver à concorrência individual. O objetivo primeiro desta reflexão é apresentar algumas anotações, que confrontem os ideais de justiça defendidos por essa concepção à visão materialista do Direito. A tarefa será cumprida a partir da exposição de autores que já tratam dessa temática. Espera-se contribuir, ainda que muito preliminarmente, para a construção de perspectivas críticas as visões de mundo que promovem a exclusão da maior parte da humanidade dos frutos do seu trabalho ou da possibilidade material de construir sua emancipação. Palavras-chave: Justiça. Direito. Neoliberalismo. 1. Conjuntura mundial: direito e política 1 Bacharel em Direito (UNESP); Especialista em Direito Contratual (CEU); Mestre em Direito das Obrigações Público e Privado (UNESP). Leciona Direito Civil e Direito Eletrônico no curso de Direito do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP). Advogada militante. 2 Maria Amélia Ferracciú Pagotto é licenciada e bacharel em Ciências Sociais (Unicamp); Mestre em Sociologia do Trabalho (Unicamp); Doutora em Ciências Sociais (Unicamp). Leciona Sociologia e Antropologia nos cursos de Direito do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceusnp) Também integra o grupo de pesquisa ‘Educação, Comunidade e Movimento Sociais’ da Universidade Federal de São Carlos (UFScar- Campus Sorocaba). Email:mameliapagotto@uol.com.br 3 Mestre pela Universidade Metodista de Piracicaba, Unimep; Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho; Especialista em Direito Educacional; professora de Constitucional e Internacional da Unimep. 4 Professor da Faculdade de Direito de Salto CEUSNP, advogado criminalista, especialista em Direito Constitucional pela ESDC, email prof.fernandomoura@gmail.com 5 Professora de Direito do Trabalho e Estudos Jurídicos Dirigidos (CEUNSP), Legislação aplicada em tecnologia da informação (FATEC ITU) e Mestre em Direito do Trabalho. Advogada militante.
  • 2. 2 Pode-se localizar, a partir da crise iniciada nos EUA em 2008 e que se alastrou mais recentemente por toda a Europa, a retomada do vigor das políticas neoliberais. No entanto, esse tema vem se tornando o pano de fundo dos grandes debates sobre a vida social contemporânea, em quase todas as áreas do conhecimento, há, já, algumas décadas. A grande preocupação tem sido a de compreender as novas configurações produtivas e políticas que norteiam o tecido social a partir da escalada do capitalismo e de como ele tem se servido da fração financeiro-bancária do capital -que alcançou muito maior volatilidade a partir das conhecidas inovações tecnológicas com base na microeletrônica e na informática datadas da década de 80 do século XX-, para recompor suas bases. Mas, não se trata, apenas, de um tecido social que responde mecanicamente ás inovações técnicas. Por isso, a noção de neoliberalismo ganha, aqui, espaço privilegiado para a análise das formas jurídicas e os desafios políticos contemporâneos. O termo responde à necessidade de se vincular os arranjos tecnológicos da era atual, ao conseqüente imperativo de ‘ordenação’ capaz de vincular o processo de acumulação do capital à organização pública e à gestão das formas de controle social. Fundamental, nessa mesma conjuntura, é a dimensão hegemônica alcançada pela ideologia do livre mercado6 , da glorificação da livre iniciativa e das vantagens da livre concorrência. Para o enfrentamento da ‘crise’ anunciada recentemente nos EUA e na Europa, são evocadas medidas de austeridade que afetarão suas classes trabalhadoras, sobretudo no campo da saúde, educação e previdência social7 . Já muito conhecidas das populações da América Latina, tais medidas tem sido implantadas em meio a crises políticas de imenso impacto, como é o caso da Grécia, da Itália, Inglaterra e EUA e outros países. Parece cada vez mais evidente que o ‘mundo da economia’ não pode ser compreendido sem ser vinculado ao ‘mundo da política”. Essa perspectiva, que percebe a totalidade das relações sociais capitalistas, tem sido revalorizada nos debates contemporâneos sobre a crise do 6 Ver: Anderson, Dias e Antunes. 7 Marcelo Justo, em matéria publicada na Rev. Carta Capital (jan. 2012), intitulada ‘Arrocho do governo inglês lançará meio milhão de crianças na pobreza’ apresenta estudos elaborados por dois institutos britânicos, o Family and Parenting Institute e o Fiscal Studies Institute, denunciando que a redução de benefícios sociais e o aumento de impostos, entre outras medidas, lançará cerca de meio milhão de crianças e adolescentes na pobreza absoluta. A Organização de Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) tem outra maneira de apresentar essa situação: “o Reino Unido é a sociedade mais desigual das nações ricas. ”http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19397&boletim_id=1107&componente_i d=17591.
