1. AMOSTRAS HISTÓRICO-GEOGRÁFICAS
Lilia Márcia de Almeida Silva
Maria Candida Caetano Gomes
Resumo:
Nosso objetivo nesta comunicação é relatar as possibilidades e as oportunidades
vivenciadas por nós, professoras e alunos, para tornar público, dar visibilidade à
produção do cotidiano, toda ela construída em sala de aula, bem como os resultados
dessa prática educativa que nos levou ao mundo acadêmico. Durante sete anos, as
Amostras Histórico-Geográficas, organizadas por nós e nossos alunos do 6º ao 9º ano,
da Escola Municipal Reverendo Martin Luther King, mostraram a outros olhares a
qualidade do trabalho produzido. Convidados pela antropóloga Rosilene Alvim e sob a
gestão do professor Franklin Trein, o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro nos acolheu. E no decorrer , o professor Marco
Antônio França Faria, Pró-Reitor de Extensão, amplia nossa caminhada dentro da
UFRJ. A Professora Jessie Jane V. de Sousa, ao assumir o IFCS, continua a nos dar
apoio. Criam condições para que a Academia nos receba . Com autonomia, pulamos o
muro da escola e nesse salto a Academia nos abraça, nos ampara. Nossos alunos,
empoderados, se mostram sujeitos da condução do processo das Amostras. Que
resultados obtivemos? O que essa experiência vivenciada, produziu na expectativa, na
construção e reafirmação de sonhos de formação dos alunos? Que motivos, presentes na
política educacional vigente, contribuíram para que interrompêssemos a sequência
regular das Amostras e como isso refletiu no nosso trabalho? Reflexões que
pretendemos compartilhar neste Encontro.
Palavras-chave: visibilidade - prática educativa – autonomia – empoderamento
2. 2
“Há uma relação entre a alegria necessária a atividade educativa e a
esperança. A esperança de que professor e alunos podemos aprender,
ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos podemos igualmente resistir
aos obstáculos à nossa alegria”.
Paulo Freire
Tecendo as Amostras
A criação de uma sala ambiente foi a ponte. Chegada à Escola Municipal
Reverendo Martin Luther King em 1994, trazendo a vivência do trabalho em equipe,
Candida, professora de História, propõe às colegas de História e Geografia a criação de
uma sala ambiente para essas disciplinas. Proposta aceita, junto com os alunos a
organizamos. Ano seguinte, quem chega à escola é a Professora Lilia Márcia, de
Geografia. E assim começa o nosso olhar, a nossa observação, aos trabalhos realizados
por cada uma de nós, com nossos alunos, expostos na nossa sala. Percebemos que
tínhamos em comum a prática educativa-progressista e estávamos convencidas de que
“...ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua
produção ou a sua construção.” (FREIRE,1997)
Na nossa prática educativa, as preocupações com o conteúdo – “construção de
conceitos ou o conhecimento” (MENANDRO, 2000), com a formação de cidadãos
reflexivos, críticos, autônomos, que acreditem no seu potencial e que se sintam
comprometidos em contribuir para a transformação da realidade social, estão sempre
presentes. Cidadania plena, possibilitada, também, pelo ensino-aprendizagem em nossas
disciplinas, História e Geografia, no Ensino Fundamental, contribuindo para que o
aluno seja capaz de analisar contexto e conjuntura, pela leitura do mundo, de forma a
perceber primeiro os acontecimentos que estão ao seu redor, tempo e espaço, para
depois ampliar essa percepção. Assim o desenvolvimento da leitura e da escrita do
mundo é fundamental. Segundo Monteiro (2000), “...as aulas de História “são um
espaço privilegiado onde a leitura de mundo, que cada aluno traz [...] seja ampliada e
criticada”. Entender, analisar, interpretar, perceber as relações entre texto e contexto.
Então “...é necessário alfabetizar o aluno em geografia, para que ele seja capaz de ler o
espaço geográfico tal como ele é , para que possa nele viver melhor, interagindo com
ele, transformando-o. (FONSECA, RIBEIRO, SILVA & TIOZZO, 2008)
Que metodologia que não se dissocia do conteúdo propúnhamos para a nossa
prática educativa. Que lógica de estruturação dos conteúdos e de facilitar a construção
3. 3
do conhecimento propúnhamos em nosso trabalho? Como construir conceitos e dar
continuidade aos já trabalhados pelo aluno, anteriormente?
