1. MUDANÇA NA CULTURA ORGANIZACIONAL
José Gilson Farias Cavalcanti
O fenômeno “mudança” tem estado presente em todos os debates já há muito tempo.
Não é de hoje que ouvimos falar e até percebemos que o mundo está mudando
aceleradamente.
A mudança, entendida como uma modificação ou transformação de um fenômeno, é
uma constante no processo histórico da existência humana. Portanto, é algo bastante
familiar ao homem porque lhe é intrínseco. Desde a concepção até a morte o ser
humano vivencia mudanças biológicas, psicológicas, sociais e espirituais. Essas
mudanças ora acontecem sem que as pessoas percebam, ora acontecem de forma
determinada, consciente. Poderíamos dizer que a vida é um processo contínuo de
mudanças. A mudança não representa um ponto final de chegada. Como dizia Heráclito
“Nada existe de mais permanente do que a mudança”. Por isso dizemos que o tema
mudanças não é, de nenhuma maneira, algo estranho às pessoas.
As mudanças acontecem de forma natural ou de modo planejado. A mudança planejada
é um imperativo na organização social do homem. E é através dessa organização social
que o homem consegue desenvolver sua potencialidade e satisfazer determinadas
necessidades.
Ao participar de grupos sociais, a pessoa vivencia a dialética dos movimentos de
afirmação da identidade individual e da integração com as outras pessoas, o que implica
em mudanças individuais e grupais. Ou seja, ao mesmo tempo em que deseja ser
reconhecida como a pessoa que é, quer, também, participar do grupo, integrar-se a ele e,
para isso, tem de conceder algo dessa individualidade.
As organizações lidam, essencialmente, com mudanças provocadas por necessidades
internas e/ou pela ambiência externa. Trabalhar essas mudanças constitui-se, hoje, num
grande desafio para tais organizações. Isso porque, atualmente, as mudanças se dão
numa velocidade muito acelera. Ainda que familiarizados com o processo de mudança
natural, temos dificuldade de perceber e nele nos engajar, em função de sua quantidade,
diversidade e rapidez.
As mudanças tendem a desestabilizar as pessoas. Para evitar a permanência nesse
estado, o que não seria saudável, produtivo nem econômico, as empresa planejam e
executam mudanças.
2. O princípio básico desse procedimento é o de que a mudança efetiva resulta uma
intervenção na cultura organizacional. Por definição, a cultura é resultante dos usos e
costumes baseados em leis, normas, crenças e valores que foram sendo elaborados e
sedimentados por todos que compõem o grupo. É uma construção coletiva que expressa
o modo de ser , a identidade do grupo. A cultura constitui uma sedimentação, ao longo
do tempo, desses costumes; é passível de mudança mas apresenta uma força de
manutenção e de perpetuação do que foi sendo construído. No entender de Fela
Moscovicci a cultura organizacional pode ser entendida como comportamentos
regulares observados da interação, linguagem e rituais; normas que se criam nos grupos
de trabalho; valores dominantes esposados pela organização; filosofia que orienta a
política da organização com relação a seus membros e/ou clientes e fornecedores;
“regras do jogo” para sobreviver na organização, para tornar-se um membro aceito;
clima ou sentimento que é transmitido pelo layout físico.
O mecanismo de produção cultural é desencadeado por um movimento individual que,
paradoxalmente, já está impregnado de um caldo cultural; todavia há algo novo, criado,
inventado ou intuído, fruto desse repertório social e que acompanha o individual, que é
expresso para o grupo. Quando esse algo tem força para agir no consciente ou no
inconsciente de parte significativa do grupo, tende a ser incorporado, transformando-se
em cultura.
A manutenção de determinados traços culturais diz respeito à sua repetição,
transformando-se em referências para o posicionamento e para a ação do grupo.
Essa repetição leva à consolidação e à reprodução da cultura. Esses processos
(manutenção e reprodução) vão dar uma identidade cultural ao grupo com apelo à
adaptação e uma conformação ao que está estabelecido. Garante, para o indivíduo, a
paz, a tranqüilidade, a integração e a acomodação ao vigente; para o grupo, a
manutenção, a coesão, a existência, a possibilidade de continuidade com redução dos
conflitos. Os traços culturais tornam-se mais fortes à medida que, em algum nível ,
satisfazem necessidades, por vezes inconscientes , das pessoas. Essa força garante uma
proteção para a perpetuação da cultura. A tentativa de incorporação de algo novo
desencadeia, via de regra, uma reação porque representa uma desestabilização, uma
ameaça ao status quo. Quanto mais o traço cultural é aceito e compartilhado mais forte
se torna e, consequentemente, mais difícil será a sua mudança.
A intervenção na cultura organizacional para o estabelecimento de mudanças efetivas
requer, primeiramente, respeito à cultura vigente, compreensão de como foi produzida e
dos seus mecanismos de reprodução. Requer, ainda, um trabalho com as lideranças
formais e informais para que possam, num primeiro momento, conceituar a mudança
pretendida para, depois, conduzirem o processo. “As pessoas têm de ser lideradas por
elementos a quem elas ouvem, em quem acreditam, indivíduos que lhes mostrem
maneiras específicas de caminhar, de como começar”. (William Glasser)
Torna-se importante saber e expressar claramente para as pessoas e para os grupos que
necessidades poderão ser atendidas com a mudança desejada, quais os ganhos para as
3. pessoas e para a organização; o que se pretende mudar, o porquê , o para quê e como
proceder para administrar a transição.
Todos sabemos e dizemos que a mudança gera resistências. Só que repetimos isso sem
termos incorporado o verdadeiro significado dessa idéia. Ao sinal das primeiras
resistências rotulamos a pessoa de resistente. Isso quando não a rifamos do processo,
adotando um comportamento beligerante, por vezes resvalando para a postura de “uma
questão pessoal”. Trabalhar com mudanças é trabalhar com um processo muitas vezes
penoso e difícil que exigirá das lideranças um razoável entendimento dos subterrâneos
do comportamento humano. É preciso ter intimidade com mudanças; é preciso ter
vivido tal processo; é preciso ter, antes de tudo, estabelecido mudanças em si mesmo.
Ter passado por essas experiências é que dá um background para uma liderança
conduzir processos de transição a mudanças. Assim, há que se trabalhar as resistências.
Primeiramente, conhecendo-as nas suas diversas manifestações; depois, fazendo com
que a pessoa ou grupo tome consciência de suas resistências, contra o quê está
resistindo, as consequências para si, para o grupo e para a organização da existência
dessas resistências. Os medos e as ameaças sentidos precisam ter um canal de expressão
e contar com a compreensão das lideranças. Esse material expresso é riquíssimo e, se
bem trabalhado, propiciará uma queda ou diminuição das resistências e a confiança
começa a ser costurada; aos poucos, pessoas vão percebendo a necessidade das
mudanças propostas e tornam-se aliadas conscientes para a implantação destas.
Esse trabalho somente poderá ser bem desenvolvido se as lideranças tiverem, antes,
processado suas próprias resistências, medos, ameaças, ganhos . Quando as lideranças
estiverem convencidas de que as mudanças propostas são realmente boas para as
pessoas, para os grupos e para a organização é que poderão atuar de forma mais
transparente, verdadeira, ética e estarão mais energizadas para administrar processos de
transição à implantação de mudanças. A posse de “técnicas de condução de mudanças”
sem esse trabalho pessoal resultará, no máximo, em manipulação das pessoas e na
imposição de “mudanças”, que desmoronarão mais adiante; dificilmente em uma
mudança cultural.