  • 3. 3 capitalismo, na medida em que, dos escombros da crise, destacam-se os impactos negativos à democracia ‘real’. A própria noção de cidadania tem sido alvo de novas reflexões. No Brasil e na América Latina os preceitos teóricos de Hayeck8 , e a agenda política defendida por M. Thatcher (Inglaterra) e R. Reagan (EUA), fizeram-se presentes e modelaram o cenário de miséria e exclusão do qual procuramos sair neste início de século desde os idos das décadas de 60 e 70 do século passado. As práticas discursivas em voga tem sido, desde então, as que defendem a ‘globalização’ e o mercado como horizonte para se construir o cenário cultural que se convencionou chamar de ‘pós modernidade’. Desde então, medidas de austeridade econômica restringiram drasticamente os investimentos públicos nas áreas de saúde, educação, segurança e habitação, o que afetou as possibilidades de se assegurar as plenas condições do exercício da cidadania, conforme ficou expresso na Constituição Brasileira de 1988. Conhecida como a Constituição Cidadã, por pretender garantir os direitos básicos e a dignidade de cada pessoa humana, ela se viu ‘reacomodada’ pela paulatina implantação da privatização dos serviços essenciais. Resultou disso o alargamento das fronteiras do mercado empresarial no país – cuja finalidade primeira e última é obtenção do lucro-, e a contenção do espaço do estado como cenário no qual se manifestam as diferentes perspectivas de classes sociais. Criou-se uma hierarquização no acesso e na qualidade aos serviços essenciais. Sob a noção de “Estado Mínimo’, acesso aos direitos básicos tornou-se possibilidade real apenas para as classes economicamente privilegiadas. De modo que, além dos impactos materiais sofridos por grande parte das populações desfavorecidas, a forma de pensar a política sofreu mudanças: o conceito de cidadania como exercício e participação nas decisões políticas de um país passou a ser entendido como exercício do direito ao consumo. Ser cidadão passou a ser visto como direito de pertencer ao mercado consumidor9 . Como corolário dessas questões, o próprio Direito, no Brasil e na América Latina, já estava sob fogo cruzado, tanto no que diz respeito às relações internacionais10 quanto aos espaços 8 Teórico do neoliberalismo, ver O Caminho da Servidão, 1977. 9 Ver Mota e Amaral. 10 Quanto às situações internacionais que impactaram o universo jurídico brasileiro nesse período, nos referimos ao debate sobre a dependência ao Fundo Monetário Internacional – FMI, cuja cartilha de austeridade econômica foi imposta como contrapartida aos empréstimos para pagamento da divida internacional. Também podemos registrar debates que envolvem as trocas comerciais no âmbito da OMC (Organização mundial do Comércio), no GATS (Acordo Geral Sobre Serviços) e as que se referem ao trabalho (escravo e infantil, por exemplo) na esfera da OIT (Organização Internacional do Comércio).