“De posse de um instrumental conceitual, o aluno (ou
qualquer pessoa) é capaz de abstrair, generalizar, descontextualizar,
perceber situações semelhantes e diferentes nas sociedades,
independentemente do tempo cronológico e do espaço físico em que
tenham se organizado.”(MENANDRO, 2000).
Oportunizar situações que facilitem vivenciar a compreensão dos conteúdos
partindo do mais concreto para o mais abstrato, do mais próximo, para o mais distante.
Como nossos alunos sistematizariam os conteúdos trabalhados de forma lúdica,
prazerosa, com arte, com criatividade, com criticidade, criando e recriando? Construção
individual e coletiva.
Instrumentos e recursos são utilizados para dar conta dessa linha de trabalho,
resignificando símbolos, objetos do cotidiano, para a produção dos alunos. Nessa
perspectiva, exemplificamos: pratos de papelão, daqueles de padaria, transformam-se
em “pratos de porcelana”, instrumentos para registrar e ilustrar fragmentos da
Revolução Francesa.
Nos Temas Comuns todos os alunos trabalham o mesmo tema, com a atividade
adequada ao conteúdo específico de cada ano. Como exemplo o tema “Paulo Freire –
O Educador da Esperança”. Citamos aqui, entre outras realizadas por cada turma e
série1, uma produção coletiva. Nas turmas 502, 503, 602 e 802, poetas alunos fazem
versos para inserções na poesia A Escola - interagindo com o Educador Paulo Freire.
No Tabuleiro Poético o visitante da Amostra poderia inserir novos versos dos poetas
alunos na poesia de Paulo Freire.
Toda a produção é feita em sala de aula. Trabalho cotidiano, nos três tempos/
aula de cada uma das nossas disciplinas. O material utilizado, o disponível, o que a
escola tem, o básico. No mais, as professoras compram o material.
Os trabalhos são escritos à mão. As novas tecnologias, o computador, a internet
não eram de acesso à maioria. Não havia computadores na sala de aula, local em que a
produção acontecia.
“ Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer
cultura, sem “tratar’ sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem
cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar
as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo,
sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério,
4. 4
sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é
possível.” Paulo Freire
E as Amostras tomam forma
Em outubro de 2000, Lília propõe fazermos uma mostra dos nossos trabalhos. E
assim firmamos nossa parceria. Organizamos a I Amostra Histórico-Geográfica para
um único dia, ocupando a nossa sala e a sala ao lado. Não tinha um título definido
Vários olhares, vários recortes. Mas esta primeira Amostra já trazia a sementinha de um
Evento maior, como se tornariam as Amostras futuras. Além da exposição de trabalhos,
a encenação da peça de teatro, construída coletivamente, “O Estatuto” comemorando
uma década do Estatuto da Criança e do Adolescente. Saímos da escola com o gostinho
do queremos mais.
Sendo nossas Amostras resultado do trabalho do ano letivo, elas só recebiam
título quando as estávamos programando. Eram resultados. Amostras, pois
mostrávamos um pouco - que era muito - de tudo o que produzíamos. E nosso objetivo
era que os visitantes “comprassem” essa ideia. Não havia seleção de trabalhos. Toda a
produção dos alunos de cada turma era mostrada. O aluno tinha orgulho, se esmerava
em fazer o melhor, pois o incentivo de mostrar seu trabalho o conduzia, o animava. E
nós professoras os incentivávamos, no seu fazer, na construção da sua autonomia, pois
autonomia se conquista.
Na nossa postura se faz e se fazia presente a demonstração do nosso
compromisso, da nossa dedicação, na inclusão dos alunos nas decisões, respeitando suas
opiniões, no exercício da democracia, no nosso comportamento responsável, na
preocupação em dar-lhes satisfações dos nossos atos, na rigorosidade da cobrança.
Sabemos que “... as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou nada
valem.” (FREIRE, 1997).
Produção apresentada sem cuidado, sem zelo, Candida não aceitava o “-Ah, tá
bom!” Não. O aluno é o autor do seu trabalho e precisa se responsabilizar por ele. E
respondia “Você fez para você e não para mim. Por favor, refaça!” E Lilia, a mesma
atitude. Referindo-se à avaliação diz “Quem nada faz, nada ganha!” O cuidado na
produção do nosso trabalho faz a diferença.
Era comum, hábito entre os alunos, caso tivessem um horário vago, nos
procurarem para terminar trabalho em elaboração. Havia um comportamento de prazer
no fazer, no estudar, no investir,
5. 5
O livro didático, adotado por nós professores, era usado regularmente. A
cobrança do dever de casa, as avaliações em forma de testes, as autoavaliações,
também.
