3. “Na rua passa um operário. Como vai
firme! Não tem blusa. No conto, no drama,
no discurso político, a dor do operário está
na blusa azul, de pano grosso, nas mãos
grossas, nos pés enormes, nos
desconfortos enormes.”
(Operário do mar – Drummond)
5. Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um
príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
6. Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um
príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o
máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o
próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o
público
7. Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu nopatamar quatro paredes flácidas
Sentoupra descansar como se fosse umpássaro
E flutuouno ar como se fosse umpríncipe
E se acabou no chão feitoum pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
11. “Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas
e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
assentada sete horas de chumbo. Como que se
sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras
notas da ultima guitarra da noite antecedente,
dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem
um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos
coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre
de sabão ordinário. As pedras do chão,
esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns
pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez
grisalha e triste, feita de acumulações de espumas
secas.
12. Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum
crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e
fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara,
incomodamente, debaixo do fio de água que escorria
da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se.
As mulheres precisavam já prender as saias entre as
coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada
nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam,
suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os
homens, esses não se preocupavam em não molhar o
pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da
água e esfregavam com força as ventas e as barbas,
fossando e fungando contra as palmas da mão. As
portas das latrinas não descansavam, era um abrir e
fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas.
Não se demoravam lá dentro e vinham ainda
amarrando as calças ou as saias; as crianças não se
davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali
mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da
estalagem ou no recanto das hortas.
14. — Mas, nesse caso, o senhor não tem religião!
— Tenho, tenho...
— Pois não parece!... Pelo menos não devia fazer tão
pouco caso das rezas, que nos foram ensinadas pelos
apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo!...
Raimundo não pôde conter uma risada, e, como o
outro se formalizara, acrescentou em tom sério “que não
desdenhava da religião, que a julgava até indispensável
como elemento regulador da sociedade. Afiançou que
admirava a natureza e rendia-lhe o seu culto, procurando
estudá-la e conhecê-la nas suas leis e nos seus
fenômenos, acompanhando os homens de ciência nas
suas investigações, fazendo, enfim, o possível para ser útil
aos seus semelhantes, tendo sempre por base a
honestidade dos próprios atos”.
(O mulato – Aluísio Azevedo. Cap. 10)