  • 4. 4 nacionais delineados pela ocorrência, cada vez mais freqüente, de situações de conflitos e insurgências diante do agravamento da concentração do capital e das condições de miséria para as quais foram empurradas as populações que vivem nas franjas do sistema produtivos. Na América Latina, a contradição entre forma e conteúdo do direito atingiu grau exacerbado. Mas, o fato de a crise do capitalismo atingir os países hegemônicos (EUA e os que compõem a Zona do Euro), trouxe ao mundo acadêmico e ao próprio universo das decisões políticas, uma renovada necessidade de se discutir a natureza do Direito. São tempos de conflitos internacionais acirrados pelas contradições internas que explodem em cada unidade nacional. As classes trabalhadoras mobilizam-se e põe em cheque o modelo de democracia e justiça – ou de legalidade – vigente em seus países, diante dos poderes do sistema financeiro-bancário, que tem sido socorrido pelas poupanças públicas. Se economia e política devem ser entendidas como totalidade, não se pode deixar de mencionar que as ideologias da competitividade individual ganharam reforços nessa conjuntura. Mercados de trabalho encolhidos, poupanças públicas sugadas pelo sistema financeiro-bancário internacional, bem como o grau elevado de composição orgânica do capital, tornaram as oportunidades individuais, assim como a da sobrevivência de pequenas firmas, alvo de verdadeiras ‘lutas corporais’ entre pessoas e corporações. Estimuladas e defendida pelos ideólogos do mercado, a competitividade individual tornou-se ‘palavra de ordem’ repetida à exaustão; tornou-se, principio filosófico relançado ao campo de confrontos e críticas à noção de Estado de Bem Estar Social, produzindo nova roupagem para as doutrinas políticas antidemocráticas e que promovem austeridade econômica, nos países capitalistas. Elas bebem na fonte das concepções liberais clássicas. No campo da cultura, Losurdo (2005), localiza bem o cenário vigente marcado pela volta do liberalismo, com as novas roupagens que o atualizam e permitem que seja cunhado como neoliberalismo: a volta à concepção liberal clássica, vista e mantida em sua "pureza" e "autenticidade", comporta, até mesmo em âmbito internacional, a rejeição a qualquer redistribuição de recursos, a não ser por obras de caridade individual. Mesmo quando alcança dimensões trágicas, significando até a morte de milhões de pessoas, a fome continua sendo fato privado dos que a sofrem e de eventuais benfeitores caridosos. Assim, os povos vão ter de aprender a "se alimentarem sozinhos". Claro, milhões de crianças nem terão tempo de aprender. Mas a resposta a essa eventual objeção já está contida num clássico da tradição liberal. Segundo Malthus, faz parte do "governo moral deste universo que os pecados
  • 5. 5 dos pais recaiam sobre seus filhos": "pelas leis da natureza, a criança é confiada direta e exclusivamente à custódia de seus pais" e não tem nenhum direito a reivindicar perante a sociedade (LOSURDO, 2005, p. 39). Se a crise aparece como crise genérica, sem que seja qualificada como uma crise do capitalismo - que vem sendo resolvida por meio de uma contra-ofensiva - , é importante exercitar perspectivas críticas no campo da economia política e suas relações com o direito. Como afirma MASCARO (2002, p. 140), “num mundo em que a estabilidade das leis nada parece ser em face do capitalismo multinacional” e que a hegemonia kelseniana alcançou seu auge, expressando a vitória da visão liberal de mundo, é necessário pensar para além do que está posto como perspectiva única. Nas palavras de Godoy (2004), também encontramos o forte apelo no sentido de cultivar alternativas à visão única de mundo, que carrega consigo visão única de se pensar o próprio Direito. Ele afirma: A condição política pós-moderna que nos envolve, parasita da modernidade, de cujos dilemas e conquistas se alimenta, sugere uma permanente crítica que exige uma desconfiada análise das condições democratizantes, porque a globalização e o neoliberalismo podem ensejar um neocolonialismo jurisdicista. Em resumo...o direito brasileiro contemporâneo só pode ser analisado com seriedade dentro dos mais amplos problemas que acompanham a globalização e o neoliberalismo. (GODOY, 2004, p. 9) Mediante uma dinâmica política na qual a banca internacional suga a riqueza produzida por uma classe trabalhadora dividida por fronteiras nacionais, língua, cultura e modos de vida, não se pode deixar de registrar, ao menos na situação brasileira, a emergência de visões e práticas alternativas do Direito. Sob a ótica do pluralismo jurídico11 tomam corpo tendências jurídicas com forte apelo popular que procuram promover transformações profundas na ordem jurídica brasileira. Ribas ( 2009, p. 97) alega que se trata de uma tendência que nasce da ‘indignação ética que conduz movimentos populares’ a produzirem formas alternativas de organizar a vida jurídica do país. 2. Notas sobre a relação entre direito e economia política 11 Pluralismo jurídico popular e insurgente: segundo Ribas “teoria epistêmica que abrange a iniciativa de participação dos movimentos populares e a proposição de formas plurais de organização do direito que contemple a cultura popular”....”na qual“ prevaleça o respeito à diversidade, ás identidades aos contingenciamentos e às necessidades e desejos de mudança” (2009, p. 95).