No compromisso assumido com nossos alunos de que é possível fazer, mudar,
pois somos capazes de transformar, a II Amostra Histórico-Geográfica nos leva “Em
Busca de um Mundo Novo”. O Evento se amplia: três dias.
Convidada, a professora Alzira Batalha Alcântara faz a palestra “Estudo da
História: um desafio?” São incluídas no evento as Oficinas, sessões de Vídeos (os que
foram trabalhados com os alunos), “Vale a pena Rever”, (obras produzidas na primeira
amostra, e em todas as Amostras sempre eram revisitadas).
Percebíamos a necessidade de dar visibilidade a essa produção do cotidiano,
mostrar a outros olhares a qualidade dos trabalhos produzidos na escola. Pular o muro!
Nossos alunos mereciam ver e serem vistos. Que é possível que a sala de aula seja um
espaço prazeroso, competente. Precisávamos de parceiros que oportunizassem a
realização desse sonho.
A Antropóloga Rosilene Alvim coordenadora do NEPI, parte do PPGSA, do
IFCS (UFRJ)2, presente entre nós desde a primeira amostra, sugere que levássemos a III
Amostra para o IFCS. O Professor Franklin Trein, diretor do IFCS, apóia o convite e
nos abraça em calorosa acolhida!
Com autonomia, pulamos o muro da escola e a III Amostra Histórico-
Geográfica é intitulada “Cidadão Mundo”.
Nossos alunos, empoderados, são os sujeitos da condução de todo o processo das
Amostras. Mediam e discutem temas polêmicos com professores universitários, com o
Pró-Reitor, com diretores das faculdades – são autoridades também e assim são
considerados e respeitados. Organizam as amostras, promovem oficinas, sessões de
vídeos, representam esquetes, peças teatrais, danças, apresentam composições musicais
de sua autoria, organizam homenagens, recebem e conduzem os visitantes explicitando
os trabalhos expostos.
O IFCS nos disponibiliza espaço para a exposição, para oficinas, para as sessões
de vídeo, Salão Nobre para as palestras. Todos nos acolhem: professores, funcionários,
alunos universitários. Na mesa de debates cujo tema foi “A Escola e a construção do
Cidadão Mundo”, o professor Franklin Trein, a professora Rosilene Alvim e o aluno
Fillipe S. C. da Silva, da turma 602.
6. 6
E cabe à escola, entre outras instituições, criar condições para que o aluno
exercite a cidadania. Participação se aprende no exercício dela. A Escola que se
propõe ser Escola-Cidadã tem que se propor a uma concepção de educação que invista
na participação efetiva de toda a comunidade escolar.
E a IV Amostra Histórico-Geográfica sob a inspiração do cuidado, se intitula:
“Cuidar do Mundo, Exercício Cidadão”.
“O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é
mais que um ato; é uma atitude. [...] atitude de ocupação, preocupação,
de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.”
Leonardo Boff
A mesa redonda trazia o título da Amostra. Compunham esta mesa de debates o
professor Marco Antônio França Faria, Pró-Reitor de Extensão da UFRJ, o Professor
Franklin Trein, o Jornalista André Trigueiro, Coordenador do Livro “Meio Ambiente no
Século 21” e seis alunos(as) de séries diferentes. Coube a cada aluno falar sobre um dos
temas da 1ª Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente - Vamos Cuidar
do Brasil. Como vamos cuidar da nossa água; dos seres vivos; dos nossos alimentos; da
nossa escola; da nossa comunidade. Um aluno foi o mediador da mesa.
Destaque-se que ao apelo “Vamos Cuidar do Brasil” feito pela Ministra Marina
Silva no lançamento da 1ª Conferência Nacional do Meio Ambiente, nossos alunos, em
vinte e oito cartas enviadas à Ministra, representam os desejos de todos os alunos: Nós
também queremos Cuidar!
Todos, crianças, adolescentes, adultos, têm o direito de acesso a qualquer
autoridade, para opinar, questionar, exigir, fazer propostas. A escola precisa mostrar,
estimular seus alunos, à sua comunidade, a exercitar cidadania.
. O resultado desse exercício foi o respeito, a atenção, o carinho da Ministra
Marina Silva que, vindo ao Rio de Janeiro no dia 25 de agosto de 2003, nos visita para
conhecer pessoalmente alunos e professora. Significado inédito e de grande emoção
para todos nós, principalmente nossos alunos, que se sentiram reconhecidos,
considerados, respeitados. Ela não veio visitar uma das escolas da rede municipal, ela
veio nos conhecer.
Pós debate, o Jornalista André Trigueiro nos faz uma proposta de tema para a V
Amostra: Consumismo. Aceito por todos nós.
7. 7
E a V Amostra Histórico-Geográfica foi a única em que começamos a
desenvolver o tema desde o início do ano e se chamou “No Mundo do Consumo,
Consumir Sem Com-Sumir o Mundo”.
E o Pró-Reitor Professor Marco Antônio nos diz da sua intenção de ampliar a
nossa caminhada dentro da UFRJ. A Faculdade de Educação, sob a direção do
professor Marcelo Macedo Corrêa e Castro, nos recebe.
Na mesa redonda como palestrantes O Jornalista e escritor André Trigueiro e a
bióloga Laraf Moutinho da Costa, Presidente da ONG “Defensores da Terra” e
Coordenadora da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da ALERJ, naquele momento.
Os professores Marco Antônio, Franklin Trein e Marcelo Macedo são os debatedores,
com a participação especial de nove alunos(as), atores, que abrem a mesa redonda
teatralizando o “Jornal das 10”, da Globo News, em homenagem ao âncora que o
conduzia, o jornalista André Trigueiro. O Jornal apresentado reportava-se ao
Consumismo. Uma brincadeira séria e responsável.
Nossos laços afetivos se ampliam “tornam as pessoas e as situações portadoras
de valor”[...] Sentimos responsabilidade pelo laço que cresceu entre nós e os outros.”
(BOFF, 1999). Este laço estabelecido entre nós e o mundo acadêmico, é um
investimento para aflorar e/ou fortalecer em nossos alunos da escola pública o desejo, o
interesse, a percepção da importância de continuidade de seus estudos e que a
Universidade é um caminho.
“o importante que vocês saibam que a Universidade está aberta,
esperando pela presença de vocês, esperando que vocês concluam os
estudos que vocês estão fazendo agora e que um dia vocês possam vir
a ser alunos dessa casa”. (Professor Franklin Trein ao nos receber em
2002)
Nós duas fazíamos o “catálogo”, o convite, o cartaz em folha A4. Produção
artesanal, simples, reproduzidos em xerox, pois assumíamos todas as despesas.
Abríamos um “concurso” para a imagem da capa. Os alunos desenhavam e
democraticamente a escolhiam. O segundo lugar era a contra capa. A partir da V
Amostra a UFRJ nos presenteia: o cartaz em folha de A3, o catálogo aumenta de
tamanho e número de folhas, o convite, tem nova versão, maior, material mais
elaborado e em quantidade suficiente para atender ao evento. Apoio da Secretaria
Municipal de Educação não recebíamos.
8. 8
Nossos alunos eram transportados para o Evento de ônibus ou metrô, sob a
nossa responsabilidade, com a permissão dos responsáveis. Agora a UFRJ colocava seu
ônibus à nossa disposição. Às doze horas chegava à escola para pegar os alunos e por
volta das dezessete horas os trazia de volta à escola. As Amostras nunca foram
problema para a dinâmica da escola. As aulas nunca foram interrompidas. Todos os
professores eram avisados com antecedência das datas. Fazíamos um esquema de
organização e rodízio dentro da programação para não atrapalhar as outras disciplinas.
Assim tínhamos a presença de alunos na amostra e na condução dela, e na escola. Os
colegas se organizavam para vir às amostras, traziam seus alunos que participavam das
oficinas. Pais e responsáveis também compareciam.
E nesse mundo de parceria fraterna, amiga, a VI Amostra Histórico-
Geográfica não poderia ter outro título que não fosse “Mundo Fraterno”. Voltamos ao
IFCS e a dedicamos aos amigos fraternos que nos ajudavam nessa caminhada.
Cada vez mais se faz presente o desafio de vivenciarmos um processo educativo
onde, para além de tecer e enredar conteúdos, atitudes éticas e valores humanos são
fundamentais à convivência pacífica, como fraternidade e solidariedade. Valores que
alicerçam uma postura de justiça e Paz.