  • 6. 6 A relação entre instituições jurídicas e a economia política foi observada por Marx, autor que teorizou a partir de questões práticas que lhe foram impostas pela sociedade de seu tempo. Seus estudos preliminares foram feitos na área jurídica, mas a filosofia alemã de sua época foi quem mereceu seus escritos sobre a importância de uma teoria crítica capaz de se tornar uma força material no processo de emancipação humana. Na Introdução à Critica da Filosofia do Direito de Hegel (2010), Marx subverte a visão filosófica corrente ao afirmar que “o homem não é um ser abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo dos homens, o estado e a sociedade. Este estado e essa sociedade engendram a religião, criam uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. Assim, a tarefa da história, depois que o outro mundo da verdade se desvaneceu, é estabelecer a verdade deste mundo, A tarefa imediata da filosofia, que está a serviço da história, é desmascarar a auto-alienação humana nas suas formas não sagradas, agora que ela foi desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu transforma-se deste modo em crítica da terra, a crítica da religião em critica do direito, e a crítica da teologia em crítica da política.(MARX, 2010, p. 146). No Prefácio à Contribuição à Critica à Economia Política apresenta o resultado de suas pesquisas sobre as relações jurídicas. Afirma que, tal como as formas de Estado, elas não podem ser compreendidas a partir de si mesmas nem a partir do chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas enraízam-se, isso sim, nas relações materiais da vida, cuja totalidade Hegel, na esteira dos ingleses e franceses do século XVIII, resume sob o nome de"sociedade civil", e de que a anatomia da sociedade civil se teria de procurar, porém, na economia política (MARX, s/d, p.301). Continuando, então, seus estudos sobre a economia política, por entender que emancipação de cada indivíduo depende da emancipação em relação às barreiras criadas no decorrer da construção e reprodução das relações práticas produzidas pelos modos de produção materiais da vida imediata, chega à seguinte formulação: na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina
  • 7. 7 o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência (MARX, s/d, p. 301). A partir da concepção de história elaborada por Marx, as manifestações da cultura, do espírito humano podem ser entendidas a partir das práticas reais e materiais que os homens estabelecem entre si. Homens de carne e osso, inseridos em situações particulares e que produzem relações socialmente determinadas. Marx não aceita, portanto, um conceito de homem universal, genérico ou abstrato. Nesse sentido, do ponto de vista metodológico, no pensamento marxista - que por sua vez não é um pensamento uníssono-, as questões acerca do direito devem ser pensadas a partir das questões colocadas pelos processos históricos12 . Já foi dito mais acima que as leituras da obra de Marx foram inúmeras. Nunca houve consenso pleno no que diz respeito ao escopo da teoria marxista. O século XX - século das grandes guerras mundiais, das revoluções operárias, das lutas pelos direitos sociais, da construção histórica do Estado do Bem-Estar Social e dos estados burocráticos do leste europeu-, foi um século marcado pelas mais variadas matizes de interpretação do pensamento de Marx. As concepções de estado, justiça e democracia, passaram, necessariamente, pela leitura do pensamento político e da analise da estrutura do capital feitas por ele. Se para vertentes vulgares do marxismo a questão jurídica foi entendida como simples instrumento de defesa do capital, e o direito uma ideologia a seu serviço, e “se a serviço estivesse do capital, bastaria apenas inverter seu senhorio para que se invertesse seu serviçal (NAVES, 2000, apud MASCARO, 2002, p. 138), no transcorrer dos anos iniciais da Revolução de 1917, a perspectiva materialista dialética ganhou maior fôlego e teve em Piotr Stutchka e Evgeny Pachukanis dois representantes de um debate que propunha: de um lado a instrumentalização do direito numa sociedade em transição, de outro lado o planejamento do seu definhamento, segundo Porath (2007, p.2). As visões marxistas vulgares, mecanicistas e simplificadoras, sofreram duros golpes também no terreno do direito. O pensamento liberal também foi impactado pelas reflexões teóricas citadas. As relações entre estado e justiça estiveram no centro das reformulações teóricas e práticas desde então. 12 Ver Erkert.