Esta Amostra nos levou a receber um presente: se havíamos pulado o muro da
escola para a cidade, para o mundo acadêmico, agora nosso mundo se amplia mais
ainda. Somos convidados pelo SAPÉ3, em parceria com a SECAD4, a qual “acredita
que sem a educação não há possibilidade de paz, diálogo e entendimento, internamente,
no Brasil, ou no plano internacional” (ALMANAQUE DO ALUÁ – 2006), a deixar
registrado no Almanaque do Aluá nº 2, dedicado ao tema “Construção da Paz na
Diversidade” um texto sobre as Amostras. E lá estamos nós, na página 87. Foi
publicado em janeiro de 2006, em distribuição gratuita e controlada por todo o Brasil,
com uma tiragem de 330.000 exemplares. Demos um pulo muito maior. Da nossa sala
de aula, para todo o Brasil. Nosso salto toma uma dimensão nacional.
E chegamos a 2006. Um ano muito difícil em termos de calendário escolar.
Como preparar uma Amostra com tantos feriados prolongados por pontos facultativos
coincidentes com os nossos dias de trabalho? Ano de Copa do Mundo, de eleições,
problemas na parte física da escola, fatos que provocaram a suspensão de aulas,
freqüência oscilante quebrando a continuidade que o processo educativo requer. Mas o
combustível do acolhimento da UFRJ nos incentivava, nos dava ânimo, esperança que
9. 9
nos movia a contribuir, com o nosso trabalho, para que nessa longa viagem pela vida
afora, nossos alunos tracem uma rota de sucesso.
A VII Amostra Histórico-Geográfica nos diz: “E nada deterá nosso vôo...”
O IFCS agora sob nova gestão tem em sua direção a Professora Jessie Jane
Vieira de Sousa. Continuamos recebendo todo apoio do IFCS e da Pró-Reitoria de
Extensão com a Pró-Reitora Professora Laura Tavares Ribeiro Soares.
Na mesa redonda, a professora Jessie Janes e três alunos(as) debatem o tema da
Amostra..
E entendíamos que nada deteria nosso vôo.
Terminamos a VII Amostra com a Professora Jessie Jane nos dizendo da
continuidade do apoio e como ampliá-lo na VIII Amostra. Mas a política educacional
do Município do Rio de Janeiro não nos permitiu ter condições para realizá-la.
Detiveram a continuidade da nossa viagem.
Em 2007, a Secretaria Municipal de Educação impõe-nos a Promoção
Automática. A discussão não se fez e as escolas reagiram. Foi um ano em que as
interrupções, as paralisações, o clima de contestação, de reação das escolas impediu a
continuidade da dinâmica do nosso trabalho.
E nossos alunos, pais e responsáveis participavam conosco das manifestações de
discordância e não aceitação da Promoção Automática, pois não víamos nenhum projeto
de ação educativa que subsidiasse a sua implementação e desse suporte às
consequências dela. A comunidade escolar não foi incluída pela Secretaria nesta
discussão. Resistimos, mas na véspera do último Conselho de Classe um decreto do
Prefeito a impõe. A falta de respeito conosco, professores, foi absurda, antiética. Como
imaginar que conceitos dados pelo professor, única autoridade com competência para
tal, possam ser trocados, inventados por “autoridades” do nível intermediário para
garantir a promoção automática.
Mas ficou para nós a constatação dos resultados do nosso trabalho. Nossos
alunos participam, discutem, questionam, contestam, polemizam, opinam, transferem
conhecimentos, comportando-se com autonomia, exercendo cidadania.
Mudança de governo, em 2009. Outra política educacional se apresenta. A
promoção automática é suspensa. Em seu lugar parâmetros de avaliação, novos critérios
e a aprovação/ reprovação vai recebendo mudanças. Não ficando claro nem para nós,
nem para os alunos, o que será definitivo. A cada momento uma Resolução traz
retificações aos rumos, na proposta “definida”. E a escola se vê repartida em muitos
10. 10
projetos, os quais não foram discutidos com os professores, formulados pela Secretaria
com a intenção de corrigir necessidades educacionais. Melhorar os índices de qualidade
da educação pública. E nestes projetos alunos são enturmados.
Os descritores para Português, Matemática e a seguir Ciências definem os
objetivos, o conteúdo de cada bimestre. E vão chegando os cadernos pedagógicos
bimestrais. A partir deles a Secretaria cobra o conteúdo das provas bimestrais
elaboradas por ela, para as disciplinas citadas acima, para todas as escolas. O aluno
reproduz e não produz! Provas bimestrais únicas para toda a Rede de mais de mil
escolas. Remetamo-nos às palavras de Gadotti (2002) “... o projeto pedagógico da
escola está hoje inserido num cenário marcado pela diversidade. Cada escola é resultado
de um processo de desenvolvimento de suas próprias contradições”.
Política educacional voltada para dar conta de aumentar os índices do IDEB-
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - e do IDE-Rio – Índice de
Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro.