  • 8. 8 Neste ponto desta reflexão preliminar cabe, ainda, uma breve notícia13 a respeito do pensamento de Pachukanis, autor a quem o estudioso brasileiro do direito, Marcio Bilharinho Naves, vem dedicando esforços de pesquisa. Pachukanis faz o retorno mais acurado à obra de Marx, buscando desvendar, a partir da crítica à economia política, as relações entre direito, política e capital (MASCARO, p 2002). Segundo Naves, a questão metodológica ganha fôlego na obra de Pachukanis pois este mergulha na análise do capital e com isso procura compreender as relações sociais não como conceitos, mas categorias atualizados pelas formas históricas assumidas pelo capitalismo. Seguindo a perspectiva de Marx, que funda a distinção entre a concepção materialista e a burguesa da história em uma teoria das formas ou dos modos de produção” (NAVES, 2000, apud MASCARO, 2002, p. 48) o problema da ligação do capitalismo à circulação mercantil passa a assumir, em Pachukanis, dimensões de vulto. Nas palavras de Porath ( 2007, p.4), O Direito deve ser entendido, portanto, a partir das interações que desenvolve imerso nas relações necessárias à reprodução do capital. É nas relações de produção e de troca, na análise da ação destas formas básicas, em seu movimento social primário, que o autor desvenda as especificidades do fenômeno jurídico, que, em seu contínuo desenvolvimento deontológico, promove sua complexificação, na necessária auto-legitimação reguladora, suposto reflexo da totalidade da práxis social. Em Pachukanis, encontra-se a proposição de que o Direito não é uma concepção acabada, mas construída sob o calor das relações políticas travadas entre classes sociais distintas; classes essas, compostas por indivíduos concretos, de carne e osso, inseridos numa conjuntura determinada e que vivenciam as rígidas contradições criadas pela propriedade privada e pelas formas de estado erigidas a partir dos embates daí decorrentes. Segundo Naves, a particularidade do esforço teórico desse autor está no fato de “relacionar a forma da mercadoria com a forma jurídica” (NAVES, 2002 p. 53 apud MASCARO, 2002, p.138). Pachukanis retoma, de Marx, a excelência da forma mercadoria14 como aquela que 13 Estas anotações tem modesta pretensão: refletem um contato preliminar com o pensamento do autor. Servem como registro de uma primeira imersão na temática da relação entre direito e justiça social sob a ótica do marxismo. 14 “O misterioso da forma mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho, como se características objetivas dos próprios produtos do trabalho, como propriedades sociais dessas coisas, e, por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social existentes fora deles, entre objetos. Por meio desse quiproquó os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas físicas metafísicas ou sociais. Assim, a impressão luminosa de uma coisa sobre o nervo ótico não se apresenta como uma excitação subjetiva do próprio nervo, mas como a forma sensível de alguma coisa que existe fora do olho. Mas, no ato de ver, a luz se se projeta realmente a partir de uma coisa, o objeto externo,
  • 9. 9 constitui o modo de produção capitalista. Sob esse modo de produção a troca de mercadorias assumiu a função organizadora da sociabilidade (relações entre os homens) e a aparência da igualdade jurídica tornou-se fundamental para constituição do mercado. O direito, na sociedade capitalista, não pode deixar de ser percebido, então, como produto e produtor da forma mercadoria que só existe sob a institucionalização de uma igualdade apenas formal entre compradores e vendedores, vistos como iguais. Se a vida, sob o capitalismo, é regida pela posse ou não de mercadorias, a circulação delas depende de um padrão de equivalência (PEREIRA, 2011) sem a qual a troca não pode acontecer. “A sociedade capitalista é, antes de tudo, uma sociedade de proprietários de mercadorias. [...] Assim o vínculo social, enraizado na produção, apresenta-se simultaneamente sob duas formas absurdas; por um lado, como valor de mercadoria e, por outro, como capacidade do homem de ser sujeito de direito (PACHUKANIS, 1988, p. 70/72 apud PEREIRA, 2011). A categoria fetichismo aparece revigorada nas análises dos autores mencionados. Através, e por meio delas, é que se pode perceber que as estruturas materiais de dominação sob o capitalismo dependem de uma expressão política determinada baseada na aparência de uma igualdade formal entre sujeitos do Direito. Se esses sujeito possuem, na forma, uma igualdade jurídica que se estabelece no ato da compra e venda da força de trabalho, a igualdade desaparece completamente no transcorrer das relações econômicas e materiais estabelecidas entre eles. Mas, a aparência da igualdade, ou a igualdade apenas formal, anula as contradições econômicas. É essa dimensão que permite a constante atualização da reprodução do capitalismo como forma de dominação, ou seja, o fetichismo da mercadoria “se completa com o fetichismo jurídico” (PACHUKANIS, 1988, p. 75)” A questão da igualdade jurídica entre sujeitos individuais livres para estabelecer trocas no mercado de trabalho passa a ser central. Desvendar esse fetiche, essa aparência de liberdade, mas para outra, o olho. É uma relação física entre coisas físicas. Porém, a forma mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho, na qual ele se apresenta, não tem que ver absolutamente nada com a sua natureza física e com as relações materiais que daí se originam. Não é mais nada que determinada relação social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Por isso, para encontrar uma analogia, temos de nos deslocar à região nebulosa do mundo da religião. Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si e com os homens. O mesmo se passa no mundo mercantil com os produtos da mão do homem. Assim, no mundo das mercadorias, acontece com os produtos da mão humana. Isso eu chamo de fetichismo que adere aos produtos de trabalho, tão logo são produtivos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias. Esse caráter fetichista das mercadorias, provém, como a análise precedente já demonstrou, do caráter peculiar do trabalho que produz mercadoria” (MARX, 1988, p.71).
  • 10. 10 que se faz real no cotidiano dos trabalhadores, que se apresentam como indivíduos isolados no mercado de trabalho é fundamental diante da crise atual. Perceber como ele se atualiza na conjuntura capitalista, é outro grande desafio para que a igualdade e a justiça não se perpetuem como meros discursos retóricos acompanhados de ações que apenas mantenham essa lógica. 4. Conclusão Neste pequeno espaço de reflexão foram reapresentadas algumas argumentações críticas as teorias liberais sobre as relações entre economia, direito e justiça tendo em vista a restauração dessas perspectivas ao mesmo tempo em que vem se organizando, sob o título genérico de ‘crise,’ uma contra-ofensiva do capitalismo. O direito, a justiça, a legalidade tem sido alvos de questionamentos enquanto se percebe, em todo o mundo, o avanço dos abismos sociais que separam ricos e pobres. As desigualdades sociais, que não se circunscrevem mais aos territórios dos países periféricos ao capitalismo tem promovido fortes duvidas quanto a eficácia das doutrinas político filosóficas que se amparam no individualismo e na livre concorrência. Ainda que essa ideologia avance, organize estados nacionais e relações entre países e firmas, sua eficácia tem sido questionada O pensamento de Pachukanis é elaborado a partir dos desafios colocados pela revolução soviética, ou seja, pela necessidade de se pensar o momento pós-revolucionário; essa inquietação, de ordem prática, é responsável pelo desenvolvimento teórico e metodológico de sua obra. Contudo, abstivemo-nos desse debate, que foi mencionado a titulo de contextualização, e enfatizamos, aqui, a importância de se dedicar maiores esforços ao estudo do Direito, de um ponto de vista materialista, diante dos desafios históricos que nos estão sendo colocados nesta virada de século. A aclamada falência da análise marxistas, que tomou vulto com os episódios que culminaram com a queda do muro de Berlim na década de 80, parece não se sustentar mais diante da vitalidade da critica ao capitalismo deste o inicio deste século. Século que vê a fração financeira do capital alcançar uma aparente autonomia em relação as demais frações (capital produtivo e capital comercial), e coloca a necessidade de se perceber o dinheiro como uma relação social que integra, em si, as contradições da sociedade capitalista.