É de competência da escola, contando com as atenções necessárias de
responsabilidade dos governantes, desenvolver um trabalho de qualidade, ensinar,
compromisso de todos. Mas sua autonomia precisa ser respeitada. A vida da escola não
pode somente estar pautada para aumentar índices, dados numéricos, indicadores
externos. Não negamos a sua importância, a sua necessidade. Mas com que Projeto,
com que práticas educacionais, a escola se prepara para dar conta da boa formação do
aluno? A escola é um todo. O engessamento a que ela está submetida interfere na sua
dinâmica, no seu caminhar. Quais as habilidades, quais as competências que o aluno
precisa ter? A escola está treinando aluno, ao invés de investir no desenvolvimento da
sua criatividade, da sua iniciativa, do seu pensamento crítico, da sua autonomia. O seu
foco são as provas únicas. Essa rotina a desconfigura. A falta de liberdade para dar
conta de projetos elaborados pela escola, que conhece seus alunos, tem retirado deles o
exercício criativo, livre, autêntico.
A realidade que a escola vem enfrentando contribuiu para a suspensão das
Amostras e percebemos como essa interrupção interferiu na nossa proposta de trabalho,
pois a nossa prática pedagógica é o avesso do que a escola apresenta hoje, que vem
refletindo no fazer do aluno, na sua postura, no seu interesse, na sua curiosidade.
Durante o nosso relato falamos em resultados. Muitos de nossos alunos,
partícipes das amostras, estão buscando entrar na Universidade, já cursam uma
11. 11
Faculdade, outros já se formaram e alguns estão cursando uma Pós-Graduação. Como
não nos sentirmos orgulhosas?
“É engraçado como o tempo passa tão rápido. Estamos vivendo,
caminhando e quando vamos parar para pensar... Ele já se foi! [...] não volta!
A única forma de guardar momentos é em filmes, fotos... e, principalmente,
por lembranças. Talvez até consiga escondê-las da gente, mas tentaremos
guardá-las.”
Leonardo Souza, T. 802/2004
Regularmente nossos alunos(as) nos visitam e perguntam: “Esse ano vai ter
amostra?” Grande parte dos trabalhos produzidos estão guardados conosco, por opção dos
alunos(as), que entendiam que assim seriam preservados. As Amostras estão registradas em
filmes e fotos.
Saudades são muitas. Relatamos aqui um pouco do todo. Para nós fica a
interrogação: As Amostras serão retomadas ou definitivamente chegamos ao fim?
E a Martin Luther King, dizemos: “Tivemos um sonho concretizado, mas ainda
temos muitos outros a concretizar, pois acreditamos numa escola pública de qualidade,
autônoma e temos “Orgulho de Sermos Professoras”.
Referências Bibliográficas
ALMANAQUE DO ALUÁ. Nº 2. SAPÉ; MEC/SECAD. Recife: Gráfica Liceu, 2006.
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1999.
FONSECA, Claudia Landim, RIBEIRO, Rosângela Cardoso, SILVA, Lilia Márcia de Almeida
& TIOZZO, Cristiane. O Ensino da Geografia. In Multieducação. Temas em Debate –
Ensino Fundamental - Geografia. Rio de Janeiro. Prefeitura do Rio de Janeiro. 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, São Paulo: Paz e Terra, 2ª ed. 1997.
GADOTTI, Moacir. Projeto Político Pedagógico da Escola - Fundamentos para sua realização.
In: Moacir Gadotti e José E. Romão (orgs.). Autonomia da Escola: princípios e propostas.
São Paulo: Cortez, 5ª ed; Instituto Paulo Freire, 2002 – (Guia da Escola Cidadã; v.1).
MENANDRO, Heloisa Fesch. Variações Sobre Um Velho Tema: o ensino de História. In:
Nicholas Davies (org.) Para Além dos Conteúdos no Ensino de História... et al. - Niterói,
EdUFF, 2000.
MONTEIRO, Ana Maria. Ensino de História: das dificuldades e possibilidades de um fazer. In:
Nicholas Davies (org.) Para Além dos Conteúdos no Ensino de História... et al - Niterói,
EdUFF, 2000.
12. 1
Série(s) – referindo-se como a educação básica se organizava.
2
NEPI- Núcleo de Estudo e Pesquisa da Infância e Juventude
PPGSA - Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
IFCS - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
3
SAPÉ – Serviço de Apoio à Pesquisa em Educação
4
SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC (Ministério da
Educação e Cultura)