  • 11. 11 Sob a aparente autonomia do capital bancário, é preciso perceber a produção capitalista como uma totalidade composta pelos momentos da produção e da circulação. Se o modo de produção capitalista, ao fazer da banca internacional, um instrumento de expropriação e dominação, também já não consegue ser absolutamente hegemônico, ainda que se mantenha pela força militar e pela reprodução das ideologias que o sustentam, o vigor da critica a ele parece ter exigido que se avance para além das criticas as formas de estado e se considere o trabalho e a produção do valor como uma totalidade na qual, produção e circulação de mercadorias constituem momentos distintos de um mesmo processo: processo de produção das relações sociais capitalistas. Resta reafirmar, para encerrar esta reflexão, que as relações sociais de produção capitalistas não foram entendidas aqui como mecanicismo ou expressão de relações meramente econômicas. Procuramos defender o ponto de vista segundo o qual elas se configuram como totalidade indissolúvel entre economia e política. Essa perspectiva leva ao exame do lugar do direito na sociedade capitalista como expressão máxima dessa totalidade e pode iluminar as questões das desigualdades para além das camadas superficiais da complexa organização social do mundo contemporâneo. 5. Referências bibliográficas AMARAL, Ângela Santana. Qualificação, sociedade civil e desidentidade de classe: os desafios para o sindicalismo. In: Revista Outubro, nº 5, São Paulo, 2001. p. 29-45. ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir (Org). Pós- neoliberalismo:as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ANTUNES, Ricardo Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000. DIAS, E. Fernandes. Política brasileira: embate de projetos hegemônicos. São Paulo: Editora. Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2006. ERKERT, J. Erik Von. O artesanato na justiça. Rev. Critica do Direito, maio a junho, 2011. GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Globalização, neoliberalismo e Direito no Brasil. Londrina: Humanidades, 2004. Harvey, David. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008.
  • 12. 12 Hayek, Frieddrich August von. O caminho da servidão. 2ª ed. Porto Alegre: Globo, 1977. JUSTO, Marcelo. Arrocho do governo inglês lançará meio milhão de crianças na pobreza. Rev. Carta Capital. Disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19397&boletim_id=11 07&componente_id=17591 Acesso em 18 de janeiro de 2012. KASHIURA Jr, C. Naoto Dialética e forma jurídica: considerações acerca do método de Pachukanis R. Jur. Direito & Realidade, Monte Carmelo-MG, V.01, n.01, Jan./Jun. 2011 Disponível em http://www.fucamp.edu.br/editora/index.php/direito-realidade/article/view/13/147. Acesso em 20 de novembro de 2011. LOSURDO, Domenico, Marx, a tradição liberal e a construção do conceito universal de homem. Revista Lutas Sociais. Volume 13/14 - 1º semestre 2005 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Editora Alfa Omega,s/d. ______. O Capital. São Paulo: Nova Cultural, 1988. ______Critica da Filosofia do Direito de Hegel. Editora Boitempo: São Paulo, 2010. MASCARO, Alysson Leandro, Nos extremos do Direito (Sschimitt e Pachukanis). Rev. Lua Nova , Nº 57, 2002. MORAES, Reginaldo C. Correia de. O liberalismo clássico,o mercado e a intervenção estatal. Rev. Lua Nova , Nº 57, 2002. MOTA, Ana Elizabete. Cultura da crise e seguridade social. Um estudo sobre as tendências da previdência e da assistência social brasileira nos anos 80 e 90. São Paulo: Cortez, 1995 NAVES, M. B. . Marxismo e Direito - um estudo sobre Pachukanis. 1ª. ed. São Paulo: Boitempo, 2000. PACHUKANIS, E. (1988). Teoria Geral do Direito e Marxismo. São Paulo: Acadêmica.. PEREIRAL. Ismael. A igualdade jurídica como “mimese do que está morto”. Rev. Crítica do Direito. Nº 1 – Vol. 22. Outubro-novembro de 2011. PORATH, Henrique de Campos. Um diálogo por uma concepção materialista do Direito. Rev. de Sociologia Jurídica, n. 05. Julho-Dezembro de 2007. RIBAS, L. Otávio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000). Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2009.
  • 13. 13